janeiro 27, 2006

Burocracias – Pacote Importante ... mas

Sócrates anunciou esta manhã na AR dez medidas de simplificação burocrática e administrativa, que serão em breve aprovadas em Conselho de Ministros. São medidas importantes no combate à burocracia e lê-las levanta a interrogação sobre como foi possível sucessivos governos não terem feito nada, até agora, sobre essa matéria. Todavia, se há medidas que produzem efeitos plenos, há outras que terão um efeito muito menos relevante do que parece à primeira vista.

As medidas que produzem efeitos plenos, segundo o que uma leitura rápida me permitiu ajuizar, são a (4) que acaba com a obrigatoriedade dos livros selados e com a óbvia necessidade dos seus registos nas Finanças, Conservatórias, etc. Apenas se mantém o livro de Actas, mas sem a obrigatoriedade de registo prévio, termos de abertura e fecho, etc.; (5) o deixar de ser feito obrigatoriamente nos notários o reconhecimento presencial de assinaturas, quando tal for necessário; (6) reduzir a um único acto as informações que as empresas prestam sobre as suas contas – o modelo 22 para as Finanças; a prestação de contas nas Conservatórias de Registo Comercial, as informação estatística para o INE e o Banco de Portugal, etc.; (7) reduzir a um único acto a montanha de informações que as empresas têm que prestar, em diferentes momentos, ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social sobre tudo o que se refere a pessoal, remunerações, balanços sociais, etc., etc.; (8) acabar com a obrigatoriedade da apresentação de documentos passados pelas Finanças e a Segurança Social sobre se se tem a Situação Contributiva Regularizada, o que facilita imenso a instrução dos processos de concursos públicos, pois que são documentos que demoram a obter e têm um prazo de validade reduzido; (9) o registo quase imediato dos títulos de propriedade sobre firmas e marcas; e a (10) eliminação das obrigações de registo e actualização para efeitos de Cadastro Industrial.

São medidas que parecem de tal forma evidentes que a pergunta que se põe é porque é que ainda não haviam sido implementadas. Aliás, foi a necessidade de fiscalização dos actos dos cidadãos e das empresas que levou sucessivos governos a introduzirem parte da burocracia cujo fim é agora anunciado.

Há outras medidas que têm efeito mais limitado. Eliminar, ou tornar facultativas todas as escrituras públicas relativas à vida das empresas (que não envolvam bens imóveis), e haver apenas o acto praticado na Conservatória de Registo Comercial elimina alguns passos. O problema é que as Conservatórias de Registo Comercial são o exemplo mais acabado do Parque Jurássico da administração pública portuguesa. É nelas que reside o principal estrangulamento. Actualmente fazem-se escrituras numa semana. Registar o acto na Conservatória (e obter a certidão respectiva) pode demorar, no mínimo, 3 ou 4 meses

Actualmente, no processo de fusão e cisão de sociedades são necessários inúmeros actos – publicações no DR e jornais locais, escrituras e alguns actos de registo nas Conservatórias. Tal vai ser substituído por publicitação por via electrónica e um único registo na Conservatória. A questão é saber quantos meses a conservadora demorará a certificar e registar o acto. O mesmo se dá com a dissolução e a liquidação de uma sociedade. Nas palavras do PM parece simples. Basta um acto na conservatória e a publicitação num site da net. A questão é saber as dificuldades que a Conservatória irá pôr à aceitação desse acto.

Termino contando uma história que exemplifica o comportamento das Conservatórias de Registo Comercial. Há anos foi tornada obrigatória, mesmo para as empresas mixurucas, o depósito da prestação de contas e respectivos anexos nas Conservatórias de Registo Comercial. Entre esses documentos consta a acta da AG onde foram aprovadas as contas. O empresário de uma dessas empresas mixurucas começou a entregar anualmente esses documentos. A acta referia, no que respeita aos sócios, que estavam presentes todos os sócios correspondentes à totalidade do capital social, e era assinada por todos no fim. Durante 3 anos foi assim. Há dois ou três anos, todavia, quando ele apresentou os documentos, foi exigido por quem o atendeu que constasse na acta os nomes, moradas, NIFs, nº dos BI’s, etc., de todos os sócios. Ora essas informações existem na Conservatória de Registo Comercial. O nosso empresário ficou admirado e perguntou porque é que exigiam isso agora e nos outros anos não. Aliás ele levava o livro de Actas que provava que aquela acta era redigida nos mesmos termos que as anteriores, que haviam sido aceites.

Então a funcionária explicou que como passara a haver muito menos prestações de contas, agora a senhora conservadora lia os documentos com mais atenção e tornara-se mais exigente. O nosso empresário ficou perplexo com esse facto. Então a funcionária explicou que as coimas só existiam para quem não fizesse a prestação no mês em que era obrigatória (julgo que Junho) e a apresentasse atrasada. Para os que, pura e simplesmente, não a faziam, não havia coimas.

Foi o que o nosso empresário quis ouvir. Nunca mais fez o depósito da prestação de contas!

Portanto, estas medidas, se bem que muito importantes, necessitam paralelamente de uma completa reforma do funcionamento das Conservatórias de Registo Comercial, porque senão algumas delas terão pouco efeito prático.

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janeiro 25, 2006

Os Beduínos e os Camelos

Os beduínos têm uma característica interessante. Vagueiam pelo deserto na companhia de cáfilas de camelos remoendo cardos, de beiços descaídos e baba pendente, bamboleando as suas corcovas ao ritmo das suas melopeias. Quando arribam a algum oásis prometedor, esticam as suas tendas sobre estacas de madeira, num acampamento fácil de montar e desmontar. Lá dentro estendem um tapete grosso no chão, onde ficam as selas de camelo, as cordas e as gamelas com água. E depois, recolhidos nas tendas, à luz bruxuleante de lamparinas, fazem os seus negócios com os íncolas, que os haviam acolhido com promessas de fartas transacções. Quando vêem que a colheita das tâmaras não é suficiente, que as cabras estão a ficar escanzeladas, sem dar leite nem carne, e que os poços estão em vias de secar, arrancam as estacas, dobram as tendas, enfileiram os camelos e voltam a internar-se no deserto em busca de outro oásis.

O Governo tem vindo a tentar empolgar a opinião pública com anúncios repetidos de novos investimentos estrangeiros. O frenesim comunicativo do Governo não encontra paralelo no carácter estruturante desses investimentos. A parte que se refere a investimento industrial é muito reduzida. São mais as vozes que as nozes. O Governo tem conseguido esses investimentos mercê dos incentivos, principalmente fiscais, que oferece ao investimento directo estrangeiro. Todavia, não faz o restante trabalho de casa: liquidar a burocracia paralisante da administração pública, pôr a justiça a funcionar e criar um sistema fiscal que não exija uma dualidade de critérios: ónus pesados para os íncolas, facilidades para os beduínos recém chegados.

Ao não fazer esse trabalho de casa o Governo verá (este ou um qualquer no futuro), quando a colheita das tâmaras escassear, as cabras ficarem escanzeladas, sem leite nem carne, e os poços estiverem em vias de secar, que os beduínos arrancarão as estacas, dobrarão as tendas, porão a cáfila em ordem de marcha e voltarão a internar-se no deserto em busca de outro oásis mais prometedor, entoando versículos corânicos.

Das multinacionais dos têxteis e do calçado que se instalaram entre nós no último quarto de século, quantas ainda não desmontaram a tenda? Quantas novenas Sócrates, Pinho e mais ministros não dirigiram à padroeira do país suplicando que a questão da Autoeuropa se resolvesse sem a debandada dos beduínos? Quanto sufoco vive o país sempre que se levanta a hipótese de mais uma deslocalização de alguma empresa relevante para a nossa economia?

Portugal precisa de investimento directo estrangeiro, mas também precisa de o manter cá. E para o manter cá precisa de criar uma ambiente económico favorável ao funcionamento das empresas, portuguesas ou estrangeiras.

Se não o fizer, acontece-lhe o mesmo que aos oásis perdidos na imensidão do deserto – assiste à debandada dos beduínos. Com uma pequena diferença: com tantas idas e vindas de beduínos, os camelos acabaram por ficar cá – somos nós!

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janeiro 23, 2006

Dúvida Angustiante que se Desvanece

Reinava grande inquietação nos meios económicos, financeiros e políticos. Será que Teixeira dos Santos iria convidar Vítor Constâncio para mais um mandato como governador do Banco de Portugal? E admitindo que isso pudesse, porventura, acontecer, será que Vítor Constâncio aceitaria continuar no cargo? Essas dúvidas angustiantes tiravam o sono a economistas e financeiros, perturbavam a classe política e fizeram disparar o mercado de ansiolíticos em Portugal. Hoje veio a acalmia, o serenar dos ânimos, a queda na venda de ansiolíticos: Teixeira dos Santos e Sócrates, num gesto de elevado sentido de Estado, haviam convidado Constâncio para continuar naquele cargo e Constâncio, num gesto patriótico e abnegado, havia aceite.

Foi o próprio ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que revelou hoje, com uma incontida emoção: «Apraz-me poder contar com Vítor Constâncio para mais um mandato», acrescentando, com a isenção que se lhe reconhece, que Constâncio tem «competência demonstrada para o lugar».

O exercício da democracia e da cidadania é bonito. Faz bem saber que se convidam pessoas para cargos que exigem rigorosa neutralidade, apenas pela sua competência, olhando despiciente para derrisórias ligações partidárias. E é bom saber que há gente que ama o seu país e se entrega abnegada e devotadamente à coisa pública, sem curar de saber se a coisa pública tem potência para satisfazer as suas necessidades mensais e lhe dar um arrimo para a velhice.

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janeiro 04, 2006

É Bom ter um Governador do BP

Mas não chega

Vitor Constâncio, na apresentação do Boletim Económico de Inverno do BP, afirmou que «a correcção dos erros do Orçamento inicial de 2005 e o realismo do Orçamento aprovado para este ano fornecem uma indicação positiva sobre a possibilidade de se cumprir aquele objectivo». Em teoria deveria ser assim: O OE 2005 foi feito por um governo demissionário, prestes a ser julgado (ele e o respectivo OE) nas eleições e que não teve possibilidade de executá-lo. O OE 2006 foi feito por um governo maioritário, que não seria julgado eleitoralmente por esse OE e que sabia que o teria que executar. Na prática sucede que o OE 2006 inicial (pois, por este caminho, haverá vários rectificativos) também está cheio de erros. E alguns foram finalmente detectados pelo BP ao rever em baixa diversos indicadores.

Desde a aprovação do OE 2006 que diversas fontes (este blog, por exemplo) têm afirmado que o crescimento previsto era irrealista. Logo em 19-10-2005 escrevi aqui que «A previsão de 1,1% de aumento do PIB em 2006, que condiciona todos os restantes rácios relativos à Despesa Pública e às Receitas do Estado, baseia-se por sua vez nas previsões sobre a variação das exportações (+ 5,7%)» … e que «Estas previsões são muito frágeis e podem comprometer o valor final da Despesa Pública e do défice em termos de percentagem do PIB». Depois disso voltei aqui a referir, por diversas vezes, o carácter irrealista daquelas previsões (clicar na coluna da direita em Economia Portuguesa), nomeadamente em 11-12-2005: «A previsão do PIB para 2006 baseava-se numa previsão demasiado optimista do comportamento das exportações. A variação que se constatou nos últimos 4 ou 5 meses, no que respeita às exportações, mostrou que aquela previsão deixara de ser optimista e passara a ser inverosímil». No presente relatório o Banco de Portugal reviu em baixa o crescimento do PIB português, prevendo um aumento de 0,8%, e das exportações, para as quais prevê um crescimento de 4%. Esta revisão em baixa do aumento do PIB trará necessariamente uma revisão da taxa de desemprego … mas em alta. Mas isso não é matéria do BP.

Pessimismo? Não … porque a seguir o Governador do BP adverte que as previsões constantes do relatório que estava a divulgar, poderiam piorar se os investimentos que a Autoeuropa teria anunciado, não se concretizassem: «É isso que está implícito nas nossas previsões. Se isso não se verificar as previsões serão afectadas negativamente». Ou seja, o Banco de Portugal não corrigiu os erros, apenas os actualizou em face do desempenho da nossa economia nos últimos quatro meses do ano. A previsão do aumento das exportações em 5,7% era completamente insustentável, e foi revista para 4%, mas sempre contando com o ovo na cloaca da galinha. Compreende-se o pânico do ministro Manuel Pinho quando soube da recusa dos trabalhadores da Autoeuropa em aceitarem o pré-acordo laboral. Já não se trata apenas de investimentos … poderemos vir a falar de desinvestimentos ...

Fazendo um trocadilho com o que escrevi em 11-12-2005, «aquela previsão deixou de ser inverosímil e passou a ser optimista».

Mas Vítor Constâncio exige ainda outra condição, pois «a possibilidade de a economia retomar um caminho de crescimento económico significativo depende essencialmente da capacidade das empresas reagirem apropriadamente aos desafios da concorrência no quadro liberalizado em que nos movemos». Não interessa a burocracia anquilosada e paralisante, a justiça cuja ineficácia premeia os infractores, o sistema fiscal ininteligível, arbitrário e que muda as regras a meio dos campeonatos, o sistema laboral rígido, etc. Não interessa que o «quadro liberalizado em que nos movemos» apenas exista lá fora, porque cá dentro, movemo-nos no quadro rígido criado por uma cultura estatizante de longa data. Nada disso interessa a Vítor Constâncio, pois é matéria da esfera governativa e ele, provavelmente, não espera que o Governo reaja «apropriadamente aos desafios da concorrência no quadro liberalizado em que nos movemos». Os outros que o façam, se querem que o país não se afunde.

Assim sendo, os empresários que se amanhem, pois o país, com Vítor Constâncio à frente, já lhes sinalizou a “Ordem do dia”: Portugal espera que cada empresário cumpra o seu dever.

Se perdermos a batalha, já temos a quem imputar responsabilidades.

Esperemos pelo Boletim da Primavera do BP, que nos pode trazer uma invernia ainda mais tormentosa. Se é bom o Governo ter um ministro da sua cor política, para lhe branquear as desgraças, tal não é bastante, pois não é por ficarem mais brancas que as desgraças deixam de acontecer.


Nota: As palavras de Vítor Constâncio foram respigadas do Jornal de Negócios

Publicado por Joana às 11:56 PM | Comentários (123) | TrackBack

janeiro 02, 2006

Boas e Más Perspectivas

O sector privado enfrenta 2006 com perspectivas diferenciadas, consoante o caso. Há sectores que prevêem melhorias, outros prevêem um ano bem pior que o de 2005. Numa leitura apressada pensar-se-ia que tudo se saldasse num equilíbrio, nomeadamente no que toca ao emprego. Infelizmente os sectores que esperam melhorias, como a banca e os seguros, contam que tal aconteça por um ligeiro aumento do volume de negócios e pela continuação da diminuição dos custos, leia-se: diminuição dos efectivos. Quanto aos sectores que esperam um ano bem pior, têxtil, calçado e construção civil, são os principais sectores empregadores e o aprofundamento da sua crise levará a mais falências, deslocalizações e aumento do desemprego. Resumindo: se exceptuarmos as empresas na área tecnológica, ainda com reduzido impacto no emprego, quer os sectores optimistas, quer os sectores pessimistas prevêem diminuir os seus efectivos.

É fácil darmo-nos conta do desemprego nos sectores do têxtil, calçado – basta ligarmos a televisão e vermos os trabalhadores à porta das fábricas, firmes e obstinados em não permitirem a retirada de equipamentos obsoletos com os quais trabalharam durante tantos anos. Todavia o desemprego na construção civil processa-se silenciosamente. As grandes empresas de construção civil têm um núcleo duro – fundações, estruturas, project management – e o resto é dado em subempreitada a pequenas e médias empresas, muitas das quais arregimentam os efectivos a título precário. Quando a obra acaba aqueles efectivos ficam desocupados. Se não houver nada no horizonte, ficam no desemprego, muitos deles sem possibilidade de recorrerem ao subsídio por diversas razões ligadas à precariedade do seu estatuto ou por estarem em situação ilegal.

As previsões do Governo para 2006 têm sido revistas em baixa mas, apesar de nos porem na cauda da Europa quanto ao crescimento, são ainda optimistas. O Governo baseou essas previsões na expectativa que as nossas exportações cresçam 5,7%. Ora esta perspectiva tem pouco fundamento, dada a evolução actual das nossas exportações. O reduzido dinamismo que se nota na UE, nosso principal cliente, não terá reflexos no aumento das nossas exportações. Os nossos sectores exportadores tradicionais sofrem, dentro da UE, a concorrência dos países asiáticos. A agravar esta situação está o actual braço de ferro entre os trabalhadores da Auto Europa e a respectiva administração. Se não houver acordo, bem pode o Governo mandar às urtigas as previsões para 2006 e preparar-se para uma recessão fortíssima. Mas mesmo que haja acordo, é pouco provável que aquelas expectativas se concretizem.

Não são de prever investimentos estrangeiros significativos em Portugal em sectores exportadores. Portugal não tem actualmente qualquer atractividade para um investidor estrangeiro: uma burocracia paralisante, uma justiça ineficaz, um ónus fiscal pesado, confuso e arbitrário, uma legislação laboral restritiva, baixa qualificação da mão-de-obra. Dentro da UE há países muito mais atractivos que o nosso, para onde se estão a dirigir os investimentos e que crescem com taxas elevadas. Mas entre nós subsistem muitos suicidas que são adeptos entusiastas do nosso modelo de empobrecimento sustentável e são eles quem “mais ordenam” na comunicação social e nas esferas políticas e sindicais.

Os sectores abrigados do exterior também vão ser pouco a pouco afectados. O mau desempenho económico dos sectores abertos vai reflectir-se, por via da diminuição do rendimento das famílias, no funcionamento dos sectores protegidos do exterior. E por uma sinergia negativa, será depois o próprio Estado que terá dificuldade em sustentar-se pela incapacidade em manter o nível de receitas.

Até agora o Governo só tem tomado medidas que, mesmo quando são correctas do ponto de vista da justiça social, são insuficientes e não passam de paliativos no que respeita à despesa. O próprio projecto de reestruturação de carreiras, que pretende travar o automatismo das progressões, apenas poderá poupar uns 100 milhões de euros anuais nas despesas com pessoal (1/7 da renda anual das SCUTs!). A convergência da idade da reforma, medida justa do ponto de vista da equidade social, também terá, no médio prazo, um efeito ainda mais pequeno na despesa pública.

O Governo tem a seu crédito o ter mostrado que era possível enfrentar os interesses corporativos que têm paralisado o país e angariar o apoio da opinião pública para esse objectivo. Mas isto é apenas um tabu que se quebra. Em si quebrar um tabu é somente um sinal que se dá. Só será relevante se for para avançar na direcção que a veneração por esse tabu proibia. E o que é imperioso é o Governo atacar em força o despesismo e pôr o sector público a funcionar com eficiência.Sem isso não há retoma possível. Só tolos se podem iludir sobre tal.

É evidente que o país tem capacidade de regeneração. Os países não morrem de morte natural. Quanto mais a situação se agravar, menos suicidas, adeptos entusiastas do nosso modelo de empobrecimento sustentável, haverá. E menos gente será iludida por eles. A questão é saber em que ponto descendente do nosso declínio, os suicidas serão tomados por aquilo que efectivamente são: suicidas maníacos.

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dezembro 27, 2005

Superficialidades

As parangonas dos meios de comunicação registam que apenas um em cada quatro patrões portugueses era licenciado ou tinha completado o ensino secundário, o que representa metade da percentagem registada em Espanha. Todavia, em letras mais miúdas, lê-se que Espanha tinha também o dobro de empregados licenciados ou com o ensino secundário completo, em comparação com Portugal, que tinha 27%. Na UE a média é de 71%, no caso dos patrões, e de 72%, no caso dos empregados. Ou seja, as proporções são idênticas. O nosso problema não é apenas a baixa qualificação do patronato – é a baixa qualificação da população em geral. A baixa qualificação do patronato reflecte apenas e exactamente a baixa qualificação geral do país.

Uma outra ideia errada que se pode retirar das notícias é a da ligação da capacidade empresarial com as habilitações académicas. Tal não é verdade. A capacidade empresarial terá a ver com o nível de qualificação de um país, mas num dado país, com um certo nível de qualificação, o ser licenciado não assegura, à partida, uma maior capacidade empresarial. Capacidade empresarial tem a ver com a capacidade de tomar decisões em situações de risco, com a capacidade de liderança, com a capacidade e a imaginação na leitura dos mercados e em pesquisar e avaliar correctamente as oportunidades. Imaginação, decisão, risco e liderança são algumas das palavras-chave. Isto não se aprende em cursos, nasce com a pessoa e floresce com a educação e o ambiente onde se molda.

É evidente que, desde que aquelas qualidades existam, quanto mais qualificado for o empresário, quer do ponto de vista profissional, quer do ponto de vista académico, maior será a sua qualidade empresarial, ou melhor, mais a sua capacidade empresarial se exercerá em áreas de tecnologia mais avançada. O que está em causa com a qualificação dos empresários é a sua capacidade em se abalançarem a sectores de actividade de maior valor acrescentado.

Mas para tal não se torna apenas necessário que os empresários sejam mais qualificados, mas também que a restante população activa o seja. Não é apenas necessário que o empresário tenha o sentido do risco e a capacidade de decisão para o enfrentar, é também necessário que a cultura do risco seja estendida a toda a sociedade e que se elimine a cultura da aversão ao risco, que hoje nos estiola.

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dezembro 22, 2005

Divergências Sustentáveis

Portugal está a divergir dos seus parceiros da UE. Essa divergência acontece desde há alguns anos e as previsões indicam que irá continuar. As estatísticas mostram isso. As estatísticas mostram também quais os países que convergiram ou que divergiram por “cima”, e os ensaios económicos mostram os factos que estão na base dessa convergência ou divergência por enriquecimento. Todavia, no nosso país prevalece a retórica vazia e a recusa em ver os factos. E a retórica é: «A culpa é das políticas macroeconómicas viradas quase exclusivamente para a redução do défice negligenciando-se objectivos como o crescimento económico, o emprego e a justiça social». E é com esta retórica que se anestesia o país e o empurram para o abismo.

A retórica anestesiante põe os problemas às avessas. Porque, para haver emprego tem que haver crescimento económico; para haver crescimento económico, tem que haver investimento privado e para haver investimento privado tem que haver condições que o incentivem. Isso não existe em Portugal, com uma administração pública burocrática e obsoleta, uma justiça morosa e ineficaz e com uma carga fiscal arbitrária e pesada. Estes diagnósticos estão feitos, mas a maioria não quer acreditar neles. A maioria – líderes sindicais, líderes políticos e mesmo a comunicação social bem pensante – prefere iludir-nos (ou mesmo iludir-se) com a mentira e tentar ignorar os factos ou arranjar razões para alegar que aqueles factos não são explicativos.

Em termos reais, a nossa divergência começou em 2000, como se pode ver pelo gráfico abaixo. Todavia, a política de rendimentos expansionista do governo Guterres, que os fez aumentar acima da produtividade, produziu um aumento do rendimento nacional imediato que não era sustentável a prazo. Quando não havia moeda única o reajustamento era rápido, pois induzia um aumento da inflação pelos custos e uma desvalorização cambial a seguir. Com a moeda única, o ajustamento não pode ser feito através da desvalorização cambial. Nem sequer através da inflação, embora o primeiro efeito seja o aumentar da inflação. Simplesmente este efeito está limitado pela necessidade de manter a competitividade das empresas no mercado único europeu. Portanto o efeito será a recessão e o desemprego. Mas este efeito demora 2 ou 3 anos a ocorrer. Portanto, embora a nossa divergência começasse em 2000, ela já existia, de forma não contabilizada no PIB, desde 1997 ou 1998, mas só se tornou visível a partir daquele ano. Determinados investimentos públicos, como o caso das SCUT’s, que, sem dispêndio de meios financeiros, geraram imediatamente receitas fiscais volumosas e aumento pontual do rendimento disponível (embora criando obrigações futuras) também tiveram efeito de camuflar então essa divergência.

O quadro seguinte (via O Público) não necessita explicações. Mas deve ser recordado que será normal que os países mais ricos convirjam para a média, diminuindo o seu peso na economia europeia e os mais pobres convirjam aumentando o seu peso nessa economia. O que não é normal é Portugal estar do lado dos países ricos que convergem, mas a divergir e ser pobre. Quanto aos países com melhor desempenho, e exceptuando o Luxemburgo que é um caso marginal, pois tem um peso enorme de instituições financeiras para a sua reduzida dimensão demográfica, o caso Irlandês já foi citado aqui diversas vezes, mas a maioria finge acreditar que nunca existiu; o caso dos países de Leste é detestado por muitos como injusto mas, quando esses países enriquecerem e começarem a ter transferências sociais superiores às nossas, possibilitadas por esse enriquecimento, os nossos retóricos começarão a ignorá-lo. Foi o que sucedeu com a Irlanda, que só foi falada enquanto partilhava a cauda da Europa com Portugal, Grécia e Espanha.

Nós estamos num processo de divergência sustentada pela nossa estrutura social e económica. E sustentada por uma retórica demagógica e perversa.

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Publicado por Joana às 11:49 PM | Comentários (47) | TrackBack

dezembro 20, 2005

A Autoeuropa e as nossas Fragilidades

Os trabalhadores da Autoeuropa, no referendo realizado ontem sobre o pré-acordo que havia sido negociado, responderam pela sua rejeição, por 55,87% contra 42,49% de votos. Os trabalhadores da Autoeuropa saberão, melhor que eu, o que é melhor para eles (ou mesmo que o não saibam, têm mais dados para o saber que eu). Todavia a situação é preocupante e poderá vir a ser dramática se não for possível chegar a um acordo. Julgo que o principal óbice, nesta altura, é o montante do suplemento para pagamento das horas extraordinárias.

A questão do suplemento para pagamento das horas extraordinárias pode parecer coisa menor, mas não é. Em indústrias que trabalham por encomendas, o diagrama de cargas não é constante (ou linear). Flutua, havendo períodos em que se trabalha abaixo da capacidade nominal e outros em que se torna necessário um esforço suplementar, porque o volume de encomendas, e o prazo para a sua satisfação, excedem a capacidade produtiva. Neste caso há necessidade do recurso a horas extraordinárias, que poderão ocorrer durante um período, mais ou menos extenso, necessário para a satisfação da encomenda. Compreende-se portanto que este ponto se tenha tornado crucial. A administração da Autoeuropa não quer que os veículos que produz sejam onerados por um custo laboral imprevisível e elevado, pois a sua capacidade de gestão das encomendas não lhe deve permitir um poder significativo sobre os prazos das encomendas que recebe, enquanto os trabalhadores querem um suplemento que sabem, pela experiência anterior, poder representar uma fatia significativa dos seus rendimentos.

O ministro da Economia, Manuel Pinho, declarou que «os trabalhadores estão a trocar horas extraordinárias por mais desemprego, menos exportações e menos produção». Provavelmente terá razão. Os trabalhadores, ou pelo menos a maioria deles, olha apenas para os seus próprios interesses imediatos que prevalecem sobre outros interesses mais longínquos: crescimento da empresa e dos seus efectivos e manutenção ou reforço da competitividade da indústria nacional induzida pela Autoeuropa, ou mesmo a manutenção, a médio ou longo prazo, dos seus postos de trabalho.

Porque a Autoeuropa, além de ser um factor imprescindível na nossa balança comercial, tem tido um efeito indutor no nosso tecido industrial, nas áreas que mais nos interessam: alta e média tecnologia. Há indicações que o efeito Autoeuropa tem sido um dos motores do aumento significativo da quota das exportações nacionais que incorporavam alta e média tecnologia.

É o problema dos países com um tecido produtivo de grande fragilidade. A sua economia está muito dependente de pequenas coisas – uma decisão empresarial, uma decisão de 2 mil trabalhadores, etc. – que num país com economia mais sólida seriam facilmente digeridas e, no nosso, podem assumir proporções catastróficas.

Publicado por Joana às 07:39 PM | Comentários (26) | TrackBack

dezembro 11, 2005

O Maelstrom Económico e Social

A nossa economia continua na sua corrida para o abismo. O que assusta é a banalização da catástrofe. Parece haver uma resignação geral do país perante a tragédia que atravessamos e para a qual não se vislumbra qualquer saída, para além dos paliativos que apenas atenuam alguns sintomas e eventualmente adiam um pouco o desfecho fatal. O Banco de Portugal continua a rever em baixa as previsões sobre os nossos principais indicadores macroeconómicos. A previsão actual para o crescimento do PIB já é de 0,2%, mas tudo ainda depende do comportamento deste último trimestre, face ao trimestre homólogo do ano anterior. O Governo, impávido, mantém as metas.

A queda do PIB foi apesar de tudo atenuada por um pequeno crescimento da procura externa líquida, pois as exportações caíram ligeiramente menos que as importações. As importações são muito sensíveis ao comportamento das famílias, a nível do consumo privado, e ao comportamento das empresas a nível do investimento, e ambos caíram. Senão a situação seria pior no que respeita ao PIB.

Embora acredite que haja gente nos círculos governamentais preocupada com a contínua degradação da nossa economia, nomeadamente no Ministério das Finanças, essa preocupação não é visível publicamente. As reformas a nível da Despesa Pública, correctas do ponto de vista da equidade social (igualização dos sistemas de reforma do sector público e do sector privado, por exemplo), só darão alguns frutos, e muito insuficientes, daqui a alguns anos. Em contrapartida a ferocidade em ir aos bolsos dos cidadãos é uma constante da actuação governativa. Um trabalhador independente que receba 500€ mensais, em regime de recibo verde, paga agora 30% daquele valor para a Segurança Social, o que é um escândalo. E se receber menos, paga uma percentagem maior, porque há uma quotização mínima.

O Governo finge esquecer, ou alguns nem sequer sabem, que quanto mais se penaliza o trabalho privado, mais a economia se estagna e menos dinheiro consegue angariar para sustentar o Moloch público, a menos que se inventem novas formas de sangrar os contribuintes. Mas este é um círculo vicioso, uma espiral descendente, que leva ao empobrecimento colectivo.

No meio deste panorama, o Governo continua a manter, imperturbável, as previsões para 2006. A previsão do PIB para 2006 baseava-se numa previsão demasiado optimista do comportamento das exportações. A variação que se constatou nos últimos 4 ou 5 meses, no que respeita às exportações, mostrou que aquela previsão deixara de ser optimista e passara a ser inverosímil. Assim sendo, a previsão do crescimento do PIB de 1,1% em 2006 parece pouco credível. Mas um crescimento do PIB abaixo dos 2,5% a 3% significa aumento da taxa de desemprego. Ora as previsões sobre o aumento da taxa do desemprego em 2006 mantêm-se, apesar das previsões sobre a taxa do desemprego em 2005 terem sido infirmadas. Portanto, as previsões sobre a taxa do desemprego em 2006 nem contêm o agravamento do desemprego em 2005, face ao previsto no OE rectificativo, nem o efeito da quase estagnação do PIB em 2006.

Vivemos num sistema de morte lenta. A cura exige uma cirurgia profunda e penosa, com um pós-operatório difícil. Mas quanto mais tempo passa, mais o estado do doente se agrava e mais profunda terá de ser a cirurgia e difícil e lento o pós-operatório.

Talvez quando o doente entrar em coma seja possível levá-lo para a sala de operações.

Publicado por Joana às 06:58 PM | Comentários (55) | TrackBack

O Maelstrom Económico e Social

A nossa economia continua na sua corrida para o abismo. O que assusta é a banalização da catástrofe. Parece haver uma resignação geral do país perante a tragédia que atravessamos e para a qual não se vislumbra qualquer saída, para além dos paliativos que apenas atenuam alguns sintomas e eventualmente adiam um pouco o desfecho fatal. O Banco de Portugal continua a rever em baixa as previsões sobre os nossos principais indicadores macroeconómicos. A previsão actual para o crescimento do PIB já é de 0,2%, mas tudo ainda depende do comportamento deste último trimestre, face ao trimestre homólogo do ano anterior. O Governo, impávido, mantém as metas.

A queda do PIB foi apesar de tudo atenuada por um pequeno crescimento da procura externa líquida, pois as exportações caíram ligeiramente menos que as importações. As importações são muito sensíveis ao comportamento das famílias, a nível do consumo privado, e ao comportamento das empresas a nível do investimento, e ambos caíram. Senão a situação seria pior no que respeita ao PIB.

Embora acredite que haja gente nos círculos governamentais preocupada com a contínua degradação da nossa economia, nomeadamente no Ministério das Finanças, essa preocupação não é visível publicamente. As reformas a nível da Despesa Pública, correctas do ponto de vista da equidade social (igualização dos sistemas de reforma do sector público e do sector privado, por exemplo), só darão alguns frutos, e muito insuficientes, daqui a alguns anos. Em contrapartida a ferocidade em ir aos bolsos dos cidadãos é uma constante da actuação governativa. Um trabalhador independente que receba 500€ mensais, em regime de recibo verde, paga agora 30% daquele valor para a Segurança Social, o que é um escândalo. E se receber menos, paga uma percentagem maior, porque há uma quotização mínima.

O Governo finge esquecer, ou alguns nem sequer sabem, que quanto mais se penaliza o trabalho privado, mais a economia se estagna e menos dinheiro consegue angariar para sustentar o Moloch público, a menos que se inventem novas formas de sangrar os contribuintes. Mas este é um círculo vicioso, uma espiral descendente, que leva ao empobrecimento colectivo.

No meio deste panorama, o Governo continua a manter, imperturbável, as previsões para 2006. A previsão do PIB para 2006 baseava-se numa previsão demasiado optimista do comportamento das exportações. A variação que se constatou nos últimos 4 ou 5 meses, no que respeita às exportações, mostrou que aquela previsão deixara de ser optimista e passara a ser inverosímil. Assim sendo, a previsão do crescimento do PIB de 1,1% em 2006 parece pouco credível. Mas um crescimento do PIB abaixo dos 2,5% a 3% significa aumento da taxa de desemprego. Ora as previsões sobre o aumento da taxa do desemprego em 2006 mantêm-se, apesar das previsões sobre a taxa do desemprego em 2005 terem sido infirmadas. Portanto, as previsões sobre a taxa do desemprego em 2006 nem contêm o agravamento do desemprego em 2005, face ao previsto no OE rectificativo, nem o efeito da quase estagnação do PIB em 2006.

Vivemos num sistema de morte lenta. A cura exige uma cirurgia profunda e penosa, com um pós-operatório difícil. Mas quanto mais tempo passa, mais o estado do doente se agrava e mais profunda terá de ser a cirurgia e difícil e lento o pós-operatório.

Talvez quando o doente entrar em coma seja possível levá-lo para a sala de operações.

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dezembro 04, 2005

As Carpideiras

Várias páginas do Público de hoje são dedicadas ao desemprego: Muitos diagnósticos, e nós nem somos maus nos diagnósticos, apenas nunca conseguimos distinguir o essencial do acessório, o que facilita que nunca se passe à fase da cura; muitos relatos de casos individuais dramáticos ... muita parra e pouca uva. Sabe-se muita coisa: sabe-se que a nossa mão de obra é pouco qualificada; sabe-se que o nosso empresariado é pouco qualificado; sabe-se que o Estado gere pessimamente as empresas que tutela; sabe-se que a administração pública central e local é extraordinariamente ineficiente. Depois olhamos uns para os outros, apresentamos mutuamente os nossos pêsames, e carpimos as nossas desgraças. E carpimos tanto mais alto, quanto menos capazes nos sentimos de resolver este problema.

A nossa taxa de desemprego é de 7,7%, no fim do 3º trimestre. Segundo o jornal, o desemprego cresce ao ritmo médio diário de 330 pessoas. Se continuar assim, e admitindo que são dias úteis a base de cálculo, a taxa de desemprego no fim do ano será de 8% a 8,1%, exactamente o que eu havia escrito aqui há duas semanas e meia(Quanto ao futuro, em face das novas previsões sobre o PIB para 2005, não custa a admitir que, no fim deste ano, haverá 8% a 8,1% de desempregados.). Esta coincidência indicia que, provavelmente, será esta a taxa de desemprego com que teremos de conviver no fim deste ano.

Todavia, esta taxa de desemprego contabiliza como desempregado aquele que está activamente à procura de emprego. Ora sucede que, em épocas de crise, há uma população potencialmente activa, não empregada e que desistiu de procurar emprego. Oficialmente, essa população inactiva não está desempregada, e isso sucede em Portugal e nos outros países da UE. Portanto, em tempos de crise, o número de desempregados reais é superior àquele que é dado pela taxa de desemprego. Em contrapartida, em épocas de boom, muitos dos que haviam desistido de procurar emprego regressam à procura activa de emprego, e a diminuição da taxa de desemprego não dá totalmente conta da melhoria do nível de emprego.

Este é um fenómeno a ter em conta e é importante para compreender as estatísticas regionais. A taxa de desemprego na região de Lisboa é superior à da região Norte. Ora a região Norte tem sido fustigada por elevado desemprego resultante da falência ou deslocalização das empresas de baixo índice de qualificação. Aparentemente deveria haver lá maior desemprego. E provavelmente há, mas está obscurecido pelo fenómeno explicado atrás. É provável que o regime de propriedade do Norte favoreça uma situação em que parte daqueles que têm caído no desemprego não procurem activamente o emprego.

Regressando à questão central, não é possível resolver a questão do desemprego num futuro próximo, quer se tomem as medidas adequadas ou não. Em face do impasse da situação interna, face ao peso da baixa qualificação, quer entre os empregados, quer entre os empregadores, as medidas de combate ao desemprego passam por criar um bom ambiente às empresas existentes de elevada qualificação e atrair investimento estrangeiro dirigido para as qualificações elevadas ou, no mínimo, acima da média. A instalação em Portugal de empresas de elevada qualificação e métodos de gestão modernos, além de induzir emprego noutras empresas, existentes ou a criar, serve de estímulo para que em Portugal a classe empresarial ganhe mais qualificação quer a que exista, quer a que venha a aparecer. Ou seja, ao promover o investimento estrangeiro qualificado, promove-se a qualificação nacional, quer entre empregados, quer entre empregadores.

Sempre fui adepta que é na água que se aprende a nadar. Há certamente aspectos da qualificação laboral que exigem cursos específicos. Mas a requalificação permanente faz-se no trabalho, em interacção com os colegas, solucionando os problemas. Esta qualificação é a mais importante, depois das habilitações académicas. Basta ver que a maioria dos informáticos de sucesso aprendeu por si própria. Uma parte substancial da inovação e qualificação laborais resultam dos estímulos dos próprios. Se as pessoas se deixam cristalizar, não há cursos que resolvam a sua baixa qualificação. Um curso de formação apenas abre pistas e dá, se for bem apreendido, a base. É apenas o pontapé de saída. A partir daí a continuação da formação é com o próprio.

Portanto, é preciso: 1) criar um ambiente propício ao aparecimento de novas empresas, principalmente empresas estrangeiras de elevada qualificação; 2) fazer com que os trabalhadores se sintam na necessidade de se requalificarem permanentemente.

Ora para resolver a questão (1) há que reformar completamente a administração pública, pôr a justiça a funcionar, simplificar e desburocratizar os procedimentos administrativos e diminuir a carga fiscal sobre as empresas e sobre o trabalho. A diminuição da carga fiscal só é possível com a diminuição do peso da Despesa Pública e para diminuir este ónus há que reestruturar todo o funcionamento do sector público de forma a diminuir os seus efectivos e os gastos desnecessários com consumíveis, materiais, equipamentos, etc. No fundo, o que se faz quando se reestrutura e saneia uma empresa privada. Ora esta política, numa primeira fase vai promover mais desemprego (público) que só pouco a pouco vai ser contrabalançado pelo aumento do emprego no sector privado. Numa primeira fase, e há vários exemplos lá fora, a velocidade de destruição de emprego (público) é superior à velocidade de criação de emprego (privado).

Para resolver a questão (2) há que flexibilizar o mercado de emprego, flexibilização que também é necessária, aliás, para atrair investimento estrangeiro. Com empregos para toda a vida, pese embora haver sempre gente com curiosidade ou brio para aprender, não é possível haver inovação como regra geral.

Portanto, a questão do emprego passa prioritariamente pela reforma drástica do sector público. Sem essa reforma, tudo o resto não passa de paliativos que poderão ter efeitos pontuais, aqui e ali, mas que não resolvem o problema.

Assim sendo haverá sempre, num futuro próximo, um aumento da taxa de desemprego, quer se tomem as medidas adequadas ou não.

Todavia há destruição de emprego que é criativa – ao diminuir o peso do sector público desonera-se a actividade económica e criam-se incentivos ao aumento do emprego privado. Há manutenção de emprego que é destrutiva – ao manter os níveis de emprego público e a ineficiência dos serviços, onera-se a actividade dos agentes económicos, faz-se com que o produto estagne, ou mesmo diminua, aumenta-se o desemprego privado, diminui-se a base da incidência fiscal, aumentam-se os impostos para pagar o sector público e entra-se numa espiral de regressão que conduz a maior desemprego, à miséria e à falência do Estado, se ninguém conseguir inverter esta marcha para o abismo.

E perante o medo em tomar medidas, face aos interesses instalados que vivem na ilusão que conseguem manter esse estatuto à custa de um país cada vez mais exangue, resta-nos ver políticos e jornais a carpirem as mágoas pela situação actual.

A escolha é entre carpir o nosso destino fatal, ou tomar o destino nas nossas mãos e tirar o país do atoleiro em que está.

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novembro 28, 2005

Borrasca à vista

Segundo parece, na reunião da próxima 5ª feira, o BCE deverá aumentar as taxas de juro para 2,25%, naquela que será a primeira subida dos últimos cinco anos. Actualmente essa taxa está em 2%, o nível mais baixo na Europa nos últimos 60 anos. O presidente do BCE fala em que haverá aumentos moderados, eventualmente progressivos. Todavia, consultores internacionais prevêem que as taxas de juro do Banco Central Europeu deverão atingir 3,5% no final de 2006. Se isso acontecer, poderá produzir-se uma situação muito difícil no nosso país: As prestações mensais relativas ao endividamento privado poderão subir cerca de 25%, o que pesará fortemente no orçamento doméstico já debilitado dos portugueses; as empresas que tenham um grande recurso a créditos de terceiros, terão mais dificuldades financeiras e algumas entrarão em falência; a Despesa Pública irá aumentar, devido ao aumento dos encargos com os juros da dívida pública. Tragédia suprema – com o vício que o Estado português tem em fazer pagar aos contribuintes as suas asneiras, seremos nós todos que nos quotizaremos, à força, para pagar o aumento da Despesa Pública.

Ou seja, seremos nós que pagaremos tudo, quer directamente, quer pela mediação do Estado, quer por mediação das empresas. A empresa é um elemento neutro – quem paga são as pessoas, primeiro os patrões, nos lucros e dividendos, depois os trabalhadores, nos salários (ou frequentemente o inverso).

A moeda única tem sido vantajosa para alguns países, principalmente os de economias mais débeis, como o nosso, mas revela-se de gestão difícil. Em rigor, a Eurolândia deveria ter uma política comum no que se refere à taxa de juro, à moeda e à política fiscal (ou de gestão do défice público), se quisesse influenciar o crescimento e o emprego. Ora o BCE só comanda a política relativa à taxa de juro. É certo que a procura de moeda depende da taxa de juro. Mas depende de outros factores que estão sob a alçada de cada Estado membro, como a expansão da dívida pública, que só parcialmente é controlada através do PEC semi-defunto, e as práticas de facilitação do crédito ao consumo (incluindo a habitação), que variam de país para país, e que geram, em ambos os casos, o aumento do stock de moeda na economia, provocando pressões inflacionistas.

Assim sendo, o BCE vê a sua acção reduzida ao controlo da inflação. As taxas de juro baixas dos últimos 5 anos não serviram para dinamizar a economia europeia globalmente, quer no produto, quer no emprego. Há alguns países, como a Irlanda, Espanha, Finlândia, etc., que têm tido bom um desempenho, mas as economias de maior dimensão estão praticamente estagnadas e Portugal está numa situação muito precária. Portanto o BCE resolveu, e do ponto de vista técnico terá toda a razão, usar a taxa de juro prioritariamente para controlar a inflação e a estabilidade dos preços dos bens e serviços, e deixar que cada Estado assuma os resultados das políticas desastradas que tem levado a cabo. E, neste aspecto, Portugal tem sido um péssimo exemplo, porque tem prosseguido, desde há uma década, uma política desastrosa, que não foi capaz de inverter em 2002 e de que não se vislumbra a possibilidade de a inverter agora, apesar das medidas mais incisivas, mas ainda muito insuficientes, tomadas ultimamente.

O parecer de alguns técnicos é que uma taxa entre 3% e 3,5% era a que asseguraria o carácter neutral da moeda. Abaixo desse nível deixa de haver um prémio pela renúncia à liquidez (actualmente a taxa de juro real é negativa) e podem ocorrer fenómenos perversos na economia, como a armadilha da liquidez, em que os agentes económicos preferem guardar os seus activos monetários, à espera de melhores oportunidades, e o dinheiro dirige-se preferencialmente para créditos ao consumo (e habitação) e não para o investimento produtivo. Ora a outorga de créditos é uma forma de aumentar o stock monetário numa economia, entrando-se num círculo vicioso, de onde só se sairá pela tomada de medidas drásticas.

Parece ser essa a via que o BCE irá tomar. Veremos o que o futuro nos reserva.


Adenda: Algures, por volta das 10 horas da manhã de 6ª feira passada, este blog recebeu a visita nº 500.000. É um número bonito. Isso não significa 500 mil visitantes, como um blog, entretanto desaparecido, apregoaria. Nos cerca de 800 dias que este blog tem, houve netívagos que o visitaram certamente mais de mil vezes, outros, umas boas centenas de vezes. Não é possível saber quantos visitantes diferentes este blog já teve, mas foram certamente alguns milhares. A todos queria endereçar os meus agradecimentos pelo interesse que têm tido em visitar-me, quer elogiando, quer reclamando, quer contrariando, quer apenas visitando, sem deixar qualquer comentário.

Na 6ª feira não referi esta efeméride porque estive fora.

Publicado por Joana às 10:57 PM | Comentários (47) | TrackBack

novembro 27, 2005

O Kitsch do Possível

Adenauer disse que “a política é a arte do possível”. Sócrates está a reescrever aquela frase. Há uma evidente impossibilidade (ou, mais propriamente, dificuldade) governativa. O Condicionamento Industrial e o Corporativismo acabaram, mas foram substituídas por outras instituições, de facto e já não de jure, como os diferentes grupos de interesses que se criaram no sector público, à sombra do laxismo governativo e das ilusões públicas. Manteve-se apenas uma instituição: a Constituição – antes coarctava a liberdade política e económica, agora coarcta apenas a liberdade económica. Em face destas dificuldades, o que Sócrates tem mostrado é que “a política é o kitsch do possível”. Ou em português vernáculo, “a política é a pirosice do possível”.

Sócrates, quando está a ver qualquer bandeira do seu programa a ser derribada pelo empecilho da realidade, dá o golpe de rins do “reality show”. Convida as forças vivas eventualmente interessadas na matéria em apreço e monta uma operação de charme. Há técnicos que produzem estudos mediante complexos e laboriosos mapas de Excel, repletos de rotinas em Visual Basic e socorrendo-se de gigantescas bases de dados em Access. Tudo isto acompanhado de um volumoso texto explicativo, processado em Word. Sócrates só conhece o Power Point.

O preâmbulo do Plano Tecnológico reconhece «que o mercado tem um papel fundamental como mecanismo dinamizador das actividades económicas. A maioria das inovações é fruto de trocas complexas de ideias, de produtos e de experiências, de projectos que dão frutos no tempo, de interacções entre agentes, num ambiente de concorrência que leva cada um a procurar a sua própria superação. A inovação envolve agentes variados, mas importa que chegue ao mercado e favoreça a modernização administrativa. Contudo, reconhece-se a existência de falhas de mercado, nomeadamente ao nível do investimento em capital humano e nas actividades de Inovação, Investigação e Desenvolvimento (II&D). Essas falhas, motivadas pelo facto de os benefícios associados aos investimentos em educação e às actividades de investigação, desenvolvimento e inovação serem insuficientes ou não serem totalmente apropriados pelos agentes que os executam, conduzem a um sub-investimento nessas áreas que, no entanto, são críticas para o crescimento económico. No nosso país, essas falhas são tão mais importantes quanto se reconhece que entre os maiores entraves ao crescimento económico estão precisamente a qualidade dos recursos humanos, a capacidade tecnológica e a permeabilidade à inovação

Ora o que o Governo continua a fingir ignorar é o nó górdio do nosso sub-desenvolvimento, como eu escrevi há dias: «o país precisa, prioritariamente, de uma justiça célere e eficiente, uma completa desburocratização da administração pública, uma fiscalidade eficiente (e simplificada) e tendencialmente menos pesada e uma progressiva privatização de actividades que o Estado desenvolve mas para as quais não tem vocação nem as realiza com um mínimo de eficiência.». Sem desatar esse nó, o Governo não consegue «que o mercado tenha um papel fundamental como mecanismo dinamizador das actividades económicas». Não há mercados que funcionem com eficiência quando uma justiça não obriga ao cumprimento dos contratos em tempo oportuno (e, às vezes, em tempo algum); não há «trocas complexas de ideias, de produtos e de experiências, de projectos que dão frutos no tempo, de interacções entre agentes, num ambiente de concorrência que leva cada um a procurar a sua própria superação» com uma máquina administrativa que emperra tudo, que não toma decisões em tempo útil, nunca toma decisões ou, pior ainda, toma as decisões erradas.

Sócrates julga (julgará?) que as «falhas de mercado, nomeadamente ao nível do investimento em capital humano e nas actividades de Inovação, Investigação e Desenvolvimento» se devem às razões que aponta. Nuns casos essas razões não colhem, noutros, as razões que indica têm, elas próprias, causas mais profundas. Portugal não tem, actualmente défice de licenciados e de doutorados. Portugal tem défice de empresas que utilizem os licenciados e doutorados actuais, para além do défice em utilizar licenciados e doutorados que temos a menos que os outros países da UE.

Há imensos licenciados em áreas científicas e tecnológicas que, ou estão desempregados, ou têm empregos precários como trabalhadores independentes. Há imensos doutorados que, ou estão desempregados, ou se arrastam pelo país e pelo estrangeiro, com bolsas sucessivas, fazendo investigação apenas para manter as bolsas, sem horizontes de emprego em Portugal e mesmo lá fora.

Nós, os contribuintes portugueses, andamos a pagar, há mais de uma década, bolseiros, doutorandos, etc., que, na situação em que o nosso tecido económico está actualmente, só servem para gastar o nosso dinheiro. Não têm qualquer utilidade.

Nós não precisamos de licenciados e de doutorados para compor as estatísticas. Precisamos deles para desenvolver o país. Mas para precisarmos deles, temos que ter empresas que precisem deles, e para termos essas empresas precisamos de lhes criar um ambiente favorável.

Há evidentemente algumas metas práticas que terão um eventual efeito dinamizador, se forem atingidas: desenvolvimento de um cluster eólico, a incrementação das novas centrais de biomassa, generalização da banda larga e acesso à Internet, banalização da informática nas escolas e serviços públicos, etc. Mas serão efeitos sempre muito limitados. Também é importante a criação de um conselho consultivo de fiscalização, que ficará responsável por fazer propostas e monitorizar a execução do Plano, integrando gente ligada ao mundo empresarial e um grupo de consultores liderado por Philippe Aghion, da Universidade de Harvard. Esperemos que esses consultores façam propostas pertinentes e não se fiquem apenas por tentar conciliar o grau de pertinência das propostas e a manutenção das avenças que recebem. Porque, como todos reconheceram, o que é importante é passar da teoria à prática.

Já por diversas vezes vi reportagens televisivas de departamentos públicos onde os entrevistados apontavam para as caixas de cartão e reclamavam: «compraram computadores que estão para aqui há muitos meses e ainda ninguém os veio cá ligar». Quando vejo essas entrevistas penso sempre «se nenhum de vocês, ao fim desses meses, teve curiosidade em abrir a caixa, tirar o computador para fora, ligá-lo à corrente, pô-lo a trabalhar e ver como funciona, é porque esses computadores não vos irão servir para nada». Este comportamento representa, felizmente apenas em parte, o estado do nosso país e da nossa mentalidade perante a inovação.

Sócrates citou uma frase da Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol. É sempre interessante ver um político a citar clássicos. Esperemos que ao citar eventos de um mundo virtual, não esteja a ter uma premonição subliminar. Quem será que está no País das Maravilhas? Alice ou Sócrates?

Publicado por Joana às 06:24 PM | Comentários (88) | TrackBack

novembro 22, 2005

Pinho Tecnológico

Sete dos dez membros da Unidade de Coordenação do Plano Tecnológico, incluindo o coordenador José Tavares, apresentaram a demissão a Manuel Pinho. O Plano Tecnológico, tal como foi concebido pela equipa demissionária, e a avaliar pelas escassas informações disponíveis, é um brilhante exercício académico. Desenvolve uma Utopia sólida. Esquece a realidade do país. Já aqui escrevi diversas vezes que o país precisa, prioritariamente, de uma justiça célere e eficiente, uma completa desburocratização da administração pública, uma fiscalidade eficiente (e simplificada) e tendencialmente menos pesada e uma progressiva privatização de actividades que o Estado desenvolve mas para as quais não tem vocação nem as realiza com um mínimo de eficiência.

Este é o nó do problema. Paralelamente com o desatar deste nó górdio da nossa economia, são bem-vindas medidas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico, algumas delas contempladas nas listas hoje divulgadas no Público. Todavia o Governo tem que ter presente que o seu âmbito de acção é apenas esse: demolir toda a burocracia estúpida e asfixiante criada ao longo de séculos e criar incentivos para que apareçam clusters de elevada tecnologia que, num país pequeno como o nosso, podem constituir um motor de arranque da nossa economia. Não pode pretender ser ele a determinar as vias. Tem que deixar isso à imaginação dos agentes económicos portugueses ou estrangeiros, atraídos pelo bom ambiente criado ao exercício da sua actividade em Portugal.

E deve deixar isso à imaginação dos agentes económicos privados porque o Estado, nesta matéria, equivoca-se sempre. Quanto mais os mercados vivem da inovação e dos avanços tecnológicos, menos vocação tem o Estado para tutelar ou orientar a intervenção nesses mercados. A Investigação e Desenvolvimento não deve ser vista como um fim em si, mas como algo que é posto ao serviço da actividade económica. Caso contrário estamos a investir em massa cinzenta que logo que esteja convenientemente apetrechada demandará outras paragens em busca de melhores oportunidades de valorização profissional (e também remunerações mais elevadas).

Um investimento em I&D, visto como um fim em si, esgota-se no plano universitário. A imagem que o resume é a de um investigador biomédico a analisar a urina que acabou de verter na proveta.

O número de membros da UCPT e a catadupa de demissões faz lembrar um thriller, que deve estar a constituir um pesadelo para Manuel Pinho, e que pode ser resumido no poema infantil que serve de leit-motiv a um livro de Agatha Christie, Convite para a Morte:

Eram dez negrinhos que foram jantar,
Mas um engasgou-se; só ficaram
Nove.
Eram nove negrinhos que foram dormir.
Um não acordou; só restavam
Oito.
Eram oito negrinhos que foram passear.
Um não regressou; só ficaram
Sete.
Os sete negrinhos foram rachar lenha.
Um deles cortou-se; só restavam
Seis.
Os seis negrinhos mexeram num cortiço,
Um deles foi picado; só ficaram
Cinco.
Cinco negrinhos estudaram direito,
Um deles formou-se; só restavam
Quatro.
Os quatro negrinhos foram tomar banho
Mas um afogou-se; só ficaram
Três.
Eram três negrinhos que foram ao bosque,
Apareceu um urso e só ficaram
Dois.
Eram dois negrinhos, sentaram-se ao sol
Um ficou torrado. Só estava
Um.
O pobre negrinho achou-se sozinho
Foi enforcar-se e não sobrou
Nenhum.

Esperemos que não se chegue a tanto … ou que o filme acabe antes ...

Publicado por Joana às 07:09 PM | Comentários (33) | TrackBack

novembro 21, 2005

A Tragiconomia das Taxas de Juro

O presidente do BCE dá a entender que o BCE vai aumentar as taxas de juro, após o que o Conselho de Governadores decide que não há aumento, todavia, posteriormente, o BCE afirma-se preparado para, em breve, subir as taxas de juro, contudo, a seguir, o BCE recusa aumento das taxas de juro em série, etc., etc.. Uma telenovela dramática que tem como argumento de fundo a estagnação económica europeia. Sabe-se que, no curto prazo, um aumento da taxa de juro provoca a queda do produto e o aumento do desemprego. Cada vez que ouvem falar em aumentos das taxas de juro, os empresários mostram-se horrorizados e o BCE retrai-se.

Todavia, a UE está naquilo que julgo ser a armadilha da liquidez. A taxa de juro real é praticamente zero (a taxa de juro de referência está próxima da inflação, sendo mesmo inferior, em Portugal). O euro, depois de já ter andado pelos 1,30 dólares, desceu para 1,17 dólares (as taxas de juro nos EUA estão a 4%, o que ajuda à valorização do dólar face ao euro). Isso significa que, apesar das descidas recentes da cotação do crude, a Eurolândia não vai sentir essas descidas, podendo mesmo vir a pagá-lo mais caro. Aumentam assim as pressões inflacionistas. O BCE tem mantido as taxas de juro excepcionalmente baixas desde fins de 2002, mas sem quaisquer efeitos na dinamização da economia europeia.

A principal razão pela qual o BCE não se decide é porque todas as decisões (incluindo o não tomar qualquer decisão) são más. Embora haja alguns países na Eurolândia com economias sólidas e em crescimento, no seu conjunto a Área Euro está estagnada em virtude do mau desempenho das principais economias (Alemanha, França e Itália). Apesar deste cenário negro, fala-se num aumento da taxa de juro de 0,25%. Mas fala-se igualmente que haverá ajustamentos posteriores progressivos. Ver-se-á.

A situação em Portugal é duplamente má. O endividamento das famílias atingiu já 117% do rendimento disponível, percentagem que tem tendência para aumentar, pois o crédito à habitação, que representa cerca de 80% do endividamento, tem crescido a um ritmo de 10% ao ano. Além do mais, em Portugal praticamente todos os empréstimos à habitação estão indexados à Euribor, ligada à taxa de referência do BCE, e têm taxas variáveis a menos de um ano. Portanto qualquer aumento da Euribor vai reflectir-se imediatamente na prestação mensal referente à habitação. Vai reflectir-se imediatamente no orçamento familiar e no consumo privado.

Mas toda a economia portuguesa vai ser afectada: dívida pública, créditos às empresas, etc.. O aumento da taxa de juros também afectará negativamente o investimento. Ou seja, a probabilidade da economia portuguesa sair do pântano em que se encontra irá diminuir.

O gráfico seguido (fonte “O Público”) mostra a variação da Euribor nos últimos anos.
TaxasBCE.jpg

Publicado por Joana às 10:21 PM | Comentários (66) | TrackBack

novembro 17, 2005

O Ministro dos Pinguins

O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social garantiu ontem que os centros de emprego vão fazer um esforço de aproximação às empresas, até ao final do ano, para ajudar a combater o desemprego. Faz-me pena ver tanta incompetência e ausência de pensamento estratégico de um governante, ainda por cima sobraçando a pasta de uma área sensível. Com estas afirmações, o ministro apenas mostrou que não tem qualquer ideia, está sem rumo e está confrontado com um problema que ultrapassa o seu entendimento.

As empresas não contratam pessoal porque sentem o conchego da proximidade dos centros de emprego. Contratam-no porque precisam. A questão actual é que as empresas não precisam de pessoal porque a economia está estagnada. E onde esse défice de emprego se nota mais é nos jovens licenciados, mesmo em cursos técnicos.

Por exemplo, as firmas de engenharia (estudos, projectos, project management e fiscalizações, etc.) eram um factor chave no recrutamento de jovens licenciados, principalmente engenheiros, mas também arquitectos, economistas e mesmo sociólogos. Eram centros importantes de know-how técnico, provavelmente os mais importantes do país. Com a desindustrialização do país, as firmas de projecto industrial foram falindo ou definhando (Profabril, Lusotecna, etc.). Restaram as firmas ligadas à área do ambiente suportadas pelo investimento público (muito apoiado pelos fundos comunitários). De há 4 ou 5 anos a esta parte, a indefinição na área ambiental e os cortes no investimento público (apesar deste constituir apenas 15% a 40% do investimento total, pois o resto é comparticipado a fundo perdido pela UE), estão a conduzir ao definhamento deste sector que está em retracção, com diversas firmas, outrora de grande projecção, à beira da falência.

As empresas investem e criam empregos quando sentem que existem oportunidades de sucesso. Quando sentem que existe um ambiente favorável à sua acção. Quando sentem que a justiça funciona; que o mercado laboral tem alguma flexibilidade; que a burocracia estatal não emperra o seu funcionamento; que o Estado é uma pessoa de bem e não está constantemente a mudar as regras do jogo a meio do campeonato; que o ónus fiscal não é asfixiante. Quando as condições favoráveis enunciadas atrás se conjugam todas pela negativa, como sucede no nosso país, não há volta a dar: as empresas não investem.

Entre 1998 e 2003 a participação dos rendimentos de trabalho (por conta de outrem) no PIB passou de 55% para 58,6%. Em 2003 passou de 57,8% para 58,6%. Ora os salários ou estavam congelados, ou cresciam a valores inferiores à taxa de inflação, portanto com crescimento real negativo. Se a sua participação no PIB aumentou foi porque os lucros e dividendos desceram em termos reais. Como o sector financeiro continua de boa saúde, isto significa que muitas empresas, nomeadamente as industriais, se estão a descapitalizar. Significa que continuaremos a ter mais falências, deslocalizações, encerramentos, etc.

E é isto que é grave na economia portuguesa e não se cura com aconchegamentos. ...

O ministro está a confundir o emprego e as empresas com as colónias de pinguins da Antártida que se aninham uns contra os outros, para melhor resistirem ao frio.

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novembro 16, 2005

Desemprego no 3º Trimestre

Segundo o INE, a taxa de desemprego em Portugal voltou a subir no terceiro trimestre deste ano e atingiu os 7,7%, o valor mais alto dos últimos sete anos, um aumento de 0,5% relativamente ao trimestre passado. No mesmo período do ano passado a taxa de desemprego era de 6,8%. Em Agosto, quando o Governo estava eufórico pela descida da taxa de desemprego, escrevi aqui “Atrás da Cortina das Chamas” que: “O desemprego no 2º trimestre situou-se em 7,2% (6,3%, no período homólogo de 2004) recuando ligeiramente (era 7,5% no 1º trimestre de 2005), mas esse recuo é um fenómeno sazonal. No final do 3º trimestre atingirá, provavelmente, os 7,6% ou 7,7%”. Tiro e queda.

O Governo tinha o INE, os gabinetes de estudos dos ministérios, assessores, a Ana Sousa Dias (que avisou solenemente MRS que o desemprego estava a descer, quando ele ia balbuciar algo sobre o assunto), etc. Eu estava de férias, a 350 km do epicentro dos acontecimentos, possuindo apenas o disco rígido do meu PC e os meus neurónios. Tinha todavia uma vantagem decisiva: os meus neurónios não tinham os circuitos entupidos pelas teias partidárias, políticas e ideológicas. Limitei-me a olhar os números e pensar sem preconceitos.

Todavia este aumento esconde uma realidade pior. Haverá um diferencial, talvez 0,1% ou 0,2%, que corresponde a desempregados que ou não se registaram como tal, ou regressaram aos seus países de origem, o que é vulgar entre trabalhadores do Leste europeu. Quanto ao futuro, em face das novas previsões sobre o PIB para 2005, não custa a admitir que, no fim deste ano, haverá 8% a 8,1% de desempregados.

A CGTP imediatamente referiu que “É a demonstração das consequências desastrosas da política seguida. O país sem sector produtivo não tem futuro”. Estou inteiramente de acordo. Há todavia um pormenor importante: a política seguida tem sido um compromisso entre a vontade dos sucessivos governos e as pressões sindicais. E se os governos tivessem capitulado mais perante os sindicatos, o desastre ainda teria sido maior. Os sindicatos pressionam numa política que leva, indirectamente, à liquidação do sector produtivo. Aliás, a sua audiência no sector produtivo é actualmente quase nula. Os trabalhadores desse sector já se aperceberam do abismo para onde os dirigentes sindicais os queriam conduzir. Infelizmente para esses trabalhadores a acção sindical no sector público tem um efeito pernicioso na sustentação do sector privado, que está a ser lentamente estrangulado.

No OE 2006, o Governo havia estimado uma taxa média de desemprego para 2005 de 7,4%. Terá que a rever para 7,5% ou, mais provavelmente, para 7,6%. Se conseguir cumprir os objectivos que traçou no OE 2006 quanto às grandes variáveis macroeconómicas (PIB, exportações, etc.), o país chegará ao fim de 2006 com uma taxa de desemprego de 8,6% e uma taxa média anual de 8,1% ou 8,2%, contrariamente à que o OE 2006 prevê (7,7%).

Sócrates tinha prometido 150 mil empregos. No primeiro ano de governação, o desemprego crescerá em cerca de 50.000 unidades. Em 2006 aumentará, no mínimo, de 30.000 unidades, se as previsões optimistas do Governo se confirmarem. No final de 2006, Sócrates terá, no cenário mais optimista, um saldo negativo de 230.000 (150.000 + 50.000 + 30.000) empregos relativamente às suas promessas eleitorais.

Vai precisar de muito talento e esforço nos 2 últimos anos de legislatura.


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novembro 15, 2005

Pessimismo duplo

O Banco de Portugal reviu em baixa as suas estimativas para a economia portuguesa durante este ano, prevendo agora um crescimento de 0,3% face aos 0,5% previstos em Julho. O mais grave é que a previsão sobre as exportações registem um aumento de 0,7%, enquanto em Julho se previa um crescimento de 2,7%. Ou seja, as nossas exportações estagnaram, o que acarreta uma degradação agravada da balança externa portuguesa. Em 19-10-05 em tinha escrito aqui, em Fragilidades do OE 2006 que uma das principais fragilidades do OE 2006 era basear-se numa previsão de aumento das exportações de 5,7%, o que me parecia ilusório. Este relatório do BP vem, infelizmente, dar razão ao meu pessimismo. Com esta derrapagem, as metas do Governo tornaram-se mais difíceis de atingir.

A estagnação das exportações tem um efeito negativo sobre a variação do PIB. Um crescimento baixo do PIB induz um aumento do desemprego. Há uma relação entre a variação da taxa de desemprego (TD) e a variação do produto:

TD(t) – TD(t-1) = - β .( ΔPIB(t_t-1) – K)

Os valores usualmente admitidos são K=3% e β = 40%. A percentagem β < 1 significa que as empresas tendencialmente preferem manter os funcionários em vez de demiti-los quando o produto cai e, quando o emprego aumenta, nem todas as novas vagas potenciais são preenchidas. Esta percentagem depende da estrutura do mercado de emprego e da saúde da economia. No curto prazo, uma maior rigidez do mercado laboral, traduz-se num β menor. Todavia, a degradação da actividade económica pode levar à aceleração de falências e deslocalizações o que contorna aquela rigidez. Portanto, na actual situação da economia portuguesa, a rigidez do mercado laboral acaba por não ser relevante para a estimação do β.

O OE 2006 previa um aumento do PIB de 1,1% em 2006. Portanto com esse aumento do PIB seria previsível que a taxa de desemprego aumentasse em 0,8%. Se a previsão sobre as exportações falhar, como as importações terão uma variação mais rígida, o impacte dessas previsões sobre o PIB conduzem a resultados muito pessimistas, inclusivamente a uma variação negativa do PIB.

Entretanto, foi anunciado que o Governo propôs um aumento nominal do salário mínimo nacional de 3%, o que é superior à evolução prevista para a inflação. Não há unanimidade entre os economistas sobre os efeitos do salário mínimo. Em teoria, se for superior ao salário de equilíbrio para uma dada actividade, a procura diminui, aumenta o desemprego e há uma perda de eficiência económica (peso morto). Acontece todavia que a maioria dos sectores pratica salários superiores ao salário mínimo, excepto, em alguns casos, para os estagiários. Por outro lado tem-se verificado que em sectores fechados ao exterior (restauração, pequeno comércio) os efeitos são despiciendos.

Todavia a economia portuguesa tem sectores exportadores, de baixo valor acrescentado, que subsistem devido aos baixos salários neles praticados. Há muita mão-de-obra envolvida nessas indústrias, principalmente na região norte do país. Nestes casos, um aumento salarial acima da inflação, numa situação de grande fragilidade competitiva, pode acelerar o processo de falências e deslocalizações de empresas a que temos assistido.

É certo que Portugal terá de desembaraçar-se, a prazo, dessas indústrias onde não é possível competir com os novos países emergentes. Todavia esse processo deveria ser controlado de forma a dar tempo à criação de alternativas. A liquidação prematura desses sectores significa um rápido agravamento da balança comercial, um aumento do desemprego, menos receitas fiscais, aumento do défice e dificuldade crescente em sustentar o sector público, mesmo com medidas mais profundas de contenção de despesa.

Adicionalmente, a decisão do Governo pode criar expectativas nos meios laborais de aumentos salariais maiores dos que os previstos até aqui. A taxa de aumento do salário mínimo serve de indexação para diversas taxas e de referência para outros eventuais aumentos.

Portanto, a conjugação das previsões do Banco de Portugal com as fragilidades previsionais do OE 2006 e com a decisão do Governo sobre o salário mínimo corre sério risco de ter efeitos nefastos sobre a situação económica portuguesa em 2006.

Ou seja, ao pessimismo do relatório do Banco de Portugal adiciona-se o pessimismo induzido por uma medida governativa que poderá fragilizar ainda mais a nossa depauperada situação económica.

Publicado por Joana às 08:11 PM | Comentários (117) | TrackBack

novembro 10, 2005

Tiro no Pé

Falemos claro: o OE 2006 é um orçamento que assenta em hipóteses frágeis que dificilmente se irão realizar, como, por exemplo, nas previsões sobre a variação das exportações (+ 5,7%), quando em 2005 a variação das exportações foi de + 1,2%. Não aproveita a possibilidade de haver uma forte corrente na opinião pública favorável a cortes na Despesa e de os sindicatos do sector público estarem isolados perante a sociedade civil. E continua a ter a vertigem da receita, aumentando o ónus fiscal e diminuindo a nossa competitividade por via disso. Finalmente o Governo não promete reduzir o défice de 6,2% para 4,8%, mas sim de 6,2% para 5,9%, porquanto as privatizações concorrem com 1,1% do PIB.

Falemos ainda mais claro: se neste OE a contracção na Despesa é mínima, nos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes ela não existiu. Esses governos congelavam vencimentos e cortavam na Despesa e esta subia sempre. E para manterem o défice no patamar fatídico dos 3% recorreram a aumentos de impostos e às receitas extraordinárias. Portanto, Marques Mendes pisava um terreno muito pouco sólido quando atacou o OE 2006 pela via do aumento de impostos e da baixa contenção da Despesa. Pois se o governo de que Marques Mendes fazia parte teve que aumentar os impostos e nem sequer conseguiu conter a Despesa Pública de uma forma sustentável!

Por isso, Sócrates estava à vontade para afirmar que "Pela primeira vez nos últimos anos a despesa desce", o que constituía uma crítica à actuação dos anteriores governos e, igualmente, de Marques Mendes.

O que Marques Mendes deveria ter dito era: Meus senhores, vocês têm uma situação mais favorável que aquela com que nos confrontámos; como vocês não estão na oposição, a capacidade de protesto social é quase nula; a UE deu-vos uma moratória a que nós não tivemos direito, portanto seria de exigir que vocês fizessem melhor que nós. Ora isto é insuficiente. E deveria assinalar as fragilidades do OE que podem comprometer os valores dos principais parâmetros.

Em vez disso envolveu-se em questões menores e arriscadas para ele, trouxe à colação a questão das SCUT’s que é uma questão insolúvel, como eu aqui já frisei diversas vezes, enganou-se nos números (o que poderá ser um bom prenúncio para ele, atendendo ao precedente Guterres), falou da OTA e do TGV(*) como projectos faraónicos inventados por este governo, quando são projectos que todos os últimos governos têm trazido ao colo e inscrito as respectivas verbas nos seus orçamentos, etc.

Finalmente, o PSD não pode, numa primeira leitura, declarar que o OE 2006 é "globalmente positivo" para agora, durante o debate final, o considerar "globalmente negativo" e votar contra. Houve alguma coisa referente ao OE 2006 que mudou entretanto? Que eu saiba não. Marques Mendes prestou-se, desnecessariamente ao remoque de Sócrates "Os senhores é que são globalmente inconstantes". Enfim … um desastre.


(*) Insisto novamente em que a questão OTA é totalmente diferente da do TGV. A OTA é uma solução que atenta contra as preferências dos utentes, que não vai ter a procura que esperam, e onde há soluções alternativas mais económicas e mais satisfatórias para os utentes. O TGV (refiro-me à ligação Lisboa-Badajoz) desde que seja projectado como deve ser, pode ser um factor estruturante muito importante para o nosso país. O TGV Lisboa-Porto é desnecessário porque se o Alfa funcionasse como deveria, a diferença de tempos de percurso seria cerca de meia hora, o que não tem significado.

Sobre estas questões, ler:
Consenso Orçamental

Fragilidades do OE 2006

Benefício ou Prejuízo da Dúvida

A Vertigem da Receita

Ou consultar, no arquivo ao lado a secção Economia Portuguesa

Publicado por Joana às 06:45 PM | Comentários (89) | TrackBack

outubro 25, 2005

A Tranquilidade de Não ter Blog

Medina Carreira é um homem tranquilo. Tem aquilo que me escasseia (talento) e não tem aquilo que o exporia (um blog). O que ele escreveu hoje no Público já o tenho escrito aqui por diversas vezes, em diversos tons, e tem gerado clamores de indignação. Nem são coisas hermeticamente técnicas. São factos e conceitos de senso comum. Não é preciso ser-se economista para os entender; basta ter senso e ter a mente liberta de preconceitos e de chavões; basta não ter o intelecto obliterado por opções partidárias; basta pensar pela própria cabeça. Nada mais.

O que Medina Carreira escreve, a certa altura, no Público de hoje, resume a nossa situação actual: «A crise económica e crise financeira do Estado, em especial, determinam a pouco referida crise da social-democracia/socialismo democrático. De facto, sem perspectivas favoráveis, no curto e no médio prazo, a economia portuguesa já não suporta, e não suportará, uma política redistributiva do rendimento e da riqueza; nem aproximará a taxa de ocupação da mão-de-obra do pleno emprego; nem assegurará, responsavelmente, o futuro de um Estado Social que pretenda garantir tudo a todos; nem um sindicalismo actuante porque, "contra" os privados, teme as falências e as "deslocalizações", e "contra" o Estado ataca verdadeiramente os contribuintes, que são as únicas vítimas do "Partido do Estado". Além da medíocre economia que temos, o Estado português, na zona euro, não pode ser intervencionista: sem moeda, já não tem política monetária, nem cambial próprias; não tem fronteiras nem alfândegas; não tem autonomia orçamental; e não pode controlar a circulação dos capitais. Neste contexto, as políticas e os objectivos da social-democracia/socialismo democrático, que a grande maioria dos portugueses prefere, caminham para o esgotamento».

Tudo isto tem sido aqui escrito, de uma ou outra maneira, mas muitos continuam a não querer (ou a fingir que não querem) acreditar.

O quadro que transcrevo no fim, igualmente retirado do mesmo artigo do Público, é elucidativo. Portugal tem o sistema fiscal mais iníquo da UE e aquele cujas receitas mais têm aumentado. O nosso aumento da Despesa Pública entre 1986 e 2001, não tem paralelo com os outros países da UE. Estamos à frente em tudo o que é nocivo e em penúltimo (agora em último, porque os números do PIB referem-se 2001) no que seria importante.

Com esta política de crescimento do sector público e da fiscalidade, degradámos a competitividade do sector privado, aumentámos o nosso défice com o exterior e chegámos ao novo milénio com a economia em declínio e, o que é mais grave, de uma forma sustentada. Se não invertermos drasticamente o caminho que as contas do Estado têm tomado, continuaremos neste projecto de empobrecimento colectivo sustentado por ilusões baseadas na ignorância, em não querer ver a realidade e em mitos ultrapassados.

Relativamente ao quadro em anexo fiz uma análise de regressão entre o PIB 2001 (Y) e o aumento da carga fiscal 1986-2001 (X). O resultado foi o seguinte:

(1) Y = 20,25 - 0,784 X
Sendo o coeficiente de correlação de -0,74.

Ou seja, o PIB 2001 é uma função decrescente da carga fiscal, com um coeficiente de correlação de 74%.

Com os números que possuía sobre a evolução do PIB ppc e que já foram transcritos mais que uma vez neste blog, fiz uma análise de regressão entre a variação do PIB (de 1986 a 2005) (Y) e o aumento da carga fiscal 1986-2001 (X). O resultado foi o seguinte:

(2) Y = 2,64 - 0,059 X
Sendo o coeficiente de correlação de -0,42.

Em ambos os casos o aumento da carga fiscal age negativamente, quer sobre o PIB, quer sobre o seu crescimento.

Finalmente pus a hipótese do valor do PIB influenciar a própria variação do PIB (os países mais pobres terem tendência a crescer mais, por efeito de convergência) e o resultado que obtive da regressão múltipla foi:

(3) VarPIB = 4,04 - 0,099 VarFiscal -0,051 PIB2001
Sendo o coeficiente de regressão múltipla de 0,49.

A variação do PIB é fortemente influenciada pela variação da carga fiscal. Ao introduzir a nova variável PIB 2001, o peso negativo do aumento fiscal na variação do PIB acentuou-se. Ou seja, na equação (2), parte do peso da variação das receitas fiscais continha o efeito do montante do PIB.

Não me parece que os valores dos coeficientes tenham uma importância relevante. O que tem significado é o facto do aumento da carga fiscal ter uma influência negativa no crescimento económico e os países mais ricos crescerem tendencialmente (e ceteris paribus) menos que os mais pobres. Isso aconteceu em todas as comparações.
PIB_DP_MC.jpg
Ou seja, Portugal tem que atacar o défice pelo lado da Despesa mas não apenas para reduzir o défice, porque é vital que se vá mais longe de forma a fazer diminuir o ónus fiscal. Portugal não tem apenas que reduzir a Despesa Pública, tem igualmente que reduzir as Receitas do Estado.

Mas o problema fiscal não se reduz às taxas. É mais lato. O nosso sistema fiscal é iníquo e arbitrário. Ele terá que ser muito simplificado e melhorado, do ponto de vista da sua eficiência na actividade económica.

Sem isso, nada feito. Por isso, o OE 2006 poderá ser o “orçamento possível” neste ano, mas também poderá ser apenas uma tentativa de iludir o caminho inexorável para o abismo. Dentro de alguns meses se saberá.

Publicado por Joana às 07:59 PM | Comentários (213) | TrackBack

outubro 24, 2005

Consenso Orçamental

Elogia-se o consenso alargado que se estabeleceu perante o OE 2006. Comentaristas e fazedores de opinião confluem na ideia que a necessidade de uma ruptura drástica com políticas passadas se instalou nas elites políticas, na Comunicação Social e no país. Apenas os sindicatos da função pública e, timidamente, os autarcas protestam contra o OE 2006, mas estão isolados. Quem os ler, concluirá que a classe política e o país, exceptuando algumas margens mais radicais, compreenderam finalmente a necessidade de uma cura de emagrecimento. Será assim?

A minha resposta é não. O que sucede é que o PS está confrontado com uma crise financeira profunda e com as metas impostas por Bruxelas. O PS não tem por onde recuar. Ele é Governo. Ele é o responsável, pelo país, perante Bruxelas. Não se sabe se o Governo está a fazer aquilo que gostaria de fazer. Sabe-se seguramente que está a tentar aplicar as prescrições de Bruxelas, porque não lhe resta outra alternativa.

E o consenso que se instalou resulta do facto do PS ser obrigado a defender um documento que consubstancia os “serviços mínimos” a que está obrigado perante Bruxelas, e do PSD e CDS/PP o defenderem, apesar das insuficiências, por convicção política.

Se o PS, em vez de estar no Governo, estivesse na oposição; se não coubesse ao PS fazer respeitar os compromissos internacionais; se o PS pudesse dar largas, sem restrições, ao que tem inscrito no seu código genético, será que teríamos qualquer consenso? Não teríamos o PS a fazer coro com as facções políticas marginais que se opõem agora ao OE 2006? Não assistiríamos às acções dos sindicatos da função pública e dos autarcas potenciadas pelo apoio do PS? A Comunicação Social não estaria a agitar o país e a pô-lo em estado de sítio? Não se instalaria a divisão e a cizânia entre as elites políticas?

Portugal está numa situação económica e financeira em que são necessárias reformas dramáticas, que irão bulir com muitos interesses particulares e que são incompreensíveis para a visão estatizante e igualitarista que se instalou entre nós. É necessário conter a Despesa Pública e aliviar o ónus que pesa sobre o sector privado – empresas e trabalhadores – de forma a torná-lo mais competitivo. Não é a política de ir buscar dinheiro onde ele existe, pois essa é uma política sem futuro, que conduz ao esgotamento da fonte. É a política de eliminar os gastos improdutivos. É a política de dinamização de criação de riqueza.

O que se está a constatar é que só um Governo PS, a contra gosto e encostado à parede pelo diktat de Bruxelas, pode realizar essa política, mesmo com insuficiências. O PS na oposição poderia ser um terrível obstáculo à política que está agora a implementar. Já o foi durante 3 anos. Porque não pensar que o seria em quaisquer circunstâncias, desde que na oposição?

Por isso há este consenso alargado. Por isso as elites políticas e a Comunicação Social estão de acordo. E volto a questionar: este consenso seria possível com o PS na oposição?

Publicado por Joana às 07:45 PM | Comentários (161) | TrackBack

outubro 19, 2005

Fragilidades do OE 2006

A previsão de 1,1% de aumento do PIB em 2006, que condiciona todos os restantes rácios relativos à Despesa Pública e às Receitas do Estado, baseia-se por sua vez nas previsões sobre a variação das exportações (+ 5,7%) e das importações (+ 4,2%). Ora em 2005 a variação das exportações foi de + 1,2% e a das importações de + 2,1%. A previsão relativa ao aumento das importações (apesar da previsão sobre a diminuição do consumo privado e público) baseia-se na retoma do investimento. Estas previsões são muito frágeis e podem comprometer o valor final da Despesa Pública e do défice em termos de percentagem do PIB.

A principal fragilidade é a perda continuada de competitividade da economia portuguesa, como se pode observar no gráfico em anexo. Esta perda relativa de produtividade tem sido certamente menor nos sectores transaccionáveis, pois de outra forma as exportações teriam caído a pique, e terá sido maior nos sectores fechados, mormente no sector público, cujos aumentos da massa salarial foram muito superiores ao aumento da respectiva produtividade.
cs_un_trab.jpg

A reduzida contenção da despesa em 2006 não parece ser suficiente para contrariar a tendência desenhada naquele gráfico. Se a nossa produtividade continuar a divergir da UE (e da Espanha), dificilmente as exportações crescerão a um ritmo superior ao deste ano. Não haverá igualmente muitos incentivos ao investimento privado. Assim sendo, e face às restrições do consumo privado e público, as importações poderão igualmente crescer a um ritmo menor. As expectativas do Governo são diferentes, mas as razões que fundamentam essas expectativas não são explicitadas. Eu não vejo alterações no ambiente económico que permitam essa expansão das exportações ao ritmo indicado, mas não possuo os dados à disposição do Governo.

Portanto desenha-se uma forte incerteza sobre a variação do PIB. Tudo depende do comportamento do sector exportador e do investimento privado. E esse comportamento depende da evolução da competitividade da nossa economia, embora também possa ser influenciado, em menor grau, pela evolução da economia europeia (*). A base de cálculo dos principais indicadores macroeconómicos é o PIB previsto para 2006, ou seja, a previsão de um aumento do PIB de 1,1%. Mas é sobretudo a previsão de um aumento de 5,7% nas exportações.

Se essa previsão não se realizar, as previsões sobre a Despesa e sobre o Défice, em termos de percentagem do PIB, poderão ser postas em causa, com consequências não só em 2006, como nos anos seguintes.

Nota 1: Os quadros foram retirados da proposta do OE 2006

Nota (*): Com a globalização e a diminuição da nossa competitividade, não é seguro que uma eventual retoma europeia tenha os mesmo efeitos sobre a nossa economia que teve anos atrás. O nosso sector exportador de produtos mais tradicionais terá uma concorrência forte dos produtores asiáticos, o que era quase inexistente há alguns anos.
Cen_Macro.jpg

Publicado por Joana às 10:28 PM | Comentários (77) | TrackBack

outubro 18, 2005

Benefício ou Prejuízo da Dúvida

Os comentários de hoje sobre a proposta do OE 2006 dividem-se em dois campos. Os que acentuam que o combate ao défice não foi feito pelo lado da despesa mas, maioritariamente, pelo lado do aumento das receitas, e os que o elogiam, dizendo que é honesto e que aponta para o caminho correcto, mas que não é possível esquecer que este OE é apenas o início desse caminho. No fundo dizem ambos o mesmo. A Despesa Pública tem uma grande rigidez e a sua redução exige uma série de medidas estruturais no que concerne à organização e ao funcionamento do Sector Público. Isso não se faz de um dia para o outro. Portanto, mesmo que caminhemos no sentido correcto, numa primeira fase dificilmente poderemos abdicar do aumento das receitas, a menos que se tivesse previamente feito um trabalho de "casa" mais completo, o que parece que não foi o caso.

Na prática, este orçamento reflecte algum esforço no que respeita aos gastos públicos. Mas esse esforço é sobretudo de contenção e não de redução da despesa. Sendo assim, este OE pode ser uma de duas coisas: 1) um embuste que adiará mais um ano o problema, esperando um milagre económico ou que o país engula outro embuste no OE 2007; 2) o início de uma acção séria de reestruturação do sector público e da eliminação da burocracia estatal, cujos efeitos se irão sentir progressivamente e de forma sustentada.

O Governo tem todas as condições exógenas para enveredar pela 2ª hipótese. Os sindicatos estão fragilizados, reduzidos a apoiarem os segmentos mais privilegiados do funcionalismo público e cada vez mais isolados do resto da população activa. Há uma compreensão da maioria da população para as medidas de austeridade, mas se elas incidirem na reforma do Estado, na sua organização e desburocratização e não em aumentos de impostos e de outros ónus sobre famílias e empresas.

O próprio Governo, no preâmbulo à proposta do OE, defende teses que foram aqui defendidas:

Este Governo optou, desde cedo, por uma consolidação orçamental estrutural, isto é, baseada fundamentalmente na racionalização da despesa e na eficiência e equidade da recolha de receitas, em detrimento da adopção de medidas extraordinárias que, por definição, não asseguram um efeito sustentado ao longo do tempo, ou em medidas demasiado dependentes das fases favoráveis do ciclo económico. Um sector público mais racionalizado trará poupança de recursos e contribuirá decisivamente para que se reforcem as condições de sã concorrência e de igualdade de oportunidades para que os agentes económicos em Portugal possam exercer as suas actividades de forma responsável e criadora de riqueza.
Deste modo, o país beneficia de crescimento económico duradouro baseado na iniciativa dos cidadãos. Acresce ainda que só um sector público eficiente será capaz de garantir que os acréscimos sustentados de riqueza possam ser redistribuídos de forma socialmente mais justa sem que, nesse processo de redistribuição através de políticas públicas, se desperdice parte dessa riqueza por ineficiência da administração ou por desincentivo da iniciativa privada.

Não escrevi isto diversas vezes neste blogue? E este parágrafo?:


“Perante a actual situação económica e social, é decisivo que Portugal retome a rota do crescimento e do emprego. É principalmente ao sector privado que compete identificar as oportunidades no mercado, tomar a iniciativa, lançar os projectos, inovar, modernizar, melhorar a organização e a gestão. Ao Estado compete contribuir para a criação de um clima de maior confiança. Para tal, deve diminuir o seu peso em áreas que não justifiquem a sua presença ou influência, reduzir a burocracia, simplificar e remover obstáculos desnecessários. Nesse sentido, propõem-se medidas de desburocratização e simplificação administrativa”.

A estratégia de consolidação orçamental poderia ter sido subscrita por mim:

i) A reforma da Administração Pública;
ii) A promoção de condições de sustentabilidade a longo prazo da Segurança
Social;
iii) A melhoria da qualidade da despesa pública corrente e de investimento;
iv) A simplificação e moralização do sistema fiscal;
v) A redução do peso do Estado na economia.

Também estou de acordo que “Esta estratégia de consolidação orçamental assenta fundamentalmente em medidas que implicam uma redução permanente da despesa pública. O desequilíbrio estrutural das finanças públicas não pode ser corrigido com medidas de carácter temporário. A verdadeira contenção da despesa só se consegue com a implementação de medidas estruturais. As reformas já iniciadas inscrevem-se nesta estratégia. Elas são uma urgência para assegurar o futuro bem estar dos portugueses e são, no presente, o sinal inequívoco do empenhamento do Governo em garantir a sanidade das finanças públicas e da situação financeira do país. Elimina-se assim a dúvida corrosiva instalada na mente dos decisores económicos nacionais e estrangeiros, que, sendo geradora de incerteza e de risco, é inibidora das decisões dos consumidores e investidores”.

E, aparentemente, o Governo abandonou o keynesianismo (se é que Mário Lino sabe o que isso é) e aposta numa abordagem mais neoclássica: “A literatura económica mostra que as consolidações orçamentais baseadas na redução da despesa são em geral mais bem sucedidas do que as assentes em aumentos de impostos. Por outro lado, uma política de contenção e de racionalização da despesa pública pode não apenas aumentar o potencial de crescimento económico a médio e longo prazo (por efeitos sobre a oferta), mas também estimular o nível de actividade no curto prazo (por efeitos sobre a procura). Este estímulo, que pode ser suficientemente forte para se sobrepor aos efeitos keynesianos convencionais, está intimamente ligado à confiança dos agentes económicos e, como tal, à credibilidade da política orçamental. O investimento privado poderá ser particularmente estimulado por uma estratégia credível de redução do défice orçamental” Não é surpreendente ler isto escrito por um Governo socialista?

Escrever textos como estes é fácil. Eu tenho-os escritos, assim como analistas diversos e vários blogues. Passar à prática é que é complicado. Vejamos o que acontecerá em 2006. Pelo andar da carruagem se verá se vamos no caminho certo, se na direcção do abismo. As intenções, escritas, são boas, mas de boas intenções ...

Publicado por Joana às 06:52 PM | Comentários (111) | TrackBack

A Vertigem da Receita

Antes da entrega do OE 2006, o Governo prometeu que o a contenção se faria do lado da despesa. Prometeu que não iria aumentar os impostos. Já havia prometido que não iria recorrer a receitas extraordinárias.

Vendo as contas verifica-se que a despesa cai, em termos do PIB (base 1995), de 49,3% para 48,8%, uma descida insignificante face às necessidades de diminuição do défice. Como solucionar a questão? Simples – as receitas passaram de 43% do PIB para 44%. Esse aumento é conseguido por receitas extraordinárias: privatizações de partes do capital da Galp e da REN. O Governo não resistiu igualmente à tentação de aumentar o IRS, introduzindo um novo escalão.

A receita fiscal passa de 36,6% para 37,5% do PIB. O Governo fala de melhoria do combate à fraude e evasão fiscal. Não nos iludamos. A fraude e evasão fiscal resultam da complexidade, ineficiência e injustiça do sistema. Se o nosso sistema fiscal for simplificado, a fraude e evasão fiscal diminuem. Mas simplificações é uma coisa que os sucessivos Governos têm preterido. Motivo? Meter a mão no bolso dos distraídos. Apanham alguns, mas as fugas a que dão ensejo permitem que o que escapa seja muito superior ao que metem no bolso por ignorância dos contribuintes.

Todos os economistas, como ainda recentemente 2 laureados com o Nobel da Economia, têm afirmado que Portugal tem que conter drasticamente a despesa e aliviar a carga fiscal, para melhorar a competitividade internacional. Não vejo uma estratégia nesse sentido. Vejo medidas avulsas. E vejo expectativas que não sei se se manterão: a estimativa da ligeira subida do desemprego para 7,7% parece-me optimista; a previsão para o crescimento do PIB de 1,1% talvez não se confirme e a previsão de 2,3% para a inflação é capaz de ser insuficiente, por vários motivos, entre os quais a possibilidade do aumento das taxas de juro.

A questão do desemprego é complexa. O aumento do desemprego no sector privado é grave para a economia do país e para a sustentabilidade do próprio Estado. Todavia, nos países em que houve estratégias de contenção com o objectivo de melhorar a competitividade da economia, houve aumentos muito significativos do desemprego enquanto durou o “processo de cura”. Simplesmente era desemprego por emagrecimento do sector público, e esse desemprego, com a retoma económica resultante da diminuição da despesa e dos ónus fiscais, é progressivamente absorvido pelo sector privado. O “nosso” desemprego não. Acontece no sector privado e torna-se um fardo mais pesado para a economia e gerador de maior desemprego no futuro.

Há um sinal positivo, não no OE, mas em declarações governamentais e, eventualmente, implícito em algumas rubricas da despesa. Fala-se em auditorias ao funcionamento dos serviços e em premiar o mérito, e não a antiguidade, nos aumentos dos vencimentos do funcionalismo público. Se isto for (bem) feito e, das auditorias, se extraírem as conclusões adequadas, teremos uma medida estratégica importante. Não gostaria de pôr em dúvida que tal venha a acontecer, mas só acredito, verdadeiramente, quando acontecer mesmo.

Quanto às privatizações, não vejo nada contra, antes pelo contrário. O Governo deve concentrar-se naquilo que é o seu “core business” e deixar o sector empresarial para quem o sabe gerir melhor. Não me parece é que essas receitas devessem maquilhar a diminuição do défice. São receitas extraordinárias e as receitas extraordinárias têm um problema – não se repetem. Na realidade o Governo não promete reduzir o défice de 6,2% para 4,8%, mas sim de 6,2% para 5,9%, porquanto as privatizações concorrem com 1,1% do PIB. Ou seja, no próximo ano terá que partir dos 5,9% como referência para a próxima redução e não dos 4,8%. No OE 2007 o Governo estará praticamente no mesmo ponto de partida ...

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setembro 29, 2005

O Essencial e o Acessório

O Fórum Económico Mundial divulgou o ranking de competitividade para 2005, onde Portugal ocupa um honroso 22º lugar, entre 117 países. Inclusivamente, apesar da crise em que vivemos e da perda de competitividade que tem havido, subiu 2 lugares no ranking entre 2004 e 2005. Notável. Portanto o nosso país tornou-se atraente para o investimento estrangeiro. Assim se um investidor privilegiar os baixos “custos do terrorismo” (1º lugar), “liberdade de imprensa” (4º), “acesso aos telemóveis” (9º), baixa influência do “crime organizado” (7%) e “independência dos tribunais” (15%), estamos garantidos. Porém se se incomodar com a “expectativa de uma recessão” (103º), “qualidade de ensino da matemática e ciências” (81º !!), “excesso de burocracia” (77º), “centralização excessiva das decisões económicas (70º) ”, com a falta de “estabilidade macroeconómica” (64º), baixa “formação profissional” (59º) e “escassez de cientistas e engenheiros” (49º) então a nossa atractividade será muito menor.

Naquele pacote estão incluídos 22 países africanos, 20 países latino-americanos e diversos países do Médio Oriente e da Ásia (entre eles Timor-Leste – 108º). Ou seja, em matéria de qualidade de ensino, expectativas económicas e burocracia estamos atrás de diversos países do 3º Mundo. Mas tenhamos esperança: talvez os investidores queiram investir cá sugestionados pela nossa imoderada atracção pelos telemóveis e por a comunicação social escrever e dizer tudo o que lhe vem à cabeça. Mas se não investirem, pelo menos vêm cá passar as férias, porquanto se trata de um país cuja existência os terroristas ignoram.

As análises multicritérios baseadas em scores têm um valor subjectivo, porquanto dependem das ponderações atribuídas aos diversos critérios. Esperemos que os empresários estrangeiros, nossos potenciais investidores, ponderem aquelas classificações da mesma maneira que o Fórum Económico Mundial.

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setembro 28, 2005

A Vertigem de Matar a Galinha

Não é só cá. É uma pandemia europeia. A Europa criou monstros que só consegue sustentar saqueando os seus cidadãos. Esta ânsia pelo saque leva-a a ficar insatisfeita com a quantidade de ovos de ouro que as galinhas põem, a agarrar em facalhões e a correr atrás das galinhas, num desvario insofrido, para as esventrar e ir à própria fonte de produção do ovo. Com esse objectivo produziu uma directiva da poupança que entrou em vigor em 1 de Julho passado. O resultado foi que as remessas dos emigrantes portugueses residentes na União Europeia caíram 17%, em termos homólogos, no passado mês de Julho. Os seus bancos tê-los-ão aconselhado a depositar as suas poupanças em locais mais seguros e fora do alcance dos estripadores de galinhas. A maioria desses bancos é portuguesa. Não é uma questão de patriotismo: se não fossem eles a fazê-lo, outros bancos o fariam.

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setembro 25, 2005

Deitar dinheiro à rua

Comprei o Público, hoje, única e exclusivamente por causa de um dossiê “O que têm a Finlândia e a Irlanda, que Portugal não tem?”. Há estudos que se baseiam em estatísticas ou em estudos quantitativos realizados por outros. Este baseou-se nas opiniões de outros. Inclusivamente no gráfico do PIB ppc per capita, a curva relativa à Finlândia aparece com o nome da Irlanda e vice-versa. Um erro grosseiro que salta imediatamente à vista, pois é sabida a enorme queda do PIB finlandês a seguir à implosão da URSS. Obviamente que têm interesse as opiniões de diversas pessoas, entre elas a de Medina Carreira. Mas são opiniões apresentadas de uma forma pouco estruturada e sem suportes estatísticos adequados.

Há um ponto interessante. Segundo o dossiê, as diferenças de desenvolvimento resultam de apostas em estratégias diferentes. Portugal apostou nas infra-estruturas públicas, enquanto a Finlândia e a Irlanda, para além da aposta na captação de investimento directo estrangeiro orientado para as novas tecnologias, apostaram na qualificação e educação (no caso da Irlanda a aposta incidia ainda nos regimes fiscais e laborais favoráveis). Todavia a diferença das despesas em Educação não corresponde a essa alegada diferenciação de apostas (Portugal = 5,8% do PIB em 2000, Finlândia = 5,9% e Irlanda = 4,4%), nem é explicada essa incongruência. Afinal Portugal até teria investido em Educação tanto quanto a Finlândia e bastante mais que a Irlanda. Simplesmente deitou dinheiro à rua. Como eu, hoje.

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Apocalipse Now

Os 4 Cavaleiros do Apocalipse já não são a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte. A partir da última semana passaram a ser Fátima Felgueiras, Avelino, Isaltino e Valentim. Eleitores que se precatem, pois se caírem na tentação de votar neles, desencadearão a fúria do Apocalipse. Todavia uma imensidão separa os furiosos politólogos de agora, do “Águia de Patmos” de antanho. A fúria do apocalipse destinava-se a varrer da face da Terra a “Babilónia prostituída”. Quem agora esconjura os 4 Cavaleiros do Apocalipse não percebeu que eles não são (nem serão) a causa da “Babilónia prostituída”, mas o seu efeito. Nunca a prostituirão mais do que ela se encontra actualmente. Esta fúria apocalíptica da comunicação social e dos políticos não passa de hipocrisia.

Quer políticos, quer agentes da justiça, estão desprestigiados junto do eleitorado. Para um eleitor genérico, as figuras de Avelino e dos outros poderão estar mais desprestigiadas que a média dos políticos, mas para os eleitores aos quais eles se dirigem, não o estão. Em contrapartida têm obra feita, mesmo que essa obra possa ser, em alguns casos, mais ilusória que real. Para os eleitores a que se dirigem não representam nada de pior quando comparados com os políticos “centrais”. Bem pelo contrário, estão mais próximos, souberam granjear relações de confiança e as acusações de que são alvo são frequentemente tomadas por mentiras postas a correr pelos políticos distantes por mesquinhez ou inveja, com o apoio de uma justiça facciosa e que só funciona quando quer. Ou mesmo que essas acusações sejam consideradas como tendo algum fundamento de verdade, resultam de acções tomadas em defesa da terra, enquanto os políticos distantes são vistos como igualmente corruptos e, pior que isso, incapazes e deinteressados das questões locais.

Sempre houve corrupção nas Câmaras. Corrupção directamente proporcional à importância do urbanismo e das obras. Era uma corrupção generalizada e ao nível dos serviços. A emergência do “Poder local democrático” traduziu-se na camuflagem dessa situação em nome desse ícone sagrado. O poder autárquico foi, durante muitos anos, a jóia da Coroa da Revolução de Abril. Eram visíveis as ineficiências das Câmaras e os desperdícios de fundos públicos a que deram origem. Mas eram ícones e é blasfémia duvidar das excelências das coisas sagradas. Foram décadas em que a comunicação social se preocupava apenas em denegrir a imagem dos políticos “centrais”. Os políticos locais foram preservados em nome do “Poder local democrático”. Os serviços, esses, continuaram a agir com o despudor com que sempre haviam feito.

Subitamente as coisas mudaram. As empresas municipais, que estavam sendo criadas para agilizar processos em áreas onde os municípios tinham dificuldade em agir com rapidez, tornaram-se afinal entidades para prover empregos políticos ou mesmo para bombear fluxos financeiros para fora dos circuitos normais. Empresas Multimunicipais, criadas para acabar com o escândalo dos desperdícios camarários em investimentos em ETARs, ETAs, etc., que depois ficavam inactivas por incompetência dos serviços, tornaram-se centros de negócios que conseguiam lucros adicionais que enchiam os bolsos dos partidos. Era notável a unanimidade e o consenso com que os partidos partilhavam desses bónus, por muito irreconciliáveis que fossem as suas diferenças políticas.

Ou seja, entidades criadas quer para contornar uma estrutura legal burocrática e anquilosante, ou para melhorar a eficiência dos serviços prestados a nível local, tornaram-se, em muitos casos, centros de empregos políticos ou bolsas de financiamento partidário ou pessoal. E isso começou a trazer-lhes notoriedade pública. E os políticos locais caíram sob a lupa da comunicação social e da justiça. Mas apenas os políticos, porquanto os serviços continuam a agir, imperturbavelmente, como sempre fizeram.

Esse efeito causou um terrível tumulto. Descobriu-se agora que foi um tumulto apenas ao nível da comunicação social. A comunicação social andou estes meses a terçar armas contra monstros que ameaçavam tragar a democracia, perante o olhar irónico e algo indiferente dos portugueses. O Isaltino tinha uma conta na Suiça? Um riso escarninho ... e os outros? E as reformas chorudas de cargos semi-políticos, políticos e políticos e semi?

O Público, na edição de 6ª feira passada, conta a história de uma indemnização de 12 milhões de euros à Eurominas em que estiveram envolvidas figuras gradas do PS, como Alberto Costa, José Lamego, Vitalino Canas, José Junqueiro, Narciso Miranda e ... António Vitorino, que agiram, ao longo de todo o processo, quer como representantes do Estado quer como representantes da Eurominas, consoante os avatares eleitorais. Foi uma história em que ninguém mais pegou, apesar de envolver um actual ministro e um permanente candidato a qualquer cargo político importante no país ou no estrangeiro.

Tratava-se de um caso complexo, incapaz de ser reduzido a uma frase estentórica jorrada pela boca da MM Guedes e comentada com o sangue a escorrer pelas comissuras dos lábios de MS Tavares. Ao nível mental em que o país se encontra, já só têm interesse cenas boçais, de faca e de alguidar. Tudo o que extravase a boçalidade, o mediatismo circense e o voyeurismo não serve as audiências.

Nós temos o país que criámos ao longo destes anos. Queixamo-nos dos autarcas. Mas se nós os divinizámos durante décadas como uma das conquistas mais sólidas do 25 de Abril? Os políticos queixam-se dos interesses corporativos que agora impedem as reformas. Mas se foram eles que os criaram e os alimentaram para obterem os seus votos? Queixamo-nos da partidocracia. Então não nos tem sido repetido, desde há mais de 30 anos, que os partidos são a base da democracia? E não temos que acreditar nisso, sob o opróbrio de se ser salazarista, no caso de alguma dúvida sobre aquele conceito minar as nossas mentes? Queixamo-nos do laxismo da nossa sociedade. Mas não fomos nós que aprovámos e aplaudimos esse laxismo nas escolas que nos têm educado no último terço de século? Queixamo-nos dos políticos que nos têm governado. Acaso temos feito por merecer melhor?

Os 4 Cavaleiros do Apocalipse não vão modificar as coisas na “Babilónia prostituída”. E se modificarem será, mau grado eles e os seus detractores, no sentido de uma menor hipocrisia e de uma maior clarificação da coisa pública.

Se desbabilonizarmos e desprostituírmos secaremos a seiva que nutre aqueles cavaleiros e outros que se prefigurem no horizonte político. Esse é que deveria constituir o nosso objectivo, e não invectivas inúteis e farisaicas.

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setembro 20, 2005

Assimetrias Regionais

As contas regionais do INE referentes a 2003 mostram um país com profundas assimetrias. Mas são assimetrias já conhecidas e que permanecem há décadas apesar das contribuições líquidas entre as regiões mais ricas e as outras. Há apenas uma região que “fugiu” a essa assimetria homotética e tem crescido a um ritmo muito superior à média nacional, tornando-se, de uma das regiões mais atrasadas do país, na segunda região mais rica, atrás de Lisboa: a Madeira. Alguns sugeriram que essas assimetrias teriam que ver com a existência de poder político em Lisboa (e na Madeira). Curiosamente algumas dessas sugestões provieram de áreas que consideram despiciendo, ou mesmo prejudicial, o papel do Estado.

Há um ponto, todavia, que justifica parte do enviesamento de Lisboa: um peso maior da administração central. É certo que o funcionalismo público está distribuído com alguma equidade pelo país (professores, pessoal da saúde, efectivos da segurança, pessoal autárquico, etc.). Todavia os ministérios e diversos institutos públicos estão sedeados em Lisboa. Ora como se sabe, o sector público é, excepto nos escalões mais elevados, melhor remunerado que o sector privado, para a mesma qualificação. Essa remuneração adicional pode justificar uma parte, provavelmente pequena, das assimetrias (Ver adiante quadro com PIB per capita e Produtividade para as Nuts III em 2003).

Há diversos factores que podem igualmente ser explicativos. Um deles é o facto da indústria de mão-de-obra intensiva e de baixa qualificação se ter implantado preferencialmente no norte do país. Esta situação tornou mais frágil o tecido industrial daquela zona e mais sensível às flutuações dos mercados internacionais. Esta é uma situação que dura há décadas. Estima-se que o nível de remunerações dos sectores exportadores de baixo valor acrescentado tenha subido menos que a média nacional, para manter a competitividade internacional.

Entretanto, a abertura dos mercados mundiais e o aparecimento dos novos gigantes asiáticos estão a degradar os rendimentos daquelas populações. Tem havido numerosos despedimentos e as estatísticas mostram que, quando se arranja um novo emprego, a média da remuneração é cerca de 10% inferior. Este factor poderia adicionar-se ao anterior. Para experimentar esta hipótese construí um quadro que apresento abaixo, onde calculei as variações anuais de diversos parâmetros entre 1995-2003, 1999-2003 e 2001-2203, justamente para ter em conta crescimentos diferenciados naqueles períodos. Verifica-se que, por exemplo, a diferença entre o crescimento de Lisboa e do Norte se vai atenuando à medida que o período é mais próximo. Ora esta constatação contraria a hipótese formulada. Em contrapartida, essa aproximação poderia ter a ver com o congelamento dos salários da função pública. Todavia, se se observar as variações das outras Nuts II, essa conclusão não parece tão evidente. Não é pois possível tirar conclusões sobre o efeito da crise dos têxteis e do calçado. Contudo 2003 ainda não é um ano significativo no que respeita aos efeitos dessa crise nas contas regionais. As estatísticas de 2004 e 2005 talvez possam permitir conclusões mais consistentes.

Outra explicação terá a ver com a mentalidade das populações. O desenvolvimento do capitalismo operou-se com lutas laborais, sociais e políticas, que atingiram grande intensidade. Essas lutas constituíram um ensinamento para todos, quer do ponto de vista teórico, quer prático. Foram escolas onde se forjaram sociedades mais adultas e com espírito cívico e de cidadania mais desenvolvidos. A sociedade minifundiária e mais tradicionalista da metade norte do país permaneceu arredada dessas pugnas, mais que a metade sul e, principalmente, Lisboa. Essa diferença de mentalidades é importante na forma e estilo de abordagem e de condução dos negócios e no profissionalismo dos trabalhadores.

Vou citar 2 exemplos:

1 – Tenho, por experiências pessoais, verificado que os autarcas do sul têm, em geral, um espírito de solidariedade maior que os do norte e são capazes de terem uma visão mais equilibrada dos interesses mútuos das diversas autarquias empenhadas num dado projecto. Os autarcas do norte mostram-se muito unidos a exigirem as comparticipações e financiamentos, mas logo que os obtêm, surge frequentemente a intriga, com cada um a puxar para seu lado e as coisas emperram e protelam-se desnecessariamente.

2 – Estive há uns 3 anos a almoçar com um sujeito que tratou da liquidação de uma empresa mineira de Aljustrel e de outra na Urgeiriça. Foram processos longos e morosos. Segundo ele, as negociações com os sindicatos em Aljustrel eram terríveis, levavam a discussões acaloradas e prolongadas mas, quando chegavam a um acordo, ele era cumprido por todos. O assunto estava encerrado e passava-se adiante. Na Urgeiriça o acordo era facílimo de obter, mas quando se chegava ao seu cumprimento, cada pessoa era um caso. Ninguém estava de acordo com “o acordo”, porque o seu caso era especial. Depois do acordo é que negociação se tornava num inferno insolúvel.

Estes exemplos valem o que valem. Por outro lado, o próprio desenvolvimento social e a educação tende a modificar lentamente essas mentalidades. Acredito todavia que parte do atraso de zonas como o Tâmega, Beira Interior, Alto Trás-os-Montes pode ter esta explicação como causa.

O extraordinário progresso da Madeira terá algo a ver com a autonomia, mas não só. Os Açores tiveram essa autonomia e só há pouco tempo se começaram a desenvolver com algum vigor. Na Madeira houve claramente um projecto que apostou no desenvolvimento das suas vantagens comparativas e que concitou a adesão da sociedade civil. O Algarve, que tem vantagens semelhantes às da Madeira, não as soube aproveitar tão bem, embora se possa queixar de ser, juntamente com Lisboa, o único contribuinte líquido inter-regiões. Se houvesse lá um AJ Jardim talvez não o fosse ...

É incontestável que a excessiva centralização da decisão em Portugal tem servido para emperrar o desenvolvimento. A questão é que emperra o desenvolvimento de “todo” o país, e não apenas das zonas periféricas. A burocracia cria tantos problemas a quem mora nas traseiras do Terreiro do Paço, como a um agente económico de Vinhais. Por outro lado, se exceptuarmos parte do litoral do país, há uma escassez gravíssima de massa crítica. Não é possível estabelecer indústrias minimamente qualificadas em quase todo o país, por falta dessa massa crítica. Não há gente qualificada ou, quando a há, é em quantidade muito insuficiente. O complexo de Sines, por exemplo, quando precisa de gente qualificada, tem que a importar de Lisboa ou de outras partes do país. Portanto, se exceptuarmos alguns pólos urbanos do litoral, a centralização é má, mas a descentralização é, actualmente, impossível. O interior do país entrou numa espiral de subdesenvolvimento que terá que ser combatida. Uma descentralização só poderá ser feita promovendo simultaneamente a criação de pólos urbanos com massa crítica adequada.

Aliás, se observarmos o quadro das NUTs 3, verifica-se que as profundas assimetrias se mantêm dentro das NUTs 2. Há uma diferença abissal entre o Grande Porto e o Tâmega. Provavelmente, dentro do Grande Porto existirá igualmente uma forte assimetria entre a cidade do Porto e os concelhos mais periféricos. A região Norte é a mais pobre, mas o Grande Porto está ao nível do Algarve e do Alentejo Litoral (região atípica, de baixa densidade populacional, onde o complexo de Sines e o turismo têm um peso importante).

Estas assimetrias são difíceis de corrigir, mesmo em países bastante descentralizados e com um forte poder regional. Há a experiência dos milhões recebidos pela ex-RDA e dos resultados pouco convincentes da aplicação desses fundos. A Alemanha saiu da 2ª Grande Guerra arrasada. O seu único capital eram os alemães, o seu know-how, a sua disciplina e o seu profissionalismo. Em menos de 20 anos tornaram-se na primeira potência económica da Europa. A mentalidade de dependência do Estado instilada durante mais de 4 décadas aos cidadãos da RDA foi muito mais destrutiva que as bombas dos Aliados. Passaram-se 15 anos e continua a não conseguir ultrapassar o atraso.


Tivemos igualmente a experiência recente, nos EUA, das assimetrias que o Katrina trouxe para a ribalta, entre Estados como a Louisiana ou o Mississipi e os Estados da costa Leste, Grandes Lagos ou costa do Pacífico. Vimos a diferença de reacção perante uma catástrofe, de habitantes de Nova Iorque e de Nova Orleães.

As assimetrias não têm apenas a ver com investimentos. Têm também a ver com mentalidades, grau de instrução e de cidadania. Apesar da sua escassez, mobilizar fundos é o mais fácil. Usá-los bem, é que é complicado.

PIBregionalpercapita.jpg

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Nota: PPC = Paridade de Poder de Compra. Quando os valores são negativos, significa que se está num processo de divergência com a média comunitária (UE15 e UE25)

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setembro 07, 2005

Desemprego Conceptual

A controvérsia sobre os números do desemprego em Portugal abona muito pouco políticos, jornalistas, conversadores de café, etc.. Ninguém se interessa pelas coisas “em-si”, escalpelizando-as e investigando o que significam. Apenas se interessam pelas coisas em bruto, para as arremessar contra o opositor político. Se os conversadores de café fazem isso por tradição multi-secular, ancorados como estão na maledicência e no boato, os políticos e jornalistas fazem-no por ignorância (ou para tirar proveito da ignorância dos receptores das suas mensagens) e por falta de ética argumentativa.

Marques Mendes acusou o Governo socialista de estar a deixar aumentar o desemprego, quando tinha prometido a criação de 150 mil empregos adicionais e que o combate ao desemprego seria a sua prioridade. Marques Mendes tem razão em afirmar que o desemprego aumentou. Basta observar o gráfico aqui inserto para se ver que, em termos homólogos (e é assim que deve ser comparado), o desemprego aumentou.
Desemprego04-5.jpg
Todavia Marques Mendes esqueceu-se que o fenómeno do aumento do desemprego já vinha de trás, que é uma questão estrutural que não foi resolvida pela governação PSD/PP, nem está ser resolvida pela actual governação. Já aqui escrevi, por diversas vezes, que o aumento do desemprego tem a ver com a degradação da nossa competitividade (baixa qualificação para os custos da mão-de-obra). Uma parcela muito importante dos custos da mão-de-obra é constituída pela excessiva punção fiscal necessária para solver uma despesa pública excessiva. Portanto a medida primordial para combater o aumento do desemprego no sector produtivo é aliviar a carga fiscal através de uma diminuição rigorosa da despesa pública. Uma outra medida é agilizar drasticamente a justiça. Isto é economicamente evidente e politicamente incorrecto, pelo menos para os nossos políticos.

Ora nem a coligação PSD/PP nem o governo PS fizeram nada sobre esta matéria. A actuação desastrada de Vítor Martins, um dos coordenadores do PIIP, no último Prós & Contras, revela a fragilidade da estratégia socialista. Foi uma actuação demasiado má para a atribuir apenas ao défice de competência e ao desconhecimento da realidade exterior daquele professor universitário. É à própria inanidade do projecto socialista que se deve atribuir aquela performance.

Como resposta a Marques Mendes, Jorge Coelho produziu-se a “provar”, por números (?), que o desemprego havia diminuído, citando os valores dos últimos meses. Olhando para o gráfico verifica-se que, de facto, o desemprego diminuiu nos últimos meses. Sucede todavia que esta diminuição de desemprego tem as características de fenómeno sazonal. Aconteceu o mesmo em 2004. Portanto, Jorge Coelho, se a sua capacidade cognitiva não fosse inversamente proporcional ao vigor da sua voz, não deveria ter dito semelhante disparate, disparate que aliás foi partilhado pela “observadora de Soares” Ana Sousa Dias ao interromper o Prof. Marcelo quando este criticava a situação do emprego, avisando-o solenemente que o desemprego estava a “descer”. O mesmo escreveu Morgado Fernandes hoje no DN: “Marques Mendes abriu uma nova frente - o desemprego - que o Governo desmontou com toda a facilidade … Objectivamente, os números do desemprego desceram durante o Governo socialista - provavelmente, sem que isso seja reflexo da acção governativa - quando antes estavam a subir”. É paradoxal (ou fruto da ignorância) usar o advérbio “objectivamente” como sinónimo de “superficialmente”.

O que se pode concluir é que o desemprego aumentou, ao contrário do que pretende Jorge Coelho e os seus apoiantes, mas que esse aumento é um fenómeno estrutural resultante das opções políticas e económicas que foram tomadas desde há muitos anos a esta parte. Portanto, Marques Mendes erra ao atribuir unicamente ao PS o aumento do desemprego. O governo de que fez parte também concorreu para esse fenómeno. São todos responsáveis porque todos eles foram incapazes de criar condições que permitissem a melhoria do clima económico (justiça, fiscalidade, etc.).

E o grave é que este fenómeno é realimentado por ele próprio. Quanto menor for o sector produtivo, menores serão as receitas para alimentar a despesa do Estado ou, inversamente, se se quiser manter o nível das receitas, mais gravoso será o ónus que pesará sobre o sector produtivo e sobre a sua competitividade.

O emprego no sector produtivo deve ser privilegiado. Só esse emprego pode agir como motor da economia. Grandes investimentos públicos geram empregos pontuais, mas quando desaparece o seu efeito, esse emprego desaparece quase totalmente. Em contrapartida os encargos com esses investimentos ficam a pesar na despesa pública e travam o desenvolvimento do sector produtivo, degradando a sua competitividade. O mesmo sucede com o emprego público.

As causas do desemprego e do empobrecimento relativo do nosso país não são obuses para altercações políticas superficiais – são matéria para sólida reflexão.

Isto ... se os políticos fossem capazes de reflexões sólidas ...

Publicado por Joana às 10:35 PM | Comentários (24) | TrackBack

agosto 23, 2005

Atrás da Cortina das Chamas

Os incêndios têm as suas vantagens. Já Heraclito, o especialista em fogos clássicos, afirmara que o fogo é a absoluta dissolução do que persiste – o desaparecer de outros, mas também de si mesmo. Com os fogos pós-modernos, Sócrates desapareceu e ninguém deu por falta dele, exceptuando uma oposição sem ideias e alguma comunicação carente de notícias políticas relacionadas como outros elementos sem ser o fogo. Mesmo as recentes transmissões televisivas de vídeo-clips da série Sócrates.0x.mpg mostram apenas um mundo virtual, onde o toon que protagoniza Sócrates afivela, em todas as ocasiões, expressão facial idêntica, idêntica linguagem gestual, e declama exactamente, textualmente as mesmas banalidades, repetidas até à exaustão, sempre iguais e da mesma maneira.

Mas o fogo redentor não dissolveu apenas Sócrates. Está a interpor as labaredas e a fumarada entre nós e a progressiva degradação económica do país. Deixámos de a ver. Só os que vão sendo directamente atingidos por ela a sentem. Nós, os outros, só vemos o fogo.

Todavia, para além do país físico, o país económico e social arde com chama sem se ver, inexoravelmente. Ninguém consegue disponibilizar meios de combate a esta chama que nos consome.

O défice orçamental até Julho aumentou 5,1% em termos homólogos. A despesa corrente aumentou em 5,1%, mas como a despesa de capital (investimento público) caiu em 4,3%, no seu conjunto a despesa aumentou 4,3%. O aumento da dívida pública tem levado ao aumento dos encargos com a dívida pública, que cresceram 13% em termos homólogos. E o que é grave é que este aumento será progressivo e poderá mesmo tornar-se dramático se as taxas de juro subirem. Do lado da receita houve um crescimento de 4,1%, muito superior ao aumento do PIB nominal, o que indica que os contribuintes suportam um peso cada vez maior para sustentar uma despesa pública que continua incontrolável.

O desemprego no 2º trimestre situou-se em 7,2% (6,3%, no período homólogo de 2004) recuando ligeiramente (era 7,5% no 1º trimestre de 2005), mas esse recuo é um fenómeno sazonal. No final do 3º trimestre atingirá, provavelmente, os 7,6% ou 7,7%. Estes valores escondem uma realidade muito mais vasta, porquanto o desemprego na Construção Civil tem aumentado a um ritmo superior ao que os indicadores registam (perdeu 75 mil postos de trabalho), pois muitos imigrantes no desemprego (nomeadamente os do Leste) optam por regressar aos seus países. Ora este desemprego, mesmo sem estar registado, também influencia as contas públicas, porque representa menos IRS e contribuições para a Segurança Social.

O desemprego na Construção Civil era um fenómeno expectável, mesmo em situação normal. O peso da Construção Civil era excessivo na nossa economia. Eu já aqui escrevera, por diversas vezes, que as promessas de Sócrates de criação de 150 mil empregos (alguém se lembra disso?) teriam que ter em conta a diminuição dos empregos na Construção Civil e nos sectores exportadores, de baixa qualificação. Portanto, o que deveria estar a acontecer seria um redireccionamento do emprego para outros sectores de actividade. Mas nada disso acontece. O Governo apenas promete investimentos públicos, a muito longo prazo, chorudos, mas de retorno mais que duvidoso.

O défice comercial português, que se havia agravado em 19,2% em 2004, agravou-se 15,9% nos primeiros 5 meses deste ano. A taxa de cobertura das importações pelas exportações que subira de 61% (2001) para 64,6% (2002) e 67,3% (2003), caiu em 2004 (64,5%) e é agora (Janeiro a Maio de 2005) de 63,5%. As exportações aumentam, mas menos que as importações, sustentadas por uma política (ou ausência de política) de rendimentos que nos faz viver acima das nossas posses.

Estes resultados são coincidentes com os Inquéritos de Confiança que mostram que a confiança dos agentes económicos está no nível mais baixo de há anos a esta parte. O leit-motiv da campanha de Sócrates foi justamente a afirmação que havia sido o “discurso da tanga” que tinha paralisado a economia, ao criar a desconfiança nos agentes económicos. Sócrates afirmara em campanha “eu quero um bom governo, um governo que restaure a confiança dos portugueses”. Ele ia restaurar essa confiança – a confiança está cada vez mais baixa.

Este fogo é muito mais grave que as labaredas que vemos todas as noites no ecrã televisivo. É um fogo que está a liquidar o país. Ambos têm, todavia, uma coisa em comum: resultam do nosso laxismo, da nossa imprevidência, da cobardia das nossas instituições, incompetentes e reféns dos mais variados interesses.

Publicado por Joana às 10:39 PM | Comentários (66) | TrackBack

agosto 09, 2005

O Muro de Berlim cai sobre Lisboa

Segundo o INE, a taxa de cobertura das importações pelas exportações, no primeiro semestre de 2005 face a igual período de 2004, caiu 7,5 pontos percentuais, não ultrapassando os 51% (!!). O défice da balança comercial portuguesa com países de fora da União Europeia aumentou 36,1%. Nesse período as exportações subiram 0,5% mas as importações dos países exteriores à União Europeia cresceram 15,2%. A fatia maior deste acréscimo corresponde, obviamente, às importações de crude. A factura petrolífera é grave, mas o que é calamitoso é o comportamento do nosso sector exportador.

Portugal tem sido muito mal gerido nas últimas décadas. Após o fim da autarcia salazarista baseada em baixos salários e preços agrícolas artificialmente baixos, a liberdade não correspondeu ao que se poderia esperar dela. Em primeiro lugar viveu-se a utopia socialista que liquidou o grande capital português, criou empresas públicas que se tornaram um sorvedouro inexaurível de dinheiro, mantendo a baixa produtividade e uma estrutura produtiva antiquada, conciliando-a com aumentos salariais altos e salários reais baixos. A elevada inflação e desvalorizações sucessivas mantiveram a ilusão monetária.

A liberdade substituiu o aparelho político salazarista pelo aparelho político partidário actual que se arroga, como o anterior, da exclusiva representatividade do povo. O compadrio e a satisfação de interesses particulares mantiveram-se, só que a uma escala mais vasta. Foram esses critérios políticos que levaram à aposta na política de betão e à disseminação de infra-estruturas, cuja única racionalidade era a satisfação das clientelas locais, e ao aumento das remunerações e regalias nos sectores abrigados da concorrência (o sector público, por exemplo), cuja única racionalidade era a obtenção de votos do eleitorado.

A integração na UE funcionou como ilusão política e económica. Enquanto o muro de Berlim se manteve firme, Portugal, apesar dos erros cometidos e da estrutura política, económica e social cheia de vícios, conseguiu manter algumas vantagens comparativas e capacidade de atracção do investimento estrangeiro, visto haver uma forte capacidade internacional de financiamento e escassez de locais para a aplicar. Investimento dirigido sobretudo para mão-de-obra barata e pouco qualificada. Assim, numa conjuntura que seria indicada para promover e incentivar uma nova ordem económica interna, aproveitou-se as benesses e as oportunidades concedidas para malbaratar dinheiros em obras de rendibilidade duvidosa, que se tornaram num desastre público por serem feitas sem planeamento e controlo de custos adequados. O país e as famílias endividaram-se para satisfação do consumo público e privado. Não para aplicarem na sua requalificação e na melhoria do sistema produtivo.

Não foram imediatos os efeitos da queda do muro de Berlim. Os países do Leste demoraram algum tempo a encontrarem a via do desenvolvimento. Mas aos poucos estão a encontrá-la. Portugal, apesar dos seus vícios políticos, sociais e económicos era atractivo porque não existiam alternativas. Essas alternativas foram-se construindo nos últimos 15 anos. Construídas por povos que foram vacinados contra as utopias socialistas e igualitárias e contra a submissão aos interesses corporativos e ao Estado patrão. Povos que foram curados dos vícios que bloqueiam o nosso progresso.

Ficámos reféns do nosso atraso e, pior que isso, dos nossos vícios, que não conseguimos ultrapassar e que são o obstáculo mais incontornável ao nosso progresso. Mantivemos um sector produtivo que já não consegue concorrer com países que partiram de situações mais desfavoráveis que a nossa. Criámos um sector público pesado e ineficiente cuja relação benefício-custo é baixíssima e que sufoca a nossa economia.

O Muro caiu em Berlim, mas o seu desmoronamento atingiu-nos pesadamente.

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julho 18, 2005

Um País à Deriva

O que há de extraordinariamente grave na situação do país não é a crise financeira. Outros países europeus tiveram crises de idêntica gravidade e resolveram-nas. Não é a perda progressiva de competitividade das empresas. Outros países europeus viram as suas empresas perderam competitividade e encontraram soluções para criar um ambiente económico que fosse favorável à inversão dessa tendência. O que há de extraordinariamente grave na situação do país é ele não ter estratégia, estar à deriva sem um projecto consistente e apenas tentar soluções avulsas, meros paliativos sem efeito sustentado ou mesmo contraproducentes.

O ministro Campos e Cunha, num artigo de opinião publicado este domingo no Público, avisou que no próximo ano poderão ser tomadas mais medidas de contenção da despesa pública e deu a entender que o plano de investimentos recentemente apresentado pelo Governo, pelo menos no que respeita à parcela pública (que é a maior parte), não tem, nem viabilidade financeira, nem efeitos positivos na economia do país, ou seja, nem se pode fazer, nem serviria para alguma coisa, se fosse feito.

Os sindicatos do sector público tentam promover protestos com impacto de forma a defenderem os seus direitos adquiridos. Ora os direitos adquiridos do sector público são proporcionais aos direitos progressivamente perdidos pelos trabalhadores do sector privado. O sector público tem garantia de emprego; os trabalhadores do sector privado vão, pouco a pouco, caindo no desemprego. Em 2000, o salário nominal por trabalhador do sector público situava-se 44% acima do valor do salário nominal para o total da economia e, a partir de 2001, com as políticas de congelamentos salariais, tem vindo a diminuir ligeiramente, tendo descido para 38% em 2004. E o mais grave é que a diferença é maior nos escalões menos qualificados, justamente naqueles onde o desemprego avança mais inexoravelmente no sector privado

Um sociólogo, Villaverde Cabral, pleiteando em causa própria, afirmou ao Diário Económico que os direitos e os salários que os funcionários estão a perder não beneficiarão em nada o resto dos trabalhadores. Antes pelo contrário. Quando os chamados “privilégios” dos funcionários tiverem sido reduzidos à expressão mínima, a situação dos trabalhadores da “privada” ficarão sem referências em termos de direitos laborais e verão a sua situação tornar-se ainda mais precária.

Ora essa referência Cabralista fez com que, em Portugal, os custos laborais no sector da manufactura tivessem crescido acima da produtividade e mais rápido que em alguns dos nossos principais concorrentes, o que se traduziu numa progressiva queda de competitividade. E esse fenómeno foi significativo nos produtos de reduzido valor acrescentado ou provenientes de sectores tradicionais, de mão-de-obra intensiva, como o Vestuário e Têxteis, onde se concentravam as exportações. Por exemplo, as exportações de Vestuário registaram uma queda superior a 14%, em termos homólogos, nos primeiros 5 meses do ano (informação do INE, ainda preliminar).

A referência dos preços dos factores, numa economia de mercado, é dada pelo equilíbrio gerado pela concorrência. No nosso país essa situação de equilíbrio não foi respeitada porque os vencimentos do sector público, artificialmente aumentados, muito para além do aceitável, tornaram-se referência para os trabalhadores daqueles sectores tradicionais. Esse aumento de custos laborais foi devastador. Houve empresas que, pela inovação e alteração dos segmentos de mercado para onde vendiam, conseguiram manter-se, outras têm sido obrigadas a fecharem as portas e outras, as multinacionais, optam por se deslocalizarem.

As referências de Villaverde Cabral levaram o sector produtivo à situação precária em que está, levaram o país ao estado de sufoco em que vive, sob o peso de um Estado asfixiante e puseram a nossa economia de pantanas. Foram as referências Cabralistas que arruinaram os nossos sectores tradicionais e exportadores e que têm levado ao aumento contínuo do desemprego. A perda das referências Cabralistas só pode ser útil ao nosso país.

O nosso país não tem estratégia nem projecto. Não teve com os anteriores governos, nem os tem com o actual. As medidas avulsas que este Governo está a tomar resultam apenas do desespero em que se encontra. Não têm por detrás nenhum plano coerente. Ao mesmo tempo que toma medidas avulsas, o Governo mente, criando ilusões na população, julgando que assim melhora a sua imagem. É um erro. A situação está a fazer uma bola de neve. Daqui a alguns meses, outras medidas gravosas, mas avulsas, serão tomadas. E voltará a mentir, criando a ilusão de que são suficientes. E assim sucessivamente.

No Governo, apenas o ministro Campos e Cunha parece ter a noção (total ou parcial) do que se está realmente a passar. Os outros parecem pessoas algo irresponsáveis que não interiorizaram a situação do país. Eles e uma boa parte da população.

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julho 12, 2005

Vítimas dos Factos

Ou É a Economia, Estúpido!

No Boletim Económico de Verão, hoje apresentado, o Banco de Portugal viu-se obrigado a rever em baixa as previsões para a Economia portuguesa e alinhavou umas explicações, na generalidade correctas, mas com enviesamentos no sentido de dourar a pílula. É preciso que se tenha em conta que estamos num regime de uma maioria, um governo, um Presidente e um Governador do BdP. Mas esta imponência monocolor nada consegue contra os efeitos económicos e financeiros das más opções económicas e políticas. E o que é interessante, é que as actuais previsões consolidam a argumentação que eu tenho desenvolvido aqui por diversas vezes, em particular ontem.

O BdP explica a forte revisão em baixa das perspectivas de crescimento da nossa economia, pelo «desempenho decepcionante» que esta registou nos primeiros meses deste ano, bem como devido às medidas anunciadas pelo Governo para combater o elevado défice orçamental (o aumento de impostos) e à escalada do petróleo. O BdP prevê que a economia portuguesa cresça este ano apenas 0,5%, um valor que compara com os 1,6% estimados em Dezembro do ano passado e o crescimento de 1,1% verificado em 2004

O mais grave é que se o Banco de Portugal reviu em forte baixa as perspectivas de crescimento da economia portuguesa, acrescenta que estas ainda têm um elevado risco de ficarem abaixo do previsto, admitindo mesmo um decréscimo do PIB este ano e em 2006. Somando todos estes factores no PIB, o BdP afirma que existe um «balanço de riscos no sentido da baixa, através de uma probabilidade superior a 50% do crescimento económico ficar abaixo do projectado no cenário central». Ver figura abaixo, com as mangas de previsão para o PIB e a Inflação:
BdP_ProjPIB_I.jpg
O que me intriga, na manga de previsão do PIB, é o valor médio dessa manga não ser equidistante dos limites superior e inferior, mas situar-se claramente acima da média. Será que o erro da previsão não segue uma distribuição normal? Ou haverá uma distribuição “anormal” por razões não estatísticas? Aliás, o próprio estudo afirma que a probabilidade dos valores se situarem abaixo da previsão é superior a 50%, o que coincide com a figura. Ora aquela previsão deveria ser dada de forma que a probabilidade dos valores serem ultrapassados fosse igual à probabilidade de eles ficarem aquém do previsto, ou seja, uma probabilidade de 50%. Aparentemente a necessidade de não ser tão pessimista foi superior às “necessidades” estatísticas.

No quadro seguinte encontram-se as projecções actualizadas do BdP. Basta olhar e constatar o descalabro dos valores entre as previsões feitas em Dezembro de 2004 e as actuais. Claro que o BdP é sucinto sobre esta queda. Ou foi iludido pelo canto de sereia de Santana (o que não é plausível) ou o desempenho deste governo é péssimo. Como é possível as previsões do BdP caírem tão abruptamente?

BdP_Projec.jpg

Em Dezembro de 2004 o BdP previa, para 2005 e 2006, um aumento do PIB de 1,6% e 2%. Agora prevê um aumento do PIB de 0,5% e 1,2%. E com o risco destes valores terem uma probabilidade superior a 50% (!!) de não serem atingidos. As exportações caem a pique. Como as importações caem menos, a nossa balança de transacções com o exterior vai piorar mais que o previsto. Por sua vez, como o consumo privado deve crescer mais que o rendimento disponível real, a taxa de poupança das famílias portuguesas vai atingir os 9,2% do rendimento disponível em 2006, o nível mais baixo desde 1999.

Entre os indicadores citados para explicar o «desempenho decepcionante da economia portuguesa, o BdP referiu «o expressivo aumento da taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2005», que atingiu os 7,5%, num agravamento de mais de um ponto percentual face ao verificado no período homólogo. Ora o aumento do desemprego é uma consequência e não uma causa do «desempenho decepcionante da economia portuguesa. Mas, o que é um espanto, é a afirmação que «Como sempre se tem sublinhado os efeitos de curto prazo da consolidação orçamental são de natureza restritiva, sendo apenas no médio prazo que se verificam os efeitos positivos da redução do défice e da estabilização do rácio da dívida pública».

O BdP finge ignorar que uma consolidação orçamental baseada no aumento dos impostos é apenas droga que se ingere, para se acordar pior que antes. Sem uma forte contenção do lado da despesa, esta consolidação orçamental não leva sítio nenhum. Como o PIB não cresce, devido ao aumento dos impostos, a despesa pública, em termos percentuais, cresce de forma inexorável. Foi o que aconteceu com Manuela Ferreira Leite, apesar desta ter sido um pouco mais agressiva em matéria de contenção. Foi aflitiva a prestação esta noite de Perez Metelo, na TVI, tentando branquear toda esta situação. Falou da nossa falta de competitividade face ao exterior, como se isso fosse uma catástrofe natural e não fosse uma consequência da má política económica, laboral e fiscal. Apelou aos privados para investir, como se os privados se convencessem com novenas e pregações televisivas. Os privados convencem-se com factos. Se o país se torna atractivo ao investimento, investem. Caso contrário, ou não investem ou desinvestem.

Mas não sou só eu a considerar pouco consistente esta argumentação, ou pelo menos a forma “enviesada” como ela é apresentada. Os ministros das finanças da União Europeia não estiveram com meias medidas e pediram a Portugal para reduzir as despesas públicas de forma a baixar o défice orçamental, que deverá registar um valor recorde para a Zona Euro este ano. Foi pedido a Sócrates que desse mais garantias de que o país vai conseguir realizar os objectivos de redução do défice e reduzir as despesas. Sublinho reduzir as despesas e não a consolidação orçamental pelo lado dos impostos. Os ministros das finanças da UE, quando falam de um país que não seja o seu, não se iludem com palavras, nem têm que fazer fretes políticos nos ecrãs de TV. Não falaram em aumentar os impostos – exigiram a diminuição da despesa.

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junho 30, 2005

Empresas na Hora, Débitos em Anos

O Conselho de Ministros, na celebração dos 100 dias, aprovou hoje um regime especial de constituição imediata de empresas, em apenas um dia. O serviço «empresa na hora» vai ser prestado em qualquer conservatória do registo comercial. Actualmente, com o regime jurídico vigente, o tempo médio de criação de empresas nunca é inferior a 20 dias. A partir de agora, depois de 20 dias na fila de espera da conservatória do registo comercial, a empresa cria-se num único dia!

A medida visa, segundo Alberto Costa, «contribuir para um maior dinamismo da economia». A desburocratização dos processos é sempre útil e bem-vinda. O prazo actual era incompatível com a urgência que havia, na maioria dos casos, em ter uma firma constituída e legalizada num prazo curto. Frequentemente levava meses.

Se esta medida é útil, ela representa apenas um aspecto parcelar da teia burocrática que envolve a vida de uma empresa. Por coincidência, ou talvez não, no mesmo dia em que era anunciada esta medida, o relatório da Intrum Justitia assinalava que as empresas portuguesas eram, na Europa, as que mais demoravam a pagar a fornecedores e credores mas, mesmo assim, conseguiam cumprir as suas responsabilidades financeiras de uma forma mais rápida do que o Estado português.

Segundo o Risk Index, em Portugal, os clientes particulares pagam, em média, com um prazo de 55 dias, as empresas em cerca de 80 dias e o sector público, no qual são concedidas condições de pagamento contratuais de 66 dias, protelam depois mais 89 dias para procederem ao pagamento, o que perfaz um total de 155 dias. Como comparação, o sector público da Finlândia liquida as suas contas após 25,4 dias, ou seja, com um atraso no pagamento de apenas 5,4 dias relativamente às condições de pagamento (20 dias). O Estado português demora a pagar aos seus fornecedores mais 4,5 meses do que o Estado finlandês.

Mas pior que os atrasos dos pagamentos é o “não pagamento”. O valor médio dos prejuízos resultantes devido ao não pagamento, em Portugal, são dos mais elevados da Europa. No final de 2004 foi de 2,7% e no final de 2003 tinha sido 3,2%. Em Portugal, as consequências dos prazos de pagamento longos e dos prejuízos resultantes do não pagamento faz com que 67% das empresas analisadas sofram de crise de liquidez, e muitas vejam mesmo a sua existência ameaçada.

O incumprimento das condições contratuais, facilitado e incentivado pela ineficácia da justiça, é um círculo vicioso que corrói todo o nosso tecido empresarial. Muitas empresas são obrigadas a dilatarem os seus prazos de pagamento porque a sua liquidez está em crise devido aos atrasos dos recebimentos. Os principais caloteiros são o Estado, administração central, institutos e, principalmente, autarquias.

Para a Intrum Justitia, o índice de risco em Portugal situava-se nos 184 pontos no final de 2004, ligeiramente inferior aos 191 pontos verificados em 2003. Este foi o valor mais elevado entre todos os 23 países analisados. Os riscos mais reduzidos são registados pela Finlândia (121), Suécia (129) e Noruega (130). Os riscos mais elevados – a seguir a Portugal – são registados pela República Checa (174), Grécia (173) e Chipre (167).

Entre os países analisados, apenas Portugal se encontrava no penúltimo escalão de risco (175-199), o escalão no qual, segundo a Intrum Justitia, é imperativo introduzir alterações. Todos sabemos isso. Essas alterações são mais importantes e com um impacte incomparavelmente maior no funcionamento da nossa economia, que o serviço «empresa na hora», isto sem desmerecer a medida anunciada. Sucede todavia que esta é uma medida mais fácil, é uma espécie de Loja do Cidadão para a criação de empresas, a outra mexe com a burocracia instalada, leis e procedimentos obsoletos, vícios criados, etc.. A justiça precisa de uma reforma profunda e o Estado precisa de pôr os seus pagamentos em dia e começar a agir como bom pagador e não como um caloteiro, dando um péssimo exemplo aos restantes agentes económicos.

Publicado por Joana às 11:54 PM | Comentários (39) | TrackBack

junho 26, 2005

Portugal, a UE e Blair

Portugal tem com a UE uma relação perversa. Para a maioria, a UE é uma espécie de Pai Natal que põe prendas no "sapatinho": Auto-estradas, abastecimento de águas, redes de saneamento, cursos de formação que são uma forma sub-reptícia de mascarar o desemprego real, etc.. Para outros, poucos, é, principalmente, um Pai Real, de todos os dias, que impõe regras de despesa e que impede que o miúdo compre tudo o que vê nas montras, sem cuidar do dia seguinte. Uns esperam dela o “ouro do Brasil”, outros esperam que ela sirva de tutor a um povo indisciplinado e que vive de ilusões e de freio a políticos sem competência e sem rigor.

Foi o “gongue” do FMI que nos salvou do descalabro desencadeado pelo PREC e sustentado depois por políticos populistas e incapazes. A tutela externa fez com que fossem possíveis algumas medidas correctoras delineadas por Ernâni Lopes e assinadas por Mário Soares, na Portela, entre uma chegada e uma partida de avião. Foi o “gongue” da infracção das regras do PEC que nos salvou do KO guterrista e que, se não foi suficiente para se reformar o Estado português, pelo menos permitiu garrotar alguns custos e travar o delírio despesista.

Agora, mais uma vez fomos salvos pelo “gongue” do PEC, quando nos aprestávamos a viver no mundo de ilusões criado pela campanha eleitoral de Sócrates. Com o actual orçamento rectificativo, Sócrates não cumpriu duas promessas eleitorais: uma, a de não aumentar os impostos; outra, a de não falar do passado, porquanto perante um OR onde a despesa pública é superior a metade do PIB (50,2%), o seu argumento foi que o OE 2005 era “um embuste”.

Ora este OR é igualmente um embuste. A eficiência fiscal é uma operação de marketing de Paulo de Macedo. Muitas das liquidações adicionais que as Direcções de Finanças andam a enviar, atrabiliariamente, aos contribuintes, resultam de erros das bases de dados e dos sistemas informáticos dos serviços, ou apenas de incúria dos serviços. Daqui a 2 ou 3 anos ainda estarão a discutir a veracidade de muitas das notas de liquidação.

O repatriamento de capitais é uma ilusão. Portugal não é atractivo aos capitais por várias razões, sendo a principal o facto de o Estado não ser uma pessoa de bem. O Estado português habituou-nos a mudar constantemente as regras do jogo. Muda-as a meio do campeonato. Quem se arrisca a repatriar capitais, quando não sabe se daqui a algum tempo o governo não aparece com uma lei que os vai penalizar? Ninguém confia num batoteiro.

Privatizações e venda de imóveis estão fora de causa. Há espaço para mobilização de poupanças de pequenos accionistas, mas os investidores graúdos, na actual situação económica, só estarão interessados se os preços das acções forem muito convidativos, o que significa vender abaixo do valor real. Quanto ao imobiliário, as aparições desastradas de Eduardo Cabrita foram o golpe de misericórdia. Se estava estagnado, agora vai a pique.

No que respeita às receitas dos novos impostos, a quebra de consumo, a evasão (haverá, por exemplo, cada vez menos particulares a pedirem facturas por obras ou serviços) e o contrabando vão fazer com que os valores sejam mais baixos do que os expectáveis. A estagnação económica e o aumento lento, mas sustentado, do desemprego vão reflectir-se negativamente nas arrecadações fiscais e no aumento de transferências sociais.

O problema central em Portugal continua a ser o da dimensão do Estado, quer em efectivos quer, principalmente, no descontrolo dos custos. Ora, se exceptuarmos medidas de impacte mediático e de importância moralizadora, mas de reduzida influência na despesa pública, nada mais foi anunciado. Bruxelas igualmente considerou que não havendo medidas importantes no lado da despesa, as medidas do presente OR não conduzirão a um resultado sustentável. Todavia os nossos líderes políticos, e os fazedores de opinião que os apoiam, consideram que isso são manias de burocratas desligados das massas, incapazes de compreenderem os anseios populares.

Têm razão. Mas a sua razão é o seu desatino. Porque a existência desses eurocratas permitiu-lhes tomar medidas que nunca tomariam se não fossem as exigências desses eurocratas “desligados das massas”. Servem-lhes de desculpa. Todavia, a situação do país é de tal forma calamitosa e as medidas a tomar tão gravosas para muita gente, que o governo teme ir mais longe porque receia as consequências, mesmo desculpando-se com as exigências de Bruxelas e o “embuste” do OE2005.

E não é apenas uma questão de temer. É igualmente uma questão de competência. A reforma da administração pública não se faz com despedimentos cegos. Faz-se reestruturando os serviços e os procedimentos, avaliando, em função dessa reestruturação, quantos e quais os efectivos que necessita, quais os que pode ou deve transferir para outros serviços e quais os que estão realmente a mais. Se esta é uma tarefa complexa numa empresa com centenas ou poucos milhares de efectivos, o que será num sector com 750 mil efectivos.

É nesta conjuntura que muda a presidência da UE. No próximo semestre essa presidência cabe à Grã-Bretanha e a Tony Blair. Tony Blair saiu-se bem na questão do “cheque britânico”. Não disse que não, mas pediu como moeda de troca o fim progressivo da PAC. Se inicialmente estava isolado, Blair rapidamente congregou alguns apoios. E se os novos países do Leste não o apoiaram foi apenas porque o falhanço da cimeira protelou a resolução da questão da obtenção dos fundos estruturais de que eles necessitam urgentemente. Mas certamente que o apoiarão, visto a PAC ser obsoleta e servir fundamentalmente os interesses dos agricultores franceses, espojados nas “delícias de Cápua” dos subsídios.

O discurso de Blair foi claro e abriu uma porta numa Europa em crise de identidade. Salientou que é preciso investir mais na educação, na ciência, na investigação, no desenvolvimento e nas tecnologias, gerando novos empregos, e não numa agricultura que consome 40% dos recursos da UE. A alternativa, se tal não for feito, é a UE ser ultrapassada pela China e pela Índia dentro de 20 ou 30 anos. A UE deve modernizar o seu modelo, combinando uma elevada competitividade com a protecção social.

Tony Blair não tem a seu favor apenas as palavras que proferiu. Tem atrás de si o exemplo da economia britânica a crescer e o desemprego a diminuir, numa altura em que na maior parte dos Estados europeus as economias estagnam e o desemprego cresce sem cessar. Quando lhe falam encomiasticamente do Modelo Social Europeu, pergunta que modelo é esse que se traduziu entretanto em 20 milhões de desempregados?

O programa de Blair, admitindo que as palavras dele correspondam a uma intenção firme, vai em sentido contrário aos conceitos que nos moldaram, nos modelos estatizantes em que temos vivido. A Europa continental, principalmente a do sul, conceptualmente mais distante daquilo que Weber definiu como a “ética protestante”, não se sente confortável quando confrontada com um programa económico mais liberal. Prefere acomodar-se a um estatismo mais “tranquilo”. Todavia esta preferência deixou de ser uma alternativa viável com a economia global – a Europa, ou arrisca na inovação tecnológica e nas áreas em que a sua qualificação lhe confere vantagens comparativas, ou envereda por um projecto de empobrecimento contínuo e deixa-se ultrapassar por outros.

A presidência britânica pode ter efeitos positivos em Portugal. Blair e Sócrates pertencem à mesma família política. Sócrates pode ser seduzido pelo exemplo britânico e decidir arriscar mais. Certamente que se arriscar mais, o PS será pesadamente derrotado nas autárquicas e Cavaco terá o caminho livre nas presidenciais. Mas Cavaco, se Sócrates executar uma política de rigor na despesa pública, não lhe tirará o tapete debaixo dos pés, não reeditando o exemplo de Sampaio. Portanto, Sócrates terá toda a legislatura para reformar o país e recolher os primeiros dividendos dessa reforma.

Se não o fizer, é provável que as autárquicas corram melhor ao PS, mas a derrapagem económica é inevitável com esta política. Daqui a 4 anos estaremos pior do que agora, com mais desemprego, mais impostos, mais défice e mais longe da solução. Sócrates terá que escolher: ou uma pesada derrota autárquica, ou uma pesada derrota legislativa dentro de 4 anos ... ou antes, se a situação económica e política se degradar em demasia e o novo presidente julgar preferível eleições antecipadas.

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junho 22, 2005

A Descida do Maelstrom

Portugal está numa situação gravíssima, e não seriam necessárias as notícias de Bruxelas para o sabermos, se não fosse a nossa pecha para vivermos de ilusões. Ela é muito grave, pelo estado em que se encontram a nossa economia e as nossas finanças, mas é sobremaneira grave pela nossa postura face a essa situação. Estamos a descer ao abismo, mas debatemo-nos de forma tão canhestra, que nos afundamos sempre mais, agarrados uns aos outros, puxando uns pelos outros. Faz falta uma equipa de nadadores salvadores adestrada, que comece por distribuir tabefes por todos os náufragos, para estes caírem em si e agirem no sentido da sobrevivência e não do aniquilamento mútuo. Um dos náufragos, o PR, deu ontem um exemplo típico do caos mental que reina entre nós, da forma como nos debatemos arrastando os outros para o fundo e da nossa total incompetência institucional.

As declarações e pareceres de Bruxelas sobre o PEC apresentado pelo governo português vão no mesmo sentido do que aqui foi escrito por diversas vezes e das opiniões emitidas por diversos economistas independentes.

Em primeiro lugar as medidas são muito insuficientes. Como escrevi aqui diversas vezes, são emblemáticas no sentido de uma maior equidade social de direitos e deveres, mas não vão ao âmago da questão.

Em segundo lugar o aumento dos impostos é uma medida perversa: Diminui a competitividade da economia e o aumento da massa colectável é sempre inferior às expectativas, quer por travagem da actividade económica, quer pelo “Efeito Say” – Um imposto exagerado faz decrescer a base sobre que incide. Demasiado imposto mata o imposto. E foi Bruxelas quem chamou a atenção para esse facto. Quando eu aqui referi esse fenómeno houve comentaristas que consideraram que eu estava a pactuar com os infractores ...

Quanto aos resultados da intensificação à evasão fiscal, Bruxelas riu-se disso. Em primeiro lugar porque tal deve ser uma política normal de qualquer Estado civilizado e de Direito; em segundo lugar porque os efeitos desse combate são sempre muito inferiores às expectativas. Há estimativas sobre o valor da evasão fiscal entre nós e não se afastam da média da Europa do Sul. A “evasão fiscal” é uma arma que tem sido brandida pelos sindicatos para tentarem criar na opinião pública uma imagem que a sua eliminação é a panaceia para sustentar a hipertrofia estatal. Bruxelas tem a experiência das políticas dos Estados-membros e não vai em conversa fiada.

Finalmente Bruxelas insiste na tecla da diminuição da despesa pública e dá exemplos do excesso da despesa na Educação e na Saúde. Enquanto Portugal não apresentar um programa de diminuição sustentada da despesa pública, os PEC’s que o nosso governo apresentar em Bruxelas carecem de credibilidade. Esse é o âmago da questão e o terror do governo. Se com estas medidas tíbias, concita tanto protesto, o que será se enveredar por medidas mais consistentes? Mas tem que reconhecer que tem sorte – se fosse um governo de centro-direita a anunciar estas medidas seria uma tempestade muito maior, agravada pelo facto dos actuais proponentes das medidas estarem agora a protestar furiosamente contra elas.

Bruxelas passa ao largo dos disparates que os nossos políticos dizem em colóquios, conferências, comunicações televisivas, conversas de café e suspiros íntimos; não ouve as elucubrações de analistas no desemprego político e de políticos no desemprego analítico. Desconhece o caos mental de Metelo, o simplismo de Delgado e a untuosidade balofa de AJ Teixeira.

Felizmente que somos um país periférico, pois se Bruxelas andasse a par das tontices que são ditas por políticos que deviam agir com responsabilidade, e por analistas, que deviam comentar com discernimento, concluiria que éramos um caso perdido.


Sobre estas questões ler, p.ex., neste blog:
Entregues ao Altíssimo
Poeira ou Descontrolo?
O Manto diáfano da inacção

Publicado por Joana às 07:03 PM | Comentários (148) | TrackBack

junho 12, 2005

37º 08’N 07º 36’W

Ou Reflexões pré-estivais

1 – Bizantinices:
O debate escrito entre Bagão Félix e Vítor Constâncio foi uma bizantinice. Em primeiro lugar, ambos têm razão; em segundo lugar, já ninguém se interessa pela autópsia de défices passados. Há alguns, poucos, que apenas estão interessados em resolver os défices futuros, e outros, muitos, que apenas estão interessados em tentar que os défices não lhes digam respeito e lhes passem ao largo.

É evidente que Bagão Félix tem razão em tudo o que escreve sobre as condições em que foi elaborado o OE2005, não apenas pelo desfasamento temporal (Setembro e Outubro de 2004 contra Abril de 2005), como quanto à política de cativação de verbas (táctica que tem sido usada como pressão sobre os ministérios “despesistas”), como ainda quanto ao desfasamento político (o OE 2005 foi feito tendo subjacente uma dada política, e a sua reavaliação foi feita tendo em conta outras opções políticas em alguns itens).

Também é óbvio que Vítor Constâncio tem razão: a reavaliação do OE2005 foi feita de forma tecnicamente correcta (embora o ter ido às centésimas se prestar ao ridículo) e será o que aconteceria, com as actuais previsões (corrigidas face ao que eram 6 meses antes) e opções políticas, se nada se fizer para corrigir. Aliás Vítor Constâncio teve o cuidado de sublinhar que a sua previsão “não era incondicional” e “será seguramente invalidada”.

O que envenenou a questão foi a reavaliação do OE2005 ter sido apresentada no meio de um encenação monumental, destinada a permitir a Sócrates dramatizar a situação financeira (que conhecia), derrogar as suas promessas eleitorais (feitas com conhecimento da situação financeira) e atirar as culpas para os outros. Sócrates utilizou o adereço fornecido por Constâncio na sua rábula. O adereço prestava-se a isso, mas Vítor Constâncio teve o cuidado de o condimentar com algumas frases, tecnicamente inatacáveis, que lhe permitiriam alegar a mais completa neutralidade perante o aproveitamento político posterior. Assim, Vítor Constâncio continuaria a ser o técnico acima de qualquer suspeita, deixando as rábulas para os políticos “abaixo de qualquer suspeita”, como Cravinho, que acorreu com uma conferência de imprensa que julgava ser incendiária, mas que resultou absolutamente inútil face ao rigor mortis adiantado da questão, e que foi relegada para 4º ou 5º plano pela comunicação social.

Mas tendo embora Bagão Félix e Vítor Constâncio razão, saem ambos feridos desta questão: Bagão Félix é o responsável por um OE que passará à História como não credível e Vítor Constâncio é responsável por ter participado (por acção ou omissão) numa rábula que teve muito de política e nada de técnica. E ambos por esta polémica inútil.

2 – Morreu o “Companheiro” Vasco.
É normal que um vulto que desempenhou um importante papel na História fique amarrado às convicções que estiveram na base desse desempenho. Não é pois de estranhar que Vasco Gonçalves continuasse amarrado às suas convicções e a pensar que as decisões que tomou em 1974/75 eram as que melhor serviam os portugueses e a sua prosperidade. Mas o problema maior de Vasco Gonçalves não foi o de não perceber que a política que implementou das “nacionalizações aos repelões”, a proteger por uma Constituição blindada feita sob a tutela do MFA, levaria Portugal à ruína em vez de o levar aos “amanhãs que cantam”; o problema maior foi o de nunca ter percebido que não tinha base social (e militar) de apoio, e a dramatizar uma Teoria da Conspiração para descrever o seu crescente isolamento, clamando contra a “baixa política” do “Documento dos nove”, contra a informação, que se estaria a tornar “fascizante”, apesar de ela estar então maioritariamente controlada pelo PC, e contra a oposição às suas ideias, pois essa oposição tinha semelhanças com as “situações pré-fascistas” da Europa entre as duas guerras. A dramatização do chavão “não há 3ª via entre o socialismo (leia-se comunismo) e o fascismo” não é compaginável com o epíteto de lutador pela liberdade que lhe é dado por alguma esquerda.

Há todavia algo que se lhe deve reconhecer para além da coerência ideológica: era um homem intrinsecamente honesto. Nomeadamente quando comparado com os outros protagonistas da época: Otelo, Cunhal, Soares, etc. Todavia a honestidade, quando acompanhada por uma certeza inabalável nas convicções políticas, pode servir de caução aos maiores desmandos perpetrados por sequazes. Felizmente para o país, Vasco Gonçalves foi destituído antes que tal pudesse acontecer.

Viveu exilado no seu azedume; as críticas à sua política eram apenas mentiras e calúnias; os seus colegas de armas, que se lhe opuseram, traíram-no vítimas de vacilações pequeno-burguesas. Morreu zangado com a História.

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junho 05, 2005

Entregues ao Altíssimo

Campos e Cunha confirmou na AR um quadro recessivo para os próximos tempos. E disse à AR, e a todos nós, que a saída das dificuldades presentes só é possível com o crescimento da economia. E afirmou ainda que os tais 150 mil postos de trabalho perdidos nos últimos três anos, e cuja recuperação era uma das promessas eleitorais do PS, não vão poder ser recuperados no espaço desta legislatura. Todavia as medidas que propôs – muito insuficientes do lado da despesa e danosas para a economia do lado da receita – significam que o ministro não apresentou um programa político. O ministro entregou-se, e entregou-nos, à misericórdia divina.

A única forma sustentável de combater o défice é fazer diminuir a despesa pública. Combatê-lo pela via do aumento de impostos tem efeito matematicamente positivo no curto prazo, mas a médio prazo é contraproducente. Diminui a competitividade da economia, aumenta o desemprego, faz diminuir a base de incidência fiscal e acaba anulando os efeitos inicialmente positivos, deixando as finanças e a economia do país numa situação pior que a anterior. Foi o que aconteceu nos 3 últimos anos: aumento do IVA, congelamentos salariais na função pública, afirmações ad terrorem da ministra das Finanças, etc., não surtiram efeito. Apenas desaceleraram o aumento do défice.

O congelamento dos vencimentos da FP também não é suficiente, e provavelmente é contraproducente, pois não permite distinguir o mérito do demérito e incentivar a dedicação e o desembaraço. A maioria dos gastos deve-se à desorganização e burocracia dos serviços. Além disso há um excesso de efectivos. É um escândalo o ministério da Agricultura ter 1 funcionário por cada 4 agricultores. A Educação terá 30% a 40% de funcionários a mais, entre professores e pessoal auxiliar. As estatísticas dizem que temos, em termos relativos, mais juízes, magistrados e funcionários judiciais que qualquer outro país europeu. Os gastos excessivos da saúde comparados com os serviços que presta indiciam uma enorme desorganização dos serviços e a incapacidade de manter na ordem alguns lobbies internos deste sector.

Esta situação é insustentável, pois se baseia no aumento progressivo das taxas de impostos que leva, com a degradação da economia, a uma progressiva diminuição das receitas fiscais. Campos e Cunha não pode comparecer no hemiciclo, fazendo apelos ao crescimento da economia, propondo todavia medidas que constituem, parcialmente, um obstáculo a esse crescimento. O apelo de Campos e Cunha é matéria de fé, não é matéria da razão.

Há um cenário eventualmente possível a médio prazo. A manutenção do sector estatal, com a sua actual dimensão, com os seus custos de funcionamento e com o péssimo serviço que presta é, como se viu, um empecilho ao desenvolvimento. Já que tanto mentiu em campanha e como não se tem saído mal com isso, Sócrates terá condições para se apresentar, daqui a alguns meses, com todo o descaro, para afirmar perante todos nós que a defesa do “Estado Social de Bem-Estar”, que jurou nunca mexer, passa por alguns emagrecimentos, aqui e ali. É claro que o emagrecimento do Estado só será possível com uma reorganização simultânea dos serviços e dos procedimentos. Apenas despedir, só conduziria ao caos. E a diminuição dos efectivos deve ser feita de modo a que saiam os que devem sair, e não aqueles que quereriam aproveitar essa possibilidade para saírem, normalmente os mais aptos e diligentes.

Há uma forma de fazer esta operação que talvez tivesse o aval da UE. Um empréstimo público a longo prazo que pudesse custear a rescisão dos contratos poderia ser negociado com a EU como uma despesa estruturante, que não entrasse na contabilização do défice e que pudesse ser, eventualmente, comparticipada. Todavia há um óbice – esta medida exige uma elevada competência, não apenas dos membros do governo e dos seus gabinetes, como dos diversos níveis hierárquicos das chefias, a começar pelo topo. Esta elevada competência não é compaginável com a enxurrada de boys, à média de 10 por dia, que este governo tem promovido. Não é compaginável com as nomeações que este governo tem feito para os CA das empresas que tutela. Não é compaginável com nódoas políticas, com porta-vozes desqualificados, com aparitchicks mafiosos, com coelhones, etc..

E a ironia maior é que a individualidade mais competente do governo está sob fogo da populaça por questões “éticas”. E essa ironia é mais curiosa porque a devassa a que está a ser sujeito era um dos pilares que ele estava a erigir para combater a evasão fiscal através da delação pública, do voyeurismo invejoso dos rendimentos de outrem. Campos e Cunha, economista competente, deve ter agora aprendido que a cidadania e o sentimento do social não se exercitam com apelos à delação, mas pela pedagogia, principalmente pela pedagogia política de um Estado que se deve comportar para com os seus cidadãos como pessoa de bem. Demora décadas, mas é assim que se faz. E como demora décadas, deve-se começar já.

Um Estado péssimo pagador, que dá pouco em troca de muito, é um mau pedagogo político. E se convidar à delação é um pedagogo ainda menos convincente.


Ler também:
OE2006 e OE2007
A Cigarra e o Coelhone

Waterloo a Prazo
Orçamento Auto-regenerável

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maio 26, 2005

OE2006 e OE2007

O Governo propôs aumentos de impostos e reduções simbólicas na despesa. Com isso reduzirá o défice previsional de 6,83% para 6,2%. Como não há reestruturação do sector público, mas apenas cortes simbólicos para o povo perceber que as chefias de institutos e empresas públicas também vão “penar”, estas medidas são apenas drogas que se injectam no enfermo para ele ficar feliz enquanto a doença avança.

No próximo OE2006 o Governo vai produzir-se na AR absolutamente espantado com o buraco orçamental do SNS e de outros serviços, e incomodado com a falta de espírito empreendedor dos empresários que provocaram a estagnação económica e o aumento galopante do desemprego, e prometerá reduzir o défice de 6,7% real (em 2005) para 6% em 2006, com as seguintes medidas:

IVA. Sobe de 21% para 24%.

IRS. Criado novo escalão (48%) para contribuintes que ganhem mais de 60 mil

Tabaco e Combustíveis. Os impostos directos sobre o tabaco e combustíveis (ISP) vão aumentar (no dobro do valor proposto em Maio de 2005).

Sigilo fiscal. O Governo mandará publicar as declarações de rendimentos em Diário da República – 4ª Série

Sigilo bancário. Os extractos das contas serão afixados à porta das agências bancárias

Dívidas. Estabelece-se um plano para estimar e cobrar dívidas fiscais ocorridas nos últimos 50 anos.

O sector público manter-se-á sagrado.

No futuro OE2007 o Governo vai produzir-se na AR ainda mais espantado com o buraco orçamental do SNS e de outros serviços, com a queda abrupta da actividade económica e com os 25% de desempregados e prometerá reduzir o défice de 7% real (em 2006) para 6% com as seguintes medidas

IVA. Sobe de 24% para 30%.

IRS. Criado novo escalão (60%) para contribuintes que ganhem mais de 60 mil € e aumentados em 5 pontos os restantes escalões

Tabaco e Combustíveis. Os impostos directos sobre o tabaco e combustíveis (ISP) vão aumentar (no quádruplo do valor de Maio de 2005).

Sigilo fiscal. O Governo mandará publicar as declarações de rendimentos em Diário da República – 4ª Série e enviará exemplares para os domicílios dos vizinhos dos contribuintes

Sigilo bancário. Os extractos das contas serão afixados à porta das agências bancárias e enviados para as sedes do BE, do PCP e para as chefias dos gangs especializados em sequestros para extorsão.

Dívidas. Estabelece-se um plano para estimar e cobrar dívidas fiscais ocorridas nos últimos 100 anos.

O sector público manter-se-á sagrado. Afinal de contas é ele o único sector que resta ao país para manter algum emprego.


Quousque tandem, Reipublicae Administratio, abutere patientia nostra?

Publicado por Joana às 02:29 PM | Comentários (90) | TrackBack

maio 24, 2005

BCP e BEP

O BCP (Banco Comercial Português) e o BEP (Bulímico Estado Português) são duas entidades com comportamentos opostos. O BCP tem prosseguido, desde 2000, um plano de redução de custos (em Portugal), com o objectivo que estes cresçam 2% abaixo da taxa anual de inflação. O BEP tem deixado, no mesmo período, que os custos cresçam cerca de 4% acima da taxa anual de inflação. Houve um ligeiro abaixamento em 2003 e 2004, mas continuam a crescer acima da taxa anual de inflação.

Em 2000 o BCP tinha 16.099 trabalhadores. Em 2004 baixaram para 12.487, sem precisar de recorrer a nenhumas disposições draconianas de qualquer pacote laboral. Fê-lo num enquadramento legal imposto exogenamente. O BEP tem aumentado sempre os seus efectivos (29 mil por ano, entre 1995 e 2001) e as restrições posteriores a 2002 não têm produzido efeito significativo. É o BEP que faz as suas próprias leis e cria o seu próprio enquadramento legal. Portanto é duplamente responsável pelo seu excesso de peso: não teve a capacidade do BCP de saber emagrecer com a legislação existente, nem soube mudar a legislação para emagrecer sem ter que ser competente. Ou seja o BEP sofre de bulimia militante.

A diferença entre estas duas entidades reside em que os accionistas do BCP são rigorosos e despedem os gestores se estes não cumprem os objectivos de haver um superavit nas contas da gestão, enquanto no BEP tem havido um conluio entre os gestores (políticos) e os accionistas (eleitores) para a manutenção e agravamento do défice, pois estes não têm sancionado o laxismo e têm penalizado as tentativas de os chamarem à realidade. Os accionistas (eleitores) do BEP têm um medo pavoroso da realidade e preferem drogar-se com ilusões. O aumento da despesa pública tem correspondido a um desejo por parte da maioria dos accionistas (eleitores) de uma maior intervenção do BEP, na medida em que aqueles que mais beneficiam com as despesas do BEP tendem a organizar-se para as manter ou mesmo para as aumentar.

O BCP vai prosseguir com o seu plano de redução de custos até ao ano até 2008. Apesar dos seus superavits dependerem das flutuações da procura exterior, os seus diagnósticos e previsões não dão origem a dramas nem a gritos de espanto ou surpresa. Fazem previsões dentro de uma determinada manga de incerteza e cumprem-nas, nem que para tal tenham que corrigir algumas trajectórias.

O BEP anunciou ontem um défice previsto para 2005 de 6,83%, no meio de um espectáculo monumental de espanto e surpresa, quando o BP já havia previsto, 4 meses antes, um défice superior a 5%, e a bulimia compulsiva do BEP já indiciava uma derrapagem vertiginosa. O BEP prometeu aos accionistas (eleitores) que vai tentar diminuir o défice de maneira que o prejuízo de gestão, daqui a 4 anos, seja apenas 3% da riqueza produzida. Não está confrontado com incertezas exteriores significativas. As suas receitas estão asseguradas pois elas são obrigatoriamente alimentadas pelos próprios accionistas (eleitores/contribuintes). Mesmo assim não se propõe fazer melhor. A única margem de incerteza que existe resulta do facto dos accionistas (eleitores) estarem cada vez mais endividados, serem cada vez mais espoliados pelo BEP e estarem fartos de serem iludidos.

O BEP não prometeu curar a sua bulimia. O BEP está apenas a ver se encontra meios de satisfazer a sua bulimia com o que resta da carne dos seus accionistas (eleitores). O BEP está apenas a protagonizar o papel dos vampiros que sopram no rosto das vítimas para as manter embaladas enquanto lhes sugam o sangue.

Esta diferença de atitudes trouxe vantagens ao BCP, mas também tem os seus inconvenientes. Os accionistas do BEP que mais afã têm demonstrado no descontrolo dos custos, deitam olhares gulosos ao superavit do BCP e proclamam publicamente que o BEP se deveria apossar dele para satisfazer a sua bulimia compulsiva – O BEP tem que fazer jus ao seu nome. O BCP, em contrapartida, tem-se precavido deslocalizando parte da sua actividade para a Grécia e Polónia, não vá o BEP tecê-las. Fazer uma política de rigor para depois sustentar os vícios compulsivos dos outros seria um exercício inglório de masoquismo.

Além do mais, é uma enorme injustiça social o BCP diminuir os efectivos, para depois o BEP vir sangrar o BCP para manter efectivos completamente inúteis, como por exemplo no caso do MA, onde há 1 funcionário por cada 4 agricultores, ou o ME, onde há dezenas de milhares de professores, do topo da carreira (e da retribuição), com horários zero, ou ... etc., etc.

Já que a bulimia compulsiva do BEP só lhe permite formas enviesadas, absurdas e caricaturais de justiça social, resta aos injustiçados fazerem justiça (social) pelas suas próprias mãos.

Publicado por Joana às 07:30 PM | Comentários (52) | TrackBack

maio 23, 2005

Suspiro de Alívio

O défice previsto para o OE 2005 é de 6,83%! Uff! Estava em completo desespero, temendo que fosse 6,9%. Não calculam o meu alívio.
Obrigada, Constâncio, por só teres incluído algumas das propostas eleitorais socialistas. Imagina se tivesses incluído o Plano Tecnológico, as obras que o Mário Lino anuncia todos os dias e o rendimento mínimo para os reformados.

Publicado por Joana às 06:54 PM | Comentários (20) | TrackBack

maio 20, 2005

O Caso de Défice Misterioso

Continuo sem perceber o que andam o Governador do BP e o Governo a fazer. Diz-se que Constâncio e a sua task-force estão a calcular o défice para 2005 até à 15ª casa decimal. Mas baseados em quê? Quando se fazem previsões de receitas e despesas estas previsões estão baseadas em inúmeras opções políticas, económicas e financeiras. Constâncio está a calcular o défice baseado nas opções subjacentes ao OE2005 feito sob o superior patrocínio do PR e aprovado pela anterior coligação? Ou ter-se-á antes baseado nas propostas eleitorais do PS? Ou nem numa coisa nem noutra? Ou isto não passa de uma rábula gigantesca, à escala nacional, para dramatizar uma situação que era sobejamente conhecida, mesmo por aqueles que fingiam ignorá-la.

Quando se calcula um défice, calcula-se baseado em previsões consistentes com uma dada política. Por exemplo, a renda das SCUT deve equivaler a cerca de 0,5% do PIB. O anterior governo prometeu introduzir portagens reais e este governo prometeu manter as SCUT. Qual é a opção de base para o cálculo de Constâncio? E este é um exemplo entre muitos.

Esta demora é inexplicável. Ou por outra, seria inexplicável se estivéssemos a lidar com gente fiável. Caso contrário são possíveis inúmeras explicações e muitas delas pouco abonatórias sobre as causas desta demora.

Estamos perante um thriller, enredados num argumento da 5ª dimensão, enervados até ao paroxismo, tentando adivinhar se o protagonista irá ser assassinado com 12 punhaladas no peito, 3 tiros na nuca, meio litro de cicuta ou uma martelada no crânio.

... Ou lançado para as entranhas ardentes do Moloch estatal, como era de uso em Cartago nas épocas de crise.

Publicado por Joana às 06:43 PM | Comentários (57) | TrackBack

Voz de Quase-Prisão

Soube agora pelo Manuel Limiano que, em em vez de ser um solícito CA da PT ir à minha porta dar-me explicações, como eu pretendia, deveria em vez disso ter comparecido um façanhudo agente da PJ dar-me voz de quase-prisão e conduzir-me, quase-algemada, à quase-cadeia. Explicou-me que receber dividendos da PT é uma quase-ilicitude. Manuel! Não quero nada que não tenha direito. Faça favor de me indicar o destinatário, que quase-devolverei imediatamente dividendos, retenções, anexos E, quase-tudo ...
Todavia há uma coisa curiosa nos absolutistas à portuguesa ...

A minha tese era que “Um dos princípios básicos da economia é que as decisões comportam riscos. E a avaliação desses riscos tem que ponderar a qualidade da decisão com o dinheiro que se pode ganhar ou perder com essa decisão. Mas o ministro não tem nada a perder ... o seu vencimento não sofrerá qualquer corte, por muito disparate que faça. E mesmo o patrão do ministro, o Estado, só tem 500 acções ... uma ninharia. Eu, que não tenho qualquer poder de mercado, sou muito mais vulnerável aos humores do ministro que o Estado

Esta tese é verdadeira em si. O Manuel Limiano acha, e provavelmente com razão, que a PT tem um poder de mercado excessivo, por ausência de um mercado livre e transparente. Mas esse é outra questão, que é a da demissão do Estado daquilo que deveria ser o seu papel fundamental – regular a concorrência de forma a tornar os mercados mais perfeitos e transparentes e a economia mais eficiente.

O Estado, em muitos casos, age de forma curiosa. Cria as condições para as empresas majestáticas funcionarem em regime de quase monopólio, dando-lhes a possibilidade de terem lucros monopolistas, e intromete-se, directa ou indirectamente, na gestão dessas empresas de forma que esse monopólio tenha um funcionamento tão canhestro, que nem tenha lucros ... aliás, tenha pesados prejuízos.

É um Estado duplamente ineficiente, pois não age de forma a tornar os mercados eficientes e age de forma a tornar as empresas que tutela ineficientes. O Manuel Limiano “gostava de ser liberal”. Quando se puder deleitar nesse gosto compreenderá essas duas curiosas vertentes estatais.

Mas essa dupla ineficiência do Estado não era a matéria em apreço no post. Aí só abordei uma das ineficiências. A outra tenho abordado noutros posts. Não me peça tudo, num simples post comentando uma insatisfação de um ministro.

Quanto à sua ânsia de “rachar” a PT, julgo que devia moderar os seus ímpetos e analisar a situação nas suas múltiplas vertentes, sendo uma delas a de ter em atenção os interesses das muitas dezenas de milhares de pequenos investidores que compraram acções daquela empresa nos processos de privatização, de boa-fé, sem pensarem que estavam a cometer uma quase-ilicitude. É que entre os accionistas, além de neoliberais, poderá haver neoabsolutistas como você, e muitos ... muitos indiferenciados.

Publicado por Joana às 01:15 PM | Comentários (8) | TrackBack

maio 19, 2005

Falta de Informação

O governo continua a roer as unhas à espera que o relatório Constâncio seja ultimado, para tomar as decisões. O nervosismo é imenso e as expectativas inumeráveis. Serão 7,045%? questiona-se Pinho, tamborilando nervosamente com os dedos na mesa. Nem penses nisso, retruca o Costa – são 7,038%! Vieira da Silva, cofiando a barba e limpando os óculos embaciados pela comoção, balbucia – tenho fé que sejam 6,998% ... tenho que distribuir umas massas que prometi ao João Proença. Campos e Cunha mantém-se silencioso e atónito.

Lurdes Rodrigues meneia a cabeça ... para mim ... 7,015% ou 7,018% é-me indiferente ... já demiti todos os directores lá do ME. Mariano Gago gagueja uns inaudíveis 7,0225%. Freitas, sorumbático, entre dentes, se for mais de 7,1 estamos tramados, vou devolver o Ivo Ferreira mais um maço de charros ao Dubai ... quando acabar esta reunião hei-de pedir uma lista actualizada dos partidos portugueses... estou a ver que ainda terei que aderir ao PC! ... Sócrates exclama, qual animal feroz: Raios parta isto! Que nervos me faz esta espera! Tanta coisa urgente para resolver e nós aqui sem podermos decidir as medidas a tomar por falta de informação adequada. Prometi um governo de rigor e só tomarei medidas quando souber um valor exacto.

Campos e Cunha continua silencioso e cada vez mais atónito.

Publicado por Joana às 11:46 PM | Comentários (14) | TrackBack

ImpudorPoder de Mercado

Acusam a economia de mercado de criar desigualdades e poucos passarem a deter a maior parte dos activos e a partir daí exercerem um “poder de mercado”. O ministro das Obras Públicas, e etc., garantiu hoje que o Estado tenciona exercer o seu poder accionista na PT, manifestando-se irado pelo facto do C. A. da Portugal Telecom não lhe ter ido explicar os pontos da agenda da Assembleia-geral da PT. O ministro representa o Estado que detém 500 acções. Nós temos 7 vezes mais acções da PT que o Estado e o CA da PT não me veio tocar à porta para, com a solicitude exigível pelo nosso “poder de mercado”, nos explicar gentilmente os pontos da agenda da próxima AG. Acho que não merecia tamanha desfeita.

Mas ainda é mais detestável o ministro garantir que vai exercer o seu poder accionista com 500 acções, enquanto nós, com 3 mil e tal, apenas recebemos uma comunicação do banco com o montante dos dividendos e retenções, para declarar no anexo E do mod.3 do IRS e ajudarmos a pagar o vencimento do ministro.

Também costumamos receber cartas com procurações para representação nas AG’s. Descobrimos agora que se trata de um documento virtual ... pois se é o ministro que diz que manda! Portanto sempre andámos bem em deitar aquelas cartas no lixo.

O que é mais preocupante é o “Poder de Mercado” do ministro. Um dos princípios básicos da economia é que as decisões comportam riscos. E a avaliação desses riscos tem que ponderar a qualidade da decisão com o dinheiro que se pode ganhar ou perder com essa decisão. Mas o ministro não tem nada a perder ... o seu vencimento não sofrerá qualquer corte, por muito disparate que faça. E mesmo o patrão do ministro, o Estado, só tem 500 acções ... uma ninharia. Eu, que não tenho qualquer poder de mercado, sou muito mais vulnerável aos humores do ministro que o Estado. Posso perder 7 vezes mais e não ganho, como o Estado, mais de 50% do PIB português. Estou, como a maioria dos nossos concidadãos, nas mãos do Estado.

Estado ... é a teus pés, com o rosto lavado em lágrimas que, num soluço comovido, te imploro encarecidamente: vê lá o que fazes! Olha que eu tenho ajudado, e muito, a pagar os teus desvarios!

Nada mais me resta senão implorar ... rojar-me aos pés ... apelar à sua magnanimidade ... entoar súplicas ... e esperar que o regime liberal (ou neoliberal) se implante no nosso país e acabe este regime absoluto (ou neoabsoluto) que dura há 9 séculos.

Publicado por Joana às 10:37 PM | Comentários (5) | TrackBack

Teodora, está na hora do chá!

“Em 2002, quando esse governo[de Durão Barroso] tomou posse, a economia ainda crescia e era possível defender que o país não tinha um problema de competitividade, mas tão só um problema orçamental, resultante da política expansionista prosseguida pelo governo Guterres. A taxa de desemprego, de 4,1% da população activa, mantinha-se próxima do mínimo histórico.”. Só uma economista anestesiada pelo canto de sereia guterrista, e pelo excesso de chá e biscoitos, poderia defender isto. Já era então evidente que o país não tinha competitividade e que o expansionismo guterrista vivia do expansionismo da despesa pública e que o país iria pagar uma pesada factura por isso.

“Podia então defender-se que uma política muito determinada de restrição orçamental conseguiria resolver os problemas da economia, não só corrigindo o défice orçamental, mas também incentivando as exportações (graças à quebra da procura interna), restaurando a confiança internacional no país (em resultado da atitude responsável face ao PEC) e recuperando a competitividade salarial, abalada pelos excessos anteriores.” Só uma economista amodorrada pela hora do chá e biscoitos poderia supor que as exportações são incentivadas pela quebra da procura interna. Esse incentivo é apenas marginal ... é o incentivo do desespero por se ter perdido um mercado, porque sem competitividade externa esse incentivo não funciona.

Para Teodora Cardoso as duas razões principais do falhanço foram (i) a ausência de uma estratégia de reforma da política orçamental e (ii) a falta de consideração dos problemas estruturais da economia e da perda de competitividade de que esta sofria e que ia muito para além da questão salarial. Se por reforma da política orçamental Teodora Cardoso entende reforma do Sector Público, eu estaria totalmente de acordo. Mas aquela sentença parece-me mais uma frívola banalidade que se deixa cair, displicentemente, entre dois goles de chá e um trincar de biscoito, no conchego da sala, numa conversa mundana. Quanto ao facto de ir muito para além da questão salarial, tem toda a razão. Também era necessária a flexibilização laboral – mobilidade, fim da rigidez laboral, etc. Mas nesta matéria Teodora Cardoso é omissa.

Depois alinha uma frase completamente surrealista: A consolidação orçamental acabou transformado em mera ocultação de défices, enquanto contribuía para desviar as atenções dos gravíssimos problemas exibidos pelas empresas. Com o governo Guterres, estes tinham sido encobertos pela expansão (insustentável) da construção, do comércio e do investimento subsidiado em indústrias trabalho-intensivas, cujo futuro se sabia condenado. Com o governo Durão Barroso, essas actividades entraram em crise, mas nada as substituiu, a não ser a flagelação indiscriminada dos funcionários públicos, que mais parecia destinada a dissimular a incapacidade de controlar grupos de interesses e a desviar as atenções das insuficiências do grande número de empresas que se mostravam incapazes de definir uma nova estratégia de competitividade.

A ocultação de défices desviou as atenções dos gravíssimos problemas das empresas!? Qualquer raciocínio lógico concluiria antes que a ocultação de défices desviaria as atenções dos gravíssimos problemas do peso excessivo do Estado. Só um excesso de chá e biscoitos poderia estabelecer relação de causa e efeito entre a ocultação de défices e os gravíssimos problemas das empresas. Quanto ao resto do parágrafo, ele é mais próprio das lamúrias de dirigentes sindicais do que de uma economista gabada por ter audição junto do PR.

Mais adiante percebe-se melhor o “pensamento” da economista quando afirma que ao «Ministro das Finanças compete o papel fulcral de disciplinar não só o sector público, mas em igual medida - senão maior - o sector privado. Neste, as empresas terão de virar-se para o mercado externo, avaliar as novas (e cada vez mais exigentes) condições de concorrência e definir estratégias que as retirem dos últimos lugares dos rankings internacionais. A convicção de que as rendas no mercado interno irão ser cada vez menores será um incentivo poderoso nessa direcção. Os trabalhadores, por seu turno, terão de apostar na formação e de aceitar o desafio da flexibilidade, deixando de ver na primeira um simples suplemento de emprego ou de salário e passando a ver a segunda, não como uma perda de privilégios, mas como uma forma de progresso e de afirmação». Este arrazoado não passa de banalidades moralistas. O Estado não pode “obrigar” as empresas a virarem-se para o mercado externo. Pode, e deve, criar um clima económico favorável a esse desiderato. Entre as equações da microeconomia ainda ninguém encontrou, com estatuto de variáveis, as tiradas moralistas de Teodora Cardoso, logo elas não têm qualquer efeito no comportamento dos agentes económicos. Por outro lado os trabalhadores só apostarão na formação se for criado um clima económico propício a isso. As tiradas moralistas de Teodora Cardoso são-lhes indiferentes. É um disparate pensar que os trabalhadores vão aceitar o desafio da flexibilidade sem uma profunda mudança nas leis laborais (incluindo as do sector público) que acabe com a rigidez do mercado laboral.

Ou seja, Teodora Cardoso aposta numa suposta intervenção estatal nas empresas (os bons velhos tempos da sua meninice, da revolução bolchevique ...), mas como soube, pela experiência de muitas décadas, que isso só produz resultados desastrosos, não concretiza que tipo de intervenção sugere e fica por banalidades completamente inoperacionais.

Afinal o PR não é o único culpado das banalidades que diz. Muitas são-lhe sopradas por “expertos” conselheiros.

Publicado por Joana às 12:08 AM | Comentários (19) | TrackBack

maio 17, 2005

Poeira ou Descontrolo?

As notícias que têm vindo a público na sequência do fim do “Estado de Silêncio” do governo têm demasiada poeira para se conseguir triar o que é fantasia jornalística, descontrolo governativo ou rábula para “tomar” o pulso ao enfermo e deduzir que tipo de remédio este está mais disposto a aceitar. Como não estou nos meandros jornalísticos e/ou governativos vou cingir-me aos factos principais: SCUT, Bombardier e impostos.

1 – A questão das SCUT: Como eu escrevi aqui em 18-09-04, As SCUT’s foram talvez a herança mais pesada deixada pelo governo socialista. A partir de 2006, inclusive, o Estado português vai pagar uma anuidade superior a 600 milhões de euros relativa às SCUT’s da Beira Interior (152 m€), da Beira Alta/Litoral (160 m€), do Interior Norte (109 m€), da Costa da Prata (84 m€), do Litoral Norte (53 m€) e do Algarve (44 m€). A partir de 2011, inclusive e durante os dez anos seguintes, aqueles valores aumentam entre 10% e 20% descendo a partir de 2021 e extinguindo-se a partir de 2032. Estes montantes não incluem os custos relativos a expropriações, indemnizações diversas e compensações derivadas de exigências ambientais. Os valores efectivos serão, certamente, mais 15% a 20% do que os que indiquei, se não mais.

Todavia, como eu então escrevi, não era pacífica a introdução de portagens depois do negócio feito. E isto por várias razões:

a) Custos adicionais – a introdução de praças de portagem é muito onerosa (cerca de 15%, ou mais, do custo total da A/E). As portagens electrónicas são muito mais baratas, mas obrigam a que todos os carros tenham dispositivo adequado. E adicionalmente há os custos de exploração, facturação, etc.
b) Diminuição de receitas – a introdução de portagens faz diminuir o tráfego pois muitos utentes utilizarão percursos alternativos.
c) Custos da alteração contratual – o contrato inicial foi negociado em mercado concorrencial e escolhido, presumo, o concorrente que apresentou a melhor proposta. Todas as alterações contratuais posteriores são entre o Estado e uma entidade que passou a deter uma posição de monopólio. Essa entidade irá proceder a novos estudos de tráfego para reavaliar a situação com a introdução de portagens e adicionará certamente, para além das receitas perdidas pela diminuição da procura, uma margem de risco para cobrir as vicissitudes futuras. Será uma negociação onde o Estado é o parceiro mais frágil.

Na altura, o meu parecer era de que as SCUT do interior (que representam 70% do custo total) não tinham qualquer viabilidade de mudarem de estatuto contratual. Se fossem introduzidas portagens, provavelmente ainda custariam mais ao Estado do que actualmente.
Restam as SCUT do litoral. Todavia elas representam menos de um terço do custo total a suportar pelo erário público. E no caso da Via do Infante (7% do custo total!!) há uma situação injusta e caricata, pois a maior parte da via foi construída há 12 anos sem portagens. Após mais de 12 anos introduzir portagens é uma decisão que poderá ser considerada politicamente repugnante.

2 – A questão da Bombardier: esta questão ganhou uma dimensão nacional, e emocionou jornalistas e políticos, porque nós vivemos num país com um know-how industrial mais próximo do 3º mundo que da Europa, e a ex-Sorefame era uma das “jóias da Coroa” nesse domínio. Em França e na Alemanha tem havido deslocalizações de fábricas com know-how muito mais avançado e não se tem gerado a emoção que despertou em Portugal.

Sempre desconfiei da solução CP. Entregar uma empresa em dificuldades a outra empresa que vive da caridade (forçada) dos contribuintes, conduziria fatalmente a serem os contribuintes a pagarem a factura pretensamente “nacionalista”.

Soube-se hoje que as negociações entre a CP e a Bombardier se goraram e que a secretária de Estado dos Transportes retaliou, anunciando a expropriação de cerca de metade das instalações. Esta solução só tem uma virtude: a exaltação e o fervor nacionalistas – o que está em Portugal é dos portugueses ... entre as brumas da memória, ó Pátria sente-se a voz dos teus egrégios avós da Ana Paula Vitorino!

Esta “solução” pode revelar-se a longo prazo muito negativa. O Estado pode expropriar um bem, mas a seguir vem a parte litigiosa e são os tribunais que fixam o valor do bem expropriado. E podemos todos vir a pagar, como bom, um bem que terá um valor venal mais reduzido. Não consigo perceber a lógica desta solução. A única coisa que a Bombardier não pode deslocalizar é, justamente, o terreno e as construções. O Estado e a CM Amadora podem sempre arranjar instrumentos legais para impedirem uma operação imobiliária. Sem expropriação, aquele terreno seria um peso morto para a Bombardier; com a expropriação passa a ter o valor que os tribunais determinarem, imediatamente exigível pela Bombardier. É certo que o Estado fica imediatamente na posse de parte do imóvel. Mas é um imóvel vazio, visto a Bombardier poder levar todos os equipamentos.

Esta “solução” tem outro inconveniente que poderá revelar-se mais grave. Portugal precisa de investimentos estrangeiros e para tal terá que dar a imagem de um clima económico, político e social atractivo. Não me parece que esta medida seja positiva quanto a essa imagem.

Ou seja, uma “solução” inútil, do ponto de vista do emprego, prejudicial, do ponto de vista financeiro, e nociva, do ponto de vista da economia do país. Em resumo: precipitada.

3) A questão dos impostos: Como regra geral, combater um défice gerado pelo excesso de despesa com um aumento de impostos é injusto e perverso. E a perversidade é desincentivar o governo de proceder aos cortes orçamentais, para evitar confrontos com os sindicatos da função pública, e fazer recair o ónus da sua má gestão sobre os contribuintes. Infelizmente, não faz recair apenas sobre os contribuintes pois, indirectamente age como desincentivo à actividade económica, gera mais desemprego, menos receitas fiscais e a continuação da espiral de aumento dos impostos diminuição da actividade económica aumento do desemprego aumento do défice aumento dos impostos ...

Os impostos têm outro efeito perverso: o de abrandar a actividade económica. Na actual situação de recessão económica, um aumento dos impostos directos (IRS e IRC) teria um efeito muito nefasto. Elevadas taxas marginais do IRS desmotivam o interesse pelo aumento dos ganhos e travam o investimento; taxas elevadas do IRC fazem com que os recursos (neste caso o factor capital) se desloquem para outras paragens.

Numa situação como a que vivemos, a solução é aumentar os impostos indirectos, pois são mais fáceis de cobrar e produzem receitas imediatas. Têm todavia efeitos negativos na actividade económica e no nível de emprego, embora muito menores que no caso dos directos. O IVA, aumentando os preços, acarreta uma diminuição da procura, variável conforme a elasticidade da procura do bem, o que tem um efeito negativo do ponto de vista do volume de negócios. Como uma parte substancial do consumo é de bens importados e estes bens têm em média uma procura mais elástica, um aumento do IVA pode ter, em contrapartida, um efeito positivo na nossa balança de transacções com o exterior.

O imposto sobre o tabaco tem um efeito positivo do ponto de vista da saúde pública, mas terá que se ter em conta que um aumento do preço do tabaco provoca aumento do contrabando, pois torna esta “actividade” mais atractiva face aos “custos criminais”.

O imposto sobre os combustíveis tem efeitos indirectos nos preços dos produtos pelo aumento do custo dos transportes, mas como o combustível é todo importado, a diminuição do consumo terá um efeito favorável na balança de transacções com o exterior. Todavia um aumento significativo do preço levará mais portugueses a encherem os depósitos em Espanha e a “liquidarem” lá o imposto.

Provavelmente o que acontecerá será uma aumento dos impostos indirectos, o adiamento dos investimentos públicos e o adiamento, mais alguns anos, da reforma da administração pública, a besta negra dos governos. Farisaicamente, João Proença, o secretário-geral da UGT, admitiu ontem discutir um eventual aumento de impostos com o Governo (mas nunca a diminuição dos efectivos da função pública) ... e acrescentou: É fundamental que as preocupações e que os compromissos eleitorais do Partido Socialista e do Governo se mantenham, nomeadamente que a prioridade seja dada ao crescimento económico e ao emprego". Ora, como vimos, com aumento de impostos não se consegue “crescimento económico e do emprego". Aquelas afirmações são uma contradição nos termos.

O problema é que os únicos sindicatos que restam às centrais são os da função pública e dos transportes (alguns). No sector privado os sindicatos deixaram de ter expressão. Os dirigentes sindicais também vivem à custa do peso do sector público. E esse “peso” é-lhes precioso.

Publicado por Joana às 11:39 PM | Comentários (15) | TrackBack

maio 15, 2005

Sócrates perante a cicuta

Segundo a comunicação social, o Governo prevê apresentar medidas "draconianas" para conter o défice, incluindo, segundo consta, encerramento de serviços públicos, aumento do imposto sobre combustíveis, possível aumento da idade de reforma, igualização ao regime geral de IRS do regime de IRS para os reformados (menos oneroso), a introdução de portagens em algumas SCUT, a aproximação do regime de aposentação dos funcionários públicos ao regime geral, alteração da progressão automática nas carreiras da função pública, alterações ao regime de subsídio de desemprego, nomeadamente a redução da sua duração, e o adiamento de alguns grandes projectos públicos de investimento.

Segundo o Expresso, “perante a má receptividade das suas medidas no Executivo, Campos e Cunha está a aligeirar a proposta de modo a obter a sua aprovação”. O Expresso garante que as medidas propostas pelo ministro das Finanças, Campos e Cunha, "chocaram vários ministros".

Há duas coisas nestas notícias que me “chocam”:

Em primeiro lugar o “choque” dos ministros. Que competência terão os ministros que ficaram “chocados”? Como é possível que não se tenham apercebido da situação em que o país se encontra? Como é possível irmos ser governados durante quatro anos por ministros que não fazem ideia do estado em que o país está e, pior, não fazem ideia do estado em que os respectivos ministérios estão quanto a eficiência, dimensão dos efectivos e correcta afectação destes e cuja reacção, quando confrontados com a realidade, é “ficarem chocados”?

Em segundo lugar, a possibilidade de “perante a má receptividade das suas medidas no Executivo, Campos e Cunha estar a aligeirar a proposta de modo a obter a sua aprovação”. O ministro Campos e Cunha rege-se por critérios de racionalidade económica e financeira ou pelas desordens emocionais dos seus colegas de gabinete?

É duro para um partido que enquanto oposição criticou as medidas de contenção orçamental, que fez uma campanha eleitoral criando a ilusão que com uma “política de rigor” haveria a descompressão pela qual o país ansiava, que prometeu acabar com o discurso da tanga, que baseou as suas promessas no “enterro do PEC”, ser confrontado agora com a crua realidade.

Sócrates recebeu uma herança terrível. E o mais preocupante é só agora se ter apercebido disso. Foi uma herança preparada pelo governo mais desastrado que o país alguma vez teve, e no qual figurava o próprio Sócrates, continuada por um governo sem coragem, face a uma oposição chicaneira, de atacar as questões de fundo, e acabada por um governo armadilhado, cujo principal objectivo era evitar ser demitido no dia seguinte, para que Sócrates recebesse a herança.

Foi um presente envenenado, mas foi envenenado por um governo do qual Sócrates era ministro, envenenado pela política de obstrução permanente da oposição, da qual Sócrates era uma figura proeminente, mobilizando as forças sociais contra medidas que seriam obviamente difíceis, envenenado pela política do “governo sob vigilância” implementada pelo PR como solução interina até o PS encontrar um líder “credível”.

Sócrates está a comer o bolo que envenenou ou ajudou a envenenar. Sócrates está perante a cicuta que preparou.

Esperemos pelo Orçamento Rectificativo para 2005, a apresentar em Junho.

É o Choque Emocional em vez do Choque Tecnológico.

Publicado por Joana às 08:19 PM | Comentários (27) | TrackBack

O Manto diáfano da inacção

Cada dia que passa se torna mais difícil ao Governo tapar a nudez decrépita da verdade com o manto diáfano das fantasias cozinhadas pelos silêncios de um pretenso recato e medidas avulsas e cosméticas, encomiasticamente apodadas de “pequenos passos”, que sugerem mudanças onde o que é substancial se mantém. O Governo não propõe projectos, propõe estudos de revisões de projectos já dezenas de vezes estudados e revistos. O Governo não faz coisas, desfaz coisas. Quando afirma algo, desdiz-se logo a seguir.

No curto prazo esta política é ganhadora. Num país onde a inveja e o bota-abaixo são predicados do pensamento politicamente correcto que domina a comunicação social, o Governo de José Sócrates continua hoje, mais de dois meses passados da tomada de posse, a avaliar decisões tomadas pelo anterior Executivo. A incineração de resíduos perigosos já decidida no último governo de Cavaco Silva, foi revogada, revista, novamente revogada, revista outra vez e novamente revogada. Este é talvez o exemplo mais ridículo da forma como politizamos decisões fundamentalmente técnicas. Dizer mal e levantar suspeitas sobre o que foi antes decidido compensa num país mesquinho, patrocinado por uma comunicação social favorável ou complacente.

Todavia o excesso de décadas de desgoverno, de inveja e de mesquinhez tornaram Portugal num corpo enfermo em grau extremo. Não atacar decisivamente a enfermidade significa aumento da dívida pública e do défice, implicando perda de competitividade, que por sua vez influencia negativamente a dívida pública e o défice, numa espiral infernal sem solução à vista. A curto prazo é uma política ganhadora; a médio prazo é a ruína.

As não-decisões do governo têm permitido que a dívida pública cresça aceleradamente. Entre Abril e Março houve um aumento de 1,2%, o que em termos anuais corresponderia a um acréscimo de 15,4%. No ano que decorreu até à tomada de posse de Sócrates a dívida pública tinha aumentado em cerca de 7,7%. É certo que o OE2005 concorreu igualmente para a aceleração posterior. Todavia o OE2005 foi feito por insistência do PR e promulgado por este. Obviamente ninguém esperaria que Santana Lopes, após a armadilha que lhe tinham montado, apresentasse um OE muito restritivo, com as eleições à porta e ansioso para conquistar popularidade. Pôr um governo demitido sob a acusação de incompetência a fazer um OE é um perfeito disparate. Na altura reprovei aqui essa situação classificando-a de «exercício masoquista».

A responsabilidade do OE2005 é do PR, foi ele que o pediu e foi ele que o promulgou; a responsabilidade de não promover cortes orçamentais enquanto faz passar para a opinião pública anúncios de medidas que custariam milhões ao erário público (embora depois deixe na dúvida sobre se essas medidas são para avançar ou não) é de José Sócrates. Ou seja a responsabilidade do défice de 7% estimado, segundo parece, para 2005 pela Comissão Constâncio é do PS, pois mesmo com o enquadramento do OE2005, a previsão da Comissão Europeia, em meados de Abril, para o défice orçamental português em 2005, era de 4,9 % do PIB. A responsabilidade da dívida pública ter atingido no final de Abril 66,8% do valor do PIB previsto para 2005 é do PS. A responsabilidade da nossa competitividade continuar a cair, é do PS.

Segundo consta, na reunião entre Sócrates e o seu núcleo “duro” – Silva Pereira, António Costa, Campos e Cunha e o secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro – foi decidido que a actuação do Governo será a de não esconder o problema mas tentar passar uma mensagem optimista, contrariando o discurso da «tanga» de Durão Barroso. Segundo o Expresso os membros do governo teriam ficado em «estado de choque» com o diagnóstico de Campos e Cunha. Em vez de promover o «choque tecnológico», afinal o governo entrou em «choque emocional». Só é estranho não se ter apercebido disso antes. Os socialistas Silva Lopes, Daniel Bessa e Medina Carreira, e os blogs que a esquerda odeia, já tinham feito diagnósticos semelhantes e porventura mais graves e realistas que o que Campos e Cunha terá feito. É uma pena esses políticos só se ouvirem a eles mesmos, ou então estarem de tal forma entretidos a “passar à lupa” as decisões do governo anterior que não tiveram ocasião para saber o que se passava no país.

O Governo está entre dois fogos: 1) O que ateou com o seu discurso de descompressão e de crítica ao discurso da tanga, deixando entender que o problema do défice se resolvia com a revisão do PEC. Discurso que ainda mantém, pois há dias, Alberto Martins, o líder parlamentar do PS, um dos responsáveis pelas trapalhadas sobre o referendo da IVG, declarava: «O défice é um instrumento necessário e fundamental para garantir o crescimento económico pela vias da competitividade nacional. Se se pretende no imediato outra coisa, não contem connosco.». 2) O que tem alimentado com a sua inércia em travesti de prudência e recato, permitindo que a despesa pública aumente sem controlo, que a nossa competitividade externa continue em queda com o desemprego a aumentar, que as nossas contas com o exterior se degradem, deixando que uma previsão de défice de 4,9% do PIB se transforme, exactamente um mês depois, numa previsão de 7%!

O país está de “tanga”, mas o governo diz que tem que contrariar o discurso de tanga. Pergunta-se: como vai convencer os portugueses a fazerem os sacrifícios necessários para retirar o país da situação trágica em que se encontra? Como compaginar mensagens de confiança com sacrifícios em impostos, despedimentos na função pública e restrições orçamentais?

A contracção do sector público desonera o tecido produtivo e é um factor incentivador do crescimento da economia. A contracção do sector privado e o desemprego privado são factores cumulativos de empobrecimento colectivo. O desemprego público gera emprego privado; o desemprego privado gera mais desemprego privado numa espiral que só termina com a falência do Estado. A escolha está, para já, nas mãos do governo. As vítimas de uma escolha errada seremos nós ... todos.

Publicado por Joana às 07:17 PM | Comentários (21) | TrackBack

maio 11, 2005

Moloch e a Mão Invisível 2

Ou a Razão do Poder contra o Poder da Razão: – 2) Mercado do Arrendamento

Há decisões que o Moloch toma, sempre com as melhores das intenções de justiça social e de protecção aos mais desfavorecidos, conforme os seus sacerdotes nos garantem, que só décadas depois revelam os seus efeitos absolutamente perversos. São mercados onde a Mão Invisível dá inicialmente a ilusão de não os influenciar e, quando nos damos conta, verificamos que esteve a tecer na sombra uma teia tão densa que levou aquele sector de transacções (já nem lhe chamo mercado) a uma situação de total aniquilamento e os bonzos do Moloch à mais absoluta incapacidade decisória.

Numa economia de mercado, os valores dos arrendamentos urbanos deveriam ser estabelecidos pelo equilíbrio da oferta e da procura no mercado imobiliário. Pelo encontro entre o valor que o proprietário acha justo pelo espaço que disponibiliza e o valor que a entidade arrendatária ou o mercado em geral estão dispostos a pagar pela sua utilização. Isto é válido para um arrendamento habitacional ou comercial.

Durante o Estado Novo regulamentou-se o congelamento de rendas em Lisboa e Porto com o intuito de obviar uma eventual especulação imobiliária perante uma oferta então reduzida. No curto prazo, e para mais sendo aquela uma época em que a inflação era quase nula, tanto a oferta como a procura de arrendamento são muito inelásticas, quer pelo lado da oferta, porquanto entre a decisão de construir para alugar e o fim da construção pode decorrer 1 a 2 anos, o que limita a oferta, quer pelo lado da procura, porque a decisão dos potenciais inquilinos depende de diversos factores, incluindo hábitos de vida, que se alteram lentamente.

Ou seja, a fixação do preço abaixo do seu nível de equilíbrio não provocou, no curto prazo, uma disparidade muito pronunciada entre procura e oferta. Contudo, com o aumento da inflação, iniciado no período marcelista e tornado galopante após o 25 de Abril, e com a extensão desse congelamento de rendas ao resto do país, as rendas tornaram-se irrisórias, mesmo depois de ser permitida uma tímida actualização anual, a partir de meados da década de 80.

Portanto assistiu-se a uma queda pronunciada do valor real das rendas ao longo de décadas. Os valores nominais mantinham-se congelados, enquanto os valores reais caíam abruptamente, com inflações que atingiram taxas anuais superiores a 30%. As rendas dos contratos iniciais caíram para valores 50 a 100 vezes inferiores ao seu valor real. Imóveis construídos durante a vigência do congelamento eram arrendados por valores superiores ao custo marginal, porque os senhorios incorporavam um “prémio” do risco de inflação. Todavia esse “prémio” era corroído ao fim de três ou quatro anos e a inflação galopante na década a seguir a 1975 tornou inclusivamente essas rendas irrisórias e liquidou o mercado de arrendamento. Deixou de se construir para arrendar.

Mas a acção lenta e inexorável da Mão Invisível não se ficou apenas pelo fim da construção para arrendamento. Com as rendas que recebiam, os senhorios não tinham qualquer interesse em fazer obras de conservação e manutenção. Só a colocação de andaimes custava mais que o montante total das rendas de vários anos. Mesmo quando vagava algum andar, deixavam o encargo da sua reabilitação ao inquilino. A oferta era tão reduzida e a procura tão forte que o inquilino aceitava pagar este prémio ao senhorio.

E o mais perverso é que não foram apenas as rendas habitacionais que foram subtraídas às regras do mercado. As rendas comerciais foram tratadas da mesma forma. Se no caso da habitação se poderia falar de uma necessidade básica, de uma acção de filantropia social que, não tendo o Estado meios para a fazer, encarregava os senhorios, contra vontade destes, de a fazerem, no caso das rendas comerciais, estas são um factor de produção. Não há qualquer filantropia. O seu congelamento equivaleu a um subsídio que os senhorios portugueses, ao longo de décadas, deram, contrariados, à actividade comercial: lojas, escritórios, etc.. Ora uma política cega de subsídios retira incentivos à modernização. O comércio dos centros históricos foi perdendo qualidade relativa, cristalizou, e tem perdido mercado face ao comércio menos central e com maior mobilidade e aos grandes espaços. A degradação da qualidade da actividade comercial nos centros históricos tem igualmente concorrido para a ruína destes e para a sua desertificação.

Portanto, estas intervenções de Moloch, distorcendo o mercado, tomadas sempre com as melhores das intenções de justiça social e de protecção aos mais desfavorecidos, conforme os seus sacerdotes nos garantem sempre, conduziram à degradação do parque habitacional, à ruína dos centros históricos das cidades, à derrocada dos prédios antigos, à opção pela aquisição de casa própria e ao endividamento exponencial das famílias para o conseguirem, à dificuldade prática de uma reforma fiscal moderna do património e à total injustiça social, onde as gerações mais antigas têm casas de rendas irrisórias, enquanto os mais novos têm um ónus terrível em despesas de habitação; onde os senhorios dos prédios antigos estão descapitalizados, sem capacidade de intervirem na reabilitação dos seus prédios, enquanto os senhorios de áreas mais recentes têm rendimentos incomparavelmente superiores, com custos muito menores.

Muitos dos prédios degradados nem sequer têm senhorios conhecidos. Quem consta do registo das Conservatórias já não existe e os herdeiros nunca reclamaram a herança porque provavelmente o Imposto Sucessório (ou o actual IMT) seria muito superior ao valor dos imóveis. A perversão do sistema é total. Meio milhão de fogos (544 mil) estão vagos, dos quais 105 mil para venda e 80 mil para arrendar. Os outros estão simplesmente vagos. Mas em que condições? Porque estão fora do mercado? Terão proprietário conhecido? Actualmente a Administração Fiscal continua sem saber quem são os donos de 602.815 prédios urbanos. Não se trata de evasão fiscal de proprietários ricos. É gente que pura e simplesmente se desinteressou de bens para os quais o mercado é completamente ineficiente.

Mas uma das características dos bonzos do Moloch é a de pensarem sempre que os desastres provocados pela intervenção estatal se curam com mais intervenção estatal. Mais Estado para curar o mau Estado, é a sua divisa. E, pertinazes, foram legislando mecanismos de intervenção: Recria, Rehabita, Recriph, Solarh, Peru, etc.. Contrataram especialistas em acrónimos para combinarem Reabilitação, Habitação, Solidariedade e outras palavras com forte impacte social, para etiquetarem programas que tiveram um efeito irrelevante.

Nenhuma regulamentação, por mais minuciosa ou repressiva que seja, conseguirá resolver esta situação tão eficientemente como o poderá fazer a liberalização das rendas e o regresso ao preço de equilíbrio. Todavia existem tantas expectativas legitimadas e hábitos consolidados, e um fosso de tal forma abissal entre os preços de equilíbrio e os preços actuais, que o Moloch e os seus bonzos andam às aranhas, sem saberem como conseguem sair deste atoleiro.

Era impossível ter obtido um resultado pior. As diversas intervenções estatais no mercado, distorcendo-o completamente, realizadas sempre com as melhores das intenções de justiça social e de protecção aos mais desfavorecidos, impediram os jovens de aceder ao mercado do arrendamento, introduziram discriminações terrivelmente injustas entre os agentes económicos de acordo com a época em que entraram ao mercado - senhorios, inquilinos habitacionais e comerciantes, conduziram à ruína dos centros históricos das cidades, à derrocada dos prédios antigos, ao excessivo endividamento das famílias, etc., etc., uma total devastação social e imobiliária.

Foi a conservação destrutiva.

Publicado por Joana às 09:18 AM | Comentários (49) | TrackBack

abril 26, 2005

Construtores de Pirâmides

Durante 23 anos, os egípcios sob o esclarecido governo de Quéops (Khufu para os amigos) construíram uma pirâmide descomunal, amontoando 3 milhões de metros cúbicos de pedras. Segundo Heródoto, 100.000 homens trabalharam nela, embora especialistas em recursos humanos tenham recentemente posto aquele número em dúvida, considerando que as autoridades faraónicas tinham uma notável eficiência na gestão de recursos humanos. A corveia imposta aos felás egípcios representaria mais de 10% da sua força de trabalho. Nos últimos 23 anos a corveia imposta à riqueza produzida pelos felás portugueses passou de 30,9% do PIB para 50,2%, ou seja 20% da nossa capacidade de produção de riqueza. Andamos há 23 anos a construir uma pirâmide muito mais avantajada que a de Quéops … só que é imaterial – não se vê, nem vai proporcionar excursões turísticas.

Quéops (Khufu para os egiptólogos) foi o primeiro político a aplicar a receita keynesiana de combater o desemprego (entre duas cheias consecutivas do Nilo) e a insuficiência da procura, através de obras públicas de grande envergadura e de impacte que qualquer turista, por muito exigente que fosse, não deixaria de realçar. Também foi o primeiro político a revelar total indiferença pelos níveis dos défices públicos e das paridades das taxas de câmbio. Mas o Egipto estava separado da globalização pelos desertos que ladeavam o Nilo e pelo Mediterrâneo. Em Mênfis, nem os escribas mais habilitados andavam a par dos câmbios e de quantos bezerros necessitavam a mais, para trocarem pelo mesmo volume de madeira de cedro que os mercadores de Byblos traziam, quando arribavam ao Delta.

E isso possibilitou que Quéfren (Khafré para os amigos) e Miquerinos (Menkauré entre os amigos) continuassem com aquela política de aposta decisiva na despesa pública. Porém as pirâmides foram diminuindo de tamanho, porquanto o corpo social egípcio estava cada vez mais exangue. Mas mesmo minguando as pirâmides, as corveias impostas à população tornaram-se totalmente insuportáveis, e apesar de não haver globalização nem crise cambial visível, o regime implodiu, desfazendo-se o Egipto em dezenas de pequenos Estados, muito menos vorazes em termos de corveias e pouco versados em Keynes.

Portugal está há 23 anos a construir uma pirâmide. Não trouxemos das pedreiras 3 milhões de metros cúbicos de material. Durante esse período trouxemos mais de 200 mil funcionários públicos para entufar o Moloch estatal. E as corveias adicionais, impostas à população, para transportar, instalar e manter aquela multidão, traduziram-se em 20% do que essa população produz. As pedras egípcias tiveram a qualidade de, uma vez colocadas e executado o remate final, a pirâmide ter ficado ali, tranquila, na planície poeirenta de Gizé, milénios a fio, sem necessidade de quaisquer custos adicionais e produzindo inesperadas receitas turísticas 45 séculos depois. A multidão que utilizamos como elemento construtivo da nossa pirâmide tem custos de manutenção permanentes e não tem qualquer impacte turístico, nem agora, nem certamente daqui a 45 séculos. Aliás, é uma pirâmide totalmente invisível … apenas pesa, e muito, no orçamento.

Ainda se um Bonaparte qualquer passasse por cá, daqui a 40 séculos, e proclamasse: do vazio daquele erário, 40 séculos vos contemplam, talvez isso pudesse constituir uma promoção turística, mas é muito problemático ...

Tenho mesmo fundadas dúvidas que tenhamos capacidade para construir mais alguma pirâmide. As múmias de Quéfren e Miquerinos podem portanto permanecer na sua tranquilidade milenar. Aliás, nem aquela que já construímos é seguro que a consigamos manter. Em termos anuais, a riqueza que os nossos felás produzem cresceu durante um quarto de século à taxa anual média de 2% enquanto a despesa pública que pesa sobre os seus ombros cresceu, anualmente, à taxa de 4,7%. Se esta situação se mantivesse, as despesas públicas corresponderiam, em 2030, a 97% do PIB. Todos os felás estariam a acartar entulho para a pirâmide …

Não me parece que a dinastia se aguente.


Muitos acusam as pirâmides de serem construções absolutamente inúteis. Talvez ... mas têm uma presença física imponente ... assombram o turista. A nossa pirâmide só pesa ... não se vê, nem permite espectáculos de som e luz ... nada ... não serve mesmo para nada e está-nos a custar muito mais caro. Apenas assombra o contribuinte.

Publicado por Joana às 10:45 PM | Comentários (37) | TrackBack

abril 04, 2005

Bruxelas, Previsões e Crescimento

Bruxelas prevê que Portugal cresça este ano 1,1%, portanto continuando a divergir da UE que, já de si, está com um crescimento muito fraco.Com um crescimento tão baixo, é certo que o desemprego vá continuar a aumentar. Adicionalmente alertou Portugal para o défice excessivo (4,9% em 2005) sublinhando que se não houver medidas de correcção, «no caso de Portugal, será necessário tomar decisões». Passada a euforia da flexibilização do PEC, vêm as duras realidades. A situação financeira portuguesa é grave, é insustentável e não há qualquer “atenuante” ou “razão pertinente” para ela.

O actual PEC tolera violações desde que ligeiras e temporárias, quando haja um crescimento fraco (que não é bem o nosso caso, visto termos um crscimento positivo, embora baixo) ou por causas “pertinentes”: reformas estruturais (que as andamos a evitar há décadas), investimento em I&D (que não fazemos), custos de unificação (que não temos, a menos que negociemos com AJ Jardim a secessão e a reunião posterior com a Madeira), a elevada contribuição para o orçamento comunitário (recebemos muito mais que contribuímos), despesas militares (não são possíveis em Portugal ... quando se compra algum equipamento chovem as recriminações), custos com as reformas dos sistemas de pensões (são miseráveis entre nós).

O problema de Portugal é que tem um sector público absolutamente ineficiente e que custa excessivamente caro. Gastamos mais 50% em Educação que a média europeia e temos o mais baixo nível de educação da UE; temos muitos mais juízes, magistrados e funcionários judiciais que a média europeia e a nossa justiça é de tal forma ineficiente que um melhor desempenho do sistema judicial se traduziria num acréscimo de 11% na taxa de crescimento do PIB, segundo cálculos recentes; a nossa gestão hospitalar e do sistema de saúde é um completo desastre e os custos são incontroláveis. E estes são apenas os exemplos mais visíveis num sector que está num caos organizativo.

Bruxelas espera pelo Programa de Estabilidade e Crescimento, que o Governo apresentará em finais de Maio, para avaliar soluções tem o Governo para estes desequilíbrios. Provavelmente haverá tolerância e «flexibilidade» se as soluções forem viáveis. Senão, teremos sérios problemas.

O Governo ganhou as eleições deixando criar a imagem de que os problemas e as dificuldades seriam eliminadas de forma indolor. Embora sempre evitasse dar respostas concretas, a imagem de contraponto que criou face aos anteriores governos induziam isso mesmo. Essa imagem não vai poder ser mantida muito mais tempo.

Na verdade, Portugal chegou a um ponto de não recuo. Tem que crescer, mas esse crescimento não pode ser dinamizado pela despesa, não só para não agravar o desequilíbrio orçamental, mas também por esse crescimento, se não for baseado no aumento da oferta, implicar um agravamento insustentável da balança de transacções com o exterior.

Mas Portugal só conseguirá dinamizar o tecido empresarial e criar empregos se desburocratizar e melhorar o desempenho do sector público, principalmente a justiça e a educação. De outra forma não se torna atractivo para o investimento. Precisa, em geral, de diminuir o custo do sector público para aliviar o ónus fiscal que retira competitividade às empresas e para melhorar o seu desempenho como Estado social. Parte do sustento do Moloch estatal é à custa da competitividade das empresas, mas uma parte não despicienda poderia ser carreada para melhorar os subsídios dos pensionistas, ou pelo menos para tornar mais sustentável a longo prazo a situação da Segurança Social.

Há dias, o secretário de Estado da Agricultura e Pescas declarou que havia 4 agricultores por cada funcionário do Ministério da Agricultura. Afirmou que seria um assunto a ponderar no futuro, embora por enquanto não, em virtude da principal batalha do governo ser a da redução do desemprego. Este tipo de raciocínio inviabiliza qualquer reforma. A reforma do sector público terá que ser feita reestruturando o sector, desburocratizando, e reduzindo o número de funcionários. Não pode ser feita apenas congelando os salários anos a fio. Fazer isso numa empresa seria um suicídio. O Estado aguenta gestões ruinosas, porque nós pagamos. Mas há limites para gestões ruinosas, mesmo no Estado, e mesmo sendo o país a pagar. E Portugal chegou a esse limite.

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março 28, 2005

A Morte do PEC

O Pacto de Estabilidade e Crescimento acabou. Foi vítima da sua excessiva rigidez e de ser o próprio país que obrigara a sua adopção, como condição necessária da criação do euro, a violá-lo repetidamente. O que é preocupante não foi a sua flexibilização – esta teria que ocorrer. O que é preocupante foi a forma atrabiliária, sem coerência e sem critérios inequívocos, como essa flexibilização ocorreu. Não foi o júbilo por se ter conseguido um avanço; foi um suspiro de alívio, por ter acabado um empecilho. O Ministro das Finanças francês foi claro: o novo pacto é "Mais político e menos tecnocrático". Em linguagem política leia-se: passou a depender das necessidades eleitorais e não de critérios técnicos.

Mantêm-se os limites de 3% (défice) e 60% (dívida pública), mas com uma leitura “flexível”. São toleradas violações desde que ligeiras e temporárias, quando haja um crescimento fraco ou por causas “pertinentes”: reformas estruturais, investimento em I&D, custos de “unificação”(!) (exigido pela Alemanha), a elevada contribuição para o orçamento comunitário, cooperação internacional e despesas militares (da lavra da França), custos com as reformas dos sistemas de pensões (a pedido dos Estados do Leste) .... A UE arrisca-se, em vez de um Pacto de Estabilidade e Crescimento, a ter um Pacto de Flexibilidade e Salve-se-quem-puder. Será a vitória da hipocrisia política sobre o rigor “tecnocrata”.

O fim do PEC, uma regra geral e clara, e a sua substituição por um mecanismo abstracto, que pode ter leituras diversas, ser objecto de regateio e de fácil conluio entre Estados (eu apoio-te nesta questão e tu proteges-me naquela ...), introduz a arbitrariedade na avaliação das situações orçamentais dos Estados membros. Arbitrariedade que só favorece os Estados maiores e mais ricos.

No caso dos países pouco avessos a rigor orçamental, como Portugal, as consequências podem ser mais nefastas. Até à data, o limite de défice orçamental era uma barreira clara e quantificada que estava ali, e para a qual haveria punição se fosse ultrapassada. Agora não.

Ora o excesso de despesa leva a um aumento da procura, induzida pelo aumento do rendimento disponível, um aumento concomitante das importações (parte significativa do aumento do consumo dirige-se a bens importados), à degradação do nosso saldo de transacções com o exterior, a um desequilíbrio cada vez mais grave das nossas variáveis macroeconómicas, a uma diminuição da nossa competitividade com o exterior e ao nosso declínio económico. E o mais grave é este ser um processo económico e social ao qual cada um tenderá a dar a explicação mais conveniente em termos de dividendos políticos.

Antes havia um número. Um número imposto por Bruxelas. Podia criticar-se, mas ele erguia-se perante nós como uma força exterior e incontornável. Agora há a “flexibilidade”. Será que a classe política que nos governa e que tão cobarde se tem mostrado relativamente a soluções de fundo, tem coragem para impor as medidas de saneamento financeiro face os lobbies ou às clientelas políticas que acenam com a “flexibilidade”?

Nos últimos anos criaram-se e fortaleceram-se instituições credíveis e independentes do poder político, deu-se mais autonomia e independência aos Bancos Centrais, e criou-se do Banco Central Europeu. Sempre com o intuito de evitar que os políticos tomassem decisões com as “palas” postas, impedindo de ver tudo o que não se relaciona com as necessidades eleitorais. Devemos ao defunto PEC que a nossa deriva financeira não nos tivesse levado ao abismo. Não foi aos nossos governantes. Eles apenas agiram pressionados pelo PEC e não pelos seus instintos naturais.

Este novo pacto, se não for balizado com critérios quantificados e cuja aplicação não levante dúvidas nem consiga ser iludida, pode tornar impossível, em Portugal, o estabelecimento de uma política rigorosa de controlo das finanças públicas. Com a agravante que enquanto a violação de um limite do défice se vê ao fim de um ano, a estrada que conduz à ruína económica pode percorrer-se muito para além de sinalizações inócuas e sem coimas. Pode percorrer-se até ao abismo.

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março 21, 2005

O Caso Bombardier

O caso Bombardier tem todas as características típicas relativas a um país pouco desenvolvido, com um tecido industrial frágil e com baixa densificação de relações interindustriais. Começou como uma empresa metalomecânica (Sorefame) de produção diversificada, sobrevivendo num ambiente industrial altamente protegido. A sua aposta no material circulante talvez a tivesse ajudado a sobreviver à hecatombe das empresas metalomecânicas portuguesas que ocorreu entre os fins da década de 70 e a década de 80. Mas a sua progressiva especialização nessa actividade industrial criou-lhe outro tipo de fragilidades. A indústria de material circulante trabalha para um mercado de procura muito flutuante, que está dominado internacionalmente por alguns gigantes.

O que está acontecer com a Bombardier portuguesa acontece em todo o mundo, e na Europa em particular. Para sobreviverem, a Asea sueca e a helvética Brown Boveri juntaram-se e criaram a ABB. O grupo Alstom, que já tem 130 anos, uma história industrial exemplar e que tem andado na crista da onda da tecnologia, desde o material eléctrico, construção naval e material circulante, está numa crise terrível. São 100.000 postos de trabalho na França e no estrangeiro.

Porque é que na Europa desenvolvida há uma “destruição criadora” e em Portugal o caso assume foros de aniquilação definitiva?

Em primeiro lugar por que é uma empresa de elevada tecnologia, pelo menos para o nível local. Nós estamos habituados a ver serem encerradas empresas de muito baixa tecnologia, com baixa qualificação laboral, e estamos em vias de nos resignar com uma situação que é fatal. Outro tanto não sucede quando vemos desaparecer uma empresa de elevada tecnologia.

E aqui entramos na segunda questão. Este encerramento é doloroso porque temos muito poucas empresas de elevada tecnologia e sabemos que é aí que nós temos que apostar. Somos como o pobre que, entre a tralha sem préstimo que possui, vê ser-lhe subtraído um dos poucos bens com algumas potencialidades.

E por ser doloroso, assiste-se aos socos no ar que sindicatos, trabalhadores, comunicação social, governo e políticos em geral, dão em desespero de causa. Pretendem impedir que a Bombardier leve aquilo que lhe pertence. È uma ideia que pode arrebatar o nosso ardor nacionalista, mas que é um equívoco perigoso. Portugal tem que se tornar atractivo a investidores estrangeiros, mas nunca o conseguirá fazer sem ser numa base de transparência e de aceitação das regras do jogo do mercado. Só sindicalistas obsoletos ou obreiristas relapsos julgam que é possível trazer os investidores arrastados pelos gorgomilos até às plagas lusitanas. Eles vêm se acharem o ambiente económico atractivo, e isto é um dado do problema e não um obstáculo de somenos que pode ser removido com um discurso moralista.

O governo deve negociar com a Bombardier utilizando os instrumentos legais que dispõe e a capacidade negocial que tem, por várias razões, entre elas a de ser accionista maioritário (ou único) de diversas empresas potencialmente clientes da Bombardier. Mas acima de tudo deve pensar em termos globais, de toda a economia, agindo sobre o funcionamento da administração pública, com ênfase particular na justiça, na fiscalidade e na qualificação, de forma a tornar o país atractivo ao investimento.

Quanto mais atractivo for o país e maior for o investimento qualificado, menor será o impacte que casos como o da Bombardier terão. Serão apenas a “destruição criadora” inerente ao funcionamento do próprio sistema. E o investimento externo, se trouxer tecnologia de elevado valor acrescentado, é decisivo por dois motivos: 1) pelo investimento em si – postos de trabalho que cria e investimentos induzidos; 2) pelo contacto com novas mentalidades e metodologias empresariais, porquanto um dos défices existentes em Portugal é o da qualidade e quantidade de empresários.

Seria todavia um erro salvar a “Bombardier-Sorefame”, ou qualquer empresa do género, recorrendo à intervenção estatal e integrando o seu espólio no sector público. Se uma empresa é ineficiente quando concorre em mercado livre, é porque ela é de facto ineficiente. Sendo assim, a sua integração no sector estatal faz com que este perca (mais) dinheiro. Normalmente o dinheiro perdido no sector estatal tem uma característica inquietante: ninguém o vê, ou seja, ninguém repara, directamente, que ele está a escoar-se para o lixo. O Estado perde displicentemente dinheiro, porque depois vai roubá-lo aos contribuintes. Somos nós todos que pagamos a gestão danosa do Estado e a ineficiência do sector público. Mas ao pagá-la, os contribuintes individuais ficam mais pobres e as empresas perdem competitividade.

Portanto, se o governo sucumbir à tentação de “salvar” o que resta da Bombardier pela intervenção estatal, está a criar as condições para facilitar o aparecimento de mais novos casos Bombardier.

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março 09, 2005

Portugal e a Eurolândia

A primeira crise no sistema monetário europeu (o SME, moeda própria, mas com taxas de câmbio variando dentro de uma dada banda) foi despoletada pela reunificação da Alemanha em 1990, embora muitas das maleitas económicas hoje evidentes já existissem nessa época, mas sem a visibilidade actual.

Um sistema de paridade fixa funciona bem em tempos normais, quando os restantes parâmetros estão de acordo com o que seria aconselhável para cada um dos países aderentes. Se aparece uma crise, cada país desenha um uma política própria, há ataques especulativos a algumas moedas específicas (aquelas cujos especuladores calculem que se depreciem mais facilmente) e gera-se uma situação de grande instabilidade.

Portanto, os peritos europeus concluíram que a moeda única era mais sólida e capaz de resistir a ataques especulativos. Isso tem-se revelado um facto indiscutível. A união monetária trouxe importantes benefícios. Com uma moeda comum, desaparece a volatilidade interna das taxas de câmbio, de forma que o comércio e as finanças deixam se preocupar com a incerteza sobre preços decorrente da flutuação das taxas de câmbio.

Todavia a taxa de câmbio é um importante instrumento de ajustamento macroeconómico. Não haveria problemas se todos os países tivessem legislações semelhantes sobre o funcionamento do mercado, mobilidade dos factores de produção e regras da sua remuneração, procedimentos iguais no funcionamento da administração pública, o mesmo grau de intervenção estatal na economia, idênticos níveis de qualificação e aceitassem a livre circulação dos factores de produção entre as áreas transitoriamente em declínio e aquelas em expansão, como sucede, por exemplo, nos EUA. Ou seja, se fossem um único país, e não diversos países, com identidades próprias, e orgulhosos da sua soberania e da sua história.

Ora isso não se verifica na eurolândia, devido à rigidez da estrutura salarial, às diferentes políticas sociais e ao baixo grau de mobilidade do trabalho entre os vários países. Enquanto nos EUA crises económicas regionais levam rapidamente à migração de trabalho, de modo que, passado algum tempo, as taxas de desemprego regressam aos níveis anteriores, na UE esses ajustamentos não ocorrem, e os países que sofreram essas crise vêem um elevado desemprego e a estagnação económica manterem-se de forma persistente.

Portanto, Portugal arrisca-se a empobrecer e a definhar, tornando-se o "Alentejo interior" da Europa, se não tomarmos medidas para sairmos dessa situação. Não podemos mexer nas taxas de câmbio, nem nas taxas de juro. Não temos mecanismos para “iludir” a economia, mantendo salários nominais conforme as reivindicações, mas reduzindo o seu poder de compra pela inflação, através de mexidas nas taxas de câmbio e de juros.

Temos portanto que enfrentar e resolver os problemas estruturais que inquinam a nossa sociedade, e que a mantêm economicamente estagnada. Só o conseguiremos fazer se abandonarmos a nossa actual postura de medo das mudanças e de aversão ao risco. Haverá custos sociais, como houve em Espanha, por exemplo, onde o desemprego rondou os 20%, mas quanto mais tarde fizermos essas reformas, maiores serão esses custos.

A menos que apostemos neste actual projecto de empobrecimento em segurança ilusória (e a prazo), que nos tornará, com o tempo, no pardieiro da Europa.

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março 07, 2005

A Questão do Desemprego

Portugal não tem um problema do desemprego. Portugal tem três problemas de desemprego:

1 – Tem mais de 400 mil desempregados. Como o pleno emprego admite taxas da ordem de 3% ou 4%, incluindo o desemprego friccional, teremos, estatisticamente, mais de 200 mil desempregados que a nossa economia não consegue actualmente absorver;

2 – Parte significativa da indústria têxtil não é competitiva no actual quadro da globalização e da emergência da China, Índia, etc.. Há, igualmente um excesso de população activa na construção civil e tal não será sustentável a médio prazo. No conjunto estamos a falar de 200 mil a 300 mil efectivos;

3 – Há um excesso de empregados no sector público na ordem dos 200 mil a 250 mil efectivos, quando comparado com a média europeia. Este excesso de emprego, sem qualquer contrapartida a nível de qualidade de prestação de serviço (antes pelo contrário), cria um ónus pesado sobre o sector privado, quer pela fiscalidade excessiva (Daniel Bessa citou, há meses, uma folha do World Economic Forum sobre a competitividade dos países onde se via que entre 59 países, éramos a 57ª carga fiscal mais elevada), quer pelo péssimo funcionamento da máquina do Estado, que, ambos, desincentivam o investimento.

No total, estamos a falar de passar de 7% para 17% de taxa de desemprego (sem falar no desemprego induzido nos serviços pela diminuição dos rendimentos das famílias). A agravar a questão, muito daquele desemprego apresenta um claro sintoma de histerese, isto é, não parece recuperável.

A eficiência do mercado de trabalho consegue-se com a sua liberalização. No caso português é necessário que, para além da liberalização, o sector público seja profundamente reformado, porque só assim será possível o seu downsizing. O papel do Estado, para além de promover o seu downsizing, deverá ser o de remover todos os entraves à mobilidade do factor trabalho, assegurar que não há violações estruturais da concorrência, assegurar os cumprimentos contratuais nas relações entre os agentes económicos e a agilização da recuperação dos débitos.

As derrogações à liberdade contratual e à mobilidade do mercado de trabalho criam situações de imperfeição no modelo concorrencial que afectam a eficiência económica da sociedade como um todo e atingem, perversamente, aqueles que julgavam que essas derrogações os punham a salvo das “injustiças” do modelo concorrencial.

Na sequência do 25 de Abril, com o nobre intuito de proteger os trabalhadores, legislou-se no sentido de impedir qualquer despedimento ou flexibilização da relação laboral. Pensava-se que, com esses institutos legais, os trabalhadores ficariam eternamente protegidos contra a exploração capitalista. Rapidamente o poder político se apercebeu que aquela legislação tinha um efeito perverso na evolução económica, desincentivando os empresários em aumentarem o emprego, mesmo em períodos de expansão económica, colocando o país em estagnação económica, levando empresas à falência ou à deslocalização e diminuindo daquilo que se queria conservar: os efectivos da população activa. E assim, para introduzirem alguma flexibilidade num mercado de trabalho rígido e à beira do estrangulamento, apareceram a lei dos contratos a prazo e a proliferação do sistema de prestação de serviços contra recibos verdes, em completo arrepio ao espírito daquele sistema, inventado para as profissões liberais.

Aliás, a rigidez laboral tem igualmente efeitos negativos no comportamento e produtividade dos trabalhadores, retirando-lhes o estímulo pela inovação e requalificação e estimulando, em contrapartida, a sua aversão ao risco e à mudança.

Aqueles dois novos tipos de relações de trabalho tiveram um notável efeito estimulante na nossa economia e no nível de emprego. Portugal passou a ser, na União Europeia, o país onde o índice de desemprego era menor. Mesmo em períodos de grande crise, como no início da década de 80 ou no início da década de 90, enquanto o desemprego na Europa assumia níveis assustadores, em Portugal mantinha-se quase o pleno emprego.

Os empresários, em face de expectativas, mesmo medianamente favoráveis, admitiam pessoal com bastante facilidade, pois sabiam que podiam demitir esse pessoal, total ou parcialmente, quer se gorassem as expectativas, quer se o pessoal não satisfizesse profissionalmente. Na maioria dos casos verificou-se que essas admissões se tornaram permanentes porque a economia estimulada pelas decisões desses empresários cresceu o suficiente para assegurar a manutenção desse nível de emprego.

Portanto, a questão da mobilidade do factor trabalho, como regra geral, tem que ser encarada de frente e resolvida. Com a actualidade rigidez laboral do mercado “normal”, o país não é atractivo para o investimento de alta tecnologia, mas apenas para investimento não qualificado, aproveitando os “expedientes legais”.

A avaliação do comportamento económico das sociedades tem mostrado que a política de redistribuição de rendimentos terá que ser concebida de forma a não menoscabar a eficiência do tecido produtivo pois se este perder a eficiência haverá cada vez menos rendimento para redistribuir. É essa a lei do mercado e sempre que se tentaram implementar soluções de índole estatizante fixando preços e quantidades administrativamente, ignorando os equilíbrios que se geram num mercado eficiente, o resultado foi péssimo. A curto prazo os resultados parecem bons, enquanto dura o efeito das medidas estatais e o mercado não desenvolveu as respostas adequadas; a longo prazo é a catástrofe. Desde que existem trocas, que é assim: se se fecha a porta ao mercado ... ele entra pela janela.

Se o governo tomar as medidas certas, o desemprego irá aumentar a curto prazo, mas a economia será saneada e será possível um desenvolvimento sustentado futuro. Foi assim que sucedeu, por exemplo, em Espanha. Se não as tomar, talvez que o desemprego não aumente tanto no curto prazo, mas permaneceremos nesta situação de derrapagem económica, com prognóstico muito reservado, e o desemprego continuará a aumentar, a aumentar sempre. E quanto mais tarde se tomarem aquelas medidas, maior será o seu custo social e económico.


Nota - Ler ainda:
Sócrates e o Desemprego

Publicado por Joana às 12:20 AM | Comentários (50) | TrackBack

fevereiro 22, 2005

Sócrates e o Desemprego

Uma das bandeiras da campanha de Sócrates foi a da recuperação do emprego. Não explicou como, para além de prometer colocar (a expensas dos contribuintes) mil licenciados em gestão e em tecnologia em PME’s. Não explicou, nem o conseguiria facilmente. Não é ao Estado que cabe criar empregos, mormente o Estado português que deveria, em vez disso, emagrecer substancialmente no que respeita ao volume dos seus efectivos, justamente para aumentar a competitividae da nossa economia. Ao Estado cabe implementar políticas que promovam o emprego.

E como promover o emprego? Há medidas a médio e a longo prazo que são necessárias e que já deveriam ter sido tomadas. Tornar eficiente o nosso sistema de ensino, apostar na componente profissional e tecnológica como alternativa à procura pelas saídas universitárias, muitas delas sem qualquer interesse no mercado de trabalho. Não é gastar mais dinheiro nele, pois já é o mais caro da Europa. É aplicá-lo melhor. Não é apenas criar cursos profissionais e tecnológicos, é torná-los atractivos, porque a fraca procura que há por esta alternativa, para além das suas deficiências, tem muito a ver com a mentalidade dos portugueses que continuam a ver o canudo como um “seguro de vida”.

Mas as medidas enunciadas no parágrafo anterior apenas terão efeito a longo prazo. No curto prazo outras terão que ser tomadas. O primeiro conceito a reter é que o factor trabalho é um bem sujeito à oferta (de quem busca emprego) e à procura (do empregador). Funciona portanto em mercado. E a eficiência do mercado do trabalho maximiza-se quando estão reunidas as condições de concorrência perfeita: transparência, atomicidade e independência dos agentes intervenientes , total liberdade de entrada e saída, racionalidade (minimizar o consumo de um dado factor para o mesmo nível produtivo) e mobilidade perfeita dos factores de produção (*).

O mercado do trabalho em Portugal tem-se aproximado, no que respeita a algumas daquelas condições, do modelo concorrencial. A transparência tem aumentado e o Estado tem tido algum papel nisso através dos seus serviços (Instituto do Emprego, por exemplo) (**). A atomicidade e independência dos agentes tem aumentado no sector privado, pela diminuição drástica da influência sindical, fruto aliás do protagonismo inicial excessivo dos sindicatos e das situações de impasse a que esse protagonismo conduziu os trabalhadores. A racionalidade na utilização do factor trabalho cabe aos empregadores. Em teoria, o próprio funcionamento do mercado “expulsaria” as empresas que não fizessem escolhas racionais neste campo. Na prática, a protecção estatal pode manter artificialmente no mercado empresas que não funcionem com racionalidade. É uma violação das condições estruturais que constitui um ónus para a sociedade e para os restantes agentes económicos.

Todavia a questão central, por ser a mais delicada e não estar resolvida , é a da mobilidade perfeita do factor trabalho. A experiência tem mostrado que enquanto numa economia liberal, como a dos EUA, uma retoma económica obtém níveis mais elevados e o pleno emprego se atinge rapidamente em iteração com o crescimento económico, em economias com maior rigidez laboral, como as europeias, essa rigidez acaba por se tornar um travão ao próprio desenvolvimento económico.

Tomemos o caso português. Em Portugal coexistem duas situações – um “mercado” de trabalho absolutamente rígido, e um mercado completamente flexível, baseado nos “recibos verdes” e nos contratos precários. A existência deste último mercado tem sido a principal responsável pelo crescimento económico português. Quando as expectativas sobem, os empresários não têm dúvidas em aumentarem o nível do emprego, porque sabem que se essas expectativas se gorarem poderão reduzir os seus efectivos. Sucede que, na maioria dos casos, essas admissões acabam por se tornar permanentes porque a economia estimulada pelas decisões desses empresários cresceu o suficiente para assegurar a manutenção desse nível de emprego.

É por isso que Portugal, tendo embora uma legislação laboral mais rígida que no resto da Europa, tem tido taxas de desemprego menores. A nossa legislação protege os «insiders», incluindo os que têm emprego e não querem trabalhar. Mas existe um mercado paralelo, embora legal, completamente liberalizado, com uma mobilidade porventura superior à americana, e que tem servido de impulsionador ao nosso crescimento económico. Sem ele, a nossa situação actual seria certamente muito mais calamitosa.

Todavia, não é possível construir uma economia sã, com uma mercado rígido coexistindo com um mercado selvagem. É uma situação socialmente injusta e prejudicial do ponto de vista da inovação e qualificação. Quer o trabalhador asilado, quer o trabalhador que subsiste em completa precaridade têm poucos incentivos à melhoria da sua qualificação profissional e à inovação.

São estes conceitos que Sócrates e a sua equipa terão que interiorizar se querem criar empregos. A aposta na qualificação e formação profissional é necessária, mas não é suficiente, e no curto prazo terá mesmo efeitos muito diminutos. O governo anterior considerou que a reforma das leis laborais tinha carácter de urgência. O resultado foi tíbio. Sócrates, se quer dinamizar o mercado de emprego, terá que ir mais além. Conseguirá ultrapassar os preconceitos ideológicos dos seus pares? É uma questão de pôr os olhos no seu correligionário alemão, que tem conduzido reformas laborais e sociais muito mais profundas do que a coligação de direita portuguesa alguma vez tentou levar a cabo.

Sócrates tem porém uma vantagem. Se quiser fazer essas reformas, poderá contar com o humor corrosivo da direita, mas contará certamente com os seus votos, ou pelo menos com a sua abstenção.

Quanto a colocar (pagos pelo erário público) mil licenciados em gestão e em tecnologia em PME’s, não passa de um gesto inócuo, que só terá um simbolismo passageiro. As condições para a continuação do aumento do desemprego em Portugal não foram eliminadas. A hecatombe dos têxteis e da construção civil perfila-se no horizonte. Não é apenas necessário recuperar os empregos perdidos nestes últimos anos. É igualmente necessário encontrar empregos para os efectivos de diversas empresas têxteis que estão condenadas, e para o excesso de emprego na construção civil (quando comparado com a percentagem dos outros países europeus), emprego que tenderá a decrescer, fruto da retracção imobiliária e da diminuição das empreitadas de obras públicas.

Notas:
(*) O conceito de concorrência pura e perfeita é obviamente teórico. Por isso os economistas anglo-saxónicos introduziram o conceito do 2nd Best, ou da “Workable Competition” que consubstancia um conjunto de regras de validação da concorrência, em face das restrições ou violações das condições estruturais que dificultam, na prática, a concorrência pura e perfeita. O modelo teórico constituiria assim uma assimptota face a uma curva imaginária onde cada ponto fosse o resultado das combinações possíveis das diversas violações, em quantidade e qualidade, dos pressupostos de base.

(**)Aliás, o papel principal do Estado, numa economia de mercado é aumentar a sua eficiência e estabelecer procedimentos e legislação que impeçam as violações das regras da concorrência e assegurem a legalidade dos comportamentos dos agentes económicos. E sublinho isto, porque quando falo da liberdade de mercado, aparecem sempre aqueles que citam o tráfico de droga ou a prostituição como razões para limitar essa liberdade. Esquecem-se de uma coisa, a criminalidade vive num mundo paralelo, à margem da lei. Ao fazerem-se leis restritivas ao funcionamento dos mercados, elas aplicam-se apenas àqueles que vivem na legalidade, pois os criminosos já estão à margem da lei. Aquelas preocupações não passam assim de hipocrisia e de desonestidade intelectual.

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fevereiro 10, 2005

Duas Mãos Invisíveis

Adam Smith escreveu que o homem ao procurar que a “produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções. Nem nunca será muito mau para a sociedade que ele não fizesse parte das suas intenções. Ao tentar satisfazer o seu próprio interesse promove, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretende fazer.”. É a formulação clássica das virtudes da liberdade do mercado, que está na base da economia capitalista e da prosperidade das sociedades ocidentais. É a Mão Invisível dos neo-liberais.

Se naquele texto substituirmos o conceito de ambição ou da “satisfação do seu próprio interesse”, pelo conceito da “inveja mesquinha dos outros” ou do “bota-abaixo”, teremos a seguinte formulação – ao tentar satisfazer a nossa inveja e mesquinhez promovemos de uma maneira mais eficaz a pauperização da sociedade, do que quando realmente o pretendêssemos fazer.

Mas mesmo neste caso a Mão Invisível continua a agir – estamos a ser guiados por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das nossas intenções. Ou seja, guiados pela nossa inveja e mesquinhez estamos a conduzir o país para uma meta que não estaria nas nossas intenções, mesmo nas dos mais invejosos: a estagnação social e económica e o progressivo nivelamento pela miséria geral. É nisso que estamos a transformar a sociedade portuguesa

É a Mão Invisível dos que vivem invejosos do êxito, receosos de mudanças e apostando na mediocridade do statu quo. É a nossa Mão Invisível. É essa a Mão Invisível que nos tem guiado desde meados do século XVI e da qual não nos conseguimos livrar.

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fevereiro 02, 2005

Dois Apoios e Muitas Dúvidas

Duas notícias vindas ultimamente a público dão credibilidade e reforçam posições que tenho aqui defendido. A primeira foi o artigo da autoria de Medina Carreira, A Verdade Não Mora Aqui, publicado ontem no Público. A segunda foi um Manifesto elaborado por “personalidades representativas das áreas financeira, universitária, empresarial e política” onde se pede aos partidos a “definição urgente de uma estratégia nacional” e a eliminação dos "bloqueios constitucionais".

Medina Carreira afirma que “O Estado é inoperante, insustentavelmente sobredimensionado, está em crescente desqualificação e perdeu poderes decisivos de intervenção económica (monetário, cambial, alfandegário e orçamental). A economia fragilizou-se no último quarto de século, só reagindo, ocasionalmente, com o impulso de ocorrências externas, muito favoráveis. O peso da despesa pública levará, em poucos anos, ao colapso financeiro do Estado, com pesadas consequências para todos mas, em especial, para mais de 4,5 milhões de indivíduos dele directamente dependentes”. Medina Carreira prega obviamente no deserto, enquanto eu prego num blogue, o que ainda se tem revelado menos operacional que pregar aos peixes.

Medina Carreira continua. Fala na “promoção do demérito” e na “inércia e a rotina”; que “os principais partidos políticos são hoje a melhor e a mais procurada agência de empregos para uma certa mão-de-obra" onde todos os mecanismos visam a “obediência e a hipocrisia política”. E conclui, após um diagnóstico económico e financeiro impressionante, pelo que tem de catastrófico, que a “avaliação do mérito das propostas eleitorais dos partidos” ... “pressuporia a apresentação pelos mesmos, bem antes das eleições, de uma caracterização rigorosa e quantificada da nossa situação económica e financeira” e formula um conjunto de questões que considera indispensáveis para aquela avaliação, e cuja resolução, acrescento eu, será imprescindível para a nossa sobrevivência colectiva.

É de leitura obrigatória e os seus pontos fulcrais deveriam constituir matéria de reflexão para a nossa classe política e para todos nós, que escolheremos, entre essa classe política, quem nos irá governar.

Quanto ao Manifesto de hoje, destinado aos partidos que andam em campanha, defende como tarefas imediatas do Estado "a eliminação de bloqueios que, como a Constituição da República de 1976, ou as forças corporativas, continuam a condicionar o desenvolvimento do país", advertindo que "A Constituição deverá sofrer um processo de revisão que permita rapidamente adaptar Portugal aos desafios do século XXI".

Até há poucos anos, a classe empresarial portuguesa convivia com o Estado e a política de forma ambígua: criticava e menosprezava os políticos, mas mendigava protecções ou chegava-se à mesa do orçamento para obter contratos de fornecimentos ou empreitadas. A classe empresarial portuguesa parece que, finalmente, resolveu atravessar o Rubicão. Ela apercebeu-se que o Estado está à beira do colapso e que a sua relação com esse Estado já não se pode fazer segundo aquelas linhas de força opostas, porque uma delas está esgotada, ou em vias disso.

A classe empresarial portuguesa terá concluído que, agora, a tarefa urgente e incontornável é a salvação económica e financeira do país, porque sem isso, ela própria não sobreviverá.

Quanto às minhas dúvidas, elas são muitas. Vejo o programa do PSD que, descontadas as “metas aspiracionais” de concretização difícil, senão impossível, numa legislatura, tem um conteúdo que indica que na base dele esteve gente que sabe como as estruturas organizativas funcionam e quais os procedimentos para as reestruturar, mas onde me interrogo onde vão encontrar gente competente e em número suficiente para liderar esse processo e como mobilizar o país para aquelas metas. O PSD aposta numa melhor gestão dos recursos afectos ao Estado, sem medidas que impliquem aumento dessa despesa, mas isso não é suficiente. O Estado tem que se tornar muito mais eficiente.

Leio o programa do PS, pejado de nobres intenções, mas carente de consistência a nível de concretização e continuando a apostar no Estado como motor da economia, papel que o Estado não sabe protagonizar, e que se salda sempre por despesa pública adicional, ineficaz e inútil. O plano tecnológico do PS é um flop, pois o choque tecnológico baseia-se no regresso do Estado a esse papel tutelar e no aumento da despesa pública sem retorno evidente. Aliás, no estado actual das finanças públicas não se percebe onde o PS vai encontrar fundos financeiros para aquele objectivo. Por outro lado, olho para a equipa de Sócrates, vejo um político competente, Vitorino, mas sem competências nas áreas económicas, e vejo uma equipa de economia liderada por Manuel Pinho, sujeito que me parece pouco capaz e cuja trajectória política se tem caracterizado pela volubilidade e pelo “cheiro do poder”.

Cadilhe diz que o país vive um filme de terror. O perverso é que os portugueses o vivem, julgando que estão na plateia, quando afinal são os principais protagonistas e não é seguro que não sejam as vítimas mais cruentas e que o filme não tenha um fim trágico para todos nós. A questão é que os portugueses querem reformas mas não estão dispostos a passar por um processo de reforma, a abdicar de hábitos adquiridos e a correr o risco de mudar. Os interesses corporativos sabem bem os custos da mudança, e sabem como agitar publicamente esses custos, e poucos portugueses têm a percepção clara dos seus potenciais benefícios.

Enquanto isso continuamos empenhados em discutir ferozmente o acessório.

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janeiro 28, 2005

Marx Neoliberal

Para aqueles que me acusam de renegar Marx e o trocar pelo pensamento económico neo-liberal, aqui vai um pensamento de Marx: A Comuna [de Paris] fez da palavra de ordem de todas as revoluções burguesas, governo barato, uma verdade, ao suprimir as duas maiores fontes de despesas, o exército e o funcionalismo.

E eu, que apenas pretendia um emagrecimento da ordem dos 25% ou 30%, sou aqui vilipendiada diariamente, que farão com Marx, que embandeira em arco com o despedimento colectivo, absoluto e total, do funcionalismo público!

E ele não disse isto num café chalaceando com uns amigos. Foi numa Directiva ao Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores (Adresse des Generalrats der Internationalen Arbeiterassoziation):
Sem_Marx_Comuna.jpg
Sublinhei a vermelho aquela frase mortífera!
In Marx-Engels Werke Vol 17, pág 341 Dietz Verlag Berlim


Nota: Ler sobre este tema, e como continuação:
Marx Neoliberal-Educação Gratuita?
Marx (in)actual

Publicado por Joana às 09:56 PM | Comentários (117) | TrackBack

janeiro 16, 2005

Pacto de Silêncio

Augusto Santos Silva, mais conhecido como plumitivo do Público, que como ex-Ministro da Educação, escreveu no sábado passado subordinado ao imagético mote “não são os profetas da desgraça nem os apóstolos das soluções financistas que nos farão sair” da crise que atravessamos. Resolvi traçar umas linhas sobre este texto porque considero-o um paradigma de quem tenta iludir-se a si próprio, ou talvez aos outros.

Em primeiro lugar, e embora reconhecendo que em “2002 havia problemas reais e sérios no equilíbrio das contas do Estado”, Santos Silva postula que foi o facto da dupla Durão Barroso/Manuela Ferreira Leite “empolar demagogicamente as dificuldades, lançar um duche frio sobre as expectativas dos agentes económicos e paralisar a acção do Estado, o investimento público e a despesa social, cortando sem critério nem sustentação” que teria agravado a situação. É normal que um sociólogo, habituado ao poder da palavra, ache que a causa das nossas dificuldades económicas é ... falar-se nelas!! Que erro colossal que DB/MFL cometeram! Se eles não falassem que havia uma profunda crise orçamental, ninguém teria dado por ela ... teria passado despercebida, quer entre os agentes económicos portugueses, quer no Eurostat. O perigo que representa a incontinência verbal!

Sampaio, em vez de pactos de regime, deveria ter proposto ... pactos de silêncio!

Quanto aos cortes, eles aconteceram onde era possível, dada a rigidez da despesa com a massa salarial e com outras despesas correntes.

Mas depois desta crítica, Santos Silva só pensa no futuro. E hierarquiza 3 medidas:

A primeira é a “participação numa revisão inteligente do Pacto de Estabilidade e Crescimento”. Portanto, a nossa medida financeira prioritária será a alteração das regras do jogo das finanças europeias. É uma medida inteligente. Como não depende de nós, nunca seremos culpabilizados por não acontecer ... ou pelo que venha a acontecer.

A segunda é a medida, por excelência, que os gastadores públicos apregoam: é preciso haver uma elevação da receita do Estado. Se o nível de evasão fiscal, designadamente entre as empresas e as profissões liberais, e o nível de informalidade económica são aqueles que todos os estudos indicam, então há uma enorme margem de crescimento da receita, sem aumento da carga fiscal, e o Governo tem de usar todos os meios legais para fazer pagar quem deve.

Há duas realidades que se conhecem: 1) Portugal tem uma carga fiscal elevada; 2) o nível de evasão fiscal em Portugal não é significativamente maior que no resto da Europa. Deve haver combate à evasão fiscal para obter uma maior equidade fiscal e fazer diminuir a carga fiscal sobre famílias e empresas, não para sustentar a ineficiência e o laxismo. São aqueles que mais se especializaram em aumentar a despesa pública, que mais apregoam a receita do combate à evasão fiscal como panaceia, embora nos seus governos nunca ninguém tivesse dado conta da sua pertinácia nessa luta. Por outro lado, o combate à evasão fiscal é uma luta demorada que passa também por uma mudança de mentalidades, quer da população, quer da administração fiscal.

Quanto à despesa pública, Santos Silva é cauteloso “Finalmente, é preciso enfrentar os grandes agregados da despesa pública. Não para abater despesa onde for mais fácil, sem preocupação de equidade e justiça social, nem sentido estratégico de desenvolvimento. Mas para introduzir medidas de calibragem das prioridades do investimento público e de racionalização e sustentação da despesa”. Para Santos Silva é pecaminoso falar de “baixar a despesa pública” ... em vez disso pretende “enfrentar os grandes agregados da despesa pública“.

Portanto, a primeira medida ... não é connosco; a segunda medida é sacar mais dinheiro ao contribuinte exangue, matéria em que o Estado português se tem apurado num exercício de quase 9 séculos, especialmente nos últimos 30 anos; a terceira é ... uma metáfora poética!

E conclui: Há mais vida para além das receitas gastas do monetarismo e dos truques contabilísticos. E é dessa vida que vale a pena falar.

Acho preferível que ele fale dessa outra vida, porque desta ele não parece saber o que diz. Ou então julga que os outros são tolos.

Publicado por Joana às 11:38 PM | Comentários (21) | TrackBack

janeiro 11, 2005

O Aumento da Idade da Reforma

Como medida de justiça social acho avisado que se equipare o sistema de reformas do sector público ao do sector privado. Também julgo inevitável, em face da crise demográfica, que a idade da reforma seja protelada. Todavia, o nosso problema actual (e futuro, a menos que haja reformas profundas) é a dificuldade da nossa economia gerar empregos. Actualmente ela gera desemprego, e vai continuar a gerar.

Os 150.000 novos empregos que Sócrates promete, empolgado, não chegarão (admitindo que existam ...) para colmatar o desemprego que continuará a ser gerado pelo mau desempenho da nossa economia. Neste ano e nos próximos, para além dos têxteis de menor qualidade que, com o fim das restrições impostas às importações provenientes dos países em desenvolvimento, vão certamente desaparecer, haverá também um decréscimo acentuado de emprego na construção civil. São 200 a 300 mil postos de trabalho em risco, no mínimo. Depois haverá desemprego induzido no comércio e nos serviços.

Esta é uma questão estrutural que levará anos a ser solucionada, e isto se forem tomadas desde já as medidas “impopulares” imprescindíveis. Senão levará décadas ...

Portanto, aumentar actualmente a idade da reforma não traz qualquer vantagem. Apenas impede o rejuvenescimento do mercado de trabalho. Mas é uma medida que terá que ser tomada, mesmo que só tenha efeitos a longo prazo.

Publicado por Joana às 10:45 PM | Comentários (21) | TrackBack

janeiro 10, 2005

A Entrevista de Daniel Bessa

Veio a lume, n’ O Público de hoje uma entrevista a Daniel Bessa. Mas não é o que ele diz que é importante. O mesmo, tenho eu aqui repetido dezenas de vezes. O que é importante é tal ser dito por um ex-ministro socialista da Indústria, ministro nos primeiros meses do governo de Guterres, antes deste ter enveredado pelo pântano do laxismo.

Respigo algumas frases:

Sobre a liberalização da economia e agilização da justiça:

- A economia portuguesa precisa de liberalização, o que não é fácil de dizer para o interior do PS. ... Quando falamos em liberalizar queremos dizer deixar o mercado funcionar. Ora muitas actividades e empresas em Portugal continuam a ser mantidas de uma forma artificial. ... . A verdade é que muitas empresas apresentam sistematicamente prejuízos e continuam a funcionar, que o sistema bancário tem muita dificuldade em recuperar créditos, mesmo quando se encontram garantidos. O mau funcionamento da nossa justiça resulta em falta de liberdade e falta de concorrência na economia que prejudica as melhores empresas.

Sobre o funcionamento da administração pública e o papel do Estado:

Porque é que leva tanto tempo a fazer o que quer que seja? Porque não sei quantos interventores da administração exigem ter uma palavra a dizer, como me perguntava atrás. Temos uma administração excessiva, temos um governo excessivo, isso é sabido e ninguém faz nada.
Sem mais concorrência, mais mercado, menos intervenção do Estado, menos serviços a intervirem no processo, sem licenciamentos e processos de falência mais rápidos não conseguiremos crescer nem sequer ao ritmo da Europa

Sobre o peso da administração pública:

se não for possível compatibilizar crescimento e contenção do défice, opto pelo segundo: sem saneamento das contas públicas não há futuro nenhum. E esse saneamento é muito difícil, porque há áreas da despesa que estão a subir de forma imparável, como a segurança social e a saúde. É essencial, por exemplo, que não aumente o emprego na administração pública. Tem de haver mesmo redução, aproveitando as saídas para a reforma e, a ter de contratar, contratar com mais qualificações. Para além disso, a nível de remunerações, estes têm de estar ligados a objectivos.

Sobre a fragilidade e dependência da nossa economia

A economia portuguesa tem um problema grande que é a fragilidade da nossa oferta lá fora. Há décadas de trabalho do ICEP, mas a retaguarda não tem correspondido. A verdade é que os melhores períodos da economia portuguesa estão ligados ao investimento estrangeiro. E não falo só da Autoeuropa, que muito contribuiu para termos hoje na área automóvel um valor acrescentado superior à do têxtil. O que também tem fragilidades. O crescimento de 2,0 por cento que o Banco de Portugal projecta para 2006 depende, como alertou Vítor Constâncio, de a fábrica de Palmela da Autoeuropa ir construir um novo modelo. Isto é: estamos dependentes de um centro de decisão exterior...

Sobre o “choque fiscal”:

Vou fazer uma pequena inconfidência sobre uma conversa, até um pouco desagradável, que tive uma vez com António Guterres, ainda era ele primeiro-ministro. Disse-lhe que a carga fiscal em Portugal sobre as empresas era muito elevada e ele não gostou. Por isso mostrei-lhe uma folha do World Economic Fórum sobre a competitividade dos países onde se via que, nessa altura - agora as coisas melhoraram -, entre 59 países, éramos a 57ª carga fiscal mais elevada. Pode ser desagradável ouvir isto, mas nenhum investidor em nenhum canto do mundo acha atractivo um país que oferece uma carga fiscal assim.

Daniel Bessa está pessimista. Pensa, e provavelmente com razão, que há um excesso de população activa na construção civil e que tal não será sustentável a médio prazo. Se a previsão dele se concretizar poderá haver um aumento de 200.000 desempregados a somar aos actualmente existentes. Igualmente não acredita na promessa do PS de uma taxa de crescimento de três por cento ao ano, a menos que haja reformas estruturantes que ele não julga possível, pois a economia portuguesa precisa de liberalização, o que não é fácil de dizer para o interior do PS. A agravar a situação, esses desempregados não representam só um aumento dos subsídios de desemprego, implicam igualmente uma acentuada descida de receitas fiscais.

Por outro lado uma ampla reforma da administração pública não será possível sem uma diminuição acentuada nos seus efectivos. Para qualquer lado que se vire, o país está confrontado com perspectivas sombrias a nível do mercado de emprego.

Muito do que tenho escrito neste blogue tem sido igualmente escrito e dito por ex-dirigentes socialistas, Medina Carreira, Silva Lopes e agora Daniel Bessa, entre outros. Infelizmente, apenas os ex-dirigentes falam com senso. Os dirigentes sem ex (e não me refiro apenas aos socialistas), sobrevivem como tal, vendendo ilusões e mentindo sobre a nossa situação e sobre a validade das soluções que apregoam, apenas na esperança de regressarem ao poder e à distribuição de sinecuras.

Publicado por Joana às 07:25 PM | Comentários (17) | TrackBack

janeiro 04, 2005

Desenvolvimento e Fiscalidade

Medina Carreira, em declarações à Rádio Renascença, afirmou que: “Não suponho que seja útil continuar com esta retórica do pacto de regime porque, enquanto a sociedade portuguesa não souber que nós temos uma economia que cresce a um ritmo que é insustentável para manter as finanças públicas, não há pacto de regime que salve nada. O problema é criar as condições de base para que a economia cresça”. O diagnóstico de Medina Carreira parece-me correcto, atendendo a muitos dos comentários que tenho lido. A sociedade portuguesa ainda não se apercebeu da crise económica e financeira em que vive.

Mas como criar condições de base para um crescimento da economia? Não pode ser através do aumento da despesa e da procura interna induzida artificialmente pois a oferta interna não consegue satisfazer a procura, verificando-se uma escalada das importações e uma deterioração das contas com o exterior. Há que aumentar a competitividade das empresas existentes e atrair investimento estrangeiro em áreas de alto valor acrescentado. A economia tem que ser dinamizada pelo lado do produto, das receitas, e apostar preferencialmente na procura externa.

Mas para tornar o país atractivo do ponto de vista do investimento há que desburocratizar a administração pública, nomeadamente a justiça, e agilizar todos os processos ligados ao funcionamento da actividade económica.

No que toca às receitas é ilusório e contraproducente apostar no aumento das receitas fiscais em termos de percentagem do PIB. A carga fiscal é muito elevada em Portugal, principalmente a que se refere à carga fiscal sobre as empresas e actividade económica em geral. A evasão fiscal é um mito que é utilizado por aqueles que querem um álibi para manter níveis absurdos de despesa pública. Há evasão fiscal em Portugal, mas os estudos mostram que ela não é significativamente diferente dos restantes países da UE15.

Temos sim um peso da economia paralela superior ao do resto da UE15, embora similar aos países da Europa mediterrânica, que, segundo estimativas, ronda o quinto do PIB. Mas a incidência da economia paralela tem a ver com o grau de desenvolvimento económico e da qualidade da administração pública de cada país. Não é uma doença, mas um sintoma. As complicações burocráticas e legislações confusas e contraditórias incentivam a ficar fora do sistema.

A ineficiência da justiça também não é atractiva para a economia paralela. Uma sociedade baseada na economia de mercado, para funcionar adequadamente, tem que ter um sistema judicial que assegure o cumprimento dos contratos. Se a nossa justiça não conseguir esse desiderato, se um acordo verbal não tem um valor significativamente inferior ao de um contrato escrito e registado, então tanto faz uma unidade económica laborar na legalidade ou não, desde que a sua dimensão seja pequena.

Além do mais, todos colaboramos na economia paralela. Quando fazemos obras em casa, exigir factura equivale a pagar mais 19% de IVA. Quem é o abnegado combatente da evasão fiscal que exige factura? E que garantia teríamos, nesse caso, que o “mestre de obras” declarasse aquele valor?

O combate à evasão fiscal deve ser feito, e com vigor, em nome da justiça e da ética fiscais e não na esperança de sustentar os níveis absurdos de despesa pública a que chegámos. Deve ser feito para diminuir a carga fiscal das empresas, aumentar a sua competitividade e atrair investimento estrangeiro, e não para deitar dinheiro à rua. Quanto à economia paralela, poderemos diminuir o seu nível se simplificarmos os procedimentos administrativos e legais, eliminarmos os entraves burocráticos e agilizarmos a justiça. E simultaneamente criarmos incentivos para que os clientes finais exijam facturas dos serviços que lhes prestam. O Estado foge a esses incentivos porque pretende ganhar em todos os tabuleiros. No saldo final acaba por perder.

Vejamos os números apresentados recentemente por Medina Carreira no seu artigo do “Titanic”(*), já citado noutro local:

DespesaReceita0.jpg

As colunas 2 e 4 representam o “peso” percentual da despesa em termos das receitas fiscais.

O ritmo anual médio do crescimento daquelas rubricas, durante o período de 1980-2004 foi, segundo cálculos meus:

DespesaReceita1.jpg

Se o elevado crescimento dos custos da segurança social pode ser explicado pelo envelhecimento da população, o mesmo não acontece com as despesas de educação e da saúde, atendendo à péssima qualidade dos serviços prestados. As colunas 2 e 4 mostram a progressiva incapacidade fiscal para o financiamento da despesa pública. Em 1980 a despesa era 28% superior à receita fiscal e em 2004, 38%. O Estado tem sustentado este défice estrutural com receitas extraordinárias, desde as privatizações, até aos malabarismos destes dois últimos anos.

A situação agravou-se durante os governos de Guterres. A despesa pública total subiu de 42% (1990) para 46 % do PIB (2002). Todavia o aumento, expurgado dos juros da dívida pública, foi muito maior: de 33,5% para 43,1%, porquanto o peso dos encargos com a dívida pública caiu de 8,5% para 2,9% (cerca de 5,6% do PIB!). E aquele pesado aumento não inclui os custos gerados naquele período, mas que ficaram para ser pagos nos anos vindouros, como as SCUTs, que durante aquele período foram receitas fiscais (IVA, IRS, IRC, etc.) e, a partir deste ano, pagamentos a inscrever como custos orçamentais. A diminuição dos juros (pela adesão ao euro) e a obras no sistema “faça agora e pague depois” maquilharam uma situação absolutamente desastrada.

Numa entrevista a A Capital, Medina Carreira afirmou que Portugal é o 17.º país da UE25 a “produzir” riqueza e o 3.º a pagar ao “pessoal público”. É uma situação que não se poderá manter.

Esta situação acima sumarizada conduziu a que a economia portuguesa entrasse em derrapagem em 1999, estagnação que se agravou com a recessão da Zona Euro e com as medidas restritivas que o governo de Durão Barroso tomou para conter o descalabro das contas públicas. Todavia, esta contenção é difícil, porque implica contenção com as despesas do pessoal e com as despesas sociais, o que é altamente impopular.

Neste entendimento é fácil perceber que o próximo governo, qualquer que ele seja, terá uma tarefa complicada e os concorrentes às eleições terão que iludir os portugueses durante a campanha eleitoral, se quiserem conquistar o poder. Neste contexto percebe-se a polémica de hoje sobre se o PS aumenta ou não o IVA para 20%, com Miguel Frasquilho a garantir, talvez com excessivo optimismo, que “quaisquer alterações na carga fiscal de um governo liderado pelo PSD no futuro serão no sentido da diminuição e não do aumento das taxas de imposto”, enquanto Sócrates prometeu ontem "mexer" nos impostos, apenas não explicando qual o sentido da “mexida”.

Em qualquer dos casos é provável que seja o PS mais pressionado a aumentar os impostos que o PSD, visto a sua base eleitoral não aceitar cortes na despesa pública. Quanto a medidas estruturais que permitam à economia portuguesa aumentar a produtividade e a competitividade internacional, mesmo que sejam tomadas, só sortirão efeito algum tempo depois. Além do que essas medidas estruturais irão bulir com interesses corporativos, nomeadamente os lobbies sindicais, o que também será uma dor de cabeça para Sócrates.

(*) Quadro extraido do blogue "Grande Loja do Queijo Limiano"

Nota:
Ler igualmente

Haverá vida para além do Pacto?
O Manto Habitual da Hipocrisia

Publicado por Joana às 10:17 PM | Comentários (25) | TrackBack

dezembro 29, 2004

Balanço Negativo

O fim do ano aproxima-se e é tempo dos balanços. Infelizmente o balanço não é positivo e as perspectivas futuras são ainda mais negativas. Em fins de 2003 e no início deste ano as perspectivas eram animadoras embora reservadas. Os indicadores macroeconómicos do país acusavam então uma evolução positiva. As diminuições do consumo privado e público haviam conduzido a uma forte retracção da procura interna. Como a propensão marginal à importação é muito elevada, nomeadamente em flutuações marginais da procura interna, essa retracção havia levado a uma importante quebra das importações.

Como a quebra da procura interna foi parcialmente compensada pelo aumento das exportações (procura externa), esta conjugação de factores permitiu um maior equilíbrio da Balança de Pagamentos (que passou de cerca de –9% do PIB em 2001 para cerca de –2,5% em 2003) e, portanto, a uma situação mais saudável da economia portuguesa. O facto de, com a crise internacional, as nossas exportações terem tido um aumento significativo, era um bom sinal.

Já era mais preocupante a forte quebra na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), embora o Governo afirmasse então que se tratava do investimento menos produtivo e, por isso mesmo, de menor impacte no crescimento económico. Mas não levei na altura aquela afirmação muito a sério, porquanto nessa FBCF se contabilizavam, certamente, os montantes despendidos nos estádios para o Euro 2004 que não era, de forma alguma, um investimento produtivo.

Outra situação preocupante era a Ministra das Finanças revelar-se incapaz de controlar o défice pelo lado da despesa, como seria o desejável. Portanto o montante do défice iria depender das receitas geradas pelo hipotético aumento da actividade económica.

Infelizmente os maus presságios confirmaram-se e as previsões optimistas goraram-se. O aumento da procura interna do primeiro semestre traduziu-se num acentuado aumento das importações, enquanto as exportações têm patinado, devido à estagnação da competitividade do sector exportador português, potenciada pela queda do dólar, em cerca de 8% durante 2004. A conjugação desses dois factores agravou o défice da nossa Balança de Pagamentos, invertendo a tendência verificada no ano de 2003.

O Euro 2004 contribuiu para o melhor clima económico sentido no primeiro semestre. Mas esta melhoria não era sustentável, porquanto não resultava de nenhuma situação estrutural, mas de uma situação meramente conjuntural. Além do que o governo de Durão Barroso havia perdido a sua inicial fúria reformista, fúria que aliás era mais verbal que real. Verba non res foi a divisa de Durão Barroso. Havia no governo de Barroso diversos ministros e secretários de Estado cuja remodelação era urgente e o chefe do executivo foi adiando essa remodelação, por razões que não consigo atingir, mas que julgo deverem ser procuradas na sua falta de coragem política, de preferência a qualquer estratégia política suicidária.

A saída de Barroso e a sua substituição por Santana Lopes trouxe objectivamente uma melhoria. A equipa ministerial de Santana, com uma ou outra excepção, era claramente melhor que a anterior. Foi um governo que desenvolveu uma grande actividade para um tempo de existência tão reduzido. Meteu ombros a reformas que exigiam grande coragem política e que, até então, todos os governantes tinham evitado.

Todavia algumas dessas reformas pecavam por diversos erros. A Lei do Arrendamento Urbano era insuficiente, privilegiava o comércio perante a habitação, e os condicionalismos impostos aos aumentos das rendas comerciais tornavam esses aumentos praticamente impossíveis. Por outro lado aquilo que é um travão ao funcionamento do mercado de arrendamento é o incumprimento contratual da maioria dos inquilinos que já celebraram os contratos de arrendamento no regime de liberdade contratual, posterior a 1990. Aliás a dificuldade em cobrar dívidas em Portugal é um travão ao funcionamento de todos os mercados, e não apenas o do Arrendamento Urbano. Neste último caso é duplamente grave pois, além de não pagarem renda e da morosidade das acções de despejo e das acções de execução da sentença, o senhorio recebe uma casa que necessita de obras de recuperação.

Há que desburocratizar o regime jurídico que vigora nestes casos, de forma a facilitar os despejos por não pagamento das rendas e agilizar todo o processo de cobrança coerciva das dívidas. Portugal é um paraíso para os caloteiros. Um dos sustentáculos do bom funcionamento de uma economia de mercado é a protecção da propriedade privada. Ora um caloteiro rouba, objectivamente, a propriedade de outrem e, em Portugal, fica impune, a menos que as dívidas sejam importâncias suficientemente vultuosas que sustentem as custas de acções judiciais. Mas mesmo assim, cobrar uma dívida sai caro e é um processo muito moroso.

Se objectivamente o governo de Santana Lopes constituía uma melhoria, subjectivamente foi ferido de morte pelo comportamento do PR e pelo vampirismo da Comunicação Social que o comportamento do PR incentivava. Foi a demora caricata, excessiva e injustificada na indigitação do governo; foi o discurso de posse, que era um convite à instabilidade social e mediática; foram diversas atitudes durante aqueles quatro meses que diminuíram a força política do governo, sempre sob a permanente ameaça de demissão. Não era possível governar naquelas circunstâncias, com a permanente oposição do PR e o vampirismo mediático estimulado pela fragilidade institucional do governo.

A dissolução da AR e a demissão do governo foi o corolário lógico de todo este processo nefasto.

Portugal está numa situação muito difícil. Objectivamente já aqui a descrevi por diversas vezes. Mas subjectivamente é pior. Os portugueses vivem na ânsia de esmolar o Estado, desde as empresas até aos agentes culturais. Temos graves carências a nível da instrução pública e na qualificação científica e profissional. Ansiamos por sinecuras e empregos que sejam asilos e somos avessos ao risco, à mudança e à mobilidade profissional. Temos um aparelho estatal desproporcionado que funciona pessimamente. A nossa sociedade está compartimentada em corporativismos poderosos que rejeitam obstinadamente qualquer mudança, quaisquer reformas. E esses corporativismos não existem apenas no sector público, pois também subsistem no sector privado.

Todavia, nos últimos vinte anos têm ocorrido melhorias no sector privado, mais dinamismo, mais capacidade de conviver com o risco. Há sectores industriais e de serviços que conseguem uma boa performance em concorrência com o exterior. Aliás a produtividade do nosso sector exportador tem crescido muito mais rapidamente que a do resto da nossa economia. Se não tivesse sido assim, Portugal estaria presentemente falido.

Mas se o sector privado tem experimentado algumas melhorias, embora muito insuficientes, o mesmo não acontece, antes pelo contrário, no sector público, onde magistrados, professores, médicos, função pública em geral, estão cada vez mais refractários a mudanças que belisquem minimamente interesses instalados, muitas vezes ilusórios.

E o que se perspectiva no horizonte não é brilhante. Escolher entre os que não conseguiram resolver a crise económica e financeira e aqueles que a criaram e ainda não se deram conta disso é uma tarefa difícil, nomeadamente quando estes últimos acenam com miragens não concretizáveis, mas substancialmente mais atractivas que a nudez forte da verdade.

Ler ainda sobre esta questão:
Da Importância de um PEC
Aspirina ou Benuron?

Publicado por Joana às 11:06 PM | Comentários (26) | TrackBack

dezembro 27, 2004

Da Importância de um PEC

Um PEC é absolutamente imprescindível. Mas não necessariamente um PEC simplista, como o existente. Todavia, quando estabeleceu as regras do PEC, Bruxelas deve ter julgado que os dirigentes políticos dos países da UE eram gente sensata e que no ciclo alto não entrariam em desvarios despesistas, para não ficarem de pés e mãos atados durante a recessão. Por outro lado meteram tudo no mesmo saco – a despesa corrente e despesa de capital. Ora isto é perverso para governos insensatos e laxistas. Se em ciclo baixo, Bruxelas alargar o espartilho, teremos os lobbies sindicais do Sector Público e os partidos, cujo horizonte político é a distribuição do que não há, a exigirem aumentos salariais e das pensões.

Ou seja, se Bruxelas apenas alargar o espartilho dos 3%, sem outras especificações, o que acontecerá é ficarmos um passo mais próximo do abismo.

Portanto, embora o PEC seja “estúpido” e “rígido”, a sua flexibilização, sem ter em conta o que enunciei acima, poderia ser a abertura da boceta de Pandora do cataclismo financeiro em diversos países europeus e, em primeiro lugar, no nosso. O Pacto de Estabilidade e Crescimento tem o defeito de, nas fases altas do ciclo económico, não ter um sistema de alerta e de sanções quando a política orçamental está a ser pró cíclica durante a expansão da actividade económica. Esse defeito foi a nossa desgraça nos anos de 1996-2001.

Portugal tem uma despesa pública cerca de 48% do PIB, em termos oficiais, mas na prática é bastante superior. Porque os compromissos reais do Estado vão muito para além disso, como o caso das empresas que embora públicas, são extensões das administrações públicas, e das parcerias publico/privadas. Além do mais, a dívida pública não contém o valor actualizado dos compromissos assumidos há alguns anos atrás, como o caso das SCUTs, que são dívida pública. No caso das SCUTs apenas as anuidades entram no orçamento de cada ano (e só a partir de 2005). O que o governo de Guterres fez, foi não apenas comprometer o presente (dele), como comprometer o futuro do país por várias décadas.

O mesmo iria acontecer, embora em muito menor escala, pois eram montantes muitíssimo menores, com a operação de lease back que Bruxelas teve o bom senso de inviabilizar. O Estado tem imóveis em excesso. Mas deve vender aqueles que não necessita, na altura mais favorável da conjuntura imobiliária. De forma alguma vender imóveis onde estão instalados serviços necessários. Vender e alugar em seguida é uma operação que será sempre desfavorável, porque os Bancos internalizam nas taxas de juro um spread para cobrir o risco da operação, os seus custos na gestão contratual e os seus lucros.

Há alguns anos, ainda durante a gestão de Guterres, em 2001, Abel Mateus fez um estudo comparativo sobre os pesos da despesa pública no PIB de diversos países europeus, e estabeleceu uma recta de regressão linear entre aquelas duas variáveis.

Esse gráfico é o seguinte:
Grafico SPA_PIB.jpg

Não foi indicado o coeficiente de correlação (nem os intervalos de confiança para os coeficientes da regressão), mas ele deve ser elevado, atendendo à distribuição dos pontos.

Ora há dois países “marginais” naquela distribuição, embora em sentidos opostos: Portugal e Irlanda. Que têm em comum? Portugal é o país que mais estagnou nos últimos anos; a Irlanda o país que mais cresceu. A Suécia também está numa posição “marginal”, e também ela tem conhecido uma importante desaceleração económica na última década. A Espanha aproveitou o período da fase alta do ciclo económico e das vacas gordas para consolidar uma situação orçamental saudável. A Espanha tinha em 1995 um défice público superior ao nosso e chegou a 2001 com as contas equilibradas, aproveitando adequadamente o período favorável do ciclo. O gráfico é elucidativo.

Portanto não é com aumentos da despesa pública que relançamos o crescimento económico. O que conseguiremos é, transitoriamente, uma maior animação no comércio, mas seguida logo por um défice acrescido nas nossas contas com o exterior, induzido pelo aumento das importações para satisfazer esse aumento artificial da procura interna, e uma situação insustentável a médio prazo. Qualquer dinamização da economia pelo recurso ao aumento da despesa pública tem o efeito de uma droga. Quando o seu efeito passa, o drogado fica na ressaca e mais dependente que antes. E quanto mais droga se injecta, mais dramático e doloroso vai ser o tratamento dessa dependência.

Portugal teria que descer a sua despesa pública em cerca de 10 pontos percentuais, menos 20% a 25% da actual despesa pública em valores reais. Ora os dois últimos governos, com as mezinhas que as nossas disposições constitucionais permitem e a falta de coragem que os caracterizou, apenas conseguiram garrotar a aceleração anterior. Mas como se viram, entretanto, confrontados com a recessão económica e com a estagnação do PIB real, a despesa pública não diminuiu em termos de percentagem do PIB, antes aumentando, embora a uma taxa muito menor que anteriormente.

O OE para 2005, como escrevi aqui diversas vezes, procurava continuar uma estratégia de controlo do défice orçamental baseada na diminuição do peso do Sector Público Administrativo na economia, fundamentalmente à custa da contenção da despesa corrente primária, mantendo o peso da despesa de capital no PIB. Essa estratégia é correcta, como orientação geral, mas insuficiente em termos quantitativos. O actual governo pactuou com a “necessidade” de satisfazer a tentação eleitoralista dos seus autarcas e de si próprio.

Esse eleitoralismo observa-se também na inversão de prioridades fiscais do OE 2005, favorecendo o consumo e penalizando a poupança. O aumento do rendimento disponível vai induzir um aumento nas importações e um agravamento do desequilíbrio nas nossas contas com o exterior

O nosso problema estrutural é a dimensão do Estado e o seu mau funcionamento. No que toca às empresas e à sua competitividade, a burocracia estatal e, principalmente, a ineficácia da justiça, que inviabiliza, na prática, o cumprimento dos contratos e a cobrança das dívidas, são os factores mais penalizadores. Ou seja, o Estado degrada a competitividade das nossas empresas por duas vias: sugando a seiva do nosso tecido produtivo e não assegurando a função vital em economia, que é proteger a propriedade privada, pois não protege o credor face ao caloteiro, nem a vítima do incumprimento contratual, perante o burlão ou o contraente de má fé.

Actualmente, estamos com um nível de despesa pública cerca de 50% do PIB. Se não pusermos cobro a isto, nós, os nossos filhos e os nossos netos poderemos ter de suportar impostos na casa dos 60% e 70% do PIB, o que seria completamente inviável em termos de crescimento económico e em termos de nível de vida. Antes disso haveria algum cataclismo económico e político.

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dezembro 26, 2004

Aspirina ou Benuron?

A transferência de parte do Fundo de Pensões da CGD para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) com vista a reduzir o défice orçamental para um valor inferior ao limite do PEC, foi o menor dos males. Foi um mal muito menor que não fazer nada e infringir as regras do PEC. Mas também foi, tecnicamente, um mal menor que vender de supetão várias dezenas de imóveis numa época em que o sector imobiliário atravessa uma grave crise que se reflecte seguramente nas avaliações dos imóveis e nas condições das transacções. Todavia, debater estas soluções é o mesmo que discutir se se deve dar aspirina ou benuron a um paciente sofrendo de grave doença infecciosa.

Em teoria, a transferência de parte do Fundo de Pensões da CGD para a CGA é uma mera operação contabilística. A entidade gestora daquele fundo de pensões deixa de ser a CGD e passa a ser a CGA. Na prática pode não ser o mesmo, pois nada garante que a CGA seja melhor gestora de fundos de investimento que a CGD. Adicionalmente, aquela parcela do Fundo de Pensões dos trabalhadores da CGD fica mais à mercê de decisões intempestivas e perversas do Estado, que se se mantivesse na CGD.

O equilíbrio orçamental é entre receitas e custos gerados num determinado ano e não um equilíbrio, nesse mesmo ano, entre pagamentos e recebimentos. Portanto, aquela operação contabilística não é paralela a quaisquer transferências de numerário alegadamente necessárias devido ao buraco orçamental, como já vi escrito em diversos sítios. O risco para os trabalhadores da CGD é o de o Estado ser um pior gestor de aplicações financeiras que os gestores da CGD ou, ainda pior, o Estado não ser uma pessoa de bem quando gere o dinheiro dos outros. Este último risco pode ser real se à ruptura orçamental se adicionar uma ruptura financeira.

Portugal é um doente sofrendo de grave doença infecciosa, mas cujas crenças religiosas (a constituição – política, não física) impedem a administração de antibióticos, e que vai escolher, em Fevereiro, se vai continuar nos cuidados intensivos, a tomar aquilo que a sua actual Constituição (política, não física) permite – aspirinas, benurons, uns sinapismos – ou regressa à enfermaria donde viera, enfermaria onde se adensam os miasmas da peste, que continua repleta de vírus infecciosos e agressivos, e fica entregue aos cuidados de um emplastro emoliente.

Convenhamos que a perspectiva não é brilhante. É escolher entre a morte lenta e a morte rápida. Todavia, às vezes, a iminência da morte leva a actos desesperados, e um deles pode ser o doente mandar às urtigas as crenças religiosas (a constituição – política, não física) que lhe espartilhavam a sua conduta, mandar passear sinapismos e emplastros emolientes, e fazer a cura que a ciência médica impõe.

Por isso, a escolha que conduz à morte rápida pode não ser má de toda, ou mesmo nem ser a alternativa pior, pois quando se vir às portas da morte, talvez se aguce o engenho ao doente. A menos que o engenho se aguce tarde de mais ... ou que nem se chegue a aguçar, e o paciente se fine na quietude da sua piedosa devoção, confortado com os santos óleos e as preces e prédicas dos Patriarcas da democracia.

Publicado por Joana às 11:29 PM | Comentários (17) | TrackBack

dezembro 21, 2004

Os Irmãos Marx e o Défice

Este Natal apareceu nos escaparates uma edição dos filmes mais emblemáticos dos Irmãos Marx. Comprei-a. Há uma cena nos Irmãos Marx no Far West onde eles usam toda a estrutura do comboio como combustível para atingirem o seu destino. E, na aflição de manter a locomotiva em andamento, nos equilíbrios difíceis de transportar, até lá, os destroços das carruagens desmanteladas, Harpo, diligente, mas azarado, perde a maior parte das tábuas pelo caminho. Quando vi esta cena, lembrei-me do ministro Bagão Félix.

O ministro tem feito malabarismos para descobrir receitas extraordinárias para maquilhar o défice. É o mesmo que maquilhar um doente num caso de anemia progressiva. Como não se consegue combater a anemia, a maquilhagem tem que ter cada vez mais camadas, para o doente aparentar um aspecto saudável. Em 2001, quando não houve receitas extraordinárias, o défice do Orçamento do Estado ascendeu a 4,4 %. Nos dois anos seguintes o défice foi ficou abaixo dos 3%, mas sem receitas extraordinárias teria sido de 4,1% e 5,3 %. E nos primeiros 11 meses de 2004 já vai nos 5,2 por cento. É certo que houve algumas receitas de Janeiro que foram contabilizadas, por antecipação, em 2003 ... manobra também frequente em empresas com receio de apresentarem prejuízos, que durante Janeiro continuam a emitir facturas com data de 31 de Dezembro do ano anterior. Mas Bagão Félix declarou hoje, na conferência de imprensa, que este ano não utilizará essa técnica.

A conferência de imprensa de Santana Lopes e Bagão Félix, hoje, foi importante para desfazer algumas inexactidões que a comunicação social havia transmitido, e que eu me fiz eco, sobre o alegado facto desta última solução (o lease back), que foi chumbada em Bruxelas, ter sido tomada à última hora, em desespero de causa. Bagão Félix apresentou documentação que prova que as duas soluções haviam sido apresentadas, em tempo (no início de Outubro), ao Eurostat. Assim, quando aparece um comentador a dizer que o que interessava saber era o futuro e não fazer a história do que aconteceu, só cabe designá-lo por hipócrita. No dia anterior afirmava que eram decisões atrabiliárias; quando confrontado com o facto de serem decisões previstas há mais de dois meses, ignora o que dissera anteriormente e critica Bagão por falar do passado.

O ministro apresentou ao Eurostat duas soluções: a alienação dos imóveis, ou uma operação de lease back. A primeira tornou-se indesejável por alegados motivos éticos, visto tratar-se de um governo de gestão. O ministro das Finanças afirmou que a opção pelo lease back surgiu como definitiva face a imperativos éticos e políticos, inerentes ao facto de «um Governo em gestão não dever vender património». Todavia houve outro motivo mais poderoso – após a dissolução do Governo, os consórcios vencedores, invocando o risco político, tentaram renegociar as condições do contrato de venda, aumentando de 6,5% para 7,5% a remuneração anual a preços correntes.

A segunda opção era uma não-opção. Não consigo atinar com a argumentação que Bagão Félix terá arranjado para servir ao Eurostat algo que era um simples empréstimo caucionado por imóveis, em travesti de alienação patrimonial com possibilidade de reversão. Vítor Constâncio, à saída de Belém, afirmou com pesporrência que havia previsto a sua rejeição por Bruxelas. Não me parece grande feito. Eu, que não governo o Banco de Portugal, e cujo único orçamento que giro é o orçamento doméstico, já havia escrito neste blog, posts atrás (cf. A Tirania do Défice), que não acreditava que Bruxelas aceitasse aquela operação. O próprio Bagão, numa entrevista esta noite, disse ou pareceu-me entender, que ele mesmo não estava convencido que a medida passasse em Bruxelas. Se era assim, porque razão a propôs?

Vítor Constâncio previu igualmente que a execução orçamental em 2005 obrigaria ao recurso de elevadas receitas extraordinárias para manter o défice abaixo dos 3%.

Estou completamente de acordo com ele. Aliás, é uma tal evidência que qualquer leigo se apercebe, desde que raciocine. A governação em Portugal está a ser vítima de heranças cada vez mais pesadas. O actual governo teve uma herança terrível, sem quaisquer hipóteses de reverter a situação. Mas o anterior executivo também tinha tido uma herança pesada. E o próprio Guterres teve duas heranças difíceis. A primeira herança era difícil, mas ele, na sua doce inconsciência, julgou que era uma herança de fartura e dinheiro fácil. A 2ª herança, mais onerosa, herdou-a dele mesmo, e continuou a ignorar os seus custos até ser tarde demais.

A questão central é que cada governo deixa ao seguinte uma herança pior do que aquela que recebeu. Se, no caso do governo de Guterres, este pode ser acusado de inconsciência, o mesmo não se pode dizer destes últimos governos. Por mais cortes que se façam e vencimentos que se congelem, a despesa pública aumenta a um ritmo que as receitas não conseguem acompanhar. O PIB estagna porque a competitividade das nossas empresas diminui face ao exterior e está vedada a possibilidade de aumento artificial do PIB pelo lado da despesa, como aconteceu durante o período de Guterres, em virtude da situação de desequilíbrio orçamental a que se chegou e à existência do PEC.

Antes da moeda única era fácil. Ao aumentar o PIB pelo lado da despesa, ele apenas aumentava em termos nominais, pois o deslizamento cambial fazia-o rapidamente cair em termos reais. Aumentava-se a despesa pública em termos nominais, mas o deslizamento cambial fazia-a diminuir em termos reais. Esse processo permitia igualmente manter a competitividade externa das nossas empresas. Todos viviam felizes.

Com a moeda única conseguimos estabilidade cambial e taxas de juro muito baixas. Mas em troca teríamos que aceitar que o aumento dos nossos rendimentos disponíveis seria de acordo com o nosso aumento de produtividade e que as despesas que fazemos nos serviços que gerimos, públicos ou privados, teriam que estar de acordo com os recursos disponíveis. Esquecemo-nos dessa contrapartida.

Antes vivíamos uma farsa cuja ilusão se desvanecia pelos equilíbrios automáticos do mercado internacional. Tínhamos uma mentira que ele própria se encarregava de se metamorfosear em verdade, sem a nossa intervenção e contra nós. Agora temos a verdade crua dos factos e não conseguimos lidar com ela. Agarramo-nos, desesperados, a ilusões; zombamos daqueles que nos chamam a atenção para a situação dramática em que se encontra a nossa economia; chalaceamos quando nos falam do resvalar da despesa pública; satirizamos sordidamente o governo por questões acessórias, na esperança de o vermos substituído, não por outro mais capaz de fazer as reformas que o país necessita, mas por meros vendedores de ilusões.

De tanto se falar nas reformas, a palavra banalizou-se. Hoje toda a gente aceita as reformas ... desde que não belisque os seus interesses individuais. Toda a gente está convencida que é imprescindível fazerem-se reformas, mas quando elas se perfilam no horizonte, todos os argumentos valem para impedir que elas se façam.

A palavra banalizou-se, mas o conceito persegue-nos na sua totalidade semântica. Elas hão-de se fazer, quer queiramos, quer não e quanto mais tarde acontecerem, mais sacrifícios teremos que suportar, mais custos haverá em desemprego, falências, insolvências. Será o preço acrescido a pagar pelo nosso desleixo.


Nota - Ler ainda:
A Tirania do Défice
Aspirina ou Benuron?

Publicado por Joana às 10:54 PM | Comentários (7) | TrackBack

dezembro 20, 2004

Pausa para Reflexão

A marcação de eleições antecipadas teve uma vantagem. Pôs diversas personalidades dos meios políticos, económicos e mediáticos a reflectirem sobre o impasse em que o país se encontra.

Em primeiro lugar há a constatação que nem António Guterres, nem Durão Barroso, nem Santana Lopes conseguiram gerar uma dinâmica de mudança no nosso país, nem promover as reformas necessárias para essa mudança e para alterar a estrutura de funcionamento da nossa economia. Eu acrescentaria a estes nomes o de Cavaco Silva, porque, apesar de ter levado a cabo importantes mudanças no país, não conseguiu, nem me parece que tenha tentado, resolver o problema da ineficiência do sector público.

Não vale a pena falar dos governos anteriores a Cavaco, que não merecem qualquer crédito, quer por terem exercido o poder por tempo insignificante, quer por o desvario social e político em que se vivia e que impedia quaisquer reformas, mesmo que as quisessem fazer, quer pelo facto de serem, na maioria, gente sem clarividência, apenas preocupada com abstracções ideológicas, completamente fora da realidade. Em suma, uma década que levou Portugal a uma situação absolutamente calamitosa.

É certo que António Guterres exerceu o poder em circunstâncias diferentes das de Durão Barroso e Santana Lopes. Durante os primeiros anos do governo de Guterres poucos se aperceberam do abismo para onde Portugal estava a deslizar. Guterres pôde levar a cabo uma política despesista, como nunca tinha sido possível até então, porque estava escorado em situações conjunturais que gente mais avisada compreendia que eram ilusórias, mas às quais o grande público era insensível.

As baixas taxas de juro e o aumento do consumo, da actividade económica e do emprego gerados por essa política satisfazia o grande público. Apenas os que sabiam ler para lá das quimeras do dinheiro fácil se preocupavam com o que viria a seguir. Guterres, e Portugal, desaproveitaram as circunstâncias excepcionais do primeiro mandato legislativo para introduzirem reformas importantes nas finanças do Estado. Em vez disso, aproveitaram essas circunstâncias para uma política populista e insensata que se traduziu num agravamento significativo da situação real do país.

A partir daí foram as meias legislaturas de António Guterres (o 2º mandato), Durão Barroso e Santana Lopes (apenas 4 meses). Nenhum conseguiu resolver, nem sequer inverter, o percurso calamitoso da economia portuguesa. É certo que Guterres, no seu 2º mandato, estava manietado pelas concepções políticas que havia veiculado no mandato anterior. Por outro lado não era seguro que ele estivesse convicto da gravidade da situação, embora houvesse, entre os socialistas, individualidades que já teriam consciência do facto.

É igualmente certo que Durão Barroso teve uma governação atribulada, desfalcado das principais individualidades do seu partido, que recusaram integrar o seu governo, e muito contestado por diversos motivos (nomeadamente por falar na urgência de reformas, que nunca chegou aliás a concretizar), dentro e fora do seu partido. Finalmente o governo de Santana Lopes foi morto à nascença. Santana Lopes nunca teve condições para governar, mesmo que o seu governo tivesse capacidade para tal.

Ora estes 3 governos integraram e foram directamente apoiados, em teoria aritmética, por tudo o que há de mais notável nas estruturas partidárias de partidos que compreendem 80% do eleitorado português – PS e PSD (neste último com a excepção de alguns dos seus notáveis). Além do mais, os 2 últimos governos contaram ainda com o apoio, embora como sócio menor, do PP. Apenas ficaram fora das responsabilidades governativas partidos da franja da esquerda radical, mas cujo concurso para as soluções da economia portuguesa seria uma completa calamidade, atendendo aos modelos económicos e sociais que propõem.

Portanto toda a classe política portuguesa, por acção (quase todos) ou omissão, esteve implicada no processo que tem conduzido à situação actual. E será entre estes políticos que teremos que escolher o governo que terá por missão salvar o país da desgraça em que se encontra. Desgraça para onde os seus erros e desleixos, ou incompetências, nos foram arrastando.

Mas será que 80% a 90% (descontando os restantes, que são lunáticos) da classe política portuguesa é incompetente? Obviamente não. Individualmente, a maioria deles não será incompetente. O problema é que toda essa classe está manietada pelos lobbies corporativos que têm amplas e profundas ramificações nos interiores desses partidos. O problema é que toda essa classe está manietada pela necessidade de ganhar eleições a qualquer preço, para satisfazer as suas clientelas partidárias. Para tal tem que fazer promessas ilusórias para cativar um eleitorado que, obviamente, não quer ver diminuído o seu poder de compra e a estabilidade e o imobilismo do seu posto de trabalho, no caso do sector público.

Portanto vamos assistir mais uma vez à formulação de promessas que não poderão ser cumpridas, e iremos viver depois uma governação que terá total dificuldade em seguir uma política de verdade por lhe estarem permanentemente a lembrar as promessas feitas e deixadas na gaveta. E esses apelos ao despesismo vêm não apenas de fora, mas também de dentro do partido (ou partidos) do governo. Portanto, o governo que sair das próximas eleições começa a sua governação fragilizado pelas promessas a que foi obrigado, para ganhar o poder.

Para se fazerem as reformas de que o país necessita para evitar esta descida contínua ao abismo, é necessária a congregação de mais de dois terços dos deputados, para permitir que se façam as leis necessárias a essas reformas, e as alterações constitucionais necessárias para que essas leis não sejam arguidas de inconstitucionalidade. É necessário um amplo apoio do espectro político, porque serão reformas que terão um impacto muito profundo no sector público, não apenas no número dos seus efectivos, como na avaliação do seu desempenho, como nos hábitos de aquisição de consumíveis (o SNS está incontrolável, neste aspecto) e outras despesas afins.

Porque a questão não é apenas a do défice orçamental. Qualquer desafogo dos orçamentos familiares salda-se imediatamente pela derrapagem das nossas contas com o exterior. A competitividade do nosso sector exportador continua a diminuir face à concorrência internacional, quer pela conjuntura internacional, quer pelos estrangulamentos internos, e qualquer aumento do rendimento disponível das famílias é maioritariamente despendido em bens importados.

Se não se fizer isto, todos os fins de ano vão ser palco das cenas que estamos a viver agora. Como há dias escrevi aqui em «A Tirania do Défice(*)», parecia-me impossível que o Eurostat aceitasse uma operação que, em termos simples, era trocar dinheiro por uma declaração de dívida caucionada por cerca de 60 imóveis. O défice, tal como os custos e proveitos das empresas, não é medido em termos de fluxo de pagamentos, mas em termos de fluxo de compromissos, pagos ou em dívida. Não entendo como o Ministro das Finanças acreditou que o Eurostat avalizasse semelhante operação.

Nesta emergência, o governo só tem dois caminhos: 1) vende os imóveis, e considera menos relevantes os princípios éticos que apregoou quando desistiu da venda, pela razão de ser um governo de gestão; 2) desiste da operação, admite um défice superior ao limite do PEC e permite que o próximo governo tenha mais bens para poder alienar no fim de 2005, para trazer novamente o défice para valores inferiores ao limite fatídico. Mas o primeiro caminho só será viável se tiver o aval do PR, o que talvez seja possível face aos problemas que o não cumprimento do défice nos poderão trazer. Lembremos que Portugal, contrariamente à França e à Alemanha recebe fundos comunitários, e está por isso numa posição muito mais vulnerável.


(*) Escrevi então: Mas se não há alienação patrimonial não percebo como tal poderá ser aceite por Bruxelas, porque me parece ter uma característica similar à hipoteca, embora com a designação pomposa e anglo-saxónica de lease and lease back.

Publicado por Joana às 11:41 PM | Comentários (18) | TrackBack

dezembro 17, 2004

A Tirania do Défice

Os défices orçamental e das transacções com o exteriores são apenas sintomas da crise económica estrutural do nosso país. O governo de Durão Barroso teve o mérito de atacar os sintomas. Mas como não conseguiu ministrar os remédios necessários para debelar a doença, quando se aproximava a hora da UE tirar a temperatura, afadigava-se a empanturrar o doente de febrífugos para que ele aparentasse boa saúde. Eu nunca esperei que o actual governo conseguisse, em quatro meses, resolver a crise económica, mas esperava mais discernimento na administração dos febrífugos.

O que se está a passar com a alienação ou o Lease Back dos imóveis para tal servir de receita extraordinário para trazer o défice orçamental para baixo do limite fatídico dos 3% é lamentável.

Na actual conjuntura, e enquanto não se conseguem realizar reformas estruturais que melhorem a nossa situação económica, estou de acordo que se vendam bens públicos. Cumprimos as nossas obrigações internacionais e o Estado pune-se a si próprio pela sua incompetência, e pune-nos, a nós, pelas nossas más escolhas políticas, por nos termos deixado embalar pelo cântico das sereias e por continuarmos inconscientes sobre a nossa realidade. Nunca o Estado nos representa tão perfeitamente como quando nos pune por darmos o nosso apoio aos vendedores de ilusões. É nessa conjuntura que o Estado somos nós e nós somos o Estado.

Todavia esperava-se que o governo soubesse o estado da contabilidade pública e preparasse este negócio com o tempo e a maturação suficientes para que ele fosse feito com rigor. Nomeadamente que tivesse previsto o agravamento da execução orçamental que tem ocorrido desde o fim do Euro 2004. A actual situação do mercado imobiliário (que já dura há três anos) desaconselha a realização de hastas públicas. O governo arriscava-se a vender bens por valores irrisórios. Acresce que este tipo de bens facilita o aparecimento de cambões em virtude de se dirigir a um mercado muito restrito. Portanto, o ajuste directo conduz, nas presentes circunstâncias e desde que seja feito com a necessária competência e isenção, a melhores soluções que a hasta pública.

A queda da «legitimidade política» e posterior demissão do governo tornou problemática aquela solução. Vender bens públicos não é propriamente um acto de gestão. Falou-se primeiro no Lease back e agora em privilegiar a operação do tipo de «cessão temporária» que não implica alienações patrimoniais (no Lease back o Locatário vende o bem ao Locador que posteriormente lhe cede o mesmo bem, em regime de leasing, havendo portanto uma alteração patrimonial, mesmo que, no fim do contrato, haja a alteração patrimonial inversa). Mas se não há alienação patrimonial não percebo como tal poderá ser aceite por Bruxelas, porque me parece ter uma característica similar à hipoteca, embora com a designação pomposa e anglo-saxónica de lease and lease back.

O Estado possui imóveis em excesso e nem sequer conhece com exactidão a extensão do seu património. Portanto poderá ser uma boa medida económica se ele se desfizer de parte desse património. Todavia essa operação terá que ser feita com rigor, de uma forma organizada e aproveitando as conjunturas mais favoráveis do mercado imobiliário, e não à última da hora, perante a premência do défice e alienando o que está mais à mão.

Publicado por Joana às 01:47 PM | Comentários (8) | TrackBack

dezembro 14, 2004

A Decisão em Democracia

E onde se fala de Ulisses, das Sereias e de Sampaio

Duas ocorrências recentes, relevantes, do ponto de vista da substância política, mas contraditórias entre si, trazem à colação a questão da democracia, do seu funcionamento e dos seus limites. A primeira foi a «democracia plebiscitária» que fundamentou a decisão de Jorge Sampaio de dissolução da AR, ao arrepio dos conceitos básicos da democracia representativa – a «tomada do pulso» à opinião pública como sucedâneo instantâneo do plebiscito. A segunda foram as afirmações públicas de conhecidos economistas que as questões orçamentais são demasiado sérias para serem tratadas por políticos, isto parafraseando o que Clémenceau disse há cerca de um século «La guerre est trop importante pour la confier à des militaires».

A Conferência sobre Sustentabilidade das Finanças Públicas no Médio/Longo Prazo, organizada pela Comissão de Execução Orçamental, foi consensual sobre o facto do actual modelo orçamental ser insustentável, sendo sugerida a criação de uma agência orçamental, independente do Governo, responsável pela realização de previsões, simulações e cenários de médio e longo prazo para as contas do Estado, assim como pela contabilização e estatísticas abrangendo todo o sector público.

Na opinião dos proponentes, «Contabilidade, previsões, estatísticas são assuntos técnicos que não devem ser tratados na esfera política. Politizar matéria técnicas esconde os problemas, adia soluções, mas não resolve nada». É a tese de Clémenceau aplicada às Finanças Públicas.

Em 2-11-2004 eu havia escrito aqui, (cf. A Sociedade dos Pigmeus Políticos) que «A nossa sociedade não pode ser governada tentando satisfazer opiniões “instantâneas”, ... Não se conseguem resolver os problemas, e os governantes que se colocaram de cócoras perante a opinião pública semanal, têm o respeito que normalmente se atribui a quem é apanhado com frequência inusitada nessa incómoda e desfavorável posição: nenhum.»

Esse post, para o qual chamo a atenção, era uma reflexão sobre o facto da capacidade de julgamento e de decisão dos político ser actualmente testada, dia a dia, pelas sondagens de opinião e pela dependência obsessiva de opiniões voláteis do público, e por se governar, ou pretender que se governe, ao sabor dos desejos diários da opinião pública determinada pelas sondagens e avalizada pelos analistas.

Nesse texto, em certa medida profético face à decisão de 30-11-04, eu advertia para o facto da democracia representativa estar a ser pervertida por um arremedo de democracia plebiscitária permanente, com a agravante de serem plebiscitos «instantâneos», sem campanha prévia. Esta perversão da essência da democracia representativa não é um fenómeno localizado unicamente em Portugal. Afecta todo o mundo ocidental altamente mediatizado, mas a sua influência em Portugal é particularmente gravosa porque potencia a tendência lusitana para o bota-abaixo, uma das características mais malignas do nosso défice de cidadania política.

O grande receio de Tocqueville, no seu ensaio clássico sobre a democracia na América era «a tirania da maioria». O Estado americano não tinha uma estrutura social como na Europa, uma classe de aristocratas que pudesse agir como estabilizador social. Sem tal classe ele temia que o país tombasse sob a influência de demagogos e de populistas.

Tocqueville equivocou-se, mas apenas parcialmente. A classe média tem agido, nas democracias ocidentais, como a força estabilizadora que Tocqueville temia que escasseasse. Nos países onde a classe média é forte e próspera há estabilidade. À medida que se desce na hierarquia dos países em termos de força da respectiva classe média (prosperidade e peso quantitativo) a estabilidade social e política diminui. A instabilidade e inexistência de democracia (ou a sua precaridade) nos países do terceiro mundo resultam de não existir uma classe média minimamente consistente.

Todavia o aumento da quantidade e da rapidez da informação tem permitido auscultações permanentes das opiniões públicas. E essa auscultação permanente, benéfica do ponto de vista da análise da sensibilidade imediata da população a ocorrências e decisões diversas na esfera política, torna-se perversa se for utilizada para tomar decisões políticas ao sabor dessa opinião imediatista. As decisões estruturantes da política só colhem efeitos a longo prazo. No imediato bolem com muitos interesses instalados e, se a situação social e económica for má, poderão mesmo ter efeitos a curto prazo desagradáveis para parte significativa da população.

A tirania da maioria, temida por Tocqueville, apareceria agora sob a forma de plebiscitos «instantâneos» às flutuações da opinião pública.

As economias desenvolvidas tomaram consciência desses inconvenientes e têm estabelecido entidades não sujeitas às pressões da opinião pública como os Bancos Centrais, por exemplo. Outras entidades que escapam às flutuações da opinião pública são as instituições da UE. Os “burocratas de Bruxelas” têm tomado medidas reguladoras no domínio da economia e das finanças que escapam ao vilipêndio da opinião pública ... são directivas comunitárias.

Se não fossem a UE e o PEC, quer se concorde ou não com a rigidez dos seus limites, Portugal estaria agora na situação para a qual a Argentina resvalou há alguns anos. O laxismo guterrista teria continuado na ausência da obrigatoriedade de se sujeitar às disposições comunitárias. Não foi a nossa opinião pública que salvou o nosso país da argentinização, foi um poder externo ao nosso país e invulnerável a uma opinião pública embalada pelo cantar das sereias da oratória de Guterres. Na ausência destas entidades “não eleitas”, os políticos portugueses deixar-se-iam embalar pelas vozes que se elevam das sondagens e legislariam para a rua, em vez de legislarem no interesse a longo prazo do seu país.

Muito antes de Tocqueville, da Conferência sobre Sustentabilidade das Finanças Públicas e de mim própria, há milénios, ainda nos primórdios da nossa civilização, alguém abordou esta questão. Foi a veneranda Circe, a poderosa e preclara deusa de belas tranças, que aconselhou Ulisses, e que se esqueceu agora de Sampaio e da maioria dos políticos portugueses:
«Encontrarás, primeiro, as Sereias, que encantam a todos os homens que se aproximam delas. Aquele que, sem saber, for ao seu encontro e lhes ouvir a voz, esse não voltará a casa, nem a mulher e os inocentes filhos o rodearão, alegres; mas será encantado pelo seu canto sonoro ... Passa de lado e tapa os ouvidos dos teus companheiros com cera amolecida, para que nenhum deles as oiça. Tu ouve-as, se quiseres, depois de te prenderem os pés e as mãos, erecto, junto ao mastro, e de teres sido ligado com cordas a ele, para que te possas deleitar com a voz das Sereias. Se, porém, pedires e ordenares aos companheiros que te soltem, que em vez disso eles então te prendam, com mais ligaduras ainda. Depois que tiveres passado pelas Sereias, não te direi com clareza qual de dois caminhos deverás seguir; decide isso tu próprio no teu coração».

Está tudo dito neste belo trecho da Odisseia. Há reformas indispensáveis no Estado Social cuja realização é virtualmente impossível sem fugir à pressão dos lobbies, nomeadamente dos sindicatos da função pública. As políticas monetárias tornaram-se mais responsáveis quando passaram a ser conduzidas por bancos centrais independentes. Sem Bruxelas, relativamente isolada de pressões políticas, não haveria a liberalização das indústrias e aumento da concorrência, não haveria a eliminação dos subsídios inúteis a empresas sem viabilidade, etc..

No Banco de Portugal e em Bruxelas o cântico das sereias dos políticos que decidem ao sabor das sondagens não é ouvido. Puseram cera nos ouvidos. E os nossos políticos estão “amarrados ao mastro” do cumprimento dos limites dos défices, embora soltem frequentemente gritos lancinantes a pedir que os desamarrem. Infelizmente deveria haver mais mastros para os amarrar. A Conferência que citei, propôs mais um mastro ao qual seria de toda a conveniência amarrar os nossos políticos. Todos.

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dezembro 07, 2004

Um país à beira mar pasmado

Em Portugal, quando os assuntos são abordados fora do calor do debate polítio-partidário, existem amplos consensos entre as elites políticas, económicas e intelectuais sobre os males do país e, também, sobre boa parte das reformas que têm de ser feitas. Apenas zonas muito marginais (o BE e a ala mais ortodoxa do PC) estão fora destes consensos, mas exceptuando essa franja política há muita gente a realizar idênticos diagnósticos e a apontar soluções semelhantes.

Há um amplo espaço político em que existem consensos sobre a reforma da administração pública, do sistema educativo e da justiça, a consolidação orçamental, a justiça fiscal, etc. Todavia esses consensos não se traduzem em acção. Não raras vezes assisti a políticos exprimirem opiniões na intimidade, para semanas depois, defenderem, exaltados, exactamente o oposto, no hemiciclo.

O grave é que o país afunda-se, com mais ou menos velocidade, mas continuamente, perante a incapacidade de reversão. Segundo estimativas de Medina Carreira, o PIB, em valores reais, cresceu 80% entre 1980 e 2004, enquanto as despesas totais aumentaram 200%; as sociais, 260%; e as das pensões (SS + CGA), 520%. Quanto aos impostos subiram menos que as despesas e cresceram 180%. Em termos anuais, a nossa economia cresceu durante um quarto de século à taxa anual média de 2% enquanto a despesa pública cresceu, anualmente, à taxa de 4,7%. Segundo Medina Carreira, se esta situação se mantivesse, as despesas públicas corresponderiam, em 2030, a 97% do PIB. Ora esta seria uma situação impensável, pois significaria o funcionalismo público, os pensionistas e os gastos públicos em consumíveis serem pagos pelo sector privado que ficaria apenas com 3% do PIB. Antes disso o sector privado iria à falência e com ele todo o país.

E não vale a pena insistir no estafado tema da evasão fiscal. Combater a evasão fiscal serve para obter uma melhor justiça fiscal, não para continuar a sustentar aquele sorvedouro de dinheiro. Durante aquele período as receitas fiscais cresceram 4,3% ao ano, mais do dobro do PIB e não será possível sequer manter esse ritmo, por muito que se combata a evasão fiscal – não se extrai sangue de um corpo exangue.

As causas para esta descida aos abismos são muitas. A primeira que me salta à vista é o sistema partidário. Os aparelhos partidários são constituídos por profissionais da política, gente que subsiste da actividade política partidária, e que por via disso depende, em termos profissionais, da situação em que o partido se encontra e do seu próprio posicionamento dentro do partido. Como têm, normalmente, uma formação académica fraca ou obtida em áreas do conhecimento com pouca procura e baixa remuneração no mercado de trabalho, não têm independência para se dar ao luxo de ostentarem opiniões próprias. Frequentemente entraram para o aparelho partidário ainda antes de se formarem ou de terem um currículo profissional capaz, o que os inabilita ainda mais.

Desgraçadamente são estes profissionais da política que mantêm em funcionamento as instâncias partidárias - Organizações Nacionais, Distritais, Concelhias, Locais, Profissionais, etc. São eles a mão de obra que coordena e mobiliza as campanhas eleitorais. E são depois recompensados, se o partido chegar ao poder, com lugares nas chefias da administração pública e dos institutos públicos. E mesmo no governo ou nas assessorias do governo.

O seu nível de rendimentos está inexoravelmente ligado ao partido. Se forem forçados a abandonar o partido não podem aspirar a um nível salarial minimamente comparável. Inclusivamente poderão ficar no desemprego.

Haverá entre os políticos profissionais gente que foi para a política com bom currículo e por vontade de servir. Mas muito poucos o farão actualmente e alguns dos que ingressaram na política já a abandonaram entretanto. Igualmente gente ligada à actividade privada cada vez mostra menos empenho em aceitar cargos no governo.

O resultado é um abaixamento do nível de intervenção política.

O sistema eleitoral ajuda neste mecanismo. As escolhas dos candidatos a deputados são feitas pelo aparelho partidário que vive na subserviência dos líderes que julga mais aptos para chegar ao poder e aos almejados cargos públicos. Não é a qualidade política, nem a justeza das políticas, nem o interesse do país que guiam as escolhas. Apenas o interesse do aparelho partidário.

Se cada candidato fosse directamente responsável por quem o elege, a questão colocar-se-ia de modo diverso – o interesse do partido seria o de escolher o candidato mais capaz de ser eleito e não uma lista com um ou dois nomes sonantes, atrás dos quais se perfilam diversas mediocridades. E o seu desempenho durante o mandato seria julgado pelos seus eleitores, na eleição seguinte, e não por um qualquer aparelho partidário. Por outro lado a possibilidade de candidaturas autónomas, fora dos partidos existentes, tornar-se-ia possível e poderia permitir uma mudança paulatina no actual espectro político, que está num impasse.

Sendo assim, uma das reformas políticas indispensáveis será a reforma eleitoral, responsabilizando individualmente cada deputado pelo seu eleitorado.

A segunda questão refere-se às reformas com incidência na economia e nas finanças. Uma delas, a mais urgente, é fazer uma reforma profunda no aparelho do Estado, pois tal é a única maneira de resolver, de forma sustentada, a questão da despesa pública. O que os últimos governos fizeram foram apenas paliativos. Essa reforma tem que ter 3 objectivos: 1) um emagrecimento substancial do aparelho do Estado, incluindo institutos, autarquias, etc.; 2) um melhor desempenho global, principalmente nas áreas vitais da educação, saúde e justiça; 3) mobilidade laboral de forma a optimizar a afectação dos recursos humanos.

Para realizar essa reforma é preciso eleger um governo capaz de a fazer, o que suscita algumas dificuldades, pois existem cerca de 4 milhões de pensionistas e funcionários públicos numa população de 10 milhões de habitantes. Portanto tamanha influência eleitoral dificulta a eleição de uma maioria que esteja disposta a reformas drásticas.

Mas suponhamos que era eleita uma maioria capaz de conceber e implementar as reformas adequadas. Seria praticamente impossível realizar essas reformas. Mesmo que o PR fosse da mesma cor política. Estão consagradas na Constituição disposições que impedem qualquer tentativa de liberalização da economia. O facto do PR promulgar as reformas não impediria que elas fossem posteriormente inviabilizadas pelo Tribunal Constitucional desde que a sua fiscalização constitucional fosse pedida.

Portanto é indispensável expurgar a Constituição da República das disposições que impedem a liberalização da economia e que dão uma ilusória sensação de segurança na caminhada para o abismo.

Mas essa possibilidade é, por enquanto, nula, pois para fazer uma revisão constitucional são precisos 2/3 dos representantes eleitos. Ora o número de eleitores directamente dependentes do Estado mais os eleitores que fazem parte dos seus agregados familiares, devem constituir cerca de 50% do eleitorado.

Portanto os sucessivos aumentos dos efectivos da função pública, conjuntamente com o envelhecimento da população está a colocar Portugal refém dos pensionistas e funcionários públicos. Portugal que, como havia escrito mais acima, está refém de políticos medíocres. Portugal que, como escrevi no post anterior, está refém do despotismo “iluminado” do PR.

Como se resolverá esta situação? É dar tempo ao tempo. Portugal estagnou nesta última década. A aparente convergência do PIB entre 1994 e 1998 deveu-se ao aumento da despesa decorrente das grandes obras públicas do cavaquismo e da Expo’98. Foi tão ilusório como terá sido o aumento do PIB grego em 2003 e 2004 devido às obras necessárias para os Jogos Olímpicos. Portugal está a divergir de forma “sustentada” pois a despesa pública continua, e continuará, a aumentar mais que a riqueza pública. E ninguém consegue garrotar os custos, por mais cortes que faça e medidas restritivas que tome. Cada vez mais portugueses entenderão que alguma coisa terá que ser feita antes que o país entre em falência. Mesmo os que se julgam protegidos por uma legislação socializante começarão a perceber que quando o país falir eles estarão no porão do barco que se afunda.

Por enquanto, aqueles que fazem contas e levantam estas questões são apelidados depreciativamente de neoliberais. Ninguém contesta os números, apenas tentam apoucar quem apresenta esses números. Se quem os apresenta for chamado de neoliberal, os números perdem substância ... é como não existissem.

Mas ano após ano a situação piora. Mesmo os dois últimos governos, que apareceram cheios de intenções reformistas, apenas ministraram paliativos. Em vez da indispensáveis cirurgias, fizeram-nos tomar febrífugos. Atacaram alguns dos sintomas, mas não as causas. Não o conseguiram porque nem tiveram competência, nem os deixaram fazer o pouco que sabiam.

Resta-nos esperar e alertar as consciências na expectativa que o país saia do torpor em que está mergulhado há vários séculos.

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novembro 24, 2004

Que Fazer?

Tenho recebido alguns apelos para que, em vez de criticar, proponha soluções.

Sobre essa matéria tenho a dizer o seguinte:

Há dois tipos de críticas que tenho feito. Um deles refere-se a decisões de índole geral, política e económica, ou situações pontuais, não estruturais ou estruturantes – nessas críticas estão, explícitas ou implícitas, as minhas opiniões sobre o que se deveria fazer. Vejam-se os meus textos sobre questões orçamentais e decisões macroeconómicas, ou sobre alguns “casos” pontuais - comunicação social, Casa Pia, etc..

Outro refere-se a reformas estruturais. Nesta matéria não tenho soluções precisas a dar. O principal problema é a reforma da função pública, cujo sustento consome quase metade da riqueza produzida pelo país. Mas eu só conheço a função pública das minhas relações com ela e do que leio. Fui durante 3 anos e pouco assistente universitária. Mas a Universidade, embora comungue de alguns vícios similares, é um caso atípico de função pública.

Aliás, a reforma da função pública não pode ser vista como um caso, mas como casos diferentes. A reforma do Ensino Secundário e Básico não pode ser vista da mesma maneira da do Ensino Superior. A reforma da justiça terá que ser vista de forma diversa da reforma do sistema de saúde. A reforma da administração central e local terá que ter outros tratamentos, etc..

Já assisti a uma reestruturação de uma empresa e sei que é uma coisa complexa, que tem que ser feita com muito senso e sabendo motivar o pessoal para os fins em vista. Ora se tal é necessário numa unidade pequena, sem alarme público, como o fazer em universos de muitas dezenas de milhares de trabalhadores? Ainda para mais com forças exógenas, altamente apoiadas na Comunicação Social a meterem paus na roda e a incitarem os trabalhadores a oporem-se, criando fantasmas e aterrorizando-os.

Quanto ao sector privado já tenho escrito por diversas vezes o meu apoio a um mercado mais eficiente (menos regulamentado): A mobilidade laboral incentiva a qualificação e melhora a afectação de recursos. Por isso, e por outras razões, não me parece que este pacote laboral seja suficiente.

Mas, embora favorável ao mercado, defendo que tem que haver redistribuição de recursos de forma a evitar exclusão social. Para isso existem as transferências sociais, o salário mínimo, etc.. Para isso existem o Serviço Nacional de Saúde, o Ensino Público, etc.. Por isso eu defendo que aqueles sistemas devem funcionar bem, porque ao funcionarem mal, prejudicam não apenas o país, mas principalmente as classes economicamente menos favorecidas. Certamente já leram algumas objecções que fiz à futura Lei do Arrendamento Urbano, apesar de eu ser favorável ao fim da regulamentação desse mercado. Essas objecções mostram que eu não sou adepta da desregulamentação completa e que sou sensível a situações que se podem tornar dolorosas para parte do tecido social.

Mas também defendo o princípio da diferença: as desigualdades sociais e económicas devem ser organizadas de forma a trazer aos mais desfavorecidos as melhores perspectivas e a serem compatíveis com o objectivo permanente da igualdade das oportunidades. Este princípio é compatível com um aumento da desigualdade. Pouco importa que o rico se torne muito mais rico se o pobre se tornar menos pobre.

Não é a igualdade que é importante, mas sim a equidade. Equidade na política de educação, segurança social, ordenamento do território, etc., fazendo discriminações positivas. Isto porque penso que o igualitarismo conduz ao desinteresse pelo investimento, pelo empreendedorismo, pelo incentivo à criação de riqueza, o que leva à estagnação económica, que é má para todos.

O capitalismo distribui a riqueza muito desigualmente, mas o socialismo “real”, o que existiu, e ainda existe, na prática, distribui igualitariamente a miséria.

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novembro 17, 2004

Lei do Arrendamento Urbano

Ou ... quando não se domina a matéria não se acerta na solução

O arrendamento urbano no nosso país foi um exemplo de como pacotes legais feitos com as melhores das intenções de justiça social e de protecção à habitação, regulamentando o mercado, estabelecendo preços que não correspondiam aos equilíbrios que se formariam pelo seu funcionamento normal, e a manutenção dessa situação ao longo de décadas, conduziu à ruína dos centros históricos das cidades, à derrocada dos prédios antigos, ao excessivo endividamento das famílias, à dificuldade prática de uma reforma fiscal moderna do património e à total injustiça social, onde as gerações mais antigas têm casas de rendas irrisórias, enquanto os mais novos têm um ónus terrível em despesas de habitação; onde os senhorios dos prédios antigos estão descapitalizados, sem capacidade de intervirem na reabilitação dos seus prédios, enquanto os senhorios de áreas mais recentes têm rendimentos incomparavelmente superiores, com custos muito menores. Muitos dos prédios degradados nem sequer têm senhorios conhecidos. Quem consta do registo das Conservatórias já não existe e os herdeiros nunca reclamaram a herança porque provavelmente o Imposto Sucessório seria muito superior ao valor dos imóveis. A perversão do sistema é total.

Em Portugal apenas 70% dos fogos são utilizados como residência habitual. O que significa que cerca de 1,5 milhões de fogos estão vagos ou servem apenas para uso ocasional; 78% da população vive em casa própria e apenas 22% em casa arrendada; mais de meio milhão de fogos (544 mil) estão vagos, dos quais 105 mil para venda e 80 mil para arrendar (embora apenas o INE saiba onde estão estes últimos fogos); e há 29 mil famílias ou 82 mil pessoas a residir em barracas ou similares.

A situação é (e é desde há muitos anos) catastrófica. Tem que ser resolvida. Têm que se ser encontradas soluções. Para se resolver um problema é necessário fazer-se um diagnóstico muito exacto e rigoroso da situação, saber avaliar com muita clarividência os efeitos directos e colaterais das soluções possíveis e ter a coragem de resistir aos lobbies e aos interesses que obviamente se levantarão para desfigurar qualquer solução no sentido dos seus interesses.

Nada disto está a acontecer. Desde 1990 que o arrendamento é livre e a prazo (5 anos). Portanto os fogos actualmente devolutos estão em mercado livre. O primeiro estudo que o governo deveria ter feito seria o de investigar porque é que há 544 mil fogos devolutos (359 mil, se descontarmos os que alegadamente estão à espera de comprador ou arrendatário) num mercado livre. Enquanto o governo não perceber as razões porque tal acontece, não vale a pena dar o passo seguinte, pois irá certamente fazer asneira.

Eu não sei responder. Mas posso fazer conjecturas. Em primeiro lugar pergunto: todos aqueles fogos existirão realmente? Não se tratarão, em muitos casos, de construções antigas, entretanto demolidas, mas que continuam a constar nos registos matriciais? E se existirem, pergunta-se: Não estarão em tais condições de inabitabilidade que se poderão considerar em ruínas?

Em segundo lugar pergunto: que desmotivação leva um senhorio a manter devoluto um fogo habitável? Aqui a minha resposta é liminar: actualmente muitos dos novos inquilinos pagam o 1º mês e o mês de caução e ficam 2 ou 3 anos à espera que a acção de despejo e acção para execução da sentença os obriguem a sair, deixando o fogo num estado lastimável. O senhorio recebe 2 meses de renda (alguns, mais afortunados, 4 ou 5) e tem que pagar aos advogados e as obras de reabilitação do fogo quando o inquilino sair. E não se consegue ressarcir. O fiador, quando existe, é tão insolvente quanto o inquilino; no caso de arrendamento para a habitação, nenhum banco aceita prestar uma garantia. Quando o inquilino for despejado, o senhorio pensará duas vezes sobre o que irá fazer com o fogo.

Ora a resolução expedita dos contratos em caso de incumprimento por falta de pagamento não consta da presente lei. Poupa-se uma acção judicial, mas mantém-se o recurso aos tribunais e o ónus da lentidão da justiça portuguesa. Quanto ao ressarcimento dos estragos perpetrados pelo inquilino ... é melhor esquecer. Sabe-se que há um diferencial, estimado em mais de 40%, que é uma espécie de prémio de risco para o senhorio. O empolamento das rendas deve-se ao receio do senhorio face ao imprevisível comportamento do inquilino e não a outro motivo.

Relativamente aos fogos actualmente devolutos, esta lei poderá ter efeitos nos imóveis degradados, parcialmente devolutos, e parcialmente ocupados com rendas irrisórias, que o senhorio poderá agora reabilitar, aumentando as rendas dos actuais inquilinos e alugando os actualmente devolutos. Mas será que isto vai funcionar? Resposta: só muito parcialmente.

E porquê? Não é por muitos senhorios estarem descapitalizados. Os que não tiverem dinheiro, nem know-how, poderão sempre vender o imóvel a um promotor capaz de o reabilitar e fazer o negócio. Há várias razões que irão dificultar o negócio: 1) muitos dos actuais arrendatários estão nas categorias sociais ou etárias que impedem a liberalização da respectiva renda, logo não há qualquer estímulo para o senhorio reabilitar o imóvel, nem encontrará qualquer promotor interessado na sua aquisição; 2) muitos dos fogos (provavelmente a maioria) têm dimensões tão reduzidas e os imóveis, de que fazem parte, uma área de implantação no solo (área de cobertura) tão pequena, que não faz sentido reabilitá-los tal como estão. As novas gerações não conseguirão viver em fogos com áreas de 15 e 20 m2. A reabilitação desses imóveis terá que passar por uma reformulação das tipologias, com muito menos fogos. Ora isso será muito complicado para o proprietário. Há casos que só poderão ser resolvidos em termos de quarteirão, remodelando este integralmente, o que envolve vários proprietários. Que destino se vai dar aos actuais inquilinos dos fogos minúsculos? Haverá dispositivos legais para resolver esta situação?

Talvez por se ter apercebido destes efeitos “colaterais”, apareceu hoje nos jornais uma notícia afirmando que «o Governo admite entregar casas em bairros sociais em alternativa ao pagamento do subsídio especial de renda (SER), previsto para apoiar os agregados familiares mais desfavorecidos e que os estudos do governo indicaram ser cerca de 102 mil famílias».

A questão que coloco agora é a seguinte: pretendendo o governo dinamizar o mercado do arrendamento, vai agora o próprio Estado adquirir imóveis para os alugar com rendas sociais? Então e os tão falados 544 mil fogos devolutos? Se presentemente os senhorios não alugam 544 mil fogos, como irão alugar os 646(544+102) mil fogos entretanto devolutos? Provavelmente aquela é a única solução para essas famílias ficarem com casas reabilitadas. Mas é também a certificação que a lei não satisfaz as razões que foram invocadas como primordiais para a sua feitura.

E não venham com a estafada proposta de agravamento do IMI sobre fogos devolutos. Estudem primeiro os assuntos, analisem bem as causas das coisas, antes de dizerem os primeiros disparates que vêm à mente. Ora todos estes ziguezagues decorrem justamente do governo não ter conseguido obter um diagnóstico exacto da situação, nem se ter apercebido de todos os efeitos da lei, por desconhecimento da situação.

Continuando no campo da habitação, há varias dezenas de milhares de famílias que estão no caso da negociação livre. O governo encontrou uma solução “engenhosa” para desmotivar os senhorios de avançarem com uma proposta inicial extremamente elevada, através do estabelecimento de indemnizações por inexistência de acordo. Em linguagem de Bridge, diria que o governo quer impedir as aberturas de barragem. O problema é que um inquilino que habite um fogo há 20 ou 30 anos, com a casa arranjada e a vida estabelecida, não terá o mesmo sangue frio que um jogador à mesa do Bridge. Neste, o jogador, se falhar na negociação do contrato, poderá apanhar com um “cabide”, naquele, o inquilino poderá ter que se mudar com mobílias, roupas e dezenas de cabides. Há varias dezenas de milhares de famílias ( ... classe média) naquelas circunstâncias. Este é um assunto que se pode tornar explosivo.

Passemos agora ao arrendamento comercial. O direito à habitação é uma questão social, mas a utilização de um espaço para efeitos comerciais ou industriais é um factor de produção. Não tem nada de social. Pergunto: porque é que o governo foi muito mais cuidadoso com o comércio que com a habitação? Porquê prazos muito mais dilatados para o ajustamento das rendas no comércio?

Fala-se no comércio tradicional e nas suas dificuldades. Rio-me dessa afirmação. Uma das certezas que há em Economia é que andar subsidiar empresas anos a fio apenas serve para desperdiçar dinheiro. As empresas subsidiadas têm a vertigem do abismo: não inovam, não mudam, não saem da cepa torta. Assim sendo, o comércio dos centros históricos foi desbaratando qualidade, cristalizou, e perdeu mercado face ao comércio menos central e com maior capacidade de inovação e aos grandes espaços. A degradação da qualidade da actividade comercial nos centros históricos tem igualmente concorrido para a ruína destes e para a sua desertificação.

Portanto este extremoso cuidado governativo com o arrendamento comercial é duplamente perverso: encara-o com uma perspectiva mais “social” que a habitação e não percebe que subsidiar (não o Estado, mas os senhorios) empresas é contraproducente do ponto de vista económico. Agita-se o espectro do desemprego. Mas porque não intervém o Estado nos valores locativos dos espaços nos Centros Comerciais, onde há uma enorme mortalidade? Porque o emprego renova-se. As empresas menos aptas dão lugar a outras e o emprego, que desapareceu, é gerado novamente. Pois a situação será a mesma no caso do comércio tradicional.

E o mais perverso é que os comerciantes que se constituíram em lobby para obterem situações mais vantajosas na nova lei, são os mesmos sobre os quais há o consenso generalizado de que fogem aos impostos. Os comerciantes são notoriamente insolventes: rendas, IRC, IVA, etc..

Por outro lado não concordo que os contratos celebrados a termo certo a partir de 1990 caiam sob a alçada da nova lei e que na data da sua renovação os senhorios os possam denunciar, com pré-aviso de 3 anos. Na lei actual o valor inicial do arrendamento é livre, mas pode escolher-se entre um prazo de 5 anos, no fim do qual pode haver denúncia do contrato, (com pré-aviso), ou ilimitado (termo certo renovável). Ora um comerciante cria um negócio, fideliza uma clientela, e, dependendo do tipo de negócio, não quer correr o risco de ser obrigado a abandonar o local ao fim de 3 ou 5 anos. Para obviar esse risco, ele pode ter feito um contrato em que aceitou pagar uma renda superior em troca do prazo ser ilimitado. Se o fez ... Todavia concordo que, numa lei do arrendamento, prazos ilimitados sejam obviamente inaceitáveis, porque ninguém domina o futuro. Assim sendo, aqueles contratos deveriam ter um tratamento próprio, embora não descaracterizando o princípio da lei.

Portanto temos uma lei que era absolutamente necessária, mas que incide sobre situações muito complexas, que se foram complicando cada vez mais por décadas de imobilismo, e cuja solução não é fácil. Julgo que o que escrevi mostra como a falta de rigor, no diagnóstico exacto da situação e na avaliação de todos os efeitos, está a criar uma lei ineficiente, que não resolve muitos problemas, nomeadamente aqueles que se propõe resolver. Julgo que o que escrevi mostra como uma lei ineficiente tem dificuldade em resistir aos ataques dos interesses instalados que acabam por a tornar não só mais ineficiente, como injusta, porque desigual.

E não é a primeira vez que digo exactamente o mesmo sobre esta matéria. Quem vai mudando, parágrafo aqui, linha acolá, é o governo. Eu apenas observo a realidade, mas o governo está há mais de dois anos a estudar esta matéria, sabe-se lá com quantos assessores, institutos, Direcções-Gerais, técnicos qualificados, etc., etc..

Publicado por Joana às 11:43 PM | Comentários (19) | TrackBack

novembro 15, 2004

Casa onde não há pão

O Estado tem que ter um orçamento. Elaborar um orçamento pressupõe fazer escolhas, engendrar planos, prever as despesas decorrentes das escolhas feitas e dos planos engendrados, e determinar as receitas para suprir as despesas, de forma iterativa, até encontrar a melhor solução tendo em conta as restrições existentes. Parece simples.

Deixa de ser simples, porque as restrições são de tal monta que as escolhas se tornam muito limitadas e todas más. Deixa de ser simples, porque Portugal é como uma família que contraiu demasiados compromissos financeiros para o nível salarial que a sua qualificação permite. Portugal vive acima das suas posses. Sempre, durante os regimes representativos, viveu acima das suas posses. Só em períodos ditatoriais tal não aconteceu. Os regimes representativos em Portugal sempre preferiram quer satisfazer as suas clientelas políticas e sociais, quer capitular perante interesses corporativos, na ânsia não comprometerem o seu futuro no poder, quer ambas as coisas. Nunca foram capazes promover a adequada qualificação científica e profissional e criar os mecanismos que permitissem a dinamização do tecido produtivo do país. Pior, começando pela venda dos bens nacionais, criou-se uma relação perversa de dependência entre o tecido empresarial, clientelar e frágil, e o poder político todo-poderoso e centralizador.

Quanto à ditadura, pela sua matriz ideológica de um Portugal agrário e corporativo (no sentido medieval), preferiu manter a população na ignorância, ou com instrução na qual era apenas suficiente «saber ler, escrever e contar», e criar regulamentos corporativos e restritivos para a actividade industrial que não permitiram o seu desenvolvimento. Foi a única época em que Portugal não viveu acima das suas posses ... pois viveu na miséria. Mas é fácil, em ditadura, controlar a despesa pública.

Por tudo isto, o orçamento anual do Estado português tem sido, é, e continuará a ser, um exercício sado-masoquista de alcance enorme, nas palavras dos seus autores, mas nulo (quando não negativo), nos seus efeitos práticos. O país não se desenvolve com os orçamentos. O país desenvolve-se se conseguir aumentar a sua competitividade em todos os seus sectores de actividade. Em primeiro lugar, na administração pública que é, proporcionalmente, a mais cara da Europa, e que piores serviços presta - O peso das despesas públicas (das quais cerca de 90% representam, em média, a despesa corrente) subiu assim perto de 60% entre 1980 e 2004 (31% do PIB em 1980 e cerca de 48% em 2004), com o crescimento económico sempre em desaceleração. Parte substancial da riqueza que o país penosamente produz é assim sorvida por esse monstro insaciável. Em segundo lugar, criar mecanismos que levem ao aumento da competitividade do nosso sector produtivo, nomeadamente nos sectores abertos ao exterior.

Ora isso só é possível com um amplo consenso partidário, porque implica reformas estruturais profundas que irão bulir com hábitos instalados e porque implica um regime de austeridade prolongado. E, com esse consenso patriótico, os orçamentos de Estado poderiam ser um instrumento importante para afectar os recursos necessários às rubricas estruturantes, gerindo a sua escassez da forma mais eficiente para o desenvolvimento do país. Senão entramos no ciclo «eles governam, eles perdem» e a implementação de reformas, mesmo ligeiras e com alcance limitado, é sabotada. A cobardia do governo e a demagogia da oposição (quaisquer que sejam as cores partidárias de um e da outra) impede que se saia desse ciclo vicioso.

Basta lembrar que Orçamento de Estado é um instrumento de política económica, fiscal e financeiro que, em teoria, deveria ser de importância relevante para o país e, por via disso, ser discutido com seriedade e isenção. Mas tudo o que ouvimos e lemos são afirmações para fazer manchete e nada mais. Portanto, bem lá no fundo, a classe política e a comunicação social portuguesas estão convencidas do que eu escrevi acima. Na prática, em Portugal, o orçamento do Estado não passa de um exercício sado-masoquista irrelevante.

Como ninguém quer atacar a doença, pretende-se atacar alguns sintomas. Quando se fala em cortar na despesa contrapõe-se o combate à evasão fiscal. Mas o combate à evasão fiscal deve ser feito para reduzir a pesada carga fiscal que recai sobre os portugueses, a troco de muito pouco que eles obtêm em troca, nunca para satisfazer esse Moloch insaciável.

Parte dos pesados impostos que pagamos (nomeadamente o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e o imposto automóvel) destina-se não só a alimentar esse monstro, mas também a restringir o consumo e as importações, para contrariar o abismo para onde caminham as nossas contas externas. Sem o aumento da nossa competitividade externa não haverá meio de sair dessa situação.

Bastou, em 2004, uma ligeira diminuição do sufoco, para se agravar substancialmente o défice comercial português que cresceu 20,3% nos oito primeiros meses de 2004, visto as importações terem tido um aumento de 9,1% e as exportações crescerem a um ritmo de 4,2%. A taxa de cobertura das importações pelas exportações desceu três pontos percentuais, face a igual período do ano passado, para os 66,4%. Ora o orçamento actualmente em discussão irá provavelmente agravar este défice. Todavia a oposição andou dois anos e meio a combater a austeridade do governo. Não se percebe como defende agora a austeridade, em vez exigir ainda maior desafogo orçamental. Isto é ... não se perceberia se Portugal fosse um país a sério.

Depois há gente que dá socos no ar. Em face dos números do desemprego os líderes sindicais afirmam que o aumento do desemprego é o resultado das políticas do chamado rigor orçamental que «os governos andaram a praticar nos últimos anos». «Essa falta de investimento conduz a esta degradação que vemos traduzir-se no desemprego ... Face à crise económica que Portugal atravessa, só uma forte aposta em sectores estratégicos poderá inverter a subida da taxa de desemprego».

Ora o investimento público, enquanto dura, dinamiza sobretudo a Construção Civil (embora haja alguma influência induzida noutros sectores). O seu aumento não influenciaria significativamente a taxa do desemprego, visto a quase totalidade dos desempregados não ser dessa área. Influenciaria, quanto muito, o fluxo imigratório. Além do que, o investimento público, como forma de produzir euforia económica, é como uma droga – só produz efeitos enquanto se está sob a acção dela. Quando passa o efeito, volta tudo ao mesmo.

Quanto ao investimento em sectores estratégicos, os líderes sindicais saberão do que falam? Os sectores estratégicos são altamente competitivos, e têm, na sua maioria, economias de escala muito elevadas, muito superiores à dimensão do mercado nacional. O Estado não está vocacionado para gerir esses sectores, como mostrou a seguir ao 25 de Abril, e cujo o exemplo mais acabado é o das petroquímicas de Sines. Deve haver investimento em sectores estratégicos, mas o papel do Estado será incentivá-lo, criando condições favoráveis para que ele se faça. Mas se são os próprios líderes sindicais, com a sua visão jurássica do mundo laboral, que dificultam o estabelecimento dessas condições?

Escreve-se com alguma frequência que Portugal é um país inviável. Ele não é inviável. É a nossa elite política, sindical e comunicacional que anda a tentar inviabilizá-lo.

Publicado por Joana às 09:46 AM | Comentários (27) | TrackBack

novembro 12, 2004

Pior era impossível!

As declarações dos políticos e dos fazedores de opinião sobre o Orçamento de Estado para 2005 revelam que atingimos em Portugal o grau zero da racionalidade política e económica. E daí, talvez esteja equivocada. Portugal é um país de talentos insuspeitos que se revelam inesperadamente – quando pensamos que batemos no fundo, verificamos, pouco tempo depois, que ainda havia mais um fundo por debaixo do fundo ... e assim sucessivamente. Vejamos a questão da alegada descida do IRS.

Em primeiro lugar, ninguém entre a classe política está de acordo sobre se o IRS irá baixar ou não. Ora sabendo-se que 8,6% de famílias subscreveram PPR e 9,3% Contas Poupança Habitação, não custa a acreditar que, segundo estimativas oficiais, 88% das famílias vejam o seu o IRS reduzido ou mantido e as restantes 12% das famílias o vejam aumentado. Até aqui parece simples.

Simplesmente, este orçamento é para vigorar em 2005. Logo, logicamente, se em 2005 as retenções na fonte fossem feitas com as novas tabelas, com taxas inferiores, e tendo os reembolsos do IRS ainda em consideração os benefícios fiscais válidos para o exercício de 2004, haveria uma descida de receitas em sede de IRS durante o exercício de 2005. Todos veriam o seu IRS a descer em 2005. Populismo, clamaram diversos políticos e fazedores de opinião – é o regresso do despesismo e da falta de rigor orçamental. São as eleições autárquicas a pressionar!

Entretanto o ministro veio avisar que as retenções na fonte seriam feitas de forma que, durante 2005, aquela desfasagem na cobrança do IRS não levasse a uma diminuição das respectivas receitas. Ora isso significa que a correcção à liquidação do IRS nas declarações de 2005, feitas em 2006, poderá fazer com que os contribuintes recebam reembolsos do IRS, mais chorudos, na véspera das legislativas de 2006. Populismo, clamaram diversos políticos e fazedores de opinião – é o regresso do despesismo e da falta de rigor orçamental. São as eleições legislativas a pressionar!

Confusos? Mas há mais. Cerca de 10% das famílias verão o seu IRS aumentar. Não será um aumento exagerado, mas terá algum significado. Admitindo que a massa total do IRS se mantenha (a preços reais), tal significa que 90% da população verá o seu IRS descer, em média, 11% da valor médio do aumento sofrido por cada família “mais abastada” ... ou seja ... não verá nada, ou só enxergará alguma coisa, se estiver mesmo muito atenta ... e for muito forte em aritmética.

Por isto tudo não é de admirar que uma sondagem elaborada pela Marktest indique que 56% dos portugueses estão convencidos que vão pagar mais IRS em 2005. Um governo decidir baixar os impostos com o intuito de satisfazer a população, e esta ficar com a ideia que eles vão subir, é o pior que pode acontecer a um governo. Mais valia não ter feito nada. Evitava ser criticado por descer os impostos. Evitava ser criticado por afinal não descer os impostos. Evitava o recurso a algumas receitas extraordinárias, isto se cortasse alguns dos benefícios fiscais (e parece-me que estes cortes deveriam ter sido faseados para evitar agravamentos bruscos de IRS para os contribuintes atingidos). Ou então, mantinha o recurso às receitas extraordinárias e distribuía fundos por alguns autarcas sequiosos de numerário para fazerem obras e botarem figura, tendo em vista a proximidade das eleições de Outubro de 2005.

O impacte da diminuição de IRS para cerca de 90% dos contribuintes vai ser muito pequeno. A engenharia fiscal compensando essa descida com o corte de benefícios fiscais é capaz de ter um impacte mais negativo na opinião pública, pois atinge uma minoria mais influente. O governo não conseguiu fazer passar uma mensagem explicando bem os resultados da uma política fiscal que, já de si, se prestava a confusões. Aliás passou diversas mensagens que se prestavam, cada uma, a interpretações ambíguas e eventualmente contraditórias. O clamor das oposições contestando uma coisa e a sua oposta, ajudou à entropia fiscal. A consabida iliteracia jornalística fez o resto.

Julgo que o governo deveria substituir alguns assessores de imagem por assessores de estratégias políticas consistentes. Fazer uma coisa, e ser penalizado por o eleitorado ficar convencido que vai fazer a oposta, indicia alguma imperícia na concepção estratégica.

Pior era impossível!

Nota - sobre o OE 2005, consultar ainda:
Transsexualidade Política
Casa onde não há pão

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outubro 25, 2004

O Arrendamento Urbano

A nova Lei do Arrendamento Urbano, na sua actual formulação, vem acabar com uma situação que era insustentável, que havia levado os centros urbanos à decadência e à ruína, pervertido o mercado do arrendamento e da construção e gerado desequilíbrios profundos na sociedade portuguesa. Nessa óptica ela era necessária e é bem-vinda.

Todavia os efeitos que ela se propõe atingir só o serão a longo prazo. A curto e a médio prazo não haverá outros reflexos para além de uma actualização substancial das rendas de algumas dezenas de milhares de áreas urbanas. E mesmo a longo prazo ela só terá efeito significativo se outros factores que desincentivam o arrendamento forem eliminados. Vejamos porquê:

Em primeiro lugar acho muito duvidoso que vá ter um grande efeito dinamizador no mercado do arrendamento. Fala-se das centenas de milhares de casas que estão devolutas. Muitas estão devolutas porque não têm condições de habitabilidade, mas o imóvel onde se situam tem fogos alugados por preços irrisórios e o senhorio não tem quaisquer incentivos em fazer obras de reabilitação, que serão caríssimas, e para as quais não terá retorno, mesmo com a actual lei. Na maioria dos casos o senhorio nem tem dinheiro para fazer obras, nem aptidão para as mandar fazer. Nestes casos a solução melhor para o senhorio seria este vender o edifício a algum promotor imobiliário, mais apto a utilizar os benefícios que a nova lei lhe concede. Todavia, na situação actual, dificilmente encontrará um promotor que lhe pague o montante que ele acha justo. O mais provável é que esta situação se continue a arrastar.

Outro caso são casas semi-devolutas. Os inquilinos já não moram lá, por diversos motivos (o mais vulgar será por se terem reformado e ido viver para a terra deles). Nestes casos estes inquilinos dificilmente poderão manter o arrendamento com os novos valores e estas casas poderão ir para o mercado de arrendamento.

Todavia uma parcela importante das casas devolutas deve-se ao facto dos senhorios terem receio de arrendar as casas. Actualmente, arrendar uma casa é jogar à roleta russa. O inquilino paga os 2 primeiros meses (incluindo o de caução), às vezes mais um ou outro, e depois fica tranquilamente à espera de ser despejado judicialmente. Há a acção de despejo ... depois uma acção de execução da sentença, para a polícia ou a GNR ir proceder coercivamente ao despejo, e depois uma acção para tentar receber as rendas em atraso. As 2 primeiras podem demorar 2 anos, ou às vezes mais, a produzirem efeito. A 3ª não leva geralmente a nada. O inquilino e o fiador são normalmente insolventes. A prestação de uma garantia bancária no valor de um ano de rendas poderia ser uma solução. Todavia os bancos só prestam garantias a quem tem activos, o que só acontece, e nem sempre, em arrendamentos comerciais e de habitações de luxo. E se o senhorio for exigente em matéria de fiador (alguém com bens), o mais certo é não arranjar inquilino com essas garantias.

Adicionalmente o senhorio arrisca-se a receber a casa em situação tal que tenha que despender uma soma elevada em obras de beneficiação. Se se somar os custos dos processos (incluindo os advogados) e os custos das obras de beneficiação, o senhorio irá perder muito dinheiro com o arrendamento. Esse factor de risco tem feito subir o valor das rendas. Estima-se que mais de 40% desse valor é um factor de risco. Todavia é falacioso pensar que se o senhorio pedir menos pela renda, terá um inquilino mais “honesto”. A experiência mostra que são ocorrências independentes. O raciocínio do senhorio é que quanto mais receber inicialmente pela renda, menos perderá com o negócio. Ou então pura e simplesmente desiste de arrendar e deixa ficar o fogo devoluto que se vai degradando aos poucos. E ao fim de alguns anos o dilema é: faz obras para o colocar no mercado do arrendamento, ou deixa andar? E a resposta, alimentada pela experiência, é a de que não vale a pena gastar um cêntimo se não sabe se o vai recuperar. Esta é uma questão incontornável no arrendamento urbano.

Portanto, só será possível dinamizar o mercado de arrendamento se se agilizar o despejo das casas no caso de não pagamento das rendas, responsabilizando igualmente os inquilinos pelo estado em que deixam as casas. E encontrar formas simplificadas de cobrança coerciva para as rendas não pagas e para os estragos que os inquilinos fizeram nas casas onde moraram. A lei actual apenas vai ter efeito sobre os contratos antigos, que normalmente estão estabilizados (um inquilino com uma renda antiga dificilmente cometerá a imprudência de arranjar matéria para ser objecto de uma acção de despejo). Portanto, apenas a longo prazo terá um efeito benéfico.

Na situação actual, mais casas no mercado de arrendamento não irão produzir alterações significativas nos montantes das rendas nos novos contratos. Hoje em dia, a oferta “potencial” já é muito superior à procura, logo, aumentar essa oferta “potencial”, não irá, obviamente, ter reflexos no preço de equilíbrio. Esse preço, o preço actual, incorpora um factor de risco enorme decorrente da incerteza que o senhorio tem sobre se o inquilino cumpre ou não o contrato. E esse factor de risco não é eliminado com a actual lei. O que é importante é tornar essa oferta “potencial”, oferta efectiva.

Uma última questão. Há maior “benevolência” com os arrendamentos comerciais que com os de habitação. Quer na lei do governo, quer nos comentários da oposição. Nos meios de comunicação são mais frequentes imagens de comerciantes recalcitrantes que de moradores em pânico. Ora a habitação tem uma função social, enquanto o arrendamento comercial é um factor de produção. Faz sentido proteger algo que tem uma função social, enquanto subsidiar a produção tem tido sempre efeitos económicos, a longo prazo, negativos. Basta ver como o comércio dito tradicional perdeu qualidade, se tornou obsoleto e tem constituído um factor de desqualificação dos centros urbanos.

Há ainda nesta questão uma situação paradoxal, ou talvez não: no que toca à evasão fiscal, os lojistas são quem tem pior fama. Provavelmente têm a fama e o proveito. É espantoso que, para além dos impostos, também não queiram pagar uma renda justa. E mais espantoso que meios de comunicação e políticos veiculem as suas posições. Dá ideia que o cérebro dessas entidades tem um septo: numa das partes disserta-se sobre a imoralidade da evasão fiscal dos comerciantes relapsos; na outra sobre a imoralidade dos infelizes comerciantes ficarem sob o gládio dos senhorios. O septo não permite transferência de informação entre as duas partes.

Nota - Ler ainda:
Lei do Arrendamento Urbano

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outubro 15, 2004

Nobel lá, IgNobel cá

O prémio Nobel da Economia atribuído a Kydland e Prescott representa algo como um prémio Ignóbil da Economia atribuído aos políticos portugueses, particularmente aos que nos têm governado. Porque uma parte substancial dos trabalhos daqueles dois economistas, e que tanto terá entusiasmado o júri do Banco Central da Suécia, refere-se a uma matéria na qual os governantes portugueses têm agido exactamente em sentido oposto. Julgo que Kydland e Prescott, nas suas aulas e ao leccionarem as matérias que os levaram ao galardão máximo, deveriam enunciar um «Case Study» relativo à governação portuguesa, com visitas guiadas às nossas instituições, e seminários com todos os políticos que, nas últimas décadas, exerceram funções governativas em Portugal. Assim os alunos ficariam com a noção exacta e precisa de tudo o que se não deve fazer.

Kydland e Prescott construíram uma teoria destinada a compreender por que algumas políticas económicas têm efeito oposto ao desejado – é a questão da inconsistência intertemporal, que relaciona a discrepância entre as decisões políticas tomadas em diferentes momentos do tempo e as expectativas de diversos sectores da sociedade. Ou seja os decisores políticos tomam deliberações que defraudam as expectativas dos agentes económicos, empresas e famílias, geradas por decisões políticas anteriores.

Um governo pode, por exemplo, anunciar uma determinada política, as pessoas fazerem as suas escolhas a curto e a longo prazo, baseadas nas expectativas geradas por aquela política, e ser tentador para o governo formular, posteriormente, uma nova política, com o intuito de aproveitar as escolhas entretanto feitas pelos agentes económicos para obter resultados económicos e financeiros que julga serem mais positivos. Ora o que ficou provado é que essa inconsistência intertemporal (que em Portugal se traduz por o «Estado não é uma pessoa de bem») acaba por ter efeitos contrários aos pretendidos. O resultado é que a política económica do governo perde a credibilidade e uma sucessão de políticas de optimização de curto prazo quase nunca conduz aos melhores resultados no longo prazo.

Ora este destino tem sido o fado dos portugueses, governantes e governados. Anunciam políticas, legislam em conformidade, suscitam expectativas, incentivam escolhas dos agentes económicos quer a nível do consumo, quer a nível do investimento, quer ainda a nível do endividamento, e depois, tendo em conta essas escolhas, muitas com efeitos (ou sem possibilidade de derrogação) a longo prazo, anunciam novas e contraditórias políticas, revogam as leis e legislam de novo, defraudam as expectativas existentes e criam a ideia que o Estado não é uma pessoa de fiar.

Se o Estado não é uma pessoa de fiar, ele não pode esperar racionalidade no comportamento dos agentes económicos, ou melhor, a racionalidade dos agentes económicos passa a incorporar, na construção do seu julgamento, a noção de que o Estado não é fiável. Será uma racionalidade enviesada, com resultados inesperados face à «racionalidade normal».

Ora uma das hipóteses de base do bom funcionamento da economia e da maximização do bem-estar é a da racionalidade económica. Se os agentes económicos não têm racionalidade económica, ou se a sua racionalização das decisões a tomarem se baseia na certeza de que, do Estado, não podem esperar certezas, antes suspeitarem o pior, os equilíbrios que se venham a formar neste mercado singular serão de previsibilidade difícil e certamente nunca conduzirão à maximização do bem-estar económico, nem de perto, nem de longe.

Outra tese dos mesmos autores é a de que os choques macroeconómicos com origem do lado da oferta têm efeitos mais profundos do que os do lado da procura. Ora o que tem sido feito em Portugal é exactamente o contrário – incentivar a procura através do aumento da despesa e depois tentar controlar desesperadamente o défice através do aumento das receitas porquanto a despesa pública tem uma característica muito incómoda: é de uma enorme rigidez.

Em Portugal, nos últimos anos, a tomada de medidas de curto prazo tem prevalecido nas decisões dos governos e das empresas, em detrimento dos objectivos estruturantes de médio e longo prazo. Em Portugal têm sido seguidas as políticas que Kydland e Prescott provaram conduzir a resultados indesejados.

É claro que a abordagem de Kydland e Prescott ajudou a fortalecer instituições credíveis e independentes do poder político, como dar cada vez mais autonomia e independência aos Bancos Centrais, a criação do Banco Central Europeu e o estabelecimento do PEC. Sempre com o intuito de evitar que os governantes tomem decisões com as “palas” postas, impedindo de ver tudo o que não se relaciona com as necessidades eleitorais. Devemos ao PEC que a nossa deriva económica não nos tivesse levado ao abismo. Não foi aos nossos governantes. Eles apenas agiram pressionados pelo PEC e não pelos seus instintos naturais.

Esperemos que não haja recaídas. Mas se tal acontecer, ao menos que o Case Study Portugal tenha a merecida audiência nas universidades americanas. Fazia-nos muito jeito sermos visitados por fornadas de alunos dos States, estudando o nosso país em seminários prolongados (há cá tanto que aprender como se não deve governar uma economia), dinamizando a hotelaria, a restauração e outros serviços.

Publicado por Joana às 12:23 AM | Comentários (7) | TrackBack

setembro 20, 2004

É Bom Não Estar na Política Activa!

Ou a entrevista do independente Silva Lopes

O ex-ministro das Finanças, ex-governador do Banco de Portugal e hoje presidente do Montepio Geral, o economista e socialista Silva Lopes foi entrevistado pela RR e RTP2.

O Prof. Silva Lopes é um economista respeitado, mas não foge à regra de que as verdades só aparecem quando se despem os trajes de político activo. Certamente quando Silva Lopes participou na campanha eleitoral ao lado de Ferro Rodrigues não se atreveria a dizer que: «Temos 30 por cento de professores a mais em relação à média e as turmas mais pequenas dos 27 países comparados. Temos o menor número de aulas para os alunos e as menores cargas horárias para os professores. Por fim, sobretudo no fim da carreira, temos alguns dos professores primários mais bem pagos da Europa

E certamente seria defenestrado do último andar do Largo do Rato se, em plena campanha, numa sessão de esclarecimento para os sindicalistas PS, tivesse declarado: «Os sindicatos da administração pública, das empresas públicas e das monopolísticas são os [lobbies] mais perigosos. Veja o caso dos médicos: podem andar a fazer greves sempre porque não perdem o emprego. Já na indústria têxtil e nos metalúrgicos, onde a seguir ao 25 de Abril havia sindicatos muito poderosos, hoje ninguém os ouve, porque aí perceberam que para manter os empregos dos seus associados tinham de baixar as suas reivindicações. É isso que sucede nas empresas sujeitas à concorrência, onde não tenho nada contra os sindicatos, que se têm portado muito bem. Os da função pública, que têm as costas quentes, podem fazer o que muito bem entenderem.» e que «que o peso dos salários dos funcionários públicos é excessivo e estes gozam de privilégios socialmente injustos face aos do sector privado

E o que teria acontecido se, durante um porta à porta, Silva Lopes tivesse sussurrado ao ouvido de Ferro Rodrigues: «O que verifico é que governos, sejam do PS ou do PSD, têm querido estar bem com os grupos económicos»? ... bem ... se fosse só um sussurro, provavelmente Ferro responderia: «cuidado, que ainda alguém o ouve, ó amigo Lopes!».

O que salvou Silva Lopes foi a impossibilidade, no decurso da entrevista, de inserirem comentários dos kamikazes da net ... nem num modesto rodapé. É bom saber-se a salvo de comentários ... que eu, por afirmações semelhantes às produzidas por Silva Lopes, mas incomparavelmente menos contundentes, li o que jamais pensaria ler sobre a minha pessoa!

Na generalidade partilho das opiniões emitidas por Silva Lopes na citada entrevista. Mas não todas, ou pelo menos de forma tão definitiva. Tomemos o exemplo dos incentivos fiscais: Silva Lopes afirma que «os PPR não contribuem nada para a poupança nacional. Só servem para desviar as poupanças de umas aplicações para outras, para as que dão benefícios fiscais.». Parcialmente tem razão, mas apenas parcialmente. Os planos de poupança incentivam ao aumento das poupanças das famílias. Uma parcela será, certamente, desviada de outras formas de poupança, mas haverá outra parcela que, sem esses planos, seria desviada para o consumo. Na minha opinião, é justamente no segmento inferior dos «30% mais ricos (ou menos pobres!)» onde o incentivo em sacrificar o consumo pela poupança induzido por estes planos é maior. No caso dos mais ricos, é indubitável que Silva Lopes tem razão.

É interessante que Silva Lopes havia declarado, há dois anos, na comissão parlamentar de Assuntos Sociais, no âmbito da discussão da proposta de Código do Trabalho, que «As alterações à legislação laboral não têm efeitos sobre a produtividade ou competitividade da economia ou sobre o emprego. O que explica a falta de produtividade nacional é a deficiente capacidade empresarial e o baixo nível de educação dos trabalhadores». Quem o ouviu agora e leu então pensará que são duas pessoas diferentes. E são-no, deveras. Então era o militante socialista a argumentar contra a legislação laboral de Bagão Félix; agora é o presidente do Montepio Geral e economista Silva Lopes a emitir uma opinião técnica e independente sobre a política financeira de Bagão Félix.

E isto porque o «baixo nível de educação dos trabalhadores» pode ser ultrapassado com a qualificação profissional e os incentivos a essa qualificação passam por permitir a mobilidade laboral. Um trabalhador «asilado» não tem incentivos a melhorar a sua qualificação. Haverá aqueles que, pelo seu brio profissional, o farão, mas não mais do que esses. E subjacente ao ataque de Silva Lopes contra os lobbies sindicais, na entrevista em apreço, está a luta contra a rigidez laboral.

Publicado por Joana às 10:31 PM | Comentários (14) | TrackBack

setembro 18, 2004

A Questão das SCUT’s

Periodicamente, desde Valente de Oliveira, responsáveis políticos afirmam que as SCUT’s vão acabar. Mas nenhuma iniciativa prática foi entretanto tomada: fala-se muito durante algumas semanas e depois ... silêncio. Este assunto voltou nestes últimos dias à baila com afirmações peremptórias sobre o seu fim inexorável. Há uma forte probabilidade de voltar a acontecer o mesmo que anteriormente, e isto porque a questão é muito complexa, não no que respeita às futuras concessões rodoviárias, mas no que se refere às SCUT’s já existentes.

As SCUT’s foram talvez a herança mais pesada deixada pelo governo socialista. A partir de 2006, inclusive, o Estado português vai pagar uma anuidade superior a 600 milhões de euros relativa às SCUT’s da Beira Interior (152 m€), da Beira Alta/Litoral (160 m€), do Interior Norte (109 m€), da Costa da Prata (84 m€), do Litoral Norte (53 m€) e do Algarve (44 m€). A partir de 2011, inclusive e durante os dez anos seguintes, aqueles valores aumentam entre 10% e 20% descendo a partir de 2021 e extinguindo-se a partir de 2032. Estes montantes não incluem os custos relativos a expropriações, indemnizações diversas e compensações derivadas de exigências ambientais. Como o PIDDAC do Ministério das Obras Públicas para este ano é cerca de € 860 milhões, é fácil de avaliar a monstruosidade dos montantes comprometidos.

Todo o processo de lançamento das SCUT’s foi de uma absoluta irresponsabilidade. Era evidente, logo à partida, que a situação calamitosa em termos de pagamentos futuros resultante das concessões rodoviárias em regime SCUT iria condicionar, de forma dramática, as opções de política orçamental e fiscal das próximas décadas. Só não parece ter sido evidente para os governantes de então.

O estabelecimento de parcerias público-privadas (PPP) em Project Finance (PFI) é um negócio que requer muitas cautelas e muita competência. De um lado está o Estado e do outro os concorrentes à concessão, bem municiados em advogados e economistas experientes, agrupados em consórcios que incluem bancos, grandes empreiteiros e entidades exploradoras. Perante este arsenal, o Estado contrapõe técnicos e advogados inexperientes, que são substituídos ao sabor das mudanças dos titulares das pastas (mesmo pertencendo ao mesmo partido), e um enorme desconhecimento dos dossiers.

Naquelas negociações nada foi acautelado:

Não se teve em conta que a necessidade de autorizações ambientais ou a morosidade das expropriações poderiam protelar a consignação das obras e assumiram-se, candidamente, cláusulas ou regimes indemnizatórios em que o Estado estaria sempre penalizado, porquanto o outro outorgante do contrato de PPP já sabia que o planeamento contratual nunca poderia ser cumprido: apenas o Estado desconhecia a sua própria vulnerabilidade. O Estado nem acautelou o cumprimento das obrigações prévias que cabem a qualquer Dono de Obra minimamente responsável, nem acautelou as cláusulas contratuais que o penalizariam por esse incumprimento.

Não se avaliaram os impactes anuais para o OGE das SCUT’s que foram sendo lançadas com entusiasmo mediático e empolgante; não houve um planeamento plurianual das verbas a cativar para pagar as SCUT’s, balanceando-as com as disponibilidades orçamentais; não houve uma avaliação sobre o impacte na competitividade da nossa economia e nas futuras políticas de rendimentos, pela punção orçamental desmedida ... nada. Guterres e Cravinho comportaram-se como Luís XV: depois de nós, o dilúvio.

Todavia a questão que se coloca actualmente é a de saber se não sairá mais dispendioso para o OGE introduzir portagens reais do que manter as actuais portagens virtuais. Analisemos as questões emergentes:

A introdução de praças de portagens significa um acréscimo dos custos de construção entre 15% a 20%. No caso da CREL a questão era pacífica, pois elas já existiam. No caso das SCUT’s actuais estamos perante um montante muito significativo. Para além dos investimentos nas praças de portagens haverá os respectivos custos de exploração em pessoal, conservação e manutenção, etc..

Mas, na minha opinião, o custo das praças das portagens não será o mais oneroso neste processo. A questão que pode revelar-se mais decisiva é a da alteração unilateral dos contratos por parte do Estado.

Em primeiro lugar, em cada SCUT, o concessionário foi escolhido por concurso público, “em mercado concorrencial”. A renegociação contratual já não é uma situação concorrencial, mas de monopólio, agravada pelo facto das alterações contratuais pretendidas se deverem a razões únicas e exclusivas de um dos outorgantes – o Estado – o que o coloca numa situação muito vulnerável perante o outro outorgante do contrato.

Em segundo lugar os valores calculados pelos concessionários e que serviram de base às suas propostas e aos contratos daí resultantes, fundamentaram-se em diversos estudos, nomeadamente estudos de tráfego. Ora estes estudos terão que ser completamente reformulados. Não haverá o mesmo tráfego com portagens virtuais ou com portagens reais. E o volume de tráfego com portagens reais dependerá quer do nível das tarifas a aplicar, quer de eventuais vias alternativas que entretanto forem construídas, ou pelo Estado, ou pelas autarquias locais.

Há por isso uma situação de risco muito elevado para o concessionário pelo facto de não ter agora qualquer domínio sobre as variáveis relacionadas com a procura com que será confrontado. Esses riscos são avaliados em termos estocásticos e traduzidos em custos adicionais que poderão ser vultuosos. Se as tarifas que forem calculadas se revelarem completamente incomportáveis para os potenciais utilizadores, o Estado teria que pagar uma parcela certamente muito pesada. Provavelmente mais que as actuais portagens virtuais.

Em terceiro lugar, a ideia peregrina de isentar os habitantes e entidades locais do pagamento de portagens é um factor adicional de encarecimento, pois implica mais serviços, mais pessoal, mais meios materiais, ou seja: mais investimentos e mais custos de exploração.

O meu “feeling” é que o montante que os concessionários das actuais SCUT’s do interior irão determinar para as portagens a pagar, no novo regime, seria de tal forma elevado que tornaria ruinosa para o Estado a mudança desse regime. Ora as já existentes concessões SCUT da Beira Interior, do Interior Norte e da Beira Litoral / Alta representam 70% do montante acima discriminado (421 m€ anuais). O meu parecer, em face dos poucos dados que disponho sobre aqueles casos particulares, mas baseada no conhecimento deste tipo de negócios, é que não há volta a dar.

Mesmo no caso da Via do Infante não me parece viável a modificação do actual regime, pois tem um tráfego muito sazonal. É duvidoso que os meses de Verão sustentem o negócio. Todavia a Via do Infante representa apenas 7% do montante em jogo.

Portanto apenas as SCUT’s da Costa da Prata e do Litoral Norte terão, eventualmente, viabilidade suficiente para mudarem de regime. Mas mesmo assim tenho algumas dúvidas, embora, como escrevi acima, se trate apenas de um “feeling”, pois não tenho dados precisos sobre estas matérias. Todavia, estamos apenas a falar em 23% do compromisso anual com as SCUT’s, ou bastante menos, porquanto a mudança do regime também acarretará custos não despiciendos para o Estado.

O que me parece fora de quaisquer dúvidas é que 70% a 77% (ou mesmo mais) dos montantes comprometidos nos próximos 25 anos, estão mesmo irremediavelmente comprometidos. É uma herança com que temos de viver, a menos que este governo tenha uma solução milagrosa que me esteja a escapar. Resta-nos a consolação de, sempre que mudar o governo, ver os novos governantes produzirem afirmações sobre como seria excelente liquidarmos as SCUT’s.

E o mais perverso entre os políticos é que eles podem tomar as decisões mais danosas e comprometerem o bem estar das gerações futuras com total displicência, sem que ninguém os consiga responsabilizar civilmente. Pior, às vezes nem sequer politicamente, pois aparecem posteriormente, com outro visual, recauchutados, pintados de novo, a escrever para os jornais e a aparecer em debates televisivos, sempre com críticas plenas de sabedoria e bom senso, com as vestes mais angelicais e com a total candura de quem não tem nada a ver com a situação que foi criada.

Publicado por Joana às 12:10 AM | Comentários (33) | TrackBack

setembro 16, 2004

Fogo sobre a Classe Média

A classe média é o sustentáculo da democracia. Onde a classe média é quantitativamente incipiente e financeiramente frágil, a democracia não consegue vingar ou, quando aparenta existir, coexiste com um enorme défice democrático e está permanentemente à beira do abismo. O poder económico foi durante séculos controlado por um reduzido grupo de empresários, banqueiros, burocratas, e antes de nobres, patrícios, etc. No último século descentralizou-se. A sociedade ocidental criou uma classe média numerosa e próspera cuja capacidade de consumo (dinamizadora da oferta) e de poupança (vital para o financiamento das empresas e do investimento público) tem que ser conquistada porque é a base desse poder económico. É essa classe média que é o sustentáculo da estabilidade social e da democracia.

Vem isto a propósito da comunicação ao país do ministro Bagão Félix. É certo que o ministro usou de um discurso didáctico, inteligível, com exemplos, perfeito na forma. Todavia, na substância, há que separar duas áreas em que as palavras do ministro merecem apreciação contrária: o diagnóstico e as medidas e estratégias correctivas.

No que respeita ao diagnóstico, Bagão Félix repetiu o que muitos economistas, alguns (infelizmente poucos) políticos têm dito e escrito. Neste blogue já escrevi tudo (e mais alguma coisa) o que o ministro diagnosticou. Apenas demagogos vendedores de ilusões fingem não acreditar e apenas alguns dos compradores dessas ilusões querem continuar a não acreditar. O país, a sociedade, o tecido produtivo não podem continuar a alimentar o Moloch estatal, esse sorvedouro da riqueza que o país penosamente produz. E essa situação é cada vez mais insustentável não só pela perversidade da injustiça que tal representa, mas também pela eventual “vingança” do mercado, porquanto com o incremento da livre circulação de pessoas e bens, as deslocalizações podem acelerar um processo em que o país fique reduzido à máquina estatal e a alguns parcos serviços, à míngua de empresas e trabalhadores para a sustentar.

No que respeita às medidas correctivas Bagão Félix deu algumas pistas. Algumas merecem a minha concordância: 1) o alegado fim da «obsessão orçamental», o que significa uma visão mais equilibrada de lidar com as variáveis financeiras e económicas e o abandono do recurso a receitas extraordinárias de forma indiscriminada para não infringir o PEC – como dizia PSL há dias, o Estado está a ficar sem anéis; 2) a regularização das dívidas permanentes do Estado aos seus fornecedores – um «Estado caloteiro» é incompatível com um Estado de Direito e com um eficiente funcionamento da economia e coloca a administração e os organismos públicos reféns dos credores, sem autoridade moral para exigir rigor no cumprimento dos orçamentos e prazos, como se verifica nas empreitadas de obras públicas e nos fornecimentos ao sistema da saúde.

Dou um crédito muito relativo a algo que ficou implícito nas afirmações do ministro e que muitos têm aplaudido: o redimensionamento do Estado. Em primeiro lugar Bagão Félix não foi muito assertivo nesta questão. Em segundo lugar ninguém, até hoje, teve coragem de mexer na função pública. Ou pior ... os que mexeram foi para a empolar em pessoal e em remunerações sem contrapartidas de melhorias de desempenho e nas prestações aos cidadãos. Ora a crise orçamental perpétua em que o país vive só se resolve mexendo profundamente na Administração Pública. Resolve a crise orçamental e, indirectamente, melhora a competitividade do tecido produtivo português. Desejaria que o aplauso desses muitos analistas se viesse a justificar. Permitam-me, todavia, que coloque muitas dúvidas.

O ministro, no seguimento das declarações de PSL, relacionou os aumentos salariais com aumentos da produtividade. Está obviamente a referir-se à função pública, pois o sector privado aumenta os salários num quadro de referência em que está implícita a competitividade de cada empresa. É certo que os aumentos percentuais da função pública constituem, muitas vezes, um ponto de referência, mas não mais que isso.

A questão da produtividade é muito complexa. A produtividade é uma medida macro-económica. Por exemplo, se a produtividade portuguesa tivesse aumentado por igual em todos os sectores, Portugal estaria falido há alguns anos, pois tinha deixado de exportar. O que se verifica é que os sectores exportadores têm aumentado a produtividade muito acima da média e são eles que têm aguentado o laxismo da função pública e a falta de inovação de muitos dos sectores virados “para dentro”. Neste entendimento, a primeira linha da batalha da produtividade tem que se travar na função pública e nos organismos e empresas dependentes do Estado. E, obviamente, terá também que ser incentivada em toda a economia e não apenas nos sectores actualmente exportadores. Aliás, um aumento da produtividade no sector público induz, ceteris paribus, um aumento de produtividade no sector privado: menos atrasos burocráticos, justiça mais rápida e ... menos impostos.

Mas onde o ministro foi mais claro foi na questão das receitas. É o mais fácil ... pois cortar na despesa tem sido, como se viu com Manuela Ferreira Leite, um completo fiasco. Vejamos primeiro o que é pertinente e consensual:

Estou de acordo em que a questão do regime fiscal da banca, nomeadamente nos «off shores», deverá ser reavaliada de forma a obter uma maior justiça fiscal, sem menoscabo da capacidade de atrair capitais que um «off shore» representa (ou de os afastar, se deixar de ser minimamente atractivo). Igualmente o agravamento do impostos sobre o tabaco é uma medida pacífica.

Deverá todavia ter-se em conta os efeitos perversos de medidas deste tipo: o aumento destes impostos induz um aumento do contrabando (ou de outras formas de evasão) e faz com que as receitas fiscais fiquem frequentemente estáveis. Isto não é novo: já há duzentos anos que J. B. Say descobriu este fenómeno, embora muitos políticos continuem a ignorá-lo. Há uma regra que se verifica sempre e em todas as circunstâncias: quanto maior é o peso da fiscalidade e a sua injustiça, mais incentivos há à evasão fiscal. Isto é uma característica do comportamento de qualquer agente económico: ponderar entre o risco da evasão e o pagamento integral das obrigações fiscais. Por isso também se verifica que, no caso de desagravamento de impostos, a queda das receitas fiscais é muito menor da que se poderia deduzir pelos valores anteriores: os agentes económicos preferem correr menos riscos, diminuindo os incentivos à evasão fiscal.

O que discordo em absoluto é de medidas que são selectivas e que atingem apenas a classe média, nomeadamente a classe média baixa, como o que foi designado pelo princípio do utilizador-pagador no Serviço Nacional de Saúde, uma medida que, a ser tomada, enferma de vários vícios:

1. Parece-me, salvo melhor opinião, tratar-se de uma medida inconstitucional, visto introduzir desigualdades no acesso dos cidadãos a um serviço público. Se os serviços de saúde tiverem preços diferentes de acordo com os rendimentos do paciente então passa a ser legítimo que todos os serviços públicos funcionem segundo a mesma lógica discriminativa. Nas escolas públicas, nas estradas públicas, nos transportes públicos, nos museus, etc., os utentes pagarão preços diferenciados consoante o seu rendimento.

2. Afecta fundamentalmente a classe média nos seus segmentos menos abastados, ou seja, aqueles que não conseguem provar que são pobres. Os ricos e a classe média alta não frequentam o Serviço Nacional de Saúde, excepto, e nem todos, no caso dos tratamentos (mas não das operações) do foro oncológico.

3. Os sobrecustos pagos pelos não-pobres configuram uma espécie de imposto que irá recair sobre uma parcela importante da população portuguesa, mas não sobre a população mais abastada: os cidadãos da classe média pagarão simultaneamente dois impostos: o do IRS e o do sobrepreço dos serviços públicos. Às taxas progressivas de IRS haverá que somar os preços diferenciados dos serviços públicos.

4. Como as declarações individuais de rendimento são pouco fiáveis, excepto no caso dos trabalhadores por conta de outrem, serão estes os mais prejudicados por essa eventual medida.

5. O controlo desta medida, que terá de ser periódico, pois as pessoas não usufruem sempre dos mesmos rendimentos, vai exigir mais pessoal, mais repartições, mais direcções, mais burocracia, mais custos.

Espero que prevaleça algum bom senso e que se deixe cair uma medida, aparentemente popular, mas que é um completo disparate!

Já no que respeita aos benefícios fiscais em sede de IRS a situação é diferente. As sucessivas alterações que têm ocorrido nos PPR e PPR/E tornaram-nos menos atractivos e a fluidez do mercado bolsista fez com que os benefícios fiscais dos PPA fossem anualmente consumidos pela queda bolsista. A questão aqui é a da diminuição das receitas que a banca e os seguros irão ter e saber qual a parcela do aumento das cobranças do IRS que será consumida pela diminuição do IRC daqueles sectores. Por outro lado o incentivo à poupança é benéfico para a economia. A poupança das famílias é injectada no mercado de capitais e melhora o desempenho económico. Ora aqueles benefícios eram um importante incentivo ao aumento da poupança das famílias.

Em qualquer dos casos, e embora estes benefícios tenham diminuído de interesse nos últimos anos, a sua extinção também atinge a classe média, nos seus segmentos mais abastados (pelo menos 30% dos contribuintes).

Estas medidas vão somar-se a outras que afectarão sobretudo a classe média. Tomemos o caso da nova Lei do Arrendamento Urbano a discutir proximamente e que tem vindo a lume aos bochechos, frequentemente desmentidos. O que parece transparecer das notícias, é que ela terá disposições que afectarão sobretudo a classe média.

No que respeita aos inquilinos, será a classe média a única que será afectada pelos aumentos das rendas habitacionais. Os mais pobres serão subsidiados ou não serão aumentados e os locatários comerciais terão “pena suspensa”. Os mais ricos e a classe média alta têm casa(s) própria(s).

No que respeita aos senhorios, serão os proprietários de casas degradadas, sem meios financeiros suficientes para vultuosas obras de reabilitação (classe média, pois claro!) que ficarão confrontados com inquilinos insolventes, que não serão aumentados ou terão aumentos insuficientes, e com o “comércio tradicional”, que paga rendas irrisórias, sendo portanto subsidiado há décadas por esses senhorios, o que o levou à falta de incentivos pela inovação, à estagnação e a tornar os centros históricos sem capacidade de atracção e a perderem terreno face a novas centralidades. E que tudo indica o vai continuar a ser. O que há de perverso na protecção ao “comércio tradicional” é que ele “precisa de ser protegido” porque estagnou mercê de ter sido “protegido”, anos a fio, à custa dos senhorios. Foi anquilosado pela protecção que teve ... e por ter ficado anquilosado, continua a precisar de protecção.

Portanto as distorções que irão constar da nova Lei do Arrendamento Urbano (curiosamente estabelecida para acabar com as graves distorções actuais) irão afectar primordialmente a classe média (inquilinos e senhorios).

A classe média é, convém relembrar, o sustentáculo de uma democracia sólida. É a classe média, convém lembrar à actual maioria, quem decide as eleições ...

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agosto 05, 2004

As Derrocadas e a Mão Invisível

Ou a Vingança do Mercado

Adam Smith escreveu há quase dois séculos e meio que os agentes económicos, funcionando em mercado livre, “ao tentarem satisfazer o seu próprio interesse promovem, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretendem fazer. Nunca vi nada de bom, feito por aqueles que se dedicaram ao comércio pelo bem público”. Esta frase é lapidar: aqueles que tentaram, julgando servir o bem público, constranger ou impedir, o livre funcionamento do mercado, criaram situações de muito maior injustiça social e muito mais ineficientes e dispendiosas para o bem público e para toda a comunidade em geral, do que se não o tivessem feito.

Foi o que aconteceu com o mercado do arrendamento urbano. A legislação que, durante o Estado Novo, regulamentou o congelamento de rendas em Lisboa e Porto foi feita com as melhores das intenções de justiça social e de protecção à habitação. Essa legislação e esse congelamento mantiveram-se, apesar do aumento da inflação iniciado no período marcelista e tornado galopante após o 25 de Abril, sempre com a melhor das intenções sociais. O congelamento das rendas era uma das muitas vacas sagradas do pensamento social português.

Em meados dos anos 80 acabou o congelamento e as rendas puderam subir, mas sempre abaixo da inflação, excepto para os contratos mais antigos, onde foram permitidos reajustamentos ligeiramente superiores. Em valores reais, as rendas continuaram a descer. Tudo isto com as melhores e mais sagradas intenções de benemerência social.

Mas não foram só as rendas habitacionais que escaparam às regras do mercado. As rendas comerciais foram tratadas da mesma forma. A nossa justiça social e a ânsia de dar esmolas aos mais pobrezinhos, que presidiu a esta legislação, encarregou os senhorios, contra vontade destes, de subsidiarem, ao longo de décadas, a actividade comercial: lojas, escritórios, etc.. Portanto, em Portugal, rendas comerciais não são um factor de produção: não passam de uma potencial fonte de extorsão praticada pelos senhorios a que o Estado deve pôr cobro, intervindo no mercado do arrendamento comercial.

Toda esta filantropia social de que o Estado encarregou os senhorios teve um efeito absolutamente perverso: a degradação do parque habitacional, a ruína dos centros históricos de Lisboa e Porto e, em menor grau, das restantes cidades do país, a inexistência de um mercado de arrendamento eficiente, a opção pela aquisição de casa própria e o endividamento exponencial das famílias para o conseguirem. No caso do comércio verificou-se o que já se sabia de outras actividades produtivas: uma política cega de subsídios retira incentivos à modernização. Assim sendo, o comércio dos centros históricos foi perdendo qualidade relativa, cristalizou, e perdeu mercado face ao comércio menos central e com maior mobilidade e aos grandes espaços. A degradação da qualidade da actividade comercial nos centros históricos tem igualmente concorrido para a ruína destes e para a sua desertificação.

Ora aqui está como a regulamentação do mercado, estabelecendo preços que não correspondem aos equilíbrios que se formariam pelo seu funcionamento normal, e a manutenção dessa situação ao longo de décadas, conduziu à ruína dos centros históricos das cidades, à derrocada dos prédios antigos, ao excessivo endividamento das famílias, à dificuldade prática de uma reforma fiscal moderna do património e à absoluta injustiça social, onde as gerações mais antigas têm casas de rendas irrisórias, enquanto os mais novos têm um ónus terrível em despesas de habitação; onde os senhorios dos prédios antigos estão descapitalizados, sem capacidade de intervirem na reabilitação dos seus prédios e à mercê de qualquer intempérie que lhes pode causar prejuízos que eles não têm capacidade de suportar, enquanto os senhorios de áreas mais recentes têm rendimentos incomparavelmente superiores, com custos muito menores e com uma punção fiscal proporcionalmente mais benévola.

A perversão do sistema é total. Muitos dos prédios em risco de derrocada nem sequer têm senhorios conhecidos. Quem consta do registo das Conservatórias já não existe e os herdeiros nunca reclamaram a herança porque provavelmente o Imposto Sucessório seria muito superior ao valor dos imóveis. Aliás, muitos dos prédios em ruína têm um valor real negativo. Há 3 ou 4 anos um grupo escocês quis adquirir o Palácio Rosa, na zona da Mouraria, para aí construir um hotel de «charme». O vereador António Abreu ficou indignado quando os escoceses lhe disseram que o imóvel tinha um valor real negativo. Como se lhe tentou explicar depois, os escoceses tinham, tecnicamente, razão, pois o que custaria a reabilitação daquele imóvel e espaços adjacentes nunca seria recuperado qualquer que fosse a posterior utilização dada ao Palácio.

O único mercado que funciona neste ambiente que o Estado perverteu, é o mercado paralelo. Inquilinos que pagam rendas ridículas, subalugam por «preços de mercado» e exigem obras aos senhorios (quando estes existem); estabelecimentos comerciais que fazem trespasses avultados a pretexto de usufruírem de rendas baixas ou, mais recentemente, em face de algumas restrições nos trespasses, fazem cessão de quotas (a firma mantém-se mas os donos são outros), operação que nem sequer têm que comunicar ao senhorio.

O Estado, ao intervir décadas a fio, no mercado de habitação, distorceu completamente o funcionamento dos mercados de arrendamento e de construção.

No mercado de arrendamento já se resumiram as calamidades sociais a que esta legislação iníqua, cheia de boas intenções filantrópicas, conduziu. Mas o mercado de construção em Portugal também foi enviesado. Contrariamente aos restantes países europeus, o investimento em reabilitação urbana em Portugal é baixíssimo. Há pouca experiência nessa matéria no nosso país e os construtores civis fogem de a fazer porquanto não têm qualificações adequadas e têm receio de concorrer à execução desse tipo de obras, pois como não têm domínio dessa área, podem estar a fazer orçamentos ruinosos.

E não há mercado de recuperação de imóveis, porque os investimentos na reabilitação urbana não têm viabilidade financeira visto as rendas praticadas não permitirem o retorno do investimento. É falso que o custo das obras possa ser incorporado nas rendas através de uma taxa de retorno de 8% ao ano. Apenas as obras para além das consideradas obrigatórias em termos de beneficiação e conservação se inscrevem naquela condição. Mas em qualquer dos caso os senhorios dos imóveis degradados, na sua quase totalidade, são idosos, estão descapitalizados e não têm possibilidades nem financeiras nem de qualificação para empreenderem quaisquer obras de vulto. Reabilitar um edifício em adiantado estado de degradação custa mais e é mais complicado que construir um edifício de raiz.

Por outro lado, reabilitar edifícios antigos e manter as tipologias existentes é insensato. As divisões não têm as áreas mínimas obrigatórias; as instalações sanitárias ou não existem ou são inadequadas; etc.. Não faz sentido reabilitar um edifício e manter tipologias impróprias para as necessidades actuais de habitação. Portanto toda a ocupação e organização do espaço teriam que ser revistas. Mas como compaginar isso com o realojamento futuro dos inquilinos existentes? Aumentar a área de construção? Mas isso implicaria aumentar as cérceas, o que pode não ser possível pelo RGEU e pelas disposições camarárias. E como é que o senhorio, ou a entidade que pretende reabilitar, consegue resolver estes problemas em face dos constrangimentos actuais?

Nesta situação absolutamente perversa, cada vez que há uma derrocada, procura-se encontrar bodes expiatórios: os senhorios (que às vezes nem existem); as Câmaras, que frequentemente não têm capacidade legal de intervirem ou, se têm, o que há a fazer é de tal monta, que não têm dinheiro suficiente; etc. Mas os culpados somos todos nós, na pessoa do Estado português. E às vezes quem tem ganho com a situação são aqueles que depois mais esbracejam e gritam frente às câmaras de TV.

Está prevista uma nova lei do arrendamento urbano. Não me posso pronunciar porque desconheço o seu conteúdo. Espero apenas que quer os lobbies das corporações comerciais, quer os ícones da filantropia social não conduzam os legisladores a situações dúbias, em que apenas mudem as vítimas e os beneficiários, mas o mercado continue sem funcionar.

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julho 14, 2004

Desemprego, produtividade e despesa

Em complemento ao meu texto de ontem, queria deixar algumas adendas na intenção de clarificar conceitos que, porventura, ficaram menos claros:

1 – Os investimentos públicos têm, no imediato, um efeito dinamizador no nível da actividade económica e no volume de emprego. Todavia esse efeito só é sustentável se essa despesa pública não for feita à custa de um défice orçamental excessivo, nem provocar, pelo aumento das importações induzido pelo aumento do rendimento disponível, um défice excessivo na balança de pagamentos. Portanto, tem um efeito positivo, mas que pode tornar-se ilusório, se não se tiverem em conta os restantes parâmetros macroeconómicos.

O que se verifica pela experiência é que os investimentos públicos não são, por si só, o motor da economia. Vejamos alguns casos:

1 a – A New Deal? Roosevelt nunca conseguiu restabelecer o pleno emprego antes da guerra. O boom americano do após guerra deveu-se ao extraordinário aumento de produtividade durante a guerra, quando a indústria americana teve que produzir mais com menos gente (devido ao recrutamento militar). Foi esse boom que gerou o crescimento acelerado da economia e do volume de emprego após o fim da guerra.

1 b – O enorme crescimento económico da UE durante as 3 décadas que se seguiram ao lançamento do plano Marshall? Resultou do enorme aumento de produtividade conjugado com um substancial alargamento dos mercados e a ausência de uma concorrência internacional competitiva. Mas, por exemplo, o excesso de intervencionismo na economia britânica levou ao seu declínio, às derrapagens orçamentais, à instabilidade monetária e à revolução Thatcheriana que apostou em menos Estado, num Estado apenas regulador. Mesmo a «terceira via» de Blair é contra a herança keynesiana do voluntarismo da despesa pública.

1 c – E onde estão hoje a França e a Alemanha? Incapazes de controlar a despesa pública, com economias estagnadas, sem conseguirem reformar o Estado Social, nem o manterem, embora tentem alimentar, junto dos eleitores, a ilusão de que tal é possível. As políticas públicas podem ser destabilizadoras. Injectar dinheiro na economia pública é como consumir droga: quando acaba o efeito ilusório é preciso mais, cada vez mais.

2 - A teoria keynesiana da propensão marginal ao aforro está errada e os estudos estatísticos demonstram-no. Os agentes económicos determinam os seus comportamentos em termos de consumo e poupança em função da soma actualizada dos seus rendimentos futuros esperados e não na base do rendimento instantâneo. Também há a poupança de precaução que tem a ver com as expectativas relativas à segurança social e sistema de reformas, à evolução do risco de desemprego, etc.. Portanto, parte substancial da formulação teórica básica de Keynes foi contrariada pelos estudos estatísticos posteriores.

3 – No que se refere a Portugal, quando aderimos à moeda única, as taxas de juro portuguesas aproximaram-se por essa razão das que vigoravam no núcleo da futura União. Como Portugal era dos países que tinha taxas de juro mais elevadas, foi dos que mais beneficiou com essa descida. Esse factor, por si só, teve uma incidência acentuada na diminuição do défice pela diminuição dos encargos com a dívida pública. Assim Portugal pôde manter, durante os governos de Guterres, uma política orçamental expansionista e, simultaneamente, reduzir o défice orçamental. Determinados investimentos públicos, como o caso das SCUT’s, que, sem dispêndio de meios financeiros, geraram imediatamente receitas fiscais volumosas (embora criando obrigações futuras) igualmente ajudaram a nascer a ilusão que esta política era sustentável, apesar do excesso de procura criado por aquela política orçamental gerar por sua vez um défice externo crescente.

O resultado foi, posteriormente, a recessão e o desemprego, com as causas e os sintomas que descrevi ontem aqui.

4 – Produtividade

A produtividade, tal como é apresentada nos debates, neste nível de análise, é uma grandeza macroeconómica agregada que tem que ser vista com cautela. Por exemplo, Portugal tem conseguido manter alguma competitividade externa apesar de uma maior inflação e de outros factores negativos decorrentes do excesso de despesa pública. Se a produtividade do sector exportador tivesse aumentado ao ritmo da produtividade da economia portuguesa, já não tínhamos sector exportador. As empresas deste sector tinham falido e estávamos na ruína total. Isto significa que a produtividade do sector exportador aumentou muito mais que a média nacional.

Aliás, o que condiciona o valor da produtividade de um país é a produtividade dos sectores abertos ao exterior. Como a produtividade é medida em termos de capitação do VAB (Valor Acrescentado Bruto), é óbvio que a produtividade dos sectores abrigados do exterior decorre da produtividade dos sectores abertos ao exterior.

Tomemos o exemplo dos cabeleireiros, um sector completamente abrigado do exterior. O custo deste serviço está relacionado com o nível de rendimentos de um dado país, quer no preço da prestação, quer no custo do factor trabalho. O mesmo trabalho é muito mais bem pago em Oslo do que em Lisboa, quer no que respeita à remuneração dos trabalhadores, quer no que respeita ao preço cobrado às clientes. Sendo assim, a produtividade (macroeconómica) do sector cabeleireiro será muito superior na Noruega (o VAB é muito maior, pois os salários e as vendas per capita são muito mais elevados), apesar da produtividade, em termos físicos, ser, mais ou menos, idêntica em Portugal e na Noruega.

Um país é rico e com elevada produtividade quando concorre no mercado internacional com competitividade nas áreas de elevada tecnologia e valor acrescentado. O resto da economia (os sectores mais ou menos abrigados) alinha sempre e necessariamente pela produtividade «macroeconómica» dos sectores abertos, como se viu no exemplo dos cabeleireiros.

Quanto à produtividade do sector público, o seu efeito positivo ou negativo mede-se, de forma indirecta, pelo ónus que isso representa para o sector produtivo. Quanto mais ele custar, para o mesmo serviço que presta, mais dinheiro é cobrado, para o sustentar, às famílias e às empresas, o que faz aumentar os custos no sector produtivo, diminuir a sua competitividade perante o exterior e deteriorar a situação económica do país.

Adicionalmente a sua ineficácia (como a demora da justiça ou a excessiva burocracia, por exemplo) é um factor desmotivador do investimento, interno ou externo, para além de representar um acréscimo de custos no funcionamento das empresas.

Publicado por Joana às 09:17 PM | Comentários (38) | TrackBack

julho 13, 2004

O Desemprego: Mitos e Realidades

Durante as semanas de «crise política» referi várias vezes o desastre que constituiria para o país um governo liderado por Ferro Rodrigues. Essa minha posição foi, frequentemente, tomada como eivada de facciosismo político. Vou aproveitar a calma de um dia em que se espera pacificamente pelas novidades sobre o novo governo para explanar melhor as minhas razões.

O PS de Ferro, aliado ao BE e, eventualmente, ao PCP seria um governo que apostaria no fim da contenção salarial e numa política keynesiana no que respeita à despesa pública. É aliás um aspecto interessante a forma como o socialismo democrático foi abandonando, a partir da cisão dos anos 20, o marxismo e foi ganho, nas últimas décadas, para o keynesianismo. No fundo mantém-se o mito estatizante, o mito da importância do papel dirigente do Estado como o motor do funcionamento da economia.

No keynesianismo, na versão de esquerda, é o aumento dos salários, e em particular dos salários baixos, que constitui o motor da economia. Isto em conjunto com os investimentos públicos, cuja noção da importância no desenvolvimento económico não é, aliás, apenas património da esquerda. Sobeja a indiferença pelos níveis dos défices públicos e das paridades das taxas de câmbio.

Ora uma política de rendimentos expansionista, que os faça aumentar acima da produtividade, produz de imediato um aumento do rendimento nacional em termos nominais. Antes da existência da moeda única, essa política de rendimentos induzia rapidamente um aumento da inflação pelos custos e uma desvalorização cambial. Era um processo relativamente rápido, até que o valor real dos rendimentos, em termos de poder de compra, voltasse ao valor anterior. Os rendimentos reais aumentavam, eram corroídos e caíam, num prazo curto, até chegarem a valores semelhantes aos de onde tinham partido, senão mesmo inferiores.

Com a moeda única, o ajustamento não pode ser feito através da desvalorização cambial. Nem sequer através da inflação, embora o primeiro efeito seja o aumentar da inflação. Simplesmente este efeito está limitado pela necessidade de manter a competitividade das empresas no mercado único europeu.

Portanto o efeito será a recessão e o desemprego. O desemprego aumenta através de vários efeitos conjugados. Há empresas que fazem reajustamentos no volume dos seus efectivos; outras fecham as portas. Muitos destes desempregados encontram um novo emprego depois. Mas, de acordo com o estudo recente realizado pela Faculdade de Economia do Porto, as perdas salariais nos empregos seguintes ao despedimento atingem 10 a 12 por cento.

Portanto o desemprego, mesmo o de curta duração, é uma forma do sistema económico reequilibrar rendimentos e produtividade.

Portanto os reequilíbrios económicos numa situação de moeda única e em caso de aumentos salariais acima da produtividade fazem-se à custa da recessão e do desemprego. O aumento do desemprego, o fecho de empresas e a diminuição do poder real de compra significam recessão económica. É um processo bastante mais lento que o anterior, mas mais profundo e mais difícil de inverter rapidamente. Em Portugal, a política de rendimentos expansionista levada a cabo entre 1995 e 2001, e à qual Pina Moura tentou debalde pôr cobro ainda durante o governo Guterres, só começou a ter um impacte significativo no emprego a partir de 2002, apesar de, logo nesse ano, essa política ter sido invertida. E os efeitos dessa política no volume de emprego vão continuar a sentir-se nos próximos anos. Pelo menos ainda em 2005, e isto se não se cair novamente na ilusão da insensatez salarial.

Trata-se, portanto, de um processo muito mais lento do que o anterior, quer no prazo em que se fazem sentir os efeitos aparentemente positivos provocados pelo aumento irrealista dos salários, quer no prazo que dura a recessão, quando a actuação dos mecanismos de equilíbrio económico repõem a verdade dos factos.

Ou seja, o actual enquadramento económico permite a perversidade de aumentos salariais irrealistas, sem que haja rapidamente a correspondente erosão monetária. Isto é, permite manter durante bastante mais tempo que na época da moeda nacional, uma ilusão de bem estar. Mas se os ajustamentos são muito mais lentos, são também muito mais duradouros e graves. A recessão, o fecho de empresas, o desemprego de longa duração de gente cuja idade dificulta a obtenção de um novo emprego, são situações de enorme gravidade que só muito parcialmente têm remédio após a retoma.

É claro que as regras do PEC tentam evitar que um país caia em semelhante situação. Todavia, no caso português, durante a primeira fase do governo Guterres, a descida das taxas de juro (provocada pela integração no euro), o lançamento das SCUT’s, etc., possibilitaram um aumento irrealista dos salários e da despesa pública sem menoscabo dos limites do PEC durante os primeiros anos. Mas passado o período em que a acção daqueles factores permitiu mascarar a realidade, esta veio ao de cima e a recessão abateu-se sobre a economia portuguesa com a violência que ainda se mantém.

É a perversidade de ser possível manter uma política salarial irrealista cujos efeitos negativos só se começam a tornar visíveis dois ou três anos depois, e cujo saneamento é moroso e envolve pesados custos sociais, que me fez considerar que um governo de Ferro aliado do BE poderia ser um desastre nacional, tendo em conta as opções económicas e sociais que ambos têm revelado. Nomeadamente quando falam convictamente na sua vontade de combater o desemprego sem perceberem quais são as suas causas profundas e pretendendo, inclusivamente, fazer uma política económica que a prazo vai fazer aumentar o desemprego.


Nota - Ler em complemento:
Desemprego, produtividade e despesa

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maio 20, 2004

Santo António e o Pecado do Lucro

A morte de António Champalimaud e os obituários que, nos dias que se seguiram, foram aparecendo nos meios de comunicação, é o exemplo do país que temos – um país pequeno, mesquinho, reverente, que não sabe lidar com o sucesso dos seus filhos.

Entre a subserviência da AR que se “curvou” perante a figura que... e a diabolização feita pelos jornalistas e fazedores de opinião «politicamente correctos», não há qualquer distância: são lídimos exemplares de uma espécie mesquinha e subserviente, porque a mesquinhez e a subserviência são as duas faces de uma mesma moeda.

Champalimaud foi um empresário de sucesso, frio, objectivo e impiedoso. Se não o fosse, não teria feito (e refeito) a sua extraordinária fortuna. Essa frieza tornaram-no numa figura solitária mas única, que os empresários olham com distanciamento, os políticos com desconfiança e os sindicalistas com ódio.

É óbvio que soube aproveitar as facilidades concedidas pela legislação salazarista. Mas é hipocrisia acusá-lo de o ter feito. A legislação existia, porque não a aproveitar? Aliás, se fosse possível “medir a protecção” auferida pelos grandes empresários da época salazarista, certamente que, no caso de Champalimaud, entre o deve e o haver, o benefício líquido de Champalimaud seria inferior ao dos demais.

Ainda hoje, um reverente admirador do bonzo Mário Mesquita, escrevia no Público que «António Champalimaud representava "o mais típico industrial da era salazarista, mandão e prepotente", que erigiu o seu "império cimenteiro e bancário à sombra da protecção que lhe conferia a legislação proteccionista do "condicionamento industrial" e os instrumentos ditatoriais do regime».

Quanto ao “Império Bancário”, sabe-se como a aquisição do BPA por Champalimaud falhou por intervenção do poder político, devido a uma lei posterior feita pelo governo de Marcelo Caetano e com efeitos retroactivos, o que num Estado de Direito seria inconstitucional. Quanto aos Cimentos, o Sr. Luís Costa ignora que a indústria de Cimentos tem uma barreira à entrada fortíssima dada pelo rácio peso/custo muito elevado. Os custos de transporte e a perecibilidade do produto tornam a concorrência a mais de 100 ou 150 kms praticamente impossível. Por outro lado, a dimensão mínima óptima de uma cimenteira é bastante inferior ao consumo anual de cimento em Portugal. Portanto, com ou sem protecção e a menos que houvesse um grande atraso tecnológico, seria impossível a uma cimenteira estrangeira concorrer no mercado português, excepto em algumas áreas fronteiriças do nordeste.

A maior linha de cimentos em Portugal foi construída em Souselas justamente porque aí existe o maciço calcário mais a norte do nosso país. Mas mesmo assim há entrepostos de moagem na Maia e em diversos pontos do norte do país. O produto sai de Souselas ainda na fase de clinker (que não é perecível) e é moído e ensacado nesses entrepostos, onde é distribuído. No caso da Siderurgia, Champalimaud teve efectivamente vantagens. Todavia, uma unidade com aquela dimensão não seria competitiva em economia aberta. E viu-se o que sucedeu, após a nacionalização, com as tentativas canhestras para a manter. Se Champalimaud tivesse continuado à frente da Siderurgia, talvez o país não perdesse tanto dinheiro com a tentativa frustrada de a manter à tona de água.

Este comportamento instável dos portugueses perante o sucesso empresarial é fruto do nosso atraso ideológico. O conceito do lucro como pecado é uma “aquisição” do cristianismo medieval e perdurou nos países católicos, onde a ética protestante não penetrou, nomeadamente naqueles onde o reaccionarismo clerical sobreviveu mais tempo. É conhecida a proposição de São Jerónimo postulando que «dives aut iniquus aut iniqui haeres» (O opulento é criminoso ou filho de criminoso). Nicolau Santos, no Expresso de há dias, punha-a a circular na “versão de Balzac”.

Santo Agostinho exprimiu o receio de que o comércio afastasse os homens do caminho de Deus e a doutrina de que nullus christianus debet esse mercator (Nenhum cristão deve ser mercador) era geral na Igreja dos começos da Idade Média. No Concílio de Latrão de 1179 foi decretada uma série de proibições severas para a usura. Embora com o desenvolvimento da actividade comercial o Direito Canónica começasse a aceitar alguns “desvios” relativamente à “pureza” primitiva, como o conceito do «justo preço» e o do lucrum cessans (lucro cessante) para justificar o juro dos empréstimos em dinheiro, nunca se libertou da concepção pecaminosa do lucro.

Se as doutrinas protestante e puritana foram ou não conducentes, por si mesmas, ao desenvolvimento do espírito capitalista e, portanto, do próprio capitalismo, é problema que não me proponho aqui resolver. O que é historicamente certo é que com o fim do predomínio do Direito Canónico ocorrem profundas alterações nas relações entre o pensamento teológico e pensamento económico. A harmonia entre os princípios da Igreja e a sociedade feudal que fora a determinante da universalização do âmbito do Direito Canónico, declinou com o fim da sociedade feudal. O pensamento canónico, como concepção social, pretendeu encontrar a unidade onde ela não existia, e manteve-se vigente enquanto o equilíbrio instável se não rompeu por completo. Não obstante as tentativas sucessivamente feitas para introduzir elementos éticos, como esteios da armadura do pensamento económico, este rompeu com eles, ante as solicitações dos novos impulsos sociais que lhe eram antagónicos.

É curioso igualmente verificar que, contrariamente às ideias de Marx sobre os países onde as concepções comunistas se afirmariam mais cedo, foi exactamente nos países da Europa Ocidental mais atrasados que os Partidos Comunistas se revelaram mais fortes e têm sobrevivido mais tempo. Se exceptuarmos a Alemanha imperial e de Weimar (que constitui um caso específico, explicado por outras circunstâncias), é no sul da Europa que os partidos comunistas se têm mantido com maior capacidade de sobrevivência.

Nos países onde a ética protestante mais se entranhou na sociedade, os partidos comunistas e afins são, praticamente, inexistentes. Igualmente nesses países o sucesso empresarial é visto com uma óptica completamente diversa daquela que predomina nos países em que o clericalismo mais perdurou.

No fundo, o horror ao lucro, pecaminoso e demonizado, une o clericalismo tardio (o Direito Canónico medieval) e o comunismo, nomeadamente o comunismo cujos conceitos cristalizaram no leninismo. Esse horror ao lucro e ao sucesso empresarial permanece entranhado na nossa sociedade, mesmo nas elites intelectuais que pululam na comunicação social e que se julgam avançadas e modernistas. É uma mistura paradoxal do reaccionarismo clerical milenar, entranhado no subconsciente social, caldeado por conceitos leninistas ultrapassados e esvaziados de conteúdo.

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maio 18, 2004

Perspectivas Sombrias

No início deste ano, tudo parecia apontar para que 2004 não fosse um ano de recessão como foi o de 2003, muito embora fosse previsível uma retoma apenas medíocre.

O elemento vulnerável neste cenário era a procura externa. Na situação orçamental em que Portugal se encontra e com o tipo de economia que tem, não é possível uma recuperação baseada na procura interna. Uma estratégia baseada na despesa pública conduziria, visto a oferta interna ser insuficiente, ao aumento das importações e ao consequente aumento do défice externo, para além do aumento do défice orçamental.

O Banco de Portugal previa para a procura interna um crescimento negativo ou muito próximo de zero. Portanto a retoma, mesmo medíocre, assentaria no crescimento das exportações o que permitiria a previsão de um crescimento positivo, ainda que diminuto, para o PIB.

Seria exequível um crescimento das exportações de bens e serviços suficiente para sustentar a retoma? Seria se as economias dos nossos parceiros comerciais estivessem em expansão. Ora tal não está a acontecer. A Europa apresenta um fraco crescimento e não se vislumbram sinais de que essa situação se modifique.

A subida do euro face ao dólar também complica a nossa situação. Alguns pensam que, uma vez que a maior parte das nossas exportações é dirigida para países que têm o euro como moeda ou como referência para as suas moedas, a subida do dólar não afecta as nossas exportações. Esse raciocínio é errado, pois, mesmo nesses países, competimos com exportações oriundas de países de fora da União Europeia e que têm o dólar como referência. Inclusivamente o turismo pode ser afectado.

As contínuas dificuldades da nossa situação económica podem levar a que, em 2004, as cobranças de impostos desçam. Além disso, é provável que continue a ocorrer o aumento do desemprego, conduzindo a um incremento correspondente das respectivas transferências sociais. Tudo isto terá repercussões negativas no défice orçamental. Com o objectivo de 3% do PIB como referência para o défice, haverá ainda o risco de, durante o ano, se ir cortando mais nas despesas de investimento público, induzindo um maior decréscimo da procura interna.

Entretanto, a subida galopante do preço do petróleo (atingiu o preço máximo dos últimos 20 anos, ultrapassando os 40 dólares) veio pôr ainda mais em causa a recuperação económica na Europa e, por indução, a retoma económica portuguesa .

Seis dos 12 estados da Zona Euro vão ultrapassar o limite de 3% de défice público. Entre os estados membros em falta encontram-se a Alemanha, a França e a Itália, as três maiores economias da Eurolândia. Também o Reino Unido vai exceder os 3%. O défice orçamental português deverá fixar-se, este ano, em 3,5% do PIB, de acordo com as previsões da Primavera da Comissão Europeia e só o recurso às receitas extraordinárias nos vai colocar abaixo da fasquia dos 3%. A pergunta que se põe é saber se, em face do incumprimento geral, valerá a pena hipotecar receitas extraordinárias para esse efeito.

Face a esta conjuntura, a OCDE reviu em baixa os indicadores de crescimento do PIB português que tinha avançado anteriormente. Para o ano em curso, a OCDE estima que a criação de riqueza tenha um incremento de 0,8 % (contra 1,5 % nas estimativas de Novembro passado), enquanto que para o próximo ano o crescimento deverá atingir os 2,4 % (já mais próximos dos 2,6 % avançados em Novembro).

Face a essas previsões Portugal continuará, em 2004, a divergir da média da Eurolândia, e aproximar-se-á de um ritmo de convergência no ano que vem. Para o conjunto dos 12 Estados que adoptaram o euro como moeda, a OCDE estima um crescimento de 1,6 por cento (o dobro do português) em 2004, e de 2,4 por cento (ao mesmo nível do de Portugal) em 2005.

A OCDE continua a sustentar que a recuperação da economia portuguesa será alicerçada na dinâmica exportadora, prevendo mesmo que as vendas de bens e serviços ao estrangeiro registem um incremento de 5,2 %este ano (mais 1,3 % do que em 2003). Penso que estas previsões incorporam um elevado risco. Na verdade, e de acordo com o INE, as exportações portuguesas caíram 4,3 % em Janeiro e Fevereiro (face ao período homólogo de 2003). Tendo presente que a procura interna continua muito débil nos países da Zona Euro, para onde Portugal encaminha parte substancial das suas exportações, este é um sector onde as previsões apresentam um potencial de falibilidade que não pode ser descurado.

Perspectivas sombrias, sem dúvida.

Não me parece que haja na sociedade portuguesa uma consciência da situação sombria da economia portuguesa. E os que a têm, por a sentirem na pele, não se interessam pelas causas que levaram a essa situação e pelas possíveis soluções para ela. Apenas dão socos no ar.

O governo terá consciência da situação. Mas está encurralado entre a sua incompetência e o receio de desagradar ainda mais ao eleitorado. Durante os 2 primeiros anos da legislatura, época ideal para se fazerem as reformas impopulares, o governo titubeou e não foi capaz de fazer as reformas que se impunham. Não será nos dois últimos anos, em que terá que encontrar maneira de ganhar as próximas eleições que as conseguirá fazer. É certo que conseguiu melhorar alguns parâmetros macroeconómicos, como o défice orçamental e o défice das contas com o exterior. Mas são as reformas estruturais que valem e permitem sustentar uma evolução positiva dos parâmetros macroeconómicos. E aí a prestação do governo foi muito insuficiente.

Como escreveu Pina Moura há tempos: "O Governo tem conseguido fechar a torneira que enche essa represa (contendo a despesa pública) mas não interferiu, de maneira nenhuma, nas fissuras que já mostram essa barragem. Continuamos com o risco de naufrágio". É evidente que Pina Moura não terá grande autoridade moral para dizer isto, até porque as fissuras já vinham do tempo dele e, principalmente, do ministro que o antecedeu, mas isso não invalida que tenha acertado.

Publicado por Joana às 10:24 PM | Comentários (33) | TrackBack

maio 13, 2004

O Espectro da Destruição do Estado Social

Um espectro assombra a Europa – o espectro da Destruição do Estado Social. Todas as forças sociais da velha Europa se aliaram numa sagrada caçada a esse espectro: as oposições de esquerda em França e na Itália, a oposição de direita na Alemanha, socialistas e radicais portugueses e os sindicatos ... todos.

Onde está o partido no governo que não tivesse sido desacreditado pelos seus adversários (oposição e sindicatos) sob o anátema de preparar a destruição do Estado Social ? Onde está o partido da oposição que não tivesse sido desacreditado por outros partidos oposicionistas e pelos sindicatos como estando conluiado nesse fim iníquo?

O Estado Social tornou-se um espectro que assombra os políticos que quando na oposição vivem no pesadelo da sua destruição, e que, quando governo, vivem no pesadelo de não saberem como pagá-lo.

A invocação do Estado Social tornou-se uma vaca sagrada do pensamento político de um importante segmento da esquerda. Acredita na virtude imaterial do espírito da solidariedade social que permitiria conceder reformas a todos aos 60 anos e sustentar desafogadamente todos os milhões de reformados; que permitiria que todos os estudantes se matriculassem gratuitamente no ensino superior, estudando o que entendessem pelo tempo que lhes apetecesse; que permitiria que todos tivessem acesso gratuito, sem excepções nem restrições, à saúde, justiça, etc.. E o que há de imaterial nesta ficção do espírito da solidariedade social é que a sua gratuitidade e a sua generosidade são fictícias. Alguém tem que pagar.

Mas a questão não é só a de alguém ter que pagar – o Estado português sempre descobriu filantropos malgré eux. A questão é a repercussão dessa punção no rendimento nacional no desenvolvimento económico.

Vejamos o caso português. Nos últimos vinte anos a nossa economia cresceu 80%; as arrecadações fiscais, 155%; a despesa total, 170%; os salários, as pensões e os subsídios, 209% (números de Medina Carreira). O peso das despesas públicas subiu assim mais de 50% entre 1980 e 2000 (30,9% do PIB em 1980 e 46,6% em 2000), com o crescimento económico sempre em desaceleração (7,5% em média anual nos anos 60, 4,5% nos anos 80, 2,7% nos 90 e, provavelmente, não mais que 1,5% entre 2000 e 2010). Entre 1980 e 2000 a carga fiscal portuguesa aproximou-se muito da média da UE dos 15. O número de funcionários públicos e de pensionistas (SS+CGA) era de 560.000 funcionários e 1.780.000 pensionistas, em 1980 e cresceu para 747.000 funcionários e 2.907.000 pensionistas, em 2000. Nesse período a população terá crescido entre 5% a 10%.

Os números actuais do peso do Estado no PIB são similares aos da Europa desenvolvida. As prestações sociais é que não têm comparação. O modelo do nosso Estado Social é comparável ao da Europa desenvolvida pelo ónus que representa para o contribuinte português. As retribuições que este recebe é que são parcas. O Estado Social português vive em autofagia.

A expansão da punção fiscal foi dupla da criação de riqueza (PIB), mas apesar do bom comportamento financeiro dos impostos, entre 1980 e 2000, regista-se um enfraquecimento acelerado da capacidade fiscal para suportar as despesas. Todos falam em combater a evasão fiscal. É óbvio que deverá ser combatida. Aliás, a evolução das arrecadações fiscais face ao PIB mostra que tem diminuído. Todavia aqueles que mais clamam contra a evasão fiscal apenas pretendem extorquir dinheiro para continuar a alimentar o monstro, o Bal Marduk desta Babilónia do extremo ocidente europeu. Não pretendem desonerar os contribuintes cumpridores.

Alguns políticos da oposição têm sugerido mezinhas neo-keynesianas. Aumento dos gastos públicos e “esquecer” os limites impostos pelo PEC. São eles, todavia, que se esquecem que não existe em Portugal uma oferta interna capaz de prover ao aumento da procura interna resultante do aumento do rendimento disponível induzido pelo aumento da despesa pública. A contrapartida do aumento da procura interna seria o aumento das importações e o agravamento dramático da nossa balança de transacções com o exterior. Não aumentaria apenas o défice público, mas também o défice com o exterior e o endividamento geral do país. Mesmo que não houvesse os limites impostos pelo PEC seria uma política insustentável a médio prazo e com uma heraça extremamente penalizadora.

Outros políticos da oposição nem sugerem nada. Apenas querem manter o que está e, se possível, com mais regalias. Essa esquerda pensa que o Estado Social se conquistou, se defende e defenderá com acções de rua ou com o castigo pelo voto de quem o quiser reformar. Essa esquerda esquece, ou finge esquecer, que se a economia não providenciar, de forma sustentada, fundos para alimentar o Estado Social este não funciona, ou funciona mal. Essa esquerda apenas está a alimentar falácias que, a terem apoio, nos levariam, a todos, a um impasse.

Precisamos de modernizar a economia criando condições favoráveis ao investimento, nacional ou estrangeiro, apostar na qualificação da mão de obra, quer directamente pelo Estado, quer incentivando essa qualificação nas empresas e melhorar muito o desempenho da administração pública, desburocratizando os seus procedimentos, requalificando o pessoal e implementando uma avaliação eficaz do seu desempenho.

Em simultâneo precisamos de repensar um novo modelo do Estado Social. Sem dramatismos nem demagogias. É necessário manter o Estado Social, mas não este e a funcionar da forma como está. Se não lhe introduzirmos modificações profundas as maiores vítimas serão os mais desfavorecidos da nossa geração e das gerações seguintes. Pior, seremos todos nós e de forma cada vez mais gravosa.

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maio 10, 2004

A Rã e o Preço dos Combustíveis

A polémica sobre o aumento do preço dos combustíveis faz lembrar a história do cientista investigador.

Um cientista estava, no seu laboratório, a investigar a influência das pernas no comportamento da rã.

Gritou: Salta! ... e a rã saltou.

E anotou no seu canhenho: A rã com as duas pernas, salta.

Cortou-lhe então uma perna, voltou a colocá-la na mesa laboratorial e gritou: Salta! ... e a rã saltou.

E anotou, novamente, no seu canhenho: A rã só com uma perna, salta.

Cortou-lhe então a outra perna, voltou a colocá-la na mesa laboratorial e gritou: Salta! ... e a rã nada. Insistiu: Salta! ... e a rã sempre imóvel.

E anotou, finalmente, no seu canhenho: A rã sem nenhuma perna fica surda.

Houve duas ocorrências na sequência da liberalização do mercado dos combustíveis:
1) o progressivo aumento do preço do crude
2) o progressivo aumento do preço dos combustíveis.

O crude é a matéria prima na produção dos combustíveis. O preço destes tem subido à medida que sobe o preço daquele. Há dias, o preço do barril de crude atingiu os 40 dólares, o máximo desde a Guerra do Golfo em 1990. É da ordem natural das coisas que o preço de um bem suba quando sobe o preço da matéria prima da qual ele provém. A Economia está segura e tranquila sobre esta relação.

Mas diversos sectores continuam a ligar o aumento do preço dos combustíveis à liberalização do mercado dos combustíveis. A única ligação segura entre essas duas realidades económicas é a ocorrência temporal. A rã também deixou de obedecer às ordens do cientista depois de ter ficado sem pernas.

Publicado por Joana às 10:00 AM | Comentários (17) | TrackBack

Nem com cão, nem com gato

Em Janeiro escrevi aqui que era «importante salvar a Sorefame, o know-how que ela tem e que se deve pôr a imaginação a funcionar para, no quadro institucional vigente e dentro das obrigações internacionais do país, encontrar uma solução para a manutenção daquela empresa e do seu quadro de efectivos».


Como não frequento a política e me limito a opinar num blog para meu entretenimento pessoal, posso permitir-me banalidades, pois uma afirmação assim, repetida em público e sempre despida de qualquer conteúdo operacional, é uma banalidade. Todavia, Sampaio, o Presidente da República, ao afirmar aos trabalhadores da fábrica da Amadora que o «Governo deve fazer qualquer coisa de decisivo para manter o património industrial da Bombardier ... além disso, é uma actividade industrial de qualidade» não disse apenas uma banalidade. Ao dizê-la na qualidade de PR, tornou-a uma banalidade demagógica.

Não foi certamente por coincidência que, na mesma altura, se anunciava que a CP e a EMEF poderiam assegurar a manutenção da fábrica da Bombardier, na Amadora. A figura que estaria a ser estudada pelos Ministérios da Economia e dos Transportes passaria pelo sector público empresarial assumir a manutenção da produção nas instalações da Amadora. O objectivo do Governo seria «encontrar uma solução que evite a descontinuidade da capacidade instalada de produção de comboios na Amadora e a salvaguarda dos postos de trabalho». E Carlos Tavares, prudentemente, adiantou que «tem de ser uma solução economicamente viável. Não basta ter a empresa, ela tem de vender a alguém».

Ora a EMEF é uma empresa do grupo CP que opera na área da manutenção e reparação de material circulante. Tem uma coisa em comum com a Bombardier – Sorefame: tem problemas de falta de encomendas. Teve outra coisa em comum: Ambas concorreram, em consórcio, à renovação de 57 comboios da linha da Azambuja, e perderam.

A EMEF, com falta de encomendas, arrendou parte das suas oficinas do Entroncamento à Alsthom, justamente quem vencera esse concurso.

A CP, patrona da EMEF, é, como é do conhecimento público, um dos maiores sorvedouros do dinheiro dos contribuintes. A CP foi um case-study da má gestão de uma empresa ferroviária, tendo tido honras de constar do currículo de algumas universidades estrangeiras pelas piores razões possíveis.

Pretende-se salvar a Sorefame pelo know-how que ela tem. Mas o know-how não é algo estático; vive da permanente inovação tecnológica e qualificação dos recursos humanos. Mas a inovação tecnológica não convive com uma cultura empresarial que recusa o risco, que se preocupa mais em proteger aquilo que está instalado do que em substituir aquilo que se tornou obsoleto. Em suma, uma cultura não-empresarial.

«Salvar» a Sorefame atrelando-a à CP faria com que o know-how actual se tornasse, pouco a pouco, obsoleto. Não se salvaria o know-how, pois este desapareceria, e a manutenção dos postos de trabalho só seria assegurada desviando fundos de projectos mais viáveis e inovadores, para os enterrar num poço sem fundo. Ou seja, aquilo que os governos portugueses mais têm feito nas últimas décadas.

É fácil dizer que se «deve fazer qualquer coisa de decisivo»: Qualquer um de nós sabe dizer isto, desde que dotado de fala. O que é difícil é fazer algo «decisivo» e «economicamente viável». O PR caiu na banalidade demagógica. É grave, mas não se espera do PR que decida coisas. É grave apenas, porque se esperaria que o PR revelasse algum bom senso e contenção.

Mas o governo não pode (ou não devia) cair na armadilha das promessas demagógicas. Porque é ao governo que cabe decidir, e as decisões do governo têm reflexo no bolso dos contribuintes. O governo não pode estar a criar mais elefantes brancos à custa dos contribuintes. Uma das mais importantes promessas eleitorais, que aliás tem constituído um refrão dos sucessivos governos desde a adesão à UE, foi a de «menos Estado e melhor Estado». As sucessivas incompetências governativas têm impedido o «melhor Estado». Que a demagogia não nos retroceda para «mais Estado».

Diz-se que quem não tem cão caça com gato. Mas isso é válido para quem sabe caçar. Quem não sabe caçar, não vale a pena tentar caçar nem com cão, nem, muito menos, com o gato.

Publicado por Joana às 09:42 AM | Comentários (8) | TrackBack

abril 14, 2004

ANTRAM queixa-se da Mão Invisível

ANTRAM fez saber que vai apresentar uma queixa à Comissão Europeia, esta semana, condenando o aumento dos preços desde a liberalização do mercado, que ocorreu em Janeiro deste ano.

O protesto da associação é baseado num estudo efectuado por esta, no qual conclui que os custos dos transportadores agravaram-se em cerca de dez milhões de euros por mês desde a liberalização dos preços dos combustíveis. A ANTRAM vai alertar Bruxelas para o facto dos «preços praticados nos postos das três principais petrolíferas serem iguais e variarem sempre em sintonia quando seria expectável que fossem diferentes de empresa para empresa».

A ANTRAM não vai queixar-se do governo português. Afinal, a única intervenção governamental foi o estabelecimento da ecotaxa para o Fundo Florestal Permanente. O governo português deixou de ter controlo nos preços dos combustíveis (excepto por via indirecta, reduzindo ou aumentando os impostos sobre os combustíveis).

A ANTRAM não vai queixar-se das empresas petrolíferas. É certo que detectou que os preços variavam sempre em sintonia. Mas como o preço do crude está, em certa medida, regulado pelo cartel da OPEP através das decisões deste sobre as quantidades produzidas, quando o crude aumenta, seria lógico que todas as petrolíferas aumentassem os seus preços em proporção similar, ou seja, que variassem em sintonia. Certamente será isso que as filiadas da ANTRAM fazem quando variam os preços dos seus factores de produção: salários, combustíveis, veículos, etc.. Também variam em sintonia.

Todavia, a ANTRAM esperava que tal não acontecesse no seu mercado de factores. Assim sendo, a ANTRAM vai queixar-se, em Bruxelas, da Teoria Económica: queixar-se das funções de produção, queixar-se da teoria da utilidade e das curvas de indiferença, em suma, queixar-se da lógica do mercado ... quando são os outros a segui-la ...

Muitas empresas portuguesas habituadas a viverem desde longa data sob o aconchego da protecção estatal com as vantagens que essa protecção tem (para elas) e desvantagens que essa protecção tem (para a sociedade em geral e o consumidor em particular) têm dificuldade em adaptar-se às regras do mercado, excepto quando estas as favorecem.

Publicado por Joana às 09:50 PM | Comentários (53) | TrackBack

abril 12, 2004

O Gestor, o Político e o Tonto

Ou o Western spaghetti em versão TAP

Fernando Pinto conseguiu, apesar de uma conjuntura muito negativa (o 11 de Setembro, e o medo que esse atentado gerou nas viagens aéreas, as guerras no Afeganistão e no Iraque, o aumento da ameaça terrorista e a recessão económica, portuguesa e mundial), que a TAP fechasse o exercício de 2003 com resultados operacionais positivos.

E os resultados foram positivos quer se entre ou não com os resultados extraordinários, fruto da anulação de provisões. A TAP passou de 100 ou 120 milhões de euros de prejuízo para resultados positivos em 3 anos. Enquanto a TAP, anteriormente condenada à falência ou à venda ao desbarato, se tornava lucrativa, a maioria das companhias aéreas enfrentava situações difíceis. Ironicamente foi a Swissair, cuja parceria estratégica com a TAP iria permitir a salvação desta, que faliu entretanto.

Fernando Pinto deu, há semanas, uma entrevista à RR, conduzida por JM Fernandes e Graça Franco, onde se revelou um gestor de corpo inteiro: disse o que tinha relevo para a função que exerce, iludiu o que era matéria política, que não foi para isso que o contrataram, e mostrou ao longo de toda a entrevista um completo conhecimento do negócio, uma visão organizativa e estratégica exemplar.

Fernando Pinto, a avaliar pela entrevista, conseguiu os resultados na TAP apostando na participação dos trabalhadores e, acima de tudo, na sua capacidade de transmitir uma mensagem clara, com conteúdo estratégico e que foi compreendida. Não o fez com falsas demagogias: negociou saídas e reduziu em 700 os efectivos da empresa. Simultaneamente aumentou o número de voos por avião, ao criar a placa giratória em Lisboa e ao mudar o perfil das vendas. Com estas medidas, e apesar da redução do pessoal, fez crescer as operações da TAP em cerca de 35%.

Com a sua gestão, a TAP reduziu, nos últimos dois anos, o endividamento em 220 milhões. Entretanto, a TAP já entregou ao Estado, em impostos, mais do que havia recebido deste, como ajuda, em 1997 (928 milhões contra 900 milhões de euros).

Cardoso e Cunha, depois das tiradas pessimistas durante a fase do encerramento do exercício e apuramento de resultados, entrou num período claramente optimista. Em entrevista ao «Diário Económico», Cardoso e Cunha considerou que a TAP vai entrar numa «fase de afirmação, após ter fechado o ciclo de recuperação», e estimou que todas as unidades de negócios da TAP deverão apresentar, em 2004, resultados operativos fortemente positivos, avaliando-os em 46,3 milhões de euros, o dobro do registado em 2003.

Cardoso e Cunha esquece todavia algumas coisas: em primeiro lugar que os resultados de 2003 estavam muito inflacionados por um resultado extraordinário, obviamente de carácter pontual. E esquece ainda, ironicamente, que foi ele próprio que andou a lembrar isso semanas atrás, para moderar o entusiasmo dos que falavam em mais de 20 milhões de euros de resultados positivos. Se a estimativa dos 46,3 milhões de euros fosse correcta, então não seria do dobro, mas de uma a duas dezenas de vezes que os resultados da TAP aumentariam em 2004.

Mas como eu não me esqueci, proponho que aquela previsão só possa ser tomada em consideração se for reiterada depois de 31 de Março de 2005. É que fiquei muito pouco crédula relativamente às previsões de Cardos e Cunha sobre a TAP.

Enquanto isso, um dirigente do Sindicato de Trabalhadores de Aviação e Aeroportos (SITAVA) acusava Cardoso e Cunha de fazer declarações que em nada contribuem para a recuperação da empresa, por este ter revelado que, nos próximos três anos, a empresa pretende reduzir cerca de mil postos de trabalho e sustentando que quem chega à presidência da TAP tem como principal preocupação o despedimento de trabalhadores, «avançando com números que quase parece um totoloto».

Ora existe um plano, que tem sido consensual na TAP, em que esta vai reduzir os seus efectivos a uma média de 350 por ano. Foi isso que a TAP fez nos dois anos anteriores e, provavelmente, será isso que continuará a fazer. Aquela redução anual representa cerca de mil efectivos em 3 anos, o número avançado por Cardoso e Cunha e o totoloto do dirigente sindical.

O SITAVA defende que a recuperação da TAP não deve ser feita através da redução, mas antes com o aumento dos postos de trabalho. Deste modo o SITAVA está em completa dessintonia com a gestão e com o pessoal da TAP, que tem apoiado os planos de reestruturação de Fernando Pinto. Deste modo os trabalhadores das empresas em dificuldades (TAP, Auto-Europa, etc.) continuam a aceitar planos de recuperação à revelia dos sindicatos, enquanto estes pregam no deserto da comunicação social.

Publicado por Joana às 07:40 PM | Comentários (19) | TrackBack

março 12, 2004

O Monstro AdP

As Águas de Portugal e os sistemas multimunicipais de que ela é sempre maioritária (detém no mínimo 51% do respectivo Capital Social) foram criados visando um objectivo que, em princípio, estaria correcto: as Câmaras haviam demonstrado, em muitos dos casos, uma total incompetência na gestão dos serviços de água e saneamento, havendo centenas de ETAR’s que não estavam em funcionamento (algumas nunca tinham chegado a arrancar) por falta de capacidade de exploração e de manutenção dos respectivos serviços. A criação de diversos sistemas detidos maioritariamente por uma entidade com importantes sinergias técnicas e financeiras (basta lembrar que a própria EPAL pertence a este grupo) poderia assegurar gestões mais eficientes desses mesmos sistemas.

E o mesmo processo ocorreu na área dos resíduos sólidos urbanos, onde o braço armado do Estado é a EGF, também parte integrante do grupo IPE Águas de Portugal. Todo este processo teve a chancela do ministro Sócrates que foi o seu principal impulsionador.

Este processo teve, todavia, um pecado original que inicialmente ninguém se terá dado conta. A AdP era tutelada pelo Ministério do Ambiente. São os serviços do Ministério do Ambiente que apreciam as candidaturas de projectos no domínio de águas, saneamento e resíduos sólidos urbanos ao Fundo de Coesão. E, como o povo diz ... a ocasião faz o ladrão. Que pecado ocorreu?

Muitos municípios ou associações municipais que apresentavam candidaturas ao Fundo de Coesão viram-se perante situações em que a alternativa era clara, embora não assumida por escrito: se vocês se integrarem no grupo AdP terão comparticipações a fundo perdido (que poderiam ir de 50% a 85%). Se não ... nós vamos continuara apreciar a vossa candidatura, pedir mais elementos que julguemos pertinentes, e a seguir mais ... e mais ... anos a fio ... até a vossa paciência se esgotar.

Muitos municípios cederam à chantagem. Outros não. A LIPOR não cedeu à chantagem, mas tinha atrás todo o peso político da área do Grande Porto. O mesmo sucedeu com a AMTRES, que também detém um enorme peso demográfico e político. Todavia, os sistemas intermunicipais alentejanos – AMLA, AMALGA, AMCAL e AMAMB – recusaram e estão há alguns anos a mendigar verbas para os seus projectos, verbas que são sistematicamente adiadas, a pretexto que falta qualquer coisa, mais um estudo, ou uma revisão do estudo, ou ....

Inclusivamente a AdP comprou sistemas que tinham sido concessionados a privados, como as águas do Planalto Beirão, antes concessionadas à Luságua.

O entusiasmo dos governantes era enorme. A AdP, há três anos, estava avaliada em mais de dois mil milhões de euros. Como a AdP continuou a operar em monopólio, recebendo avultados financiamentos a fundo perdido do Fundo de Coesão e de outros instrumentos de apoio comunitário, e a crescer através da chantagem aos municípios, seria de esperar que se continuasse a valorizar.

Esta semana veio a público, nos jornais, que, afinal, a empresa vale menos de 500 milhões de euros. Pior, nesse valor estão contabilizados activos de cobrança duvidosa, como dívidas dos municípios (a AdP vende água em alta às Câmaras ou aos SMAS e estes distribuem em baixa aos munícipes a quem cobram as tarifas) e as participações no Brasil, Cabo Verde e Moçambique cujo valor venal actual deve ser muito inferior ao valor com que estão inscritas nos activos da AdP.

Ou seja, daquele monstro, a única área que continua a manter o seu valor será a EPAL. Mas a EPAL já existia antes desta fúria monopolizadora.

Que fazer?

Tem-se falado na hipótese da privatização. Quase todos os agentes económicos que trabalham nesta área torcem o nariz a essa opção. Privatizar a AdP seria entregar aquele quase monopólio, construído à base da chantagem, a um dos tubarões internacionais das águas, que assentaria arraiais em Portugal e traria todo o know-how com ele. As principais, e primeiras, prejudicadas seriam as empresas de engenharia portuguesas que poderiam ver o seu mercado diminuir drasticamente. Mas os empreiteiros de Construção Civil também não ficariam melhor.

Uma outra solução, mais consensual, seria dividir a AdP em unidades mais pequenas, eventualmente de acordo com os sistemas multimunicipais que ela detém maioritariamente, e privatizar faseadamente. Ou privatizar apenas parte do capital social. Ou uma solução composta. Enfim, soluções que facilitassem a entrada de capitais portugueses em condições de vantagem na competição com os tubarões internacionais.

A manutenção da AdP no seu figurino actual só serve para prover importantes cargos a aderentes dos partidos dos sucessivos governos. E também tem o efeito perverso de tentar liquidar os sistemas a que ainda não conseguiu deitar mão, como o continua a fazer, apesar dos protestos dos autarcas.

Há duas legitimidades: 1) os dinheiros devem ser aplicados da forma mais eficiente possível, e a AdP estaria, em princípio, mais vocacionada para essa eficiência que os municípios; 2) os autarcas têm legitimidade de quererem serem eles a definirem a política e as tarifas das águas, saneamento e R.S.U., até porque são eles que serão julgados pelos seus munícipes nas eleições. É todavia possível compaginar estas duas legitimidades desde que haja bom senso e, acima de tudo, ética.

Mas não há qualquer legitimidade para andar há anos a adiar diversos projectos de águas e saneamento, no Alentejo e noutros lugares, porque alguns irredutíveis não cedem à chantagem da tutela do Ambiente.

Publicado por Joana às 07:50 PM | Comentários (6) | TrackBack

março 11, 2004

O Desastre do PIB em 2003

Foi ontem anunciado que a economia nacional se contraiu 0,2% no quarto trimestre do ano passado, em relação aos três meses anteriores. Esta é a segunda quebra consecutiva da variação trimestral do Produto Interno Bruto (PIB), o que significa que Portugal voltou a entrar no que se designa por recessão técnica. Para o conjunto de 2003, a economia caiu 1,3%.

Em termos anuais, a economia caiu 1,3%, muito próximo do pior dos cenários esperados pelo Banco de Portugal, que apontava para uma diminuição máxima do PIB de 1,5%. Esta quebra resultou da evolução da procura interna, que teve uma contribuição de -3,1% para a variação do PIB. Já a procura externa líquida teve um contributo positivo, de 1,8%.

Segundo o INE, esta evolução da procura externa líquida «foi mais positiva do que no ano anterior [de 1,1%], em consequência da aceleração das exportações de bens e serviços e da quebra das importações de bens e serviços». Consequentemente, «a necessidade de financiamento da economia reduziu-se de 5,2% do PIB em 2002 para 2,9% em 2003».

Por outro lado, tudo indica que 2004 será um ano melhor do que 2003 (o que também não é difícil); julgo, todavia, que a retoma será lenta e de pequena amplitude, não só por razões estruturais da nossa economia, mas também porque a conjuntura internacional, nomeadamente a evolução da economia europeia, não parece muito consistente.

Em qualquer dos casos, o desemprego continuará a aumentar. De acordo com os especialistas, só com um crescimento da ordem de 2,5 por cento, é que a economia portuguesa consegue reduzir o desemprego. Acresce que muito do desemprego actual é estrutural, i.e., a menos que haja uma requalificação adequada dessa mão de obra, ela continuará, em grande percentagem, no desemprego. Um estudo recente mostra que a perda salarial no emprego seguinte varia entre 10% a 12% e que 55% dos despedidos nem sequer conseguem obter um novo emprego nos 3 anos seguintes. Esta é a forma perversa como o mercado de emprego repõe a produtividade laboral. E isto devia ser matéria de reflexão para as organizações laborais.

Aliás, é possível que a melhoria da situação económica das empresas tenha de passar por um ajustamento mais acentuado dos salários, ou, se este não vier a ocorrer, por uma maior redução de emprego. Por outro lado, se a retoma for superior ao previsto, eventuais necessidades adicionais de emprego terão que ser provavelmente supridas mais pela imigração do que pela “bolsa de desemprego”, pelas razões acima indicadas. Portanto não é provável que o desemprego diminua no biénio 2004/2005.

Uma melhoria na saúde da nossa economia é o facto do modelo tradicional de crescimento português, assente no aumento da procura interna, se estar a alterar: o fraco crescimento previsto para 2004 resultará de nova redução moderada dessa procura interna; e as exportações de bens e serviços, depois de terem aumentado 3 por cento em 2003, deverão subir acima dos 5,75 em 2004 e dos 7,5 em 2005. Por outro lado, se no cálculo do PIB para os próximos anos fossem excluídos os investimentos e os consumos públicos, a actividade privada revelaria um crescimento de 1,5 por cento este ano e de 3 por cento em 2005. Concretizando, se por um lado há um problema orçamental muito longe de estar resolvido, por outro, "as empresas portuguesas dispõem de capacidade produtiva suficiente para aproveitarem em pleno a recuperação económica internacional".

Se se mantiver a actual política de contenção orçamental e moderação salarial é, paradoxalmente previsível que, ao contrário de 2003, o rendimento disponível das famílias venha a aumentar, fixando-se em 1,5% em termos reais em 2005. Isto porque a nossa inflação tenderá a diminuir e a alinhar pela da zona euro. E como consequência, prevê-se uma nova redução do défice externo.

Fala-se muito da retoma dos EUA e dos efeitos por ela induzidos. De facto, nos últimos meses, a economia americana tem crescido em bom ritmo. Resta saber se será um crescimento sustentável. Os EUA têm enormes défices (o défice externo e o défice público) e terão que resolver essa situação mais tarde ou mais cedo e não se sabe o que os ajustamentos necessários para a sua resolução poderão ocasionar na economia americana. Os EUA têm apostado no abaixamento da taxa de câmbio do dólar para incentivar a sua economia, mas essa política também só é sustentável a curto prazo. Adicionalmente, a subida do câmbio do euro face ao dólar e a outras moedas que acompanham o movimento do dólar tem dificultado que a Europa acompanhe a actual retoma americana.

Os valores portugueses para 2003 são maus, mas reflectem um ciclo a que se tenta por cobro e que vem de trás: Portugal encontra-se, desde 2001 (inclusive), a crescer sempre menos do que a média europeia. E já em 2000 o nosso crescimento foi apenas 0.1 pontos percentuais acima da média europeia, portanto um diferencial praticamente nulo. Comparando com os outros três países da Coesão: Espanha, Irlanda e Grécia, a diferença ainda é mais dramática. E o pior é que, de acordo com o Eurostat, esta situação de divergência de crescimento de Portugal se deverá manter pelo menos até 2005, enquanto os outros três países deverão continuar a crescer acima da média europeia neste período. Esta evolução iniciada em 2000/2001 leva ao empobrecimento relativo da nossa população face aos parceiros europeus, não se vislumbrando um fim para esta situação.

Portanto a questão da retoma não pode ser posta unicamente em termos absolutos, mas principalmente em termos relativos. A retoma terá que ter pujança suficiente para nos fazer recuperar a convergência em termos de crescimento!

E qual a razão porque não se perspectiva que tal venha a suceder? A resposta deve ser procurada nos anos que antecederam a criação da moeda única europeia em 1999. Entre 1995 e 1999, em claro tempo de "vacas gordas" a nível internacional, países houve que preparam as respectivas economias para a nova realidade da adesão ao euro, em que já não seria possível fazer as políticas macroeconómicas tradicionais (monetárias e cambiais), que foram muito utilizadas no passado, quer por Portugal, quer pelos restantes países.

Era, pois, preciso deixar em ordem as contas públicas (efectuar uma verdadeira consolidação orçamental, isto é, feita do lado da despesa) e realizar um conjunto de reformas em sectores essenciais para a competitividade. Ora uma área prioritária refere-se à administração pública (burocracia em geral, morosidade da justiça, fiscalidade excessiva, arbitrária e descontrolada, ensino sem qualidade). E isto sem falar em áreas cuja influência na competitividade na economia é feita por via indirecta (saúde e segurança social, p.ex.) cuja despesa é excessiva face ao serviço que prestam. Portugal necessita de requalificar os seus recursos humanos nestas áreas e a flexibilizar o mercado de trabalho. Nada disto foi feito. Antes pelo contrário, aumentou-se a despesa pública para pagar a ineficiência.

E, todavia, deveria ter sido aproveitada a conjuntura extremamente positiva até 2000, quer pela conjuntura económica internacional, quer pela diminuição dos encargos com a dívida pública em virtude da descida das taxas de juro resultante do alinhamento com as taxas de juro da zona euro, para realizar as reformas necessárias, que preparassem a nossa economia para o novo enquadramento que aí vinha e nos permitisse encarar com confiança os novos desafios. Foi isso que outros fizeram, uns mais cedo, como a Irlanda, outros mais tarde ... e nós nunca.

A questão é que inclusivamente os países da Europa da Leste, que aderirão à União Europeia já em Maio deste ano, se estão a adaptar rapidamente à economia de mercado e ao enquadramento legal adequado ao seu funcionamento, não sendo de admirar que venham a ter elevadas taxas de crescimento, bastante acima da nossa, e que, mais ano menos ano, nos ultrapassem.

Ora, em Portugal foi preciso esperar por 2002, e por uma conjuntura bastante menos favorável, como se sabe, para que alguma coisa começasse a mudar – e, mesmo assim, de forma tímida e inábil

Tem havido acusações sobre se o esforço de contenção orçamental tem ou não tido resultados. A questão que se coloca é que embora, formalmente, o nosso défice se mantenha abaixo dos 3% fatídicos do PEC (2,8% em 2003), se não se recorresse a receitas extraordinárias, o défice público teria atingido cerca de 4,2% do PIB em 2002 e quase 5% no ano passado.

Mas a questão está propositadamente a ser posta de forma viciada: O que é pertinente no que respeita à competitividade e ao desenvolvimento económico sustentado é de saber como se comportou a despesa pública, nomeadamente a despesa primária (isto é, excluindo os juros da dívida pública).

Ora, o que se verificou foi que a despesa primária (corrente e total) teve em 2003 (e a orçamentada para 2004) uma evolução muito mais controlada do que nos anos anteriores. Entre 1996 e 2002 os crescimentos médios anuais da despesa primária situaram-se à volta de 9%, passando agora para crescimentos médios entre 3% e 4%. E isto é que é relevante, pois a consolidação orçamental sustentada é a que é realizada do lado da despesa, porquanto só ela permite descer a carga fiscal, um dos factores com maior impacte ao nível da competitividade. Portanto, não se pode comparar situação actual com o défice de 4,4% do PIB registado em 2001, quando o crescimento da despesa primária (corrente e total) se situou em redor de 9%. O défice de 2001 resultou claramente de um descontrolo de execução orçamental, enquanto o actual resulta do decréscimo de receitas devido à recessão económica.

Tal não significa que a política de contenção orçamental esteja a ser executada com o total discernimento que uma matéria tão delicada merecia, e isto apesar dos elogios europeus. Pina Moura usou, anteontem, para a nossa política orçamental, a imagem da torrente que está a ser contida por um dique: "O Governo tem conseguido fechar a torneira que enche essa represa (contendo a despesa pública) mas não interferiu, de maneira nenhuma, nas fissuras que já mostram essa barragem. Continuamos com o risco de naufrágio",

Mesmo descontando o facto de Pina Moura ter participado no governo que encheu a represa, sou de opinião que ele tem, ainda que parcialmente, razão no que afirma.

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março 09, 2004

O Estranho Caso da TAP

Em 14 de Fevereiro último as fanfarras da comunicação social apregoavam que as previsões da nossa transportadora apontavam para um lucro, no exercício de 2003, da ordem dos 12 milhões de euros, enquanto que, no exercício de 2002, a TAP havia registado um prejuízo de seis milhões de euros. A transportadora aérea regressaria assim aos lucros depois de quatro anos de prejuízos. Um feito de Fernando Pinto!

Todavia, o presidente da «holding» da TAP, Cardoso e Cunha, tinha admitido no início de Dezembro a possibilidade de a empresa chegar ao final do ano com resultados líquidos positivos recorrendo a operações de «engenharia financeira». «Não é vergonha nenhuma utilizar métodos contabilísticos para obter estes resultados, desde que as alterações sejam aceites pelos auditores», afirmara. Na mesma linha, o brasileiro Fernando Pinto, presidente-executivo da TAP, também dera a entender que contaria com resultados extraordinários para melhorar o desempenho da companhia aérea portuguesa.

Era o caso, nomeadamente, de cerca de 18 milhões de provisões para pagamento de impostos no Brasil que não foram necessários devido à celebração de um acordo com Portugal/Brasil para evitar a dupla tributação nos dois países. Afinal o feito estava longe de ser retumbante! Se não houvesse a anulação das provisões continuaria a haver o fatídico prejuízo de seis milhões de euros.

Uma semana depois, em finais de Fevereiro, uma informação disponibilizada para a imprensa sobre as contas da TAP deixava perceber que a transportadora teria tido 25 milhões de euros de lucro. O país rejubilava. Já não havia dúvidas, era um feito de Fernando Pinto!

Agora, em 9 de Março, em declarações ao «Jornal de Negócios», Cardoso e Cunha diz que não viu, nem aprovou quaisquer contas finais, pelo que a difusão de pretensos resultados de 2003 é entendida como um acto hostil à TAP (?!). Dizer que houve lucros é um acto hostil? Talvez ... na realidade uma empresa pública com lucros destoaria do panorama das empresas públicas e indignaria todos os restantes gestores públicos. Seria clara e indubitavelmente um atropelo às regras de convivência e de sã camaradagem entre os gestores públicos.

Aliás, em entrevista concedida no início do ano, dizia Cardoso e Cunha: «Este accionista (o Estado) está inibido, juridicamente, de desempenhar as suas funções de accionista. Portanto, tenho um accionista que não só é desatento, como é inerte. Quando houver um problema (…) eu já sei que dali não espero nenhuma espécie de apoio». É verdade que a legislação comunitária impede ajudas financeiras à TAP por parte do Estado. Mas será que, para Cardoso e Cunha, as funções de accionista se resumem a ajudar financeiramente a empresa de que detém acções? Se essa tese prevalecer, o crash da bolsa fica iminente. Quem quererá deter acções quando sabe que, a menos que adquira o estatuto de desatento e inerte, terá que subsidiar a respectiva empresa?

Nessa mesma entrevista, um ano depois de ter merecido a confiança do Governo para remodelar a gestão da companhia, o balanço de Cardoso e Cunha era apocalíptico: «A TAP tem aviões que cheguem; tem pilotos a mais, tem hospedeiras a mais, tem engenheiros a mais, tem contabilistas a mais. Tem tudo a mais, menos dinheiro». Afinal a gestão de Fernando Pinto parecia ser um desastre!

Portanto, recapitulando, visto que esta história parece confusa: Em Dezembro do ano passado havia a possibilidade de a empresa chegar ao final do ano com resultados líquidos positivos recorrendo embora a operações de «engenharia financeira». No início do ano a situação era, pelo contrário, desastrosa. Em Fevereiro as previsões apontavam entretanto para um lucro, em 2003, da ordem dos 12 milhões de euros. A esperança despontava. Uma semana depois havia uma indicação que a TAP teria tido 25 milhões de euros de lucros. Era o júbilo. Agora, em 9 de Março, Cardoso e Cunha diz que não viu, nem aprovou quaisquer contas finais, pelo que a difusão de pretensos resultados ... é o desalento!

Afinal em que ficamos? A «engenharia financeira» está a falhar? Será «engenharia financeira» ou apenas o consabido e rasca «martelanço das contas»? Ou será apenas uma tentativa de ajuste de contas entre Cardoso e Cunha e Fernando Pinto (aquele que o actual Governo considerou na altura um oportunista, um “brasileiro espertalhão” que veio para cá ganhar um salário milionário) ?

O Conselho de Administração da TAP, que está a discutir alianças com parceiros de dimensão mundial, já adiou por duas vezes a discussão e aprovação das contas de 2003. Por sua vez, Governo a suspendeu novamente, sine die, a privatização.

Está tudo à espera ou da «engenharia financeira», ou do «martelanço das contas», ou do resultado da luta de titãs, entre Cardoso e Cunha e Fernando Pinto.

E a TAP a voar em círculos, à espera de saber como e onde aterrar.

Espero que tenha combustível suficiente ...

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fevereiro 19, 2004

História Trágico-Marítima

Portugal assemelha-se a um navio que se está a afundar, com um rombo no casco, onde, face à água a entrar em catadupas, as chefias da tripulação, em vez de tomarem medidas eficazes para consertarem o rombo, discutem as causas do rombo, discordam interminavelmente acerca da forma como está a ser medido o caudal de água que penetra pelo rombo, gesticulam irados pela quantidade de madeira e pregos que outros dizem serem necessários para o arranjo, confrontam-se sobre a calendarização do eventual remendo a efectuar, que materiais e mão de obra se devem utilizar, o tipo de calafetagem, etc., e a água sempre a entrar ... a entrar, inexoravelmente. Alguns, como o PC e o BE, acham mesmo que a causa de haver o rombo é a existência do casco. Se não houvesse casco, o conceito de rombo não teria cabimento – logo, elimine-se o casco: Não temos trabalho a remendar o casco e há água para todos em abundância. As bóias e os coletes salva-vidas hão de aparecer.

E os tripulantes, que pensarão?

Foi recentemente efectuada uma sondagem, feita pela Universidade Católica, no âmbito do programa «Prós e Contras» da RTP, que é muito curiosa.

A primeira questão respeita aos sacrifícios que a política de combate ao défice está a induzir. Questionados sobre se tais sacrifícios valem ou não a pena, 53% dos inquiridos responderam que sim e 36% que não. Ora esta resposta é muito significativa e isto porque:

- O combate ao défice pelo governo tem sido feito, com tenacidade e furor público, mas com pouca competência;
- As medidas restritivas que acompanham esse combate foram tomadas numa conjuntura extremamente desfavorável, o que potenciou os efeitos negativos no que toca ao rendimento disponível das famílias (por exemplo, o congelamento bienal salarial na Função Pública);
- Esses dois factores agravaram substancialmente o desemprego e o poder de compra da população;
- Tem sido feita uma campanha demagógica contra a política governamental, não a propósito da sua medíocre qualidade técnica, mas a pretexto dos cortes e das restrições orçamentais;
- O governo tem revelado uma notável inabilidade política em explicar o que anda a fazer.

Tudo isto levaria a pensar que os inquiridos teriam uma postura crítica mais acentuada e muito menos favorável à tese dos «sacrifícios necessários»
Ora o que aquela resposta indicia é a existência, no nosso país, da opinião que os ajustamentos económicos e sociais que Portugal tem que fazer e os respectivos custos são necessários e indispensáveis. Isto é, a população prefere uma estratégia de médio e longo prazo em detrimento do facilitismo de curto prazo. Ou seja, os líderes políticos e sindicais que protestam e algum pessoal que acompanha esse protesto, faz greves, manifesta-se, etc., são claramente minoritários.

Uma outra questão incidia sobre como os políticos se devem comportar face à situação actual. Neste caso, a sondagem indicava que 46% dos inquiridos eram favoráveis a um pacto inter-partidário sobre as finanças públicas e apenas 6% o achavam mau para a economia. Ou seja, grande parte do eleitorado da oposição, nomeadamente do PS, entendia que as dificuldades relativas à consolidação orçamental, exigiam uma resposta que devia congregar uma maioria significativa do actual espectro político e que, para essa união de esforços, um pacto inter-partidário constituiria um primeiro e indispensável instrumento.

Ora no que toca a esta matéria, o que se tem visto é a descida do Maelstrom dos líderes políticos portugueses.

Logo que abriu a actual legislatura o PS adoptou a táctica da chicana e terrorismo parlamentar, sem ter qualquer pudor pelo estado em que tinha deixado o país. O governo retorquiu com a tese do país de tanga. A partir daí as posições extremaram-se e as pontes foram cortadas. Os partidos sentiram-se com legítimas razões de queixa e contas a ajustar. O PS não perdoava as entradas de Durão Barroso, o discurso da tanga e do peso do passado e o Governo a oposição sistemática do PS e a falta de sintonia nas grandes questões de Estado, desde a revisão constitucional às grandes reformas.

O governo enveredou por uma política que, em termos de estratégia que enunciou, está certa. Mas que, em termos das medidas que tem aplicado e da legislação que tem produzido, é insuficiente, inábil, tardia e, em alguns dos casos, erra o alvo. A oposição enveredou por uma chicana política sórdida, contestando tudo de uma forma demagógica, aproveitando o facto das medidas restritivas serem, normalmente, impopulares, porque bulem com regalias e rendimentos disponíveis.

Há tempos o PR fez um apelo ao entendimento dos principais partidos sobre o controlo orçamental. Logo a seguir, personalidades de diversos quadrantes fizeram idêntico apelo. Na sessão seguinte, na AR, foi uma pantomina parlamentar que se passou. Um deputado da maioria propôs um consenso para uma estratégia conjunta, a médio e longo prazo, sobre finanças públicas, relativo a um conjunto de medidas que, aliás, faziam parte das 50 medidas propostas por Pina Moura em Junho de 2001, nos finais do guterrismo, quando se avizinhava a borrasca em que então ninguém entre as hostes socialistas (exceptuando Pina Moura e o Ecordep) acreditava, tal era a anestesia propinada pelo Guterres.

O PS avançou, em contrapartida, um conjunto de propostas para a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, como se o prioritário fosse discutir um assunto cuja sede de resolução (e mesmo de agendamento) não é a AR, mas sim Bruxelas. Relativamente à proposta da maioria, O PS votou favoravelmente três pontos, absteve-se noutros e votou contra o diploma na generalidade. Tudo inútil, portanto.

Pina Moura, favorável ao consenso (aliás, as medidas propostas, também o haviam sido por ele, no anterior governo), foi encostado à parede: «Ou estás connosco ou estás com eles», foi-lhe dito. Em 2001 foi demitido, agora apenas ostracizado. A actual direcção socialista acha que, ao votar propostas da maioria, está a degradar a sua capacidade de ser oposição e a legitimar políticas anti-populares o que poderia levar a que os eleitores se distanciassem do PS na próxima refrega eleitoral. Portanto, o PS não está disponível, apesar da abertura para o debate, para se comprometer com as consequências do consenso.

Quer isto dizer que, se e quando voltar a ser governo, o PS vai demitir-se de prosseguir políticas de reforma do Estado, que contribuam para o aumento da sua eficiência e maior controlo da despesa? Não é possível. Quando voltar a ser governo o PS vai, como depois será acusado pelo BE e PC, meter «o socialismo na gaveta». Não há alternativa à política de restrição, nem as benesses encontradas pelo governo de Guterres (descida abissal das taxas de juro, pela adesão ao euro e receitas do IVA geradas pelo faça agora – as SCUT’s – e pague depois) se poderão repetir.

Qualquer governo que suceda a este terá que ter uma estratégia financeira semelhante à do actual. Poderá executá-la com maior (ou menor) competência e habilidade, mas continuará a ser uma política restritiva a nível salarial e da despesa pública corrente.

Poderá é não ser fácil fazer essa política sem dispor do apoio da oposição num conjunto de princípios mínimos. Isto é, fazerem-lhe o mesmo que o PS faz actualmente ao governo.

Se não houver inversão das actuais posturas políticas, o melhor para os tripulantes do navio Portugal é apressarem-se a vestir os coletes salva-vidas, a enfiarem as bóias e esperar que com a estadia na água não sobrevenha a hipotermia.

Publicado por Joana às 09:44 PM | Comentários (23) | TrackBack

fevereiro 16, 2004

Espanha e Portugal

Os meios de comunicação portugueses têm sido percorridos nestes últimos tempos pelo espectro do iberismo.

A Espanha estará a comprar Portugal? Essa aquisição não será a primeira fase da anexação? E que tal uma jogada de antecipação e pedirmos nós a incorporação no Reino da Espanha? E se selarmos essa união com o matrimónio de Filipe VI com Ana Sá Lopes (ela já lançou a escada ...) que, pelo menos, não corre o risco de despertar qualquer emoção estética a algum pintor estival?

José Manuel de Mello, que liderava a CUF antes do 25 de Abril, e que viveu a sua vida empresarial espojado nas delícias de Cápua da protecção do Estado Novo, encostado ao regime, ao abrigo da imprensa, das greves, dos sindicatos e da concorrência graças à Lei do Condicionamento Industrial que lhe facilitava um mercado monopolista, alargado ainda às colónias, está muito pessimista quanto ao futuro de Portugal. Não vê saída para os portugueses - «talvez sermos arrumadores de carros», diz - e defende que «devíamos dividir Portugal em duas ou três regiões e juntarmo-nos rapidamente à Espanha».

Alguns opinion makers interrogam-se angustiados: Será Portugal viável? Poderemos continuar a ser independentes?

Mas que se passará no nosso país, para esta celeuma? Celeuma que, felizmente, não sai do âmbito dos meios de jornais que serão comprados por menos de 10% da população, lidos por 2 ou 3% e compreendidos por menos de 1%.

Quais seriam as nossas probabilidades de sobrevivência nacional em 1383, perante a legitimidade dinástica de um poderoso rei estrangeiro, apoiado por parte significativa da nobreza portuguesa, émula de José Manuel de Mello? 20%? 30%? Nessa época não havia ainda corretores para sabermos a nossa posição no mercado de apostas. Todavia sobrevivemos e inaugurámos uma época de prosperidade e expansão que nos colocou de forma duradoura na História Universal.

E quando proclamámos a restauração da independência, em 1640, sem exército, sem marinha de guerra, sem tesouro público, face à principal potência militar da Europa continental? Que probabilidades de sobrevivência nacional teríamos? 10%? 5%? Provavelmente menos, pois logo que fez a paz com a Espanha, Mazarino nem quis saber de incluir Portugal no Tratado dos Pirinéus. Portugal era apenas um sítio dispensável, um ninho de irresponsáveis condenados à anexação, que só tinham valia para incomodarem a Espanha enquanto durasse a guerra com a França. Todavia sobrevivemos e mantivemos a parte mais significativa do nosso domínio colonial.

Foi no início do século XIX que uma série de ocorrências aproximaram Portugal e Espanha pois as violentas invasões francesas destruíram muitos dos valores tradicionais criados durante séculos e é neste quadro que se compreende a cumplicidade quer entre os liberais quer entre os absolutistas de ambos países: as guerras civis desta época são vividas em Espanha e Portugal como fenómenos ligados.

Por sua vez, e face à decadência dos povos peninsulares, ganha força a ideia de que só uma união ibérica permitiria fortalecer a Península frente ao poderio cada vez mais evidente das outras nações europeias. Vivia-se então a ilusão de um darwinismo dos países, em que os maiores devorariam, inexoravelmente, os mais pequenos. E era um facto que, na Europa da segunda metade do século XIX, se exceptuarmos Portugal, Países Baixos, Dinamarca e Suiça, só havia grandes potências. Diversos intelectuais portugueses (e espanhois) comungaram destas ideias (Geração de 70, por exemplo - Antero Quental propõe em 1872, para a península ibérica, uma federação republicano-democrática, Oliveira Martins avança com as ideias sobre a reconstrução federativa, etc.).

O iberismo tem estado sempre ligado a uma crise de valores e de identidade. Portugal, no século XIX, depois da secessão do Brasil e das violentas guerras civis, ficou numa situação muito fragilizada, política e economicamente. A melhoria económica e social do último quartel do século XIX e o renascer da expansão colonial nos finais desse século permitiu, senão resolver a crise de valores, pelo menos colocá-la num nível diferente para o qual o iberismo era irrelevante e a identidade nacional muito vivaz.

O “iberismo” do início deste milénio está igualmente ligado a uma crise de valores, mas não de identidade. Há a convicção na sociedade civil da incapacidade da classe política em nos governar satisfatoriamente e dos impasses e estrangulamentos sociais existentes em todo o tecido social e produtivo português. Essa crise de valores agravou-se sobremaneira pela crise financeira e pela sensação de que não seremos capazes de sair dela: o governo não tem coragem política, a oposição está presa de concepções retrógradas e não constitui alternativa viável, o empresariado é, numa percentagem significativa, pouco competente e tenta resolver a sua incapacidade de gestão pelo recurso a métodos autoritários, os sindicatos continuam a ver a relação trabalhador-empresário em termos de luta de classes obstinada e sem tréguas, o trabalhador português que, no estrangeiro, subtraído ao enquadramento sindical e à gestão deficiente pública e privada, trabalha disciplinadamente e com competência, em Portugal tem escassa produtividade e pouca disciplina, etc..

A reunião do Beato mostrou, porém, um conjunto de empresários e gestores portugueses de uma geração que não viveu das prebendas do anterior regime nem foi traumatizada pela revolução de Abril. Uma andorinha não faz a primavera e, para além destes empresários e gestores de ideias modernas e arejadas, ainda há uma larga maioria de empresários pouco preparados e com concepções retrógradas. Mas este movimento pode ser um núcleo dinamizador do tecido empresarial português. Não foi certamente por acaso que o nome que serviu de epígrafe à reunião foi «Compromisso Portugal». Constituiu igualmente uma tomada de posição face à descrença de alguns portugueses perante a alegada invasão espanhola. Foi principalmente o assumir público da ideia que se a Espanha constitui uma ameaça, também constitui uma oportunidade e que aproveitar essa oportunidade depende exclusivamente de nós. E ainda que a viabilidade como país depende de nós e que ninguém nos governará melhor que nós próprios, por muito mal que nos governemos.

Não me parece que a actual crise de valores constitua igualmente uma crise de identidade. Portugal tem nove séculos de história, tem uma forte identidade nacional, homogeneidade linguística e a nossa língua é o quinto idioma mais falado no mundo. Isso são valores que estão bem alicerçados na nossa consciência colectiva. São valores que julgamos em crise quando ouvimos algum chiste sobre a nossa inviabilidade como Estado. Mas são apenas chistes. A experiência da nossa existência como nação multi-secular mostra que é exactamente quando sentimos em risco a nossa identidade nacional que nos unimos e que opomos uma resistência inamovível à perda dessa identidade.

Queria apenas terminar com a transcrição da parte final de um belíssimo e notável texto do Eça, «A Catástrofe», muito apropriado a esta problemática, publicado no fim do «Conde d’Abranhos»»:

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Dias amargos! Todos os meus cabelos encaneceram.
E pensar que durante anos nos podíamos ter preparado! E pensar que, à maneira da Inglaterra, podíamos ter criado corpos de voluntários, fazendo de cada cidadão um soldado, e preparando assim, de antemão, um grande exército nacional de defesa, armado, equipado, enérgico e tendo recebido, no hábito da disciplina, o orgulho da farda...
Mas de que vale agora pensar no que se podia ter feito!.. O nosso grande mal foi o abatimento, a inércia em que tinham caído as almas! Houve ainda algum tempo em que se atribuiu todo o mal ao Governo! Acusação grotesca que ninguém hoje ousaria repetir.
Os Governos! Podiam ter criado, é certo, mais artilharia, mais ambulâncias; mas o que eles não podiam criar era uma alma enérgica ao País! Tínhamos caído numa indiferença, num cepticismo imbecil, num desdém de toda a ideia, numa repugnância de todo o esforço, numa anulação de toda a vontade... Estávamos caquéticos! O Governo, a Constituição, a própria Carta tão escarnecida, dera-nos tudo o que nos podia dar: uma liberdade ampla. Era ao abrigo dessa liberdade que a Pátria, a massa dos portugueses tinha o dever de tornar o seu País próspero, vivo, forte, digno da independência. O Governo! O País esperava dele aquilo que devia tirar de si mesmo, pedindo ao Governo que fizesse tudo o que lhe competia a ele mesmo fazer!... Queria que o Governo lhe arroteasse as terras, que o Governo criasse a sua indústria, que o Governo escrevesse os seus livros, que o Governo alimentasse os seus filhos, que o Governo erguesse os seus edifícios, que o Governo lhe desse a ideia do seu Deus!
Sempre o Governo! O Governo devia ser o agricultor, o industrial, o comerciante, o filósofo, o sacerdote, o pintor, o arquitecto – tudo! Quando um país abdica assim nas mãos dum governo toda a sua iniciativa, e cruza os braços esperando que a civilização lhe cai feita das secretarias, como a luz lhe vem do Sol, esse país está mal: as almas perdem o vigor, os braços perdem o hábito do trabalho, a consciência perde a regra, o cérebro perde a acção. E como o governo lá está para fazer tudo – o país estira-se ao sol e acomoda-se para dormir. Mas, quando acorda – é como nós acordámos com uma sentinela estrangeira à porta do Arsenal!
Ah! Se nós tivéssemos sabido!
Mas sabemos agora! Esta cidade, hoje, parece outra. Já não é aquela multidão abatida e fúnebre, apinhada no Rossio, nas vésperas da catástrofe. Hoje, vê-se nas atitudes, nos modos, uma decisão. Cada olhar brilha dum fogo contido, mas valente; e os peitos levantam-se como se verdadeiramente contivessem um coração! Já não se vê pela cidade aquela vadiagem torpe: cada um tem a ocupação dum alto dever a cumprir.
As mulheres parecem ter sentido a sua responsabilidade, e são mães, porque têm o dever de preparar cidadãos. Agora trabalhamos. Agora, lemos a nossa história, e as próprias fachadas das casas já não têm aquela feição estúpida de faces sem ideias, porque, agora, por trás da cada vidraça, se pressente uma família unida, organizando-se fortemente.
Por mim, todos os dias levo os meus filhos à janela, tomo-os sobre os joelhos e mostro-lhes a SENTINELA! Mostro-lha, passeando devagar, de guarita em guarita, na sombra que faz o edifício ao cálido sol de Julho e embebo-os do horror, do ódio daquele soldado estrangeiro...
Conto-lhes então os detalhes da invasão, as desgraças, os episódios temerosos, os capítulos sanguinolentos da sinistra história... Depois aponto-lhes o futuro – e faço-lhes desejar ardentemente o dia em que, desta casa que habitam, desta janela, vejam, sobre a terra de Portugal, passear outra vez uma sentinela portuguesa! E, para isso, mostro-lhes o caminho seguro – aquele que nós devíamos ter seguido: trabalhar, crer, e, sendo pequenos pelo território, sermos grandes pela actividade, pela liberdade, pela ciência, pela coragem, pela força de alma... E acostumo-os a amar a Pátria, em vez de a desprezarem, como nós fizéramos outrora.
Como me lembro! íamos para os cafés, para o Grémio, traçar a perna, e entre duas fumaças, dizer indolentemente:
– Isto é uma choldra! Isto está perdido! Isto está aqui, está nas mãos dos outros!...
E em lugar de nos esforçarmos por salvar "isto" pedíamos mais conhaque e partíamos para o lupanar.
Ah! geração covarde, foste bem castigada!...
Mas agora, esta geração nova é doutra gente. Esta já não diz que "isto" está perdido: cala-se e espera; se não está animada, está concentrada...
E depois, nem tudo são tristezas: também temos as nossas festas! E para festa, tudo nos serve: o 1º de Dezembro, a outorga da Carta, o 24 de Julho, qualquer coisa, contando que celebre uma data nacional. Não em público – ainda o não podemos fazer – mas cada um na sua casa, à sua mesa. Nesses dias colocam-se mais flores nos vasos, decora-se o lustre com verduras, põe –se em evidência a linda velha Bandeira, as Quinas de que sorríamos e que hoje nos enternecem – e depois, todos em família cantamos em surdina, para não cha mar a atenção dos espias, o velho hino, o Hino da Carta... E faz-se uma grande saúde a um futuro melhor!
E há uma consolação, uma alegria íntima, em pensar que à mesma hora, por quase todos os prédios da cidade, a geração que se prepara está celebrando, no mistério das suas salas, dum mundo quase religioso, as antigas festas da Pátria!

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Gostaria que todos reflectíssemos sobre este trecho

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fevereiro 12, 2004

O Regresso do Sisa Ligeiro

O actual presidente da Agência Portuguesa para o Investimento e antigo ministro das Finanças do governo de Cavaco Silva continua igual a ele próprio.

Cadilhe tem uma enorme confiança em si mesmo e no que faz, e é extremamente céptico relativamente ao resto. Quando Medina Carreira, sempre curioso, perguntou como é que a DGCI ia apurar o rendimento real dos contribuintes, após a reforma fiscal de 1989, Cadilhe respondeu-lhe convincente e confiante: “cruzam-se os dados com a informática, e pronto!”. O “pronto”, 15 anos e diversos ministros das Finanças depois, ainda não chegou.

O seu comportamento perante as obrigações fiscais, como a sisa, ficaram célebres. Mais notável foi a forma como, durante o seu ministério, foi alterando o regime da sisa, e das respectivas isenções, ao sabor das suas próprias transacções imobiliárias: compras, vendas, permutas, etc..

Esta sua actuação valeu-lhe o cognome de Sisa Ligeiro, por comparação com o seu conterrâneo Siza Vieira.

Recentemente declarou que Portugal não tinha meios para projectos como a Expo'98, o Porto Capital da Cultura e o Euro 2004. Ora é de um extremo mau gosto um detentor de um cargo público produzir afirmações destas sobre eventos já passados ou à beira de ocorrerem, com os investimentos já realizados. E de um gosto ainda mais duvidoso, no caso de Cadilhe, que deu o seu beneplácito à obra que, depois de Santa Engrácia, é o mais lídimo símbolo da dificuldade portuguesa de planear obras públicas e executá-las dentro dos prazos e custos orçamentados: o CCB.

O CCB foi feito da forma mais atrabiliária, sem respeito por planeamentos e controlo de custos, e constituiu provavelmente a maior derrapagem de custos vista em obras públicas portuguesas.

Em contrapartida a Expo'98, e refiro-me apenas à área de intervenção do Departamento da Construção, realizou-se nos prazos previstos e sem derrapagem orçamental significativa. Os excessos orçamentais no âmbito da Expo'98 referem-se à Gare do Oriente, gerida autonomamente, (derrapagens provocadas principalmente pelas indecisões e incompetência da CP e por se ter escolhido uma prima-dona como arquitecto, o Calatrava) e aos eventos, alugueres de barcos, etc., geridos por uma caterva de boys (e girls) postos lá por compadrio político.

O Porto Capital da Cultura era um evento necessário. O que ocorreu foi o que é habitual actualmente na região do Porto. Os seus líderes são muito unidos a pedirem fundos mas, após os receberem, desentendem-se, cada um tem uma ideia diferente e contraditória, entram em guerras uns com os outros e não é possível, com essa postura, fazer uma obra respeitando prazos e custos. Há inúmeros exemplos de situações destas que poderia citar. Mas esta é uma questão de líderes que cabe às gentes do Porto resolver e estou certa que, mais ano menos ano, resolverão.

O Euro 2004 pode ter sido uma opção errada, quando foi lançada a candidatura. Mas foi uma opção tomada há alguns anos e não é agora altura de a pôr em dúvida. Agora, o que há a fazer é tentar extrair desse evento os maiores benefícios possíveis. E os benefícios de um evento como o Euro 2004 não podem ser medidos apenas pelas receitas directas. Essas interessam aos promotores. No caso do Estado, parte substancial dos fundos que entregou, recebeu-os de volta através do IVA. Existem todavia muitos outros benefícios, as chamadas externalidades, que se dirigem a toda a comunidade: turismo, restauração, maior conhecimento do país com reflexos futuros em torná-lo atractivo em diversas vertentes, etc.. Cabe à sociedade civil organizar-se para as aproveitar, mas cabe igualmente ao Estado um papel importante, criando as melhores condições para que tal ocorra.

E por falar no papel do Estado, continuo extremamente curiosa sobre o que é que a Agência Portuguesa para o Investimento tem feito para atrair o investimento para o nosso país e para proporcionar à sociedade civil um enquadramento que favoreça o investimento nacional. Até agora não vi nada. E foi para gerir essa Agência que Cadilhe foi convidado e não para ser profeta da desgraça ou para proferir publicamente dislates que apenas visam aumentar a confusão em que o país vive.

Quando a Agência Portuguesa para o Investimento foi criada e a sua sede posta no Porto por exigência de Cadilhe, diversos investidores estrangeiros queixaram-se que pôr a API fora de Lisboa não seria o mais adequado. Espero sinceramente que a acção (ou a inacção) do ex-ministro Cadilhe não venha a dar razão a esses investidores. Embora neste caso, não será a localização no Porto que estará em causa, mas a gestão do ex-ministro Cadilhe.

Mas se actuação do ex-ministro Cadilhe a chefiar a API tem sido decepcionante e apagada, outro tanto não se dirá da sua intervenção pública. Cadilhe não fala sobre as tarefas de que foi encarregado, mas fala muito e é de uma total incontinência verbal sobre as outras matérias. Agora pretende que a Agência Europeia de Segurança Marítima, atribuída a Portugal pela União Europeia, deva ficar fora de Lisboa, noutra cidade costeira que tenha um porto e uma universidade.

Se for para lhe acontecer o mesmo que à API, não me parece, obviamente, uma boa ideia. Já há um precedente até agora muito negativo. E esse precedente foi justamente criado pelo ex-ministro Cadilhe.

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fevereiro 11, 2004

Compromisso Portugal

Um grupo de individualidades, empresários e gestores, reuniu-se ontem, no Convento do Beato, sob o tema «Compromisso Portugal». Na sua quase totalidade representa uma geração cuja adolescência já foi vivida em regime democrático (o «Manifesto dos Quarentões» como alguém lhe chamou), sem o lastro da vivência em ditadura com o que a experiência dessa vivência possa ter tido de bom como de mau.

Embora me pareça que o nome encontrado para servir de referência ao encontro não seja feliz, pois a exibição de uma semiótica patriótica está frequentemente associada ao receio que a prática subjacente seja julgada contrária aos interesses patrióticos, reputo de extrema importância aquela reunião, menos pelas conclusões que se possam extrair do que lá foi dito e proposto, do que pelo significado da reunião em si.

O que se terá passado para que os partidos políticos e os dirigentes das instituições económicas tenham sido mantidos totalmente à margem de um debate que visava, segundo os seus promotores, instalar um novo modelo económico e de desenvolvimento para Portugal? A resposta parece clara.

Reina um enorme mal estar na sociedade civil, e principalmente nos meios empresariais, acerca do que aparenta ser o impasse da sociedade portuguesa. O país precisa urgentemente de reformas profundas, nomeadamente a nível da administração pública que pesa excessivamente nas bolsas dos portuguesas e na competitividade das empresas e cujo serviço prestado a troco dessa punção no orçamento das empresas e das famílias é muito mau. Pior, a burocracia dos serviços públicos é uma arma terrível assestada ao bom funcionamento da economia e à modernização do tecido produtivo. É impossível aproximarmo-nos do pelotão da frente da UE com o baixo nível educacional que temos; com a extraordinária morosidade da justiça, que só favorece os faltosos; com uma máquina fiscal despótica, incapaz, arbitrária e desleixada (como alguém referiu, "Com a actual competitividade fiscal não há hoje nenhuma razão para que os investidores venham para Portugal"); com a morosidade geral de toda a tramitação administrativa, excesso de papelada, etc.. Isto para além da necessidade de haver mobilidade dos factores de produção e bom funcionamento dos respectivos mercados: liberalização dos contratos de trabalho, reforma da legislação do arrendamento urbano, etc., etc.. Em suma, um figurino institucional que nos ponha a par dos restantes países da UE.

Ora a convicção geral é que este governo é incapaz de levar a cabo essas reformas, quer por incompetência, quer por falta de coragem política e está acossado por uma oposição que tem uma visão suicidária da economia portuguesa que só nos pode levar à ruína e à miséria geral, a pretexto de preservar os ilusoriamente denominados legítimos interesses e conquistas da classe trabalhadora. E o que é grave é que essa visão suicidária é partilhada pela actual direcção socialista, eventual futura alternativa a este governo. Não há alternativa válida entre um governo incompetente e inábil e uma oposição e sindicatos situados no parque jurássico da política e da economia.

O que parece importante do que foi dito nesta convenção foi o sentir-se a convicção de que a vassalagem perante o poder político não conduz a nada de sólido. Pode pontualmente resolver problemas particulares, mas os custos para a economia em geral são muito superiores. Outra convicção que parece estar instalada é a de que já não é possível pedir «tempo» para recuperar atrasos. A experiência tem demonstrado que esse «tempo» apenas redunda na protecção à ineficiência por mais algum «tempo». Se vinte anos depois da integração europeia e das privatizações, vinte anos depois de muitos e muitos milhões de fundos comunitários, quem não foi eficiente até hoje como pode garantir que o será amanhã? Finalmente, outra das conclusões aponta para que um novo modelo económico terá que assentar num cidadão qualificado.

António Borges, deu o mote ao afirmar que Portugal precisa de uma "mudança de liderança" que traga uma abordagem mais confiante e com maior optimismo e rigor. Sustentou que em Portugal "falta vontade" de aceitar as regras do jogo da economia de mercado, ou seja, "premiar quem merece". Mas António Borges foi mais longe, na sua crítica ao empresariado, referindo que a única solução para a economia portuguesa é "evoluir para produtos cada vez mais certificados e com valor acrescentado, o que implica um redireccionamento para novas indústrias e empresas". Os empresários são "os grandes agentes de mudança", mas que também devem "assumir responsabilidades" e recusar "desempenhos medíocres". Os nossos capitalistas têm medo do capitalismo. Têm o pânico da exposição. Não é só à invasão espanhola, mas também aos investidores. Por isso desprezam o mercado, mesmo o de capitais, embora capital seja hoje a coisa mais fácil de arranjar na economia global.

Estas afirmações foram importantes pois se as nossas empresas são, em geral, ineficientes, é porque alguém não fez bem o seu trabalho, e muitos deles são os próprios empresários e provavelmente alguns estariam no Beato. Quanto à ruptura com a visão subserviente para com o poder está bem expressa na afirmação de um dos intervenientes: "Mais do que saber o que é que o Governo pode fazer, ou se está a fazer bem ou mal, esta é a altura para os empresários e gestores provarem que são empreendedores"

Uma das propostas ontem formuladas foi a de "promover a constituição duma entidade de cúpula do mundo empresarial". Essa proposta vem em sintonia com as afirmações de António Borges que "em Portugal são sempre as mesmas empresas e as mesmas pessoas". O Presidente da CIP tomou-a à letra e alguns dos promotores deste encontro irão integrar a nova direcção da CIP, pois assim "Vão ter oportunidade de levar à prática o que acabaram de defender aqui".

As conclusões poderão ser acusadas de serem desoladoramente teóricas. Repetem muitas das exigências que têm aparecido em diversos sítios, inclusive neste blog, entre as quais:

Seleccionar conjunto de instrumentos de medida (Kpi’s – Key performance indicators) da qualidade de cada serviço público; estabelecer objectivos do peso da despesa pública face ao PIB abaixo dos 40% até 2008, e da despesa corrente primária abaixo dos 33%; fazer de Portugal um dos países menos burocráticos da UE e promovermo-nos externamente como tal; dotar os órgãos de soberania de adequadas condições de recrutamento dos melhores de entre os Portugueses; assumir o compromisso de no espaço de três anos se adoptarem as medidas adequadas a que o prazo de registos relativos à compra e venda e hipoteca de imóveis não exceda as 48 horas; planear a quebra de sigilo bancário para entrar em vigor a partir de 2005; incrementar a transparência fiscal e atribuir um maior respeito para com o contribuinte; disponibilizar aos serviços de inspecção fiscal o cruzamento de dados relativos, nomeadamente, ao registo comercial, predial e automóvel, segurança social, litigância pendente, empréstimos contraídos; aprofundar a reforma da legislação laboral introduzindo uma maior flexibilidade; etc., etc..

O que há de teórico nas 30 medidas é que, na sua maioria, não se diz como será possível o seu estabelecimento e aplicação. Programas, todos nós, com maior ou menor discernimento, somos capazes de os elaborar. Aprová-los e aplicá-los em face das resistências dos interesses estabelecidos e da inércia social é muito mais complicado. Ensinar é fácil, realizar é difícil.

Espera-se por isso que algumas das afirmações que foram produzidas no encontro de ontem, as mais relevantes e inovadoras, sejam interiorizadas pelo mundo dos negócios e pelo mundo da política, que assistiu de fora, através da comunicação social, e tenham seguimento no futuro. A sociedade portuguesa só teria a ganhar com isso.

Publicado por Joana às 10:50 PM | Comentários (40) | TrackBack

fevereiro 04, 2004

Hoje não vou falar do Rosas

Não ... decididamente, não. Hoje recuso-me a escrever sobre o Rosas.

É certo que o Rosas se produziu hoje, com a roseiral pesporrência, perante O Público.

É igualmente certo que o Rosas mostrou, nessa sua produção, que continua a viver na dependência de imagens obsessivas que lhe povoam o cérebro e onde os jovens de direita têm sempre, e todos, o aspecto engomadinho e pomposo de vendedores de Alfa-Romeos e de estagiários pretensiosos de escritórios de advogados chiques.

É ainda certo que a iconolatria do Rosas se centra nas matrioshkas, onde se abrindo o vendedor de Alfa-Romeos se encontra um estagiário pretensioso, onde se abrindo o estagiário pretensioso se encontra um convencionalista postiço, onde se abrindo o convencionalista postiço se encontra um caceteiro instintivo e onde se abrindo o caceteiro instintivo se encontra ... nada ... absolutamente nada, rigorosamente nada, apenas o vazio ideológico.

Para quê falar de um sujeito que reduziu a ciência política a ícones? O Jardim da Madeira é, segundo Rosas, um Gauleiter. Saberá Rosas o que era um Gauleiter? Jardim é, sem dúvidas, um Leiter. Mas será a Madeira um Gau? E o iconólatra Rosas já experimentou abrir um Gauleiter? E está seguro que ao fim de 4 ou 5 aberturas sucessivas não encontrará um vendedor de Volkswagens?

Rosas (de quem hoje não vou falar, garanto-vos) está irritado por a direita, ao que parece, ter posto a correr « a lenda de uma economia que, nos idos de 60 e início dos 70, crescia euforicamente num processo de "convergência real" com a Europa».

Rosas está cheio de razão. É que aquele facto não foi uma lenda, foi uma realidade.

Há duas maneiras de expressarmos a nossa discordância relativamente a situações com que não concordamos:

1 – Argumentar que se trata de uma lenda «posta a correr» pela direita trauliteira: é um argumento fortíssimo e seguro, posto que haverá gente que não precisa de mais argumentação para ficar exaltada e convicta; também não seria difícil, porque ela já estava antecipadamente exaltada e convicta. Esta é a forma de discordar daqueles que discordam, mas não sabem porquê. Isto é, sabem: não concordam porque não gostam daqueles que concordam.

2 – Analisar objectivamente a questão. E se a analisarmos, verificamos que, embora a economia crescesse, no período marcelista, a um ritmo muito elevado, tratava-se de um modelo de crescimento que não era possível sustentar a longo prazo, visto basear-se em salários muito baixos e na existência de mercados fechados ao exterior e pouco exigentes em matéria de qualidade (os mercados coloniais) que também não eram sustentáveis a longo prazo. É evidente que se não houvesse o 25 de Abril, aquele modelo poderia continuar a funcionar durante mais algum tempo, nomeadamente se as intenções marcelistas de acordo com a Guiné-Bissau vingassem. Poderia ter havido uma transição mais pacífica, «à espanhola», e uma descolonização mais satisfatória, quer para os nossos interesses, quer para os interesses dos povos em causa. Mas o modelo existente seria sempre insustentável a longo prazo.

Portanto, não vale a pena iludir a questão, considerando lenda algo que afinal era uma realidade. O que se deve fazer é analisar a questão e ver para além da superfície das coisas, o que está por debaixo, camada a camada.

Mas quanto a ver para além da camada superficial, o iconólatra Rosas (de quem hoje não vou falar, garanto-vos) apenas conhece a matrioshka pintada de vendedor de Alfa-Romeos, que lhe ensinaram a abrir.

Num ponto tem que se dar razão ao Rosas. Ele não tem nada a ver com a direita caceteira. Esta, segundo Rosas, « não esqueceu nada, nem aprendeu nada.». Rosas esqueceu tudo e não aprendeu nada.

Como vêem, hoje não falei do Rosas.

Publicado por Joana às 07:41 PM | Comentários (26) | TrackBack

fevereiro 03, 2004

Desemprego sem ilusões

Durante o ano passado perderam-se, segundo um balanço provisório, 18 mil empregos nos sectores dos têxteis e do calçado. Esta perda de postos de trabalho foi consequência da vaga de encerramentos de empresas de capitais estrangeiros, sobretudo alemães. Alguns tiveram bastante protagonismo mediático, mas a grande maioria permaneceu anónima.

Quer uns quer outros têm, todavia, uma coisa em comum. Independentemente das promessas que autarcas, sindicatos ou governo possam ter feito, independentemente das ilusões que possam ter sido criadas, são postos de trabalho irrecuperáveis na sua quase totalidade – o desemprego nos sectores dos têxteis e do calçado é estrutural.

É óbvio que este processo foi acelerado pela crise financeira. O aumento da despesa pública e dos vencimentos da função pública acima da respectiva produtividade induziu uma situação inflacionária e um efeito imitação a nível salarial que acelerou a perda de competitividade do sector privado exportador e, principalmente, dessas empresas já fragilizadas. Mas mesmo na ausência da crise financeira e do défice, este processo de reajustamento industrial iria acontecer fatalmente. Poderia não ter ocorrido em 2003, mas aconteceria em 2005 ou 2006, independentemente ou não de quaisquer retomas.

Não é possível, com as qualificações e as tecnologias do Sueste Asiático, ter salários europeus (mesmo que sejam da cauda da Europa) e regalias sociais europeias. Qualquer um que diga o contrário apenas está a criar falsas ilusões. Aqueles 18.000 desempregados apenas poderão voltar ao mercado de trabalho se tiverem qualificações suficientes e adequadas para tal. A maioria, actualmente, não as tem.

Impõe-se a requalificação profissional daqueles efectivos, pelo menos daqueles que estiverem interessados nessa requalificação.

Não sei em que moldes essa requalificação será possível, que programas poderão ser implementados para assegurar que essa requalificação se faça de acordo com as necessidades do mercado de emprego, nem como conseguir a adesão desses desempregados ao esforço de uma requalificação.

Apenas sei que o Fundo Social Europeu drenou durante muitos anos verbas consideráveis, a fundo perdido, para programas de formação que apenas serviram para estabelecer um regime perverso de sub-emprego em que os formandos iam transitando de um curso de formação para outro, unicamente com o objectivo de continuarem a receber as respectivas ajudas. Durante muitos anos existiram empregos artificiais cujos efectivos eram formadores e formandos pagos pelos contribuintes europeus e cuja utilidade social, para além da manutenção precária daquele emprego artificial, era nula.

Como vamos explicar agora que se tratou de um equívoco monumental e que a maioria daqueles cursos não tinha qualquer interesse do ponto de vista da formação, servindo apenas para criar a ilusão de um emprego precário?

É mais uma herança da ausência de estratégias e dos desleixos governativos, que não se resumem apenas aos desleixos dos governos de Guterres, pois já vêm bastante de trás.

Publicado por Joana às 08:59 PM | Comentários (22) | TrackBack

janeiro 23, 2004

Bombardier a Sorefame

A Sorefame é uma das principais metalomecânicas portuguesas e a única no que respeita ao fabrico de material circulante.

As dificuldades pelas quais a Sorefame está a passar, pela ausência de encomendas em carteira, é um exemplo dos resultados que podem advir da apropriação de empresas portuguesas por capitais estrangeiros e da sua estratégia de mercado deixar de ser definida em Portugal.

Não é líquido pensar que se a Sorefame se tivesse mantido em mãos portuguesas estaria hoje melhor, ou se ainda existiria. As encomendas de material circulante num país pequeno como o nosso são pontuais e muito flutuantes. Em teoria, a sua absorção por um grupo maior poderia facilitar-lhe o ter uma carteira de encomendas mais estável.

Na prática, a Sorefame perdeu autonomia estratégica e ficou dependente dos interesses do accionista principal, primeiro a ABB e depois a Bombardier. Em vez de, eventualmente, diversificar a sua actividade, concentrou-se no material circulante.

Que fazer agora, em face da carência de encomendas? Jornalistas e políticos falam das carruagens do TGV. Todavia em obras financiadas pela UE têm que ser respeitadas as regras da concorrência e a adjudicação das compras do material circulante para o TGV ser objecto de concursos públicos internacionais. O Estado não pode dar de mão beijada a fabricação daquele material circulante à Sorefame. Só políticos chicaneiros e jornalistas ignorantes se arriscam a produzir declarações nesse sentido.

Por outro lado, o lançamento dos concursos para aquisição do material circulante não sairá, provavelmente, ainda este ano e, pelo tempo normal de andamento de um processo de concurso desse tipo, nunca antes de finais de 2005 seria adjudicada essa fabricação.

O aumento das redes dos metros e ferroviária obriga à aquisição de mais material circulante. Quando, por exemplo, uma rede aumenta o seu percurso em 10% e se se quer manter a mesma distância, no tempo e no espaço, entre composições, haverá necessidade de adquirir mais 10% de composições. Isto para além das reparações do equipamento existente ou da sua substituição. Poderá haver encomendas nessa área.

Não tenho mais elementos sobre esta matéria, para além das notícias dos jornais e de declarações de políticos, algumas delas absolutamente disparatadas. Apenas sei que é importante salvar a Sorefame, o know-how que ela tem e que se deve pôr a imaginação a funcionar para, no quadro institucional vigente e dentro das obrigações internacionais do país, encontrar uma solução para a manutenção daquela empresa e do seu quadro de efectivos.

Publicado por Joana às 07:56 PM | Comentários (16) | TrackBack

janeiro 05, 2004

O Banco de Portugal e a Coisa Pública

O Relatório do Banco de Portugal veio dar razão aos textos que têm sido publicados nas últimas semanas no Semiramis. Trata-se todavia de algo de tal forma evidente que não constitui qualquer glória eu ter produzido as afirmações constantes nos textos em causa.

Começando pelo sector privado verifica-se uma ocorrência importante – o modelo de crescimento português - tradicionalmente assente no aumento da procura interna (consumo e investimento) – tem vindo a alterar-se e as exportações de bens e serviços, depois de terem aumentado 3 por cento em 2003, deverão subir acima dos 5,75 em 2004 e dos 7,5 em 2005. A parcela do PIB apenas referente à actividade privada para os próximos anos, mostra um crescimento de 1,5 por cento este ano e de 3 por cento em 2005 - precisamente o dobro das previsões para o conjunto da economia. Ora isto é extremamente salutar.

Por outro lado, não se prevê um aumento do nível de emprego. A taxa de desemprego não deverá descer. Isto é evidente. Todos estão de acordo que o modelo de desenvolvimento para o país não pode continuar a assentar em baixos salários. Simplesmente quem mais apregoa essa máxima irrefutável, quer “sol na eira e chuva no nabal”, isto é, quer salários europeus em indústrias terceiro-mundistas e quando essas indústrias não conseguem elevar os salários ou despedem pessoal, chovem os recriminações contra o “modelo de desenvolvimento” do país.

O que é evidente é que temos que aceitar uma fase em que muitas indústrias tradicionais irão desaparecer e os respectivos trabalhadores, a menos que tenham qualificações para outras actividades, ou tentem melhorar o seu nível de qualificação, ficarão no desemprego. A alternativa é aceitar salários de miséria.

Portanto, se queremos (e temos que querer) mudar o “modelo de desenvolvimento” do país, o Estado, os sindicatos e os trabalhadores terão que se preparar para as “dores de parto” que isso envolve e, em conjunto encontrarem as soluções adequadas que minimizem os “estragos”. Porque esta mudança é um “parto” difícil com muitos estragos. Tenho a certeza que, nos próximos anos, iremos manter uma taxa de desemprego elevada. Mas uma política de requalificação profissional poderá minorar muito esses estragos. Mas para isso todos os protagonistas deste drama terão que se pôr de acordo. E só será possível esse acordo quando os protagonistas mais obstinados, os sindicatos, se convencerem que não há alternativa, pois em Portugal as indústrias terceiro-mundistas têm o destino traçado.

Portanto, se o sector privado não tem razões para festejar, tem pelo menos razões para ter confiança no futuro.

O consumo privado vai manter-se moderado. Mas isso também tem a ver com o excesso de endividamento das famílias durante a última década. Por exemplo, nos últimos cinco anos foram vendidos em Portugal 1,7 milhões de veículos novos. O que significa que, em média, uma em cada duas famílias comprou carro novo desde 1999. Com ou sem crise, era pouco expectável que o ritmo frenético de vendas dos últimos anos continuasse. Em 2003 foram vendidos menos 15% de carros que em 2002 e menos 37% quando se compara com 2000. E o mesmo sucedeu com outros bens de consumo duradouro.

Esta situação também é boa para a nossa economia, porque tem reflexos muito positivos na nossa balança com o exterior. Os bens cuja queda no volume de vendas mais se acentuou são importados.

A questão grave na nossa economia é a do sector público. O governo tem-se revelado incapaz de suster a despesa pública. O Estado é um sorvedouro inexaurível de dinheiro e, apesar das recomendações draconianas, o dinheiro continua a esvair-se de forma inexplicável.

O Relatório do Banco de Portugal assinala que tem que ser feito um esforço sério, com verdadeiros cortes no consumo e no investimento públicos: "É importante não alimentar ilusões porque o crescimento económico moderado que se perspectiva não será suficiente para gerar automaticamente um significativo aumento de receitas fiscais".

Ora esta é uma matéria na qual o governo não tem dado conta do recado que a ele próprio havia dado.

Quando numa empresa a administração não consegue controlar os custos, os accionistas demitem-na e elegem outra. Se este governo gerisse uma empresa, já há tempos que teria sido demitido.

Vendo bem, talvez me tenha excedido: se os accionistas apenas tivessem, como soluções para o Conselho de Administração, os actuais políticos, deitariam as mãos à cabeça, não demitiriam já o actual CA, visto não terem alternativas, e fariam imediatamente uma OPV para se desfazerem das suas acções a arranjaram uma aplicação menos desastrosa para os seus capitais. Seria todavia duvidoso encontrarem alguém interessado na compra desses papéis sem valor!

Publicado por Joana às 07:48 PM | Comentários (10) | TrackBack

janeiro 02, 2004

Da Rainha dos Assírios para o Tocador de Adufe

Correspondendo ao seu apelo sobre os efeitos da liberalização dos combustíveis tenho a dizer-lhe que não sei o que se irá passar.

Não pense que a afirmação anterior pode indiciar ignorância. Longe disso. O papel de um consultor é dar pareceres em face de cenários possíveis. Portanto acontece sempre aquilo que o consultor previu, porquanto se pode explicar qualquer acontecimento a posteriori, mesmo o mais gravoso, referindo que tal ocorreu apenas por ter acontecido o cenário pior. As previsões até estavam certas.

Depois desta introdução, que funciona como providência cautelar, passemos à matéria: A distribuição de combustíveis funciona em oligopólio. Sabe-se que em oligopólio, em matéria de política de preços tudo pode acontecer. Alguns economistas ilustres têm inclusivamente afirmado que se trata de um problema com solução indeterminada.

Admite-se, como dado seguro, que na zona dos custos marginais crescentes, as firmas com menor quota de mercado prefiram praticar o preço mais baixo, enquanto na zona dos custos marginais decrescentes, é a firma com maior quota de mercado que prefere praticar o preço mais baixo. Se o custo marginal é constante para uma relevante amplitude da produção, as diferenças entre quotas de mercado não têm reflexos nas preferências dos preços.

Provavelmente foi por aquela razão que as firmas com quota de mercado superior (a GALP, p.ex.), e portanto com maiores sinergias na distribuição, desceram a sua margem em 0,01€/litro, mantendo o preço (o Imposto sobre Produtos Petrolíferos tinha aumentado aquele valor), enquanto as firmas com menor quota de mercado optaram por manterem as suas margens, aumentando o preço ao público.

Quanto à questão da cartelização, ela não é necessária para as firmas alinharem os preços. Frequentemente a firma com maior quota de mercado (maior rede de distribuição ou maior capacidade produtiva) anuncia as novas listas de preços e as concorrentes limitam-se a segui-la. Entrar numa guerra de preços pode ser contraproducente. Se não houver uma política comercial agressiva, o consumidor pode nem sequer dar pela diferença de preços.

Esta política não permite preços muito acima do custo marginal. Normalmente a firma-líder age como barómetro do mercado. Um aumento superior ao "aceitável" tem o risco de conduzir a uma guerra de preços, quer movida por firmas existentes no mercado, que podem julgar que será favorável para elas não acompanhar o preço da líder e tentarem conquistar uma quota de mercado significativa, quer por firmas que possam penetrar no mercado, por acharem que os preços praticados compensam os custos de entrada no mercado.

Portanto, não é necessária a cartelização para haver um certo alinhamento de preços. Aumentos mais substanciais só com conluio. Todavia, num negócio deste tipo, a cartelização (ou o conluio na fixação de preços e/ou quantidades) é facilmente detectada (e é ilegal). Poderá haver circunstâncias conjunturais que induzam um conluio oligopolista, mas na maioria dos casos a luta pela conquista de maiores quotas de mercado sobrepõe-se à vontade de manter os preços artificialmente mais elevados. Além do que não há a garantia que uma ou mais firmas não furem o esquema e baixem os preços (ou não os subam) unilateralmente. Ou não há a garantia que um novo distribuidor, seduzido pelos preços praticados, não entre no mercado, criando dificuldades às firmas existentes pela progressiva erosão das suas quotas de mercado, tal como é explicada pela teoria dos monopólios contestáveis.

Tudo depende das políticas de preços e dos riscos que as distribuidoras de combustíveis estão dispostas a correr. Em princípio, a tendência será um ligeiro abaixamento do preço de mercado, embora não seja de excluir que as firmas tentem manter as margens actuais, esperando que as concorrentes não as baixem, ou seja, a manutenção dos actuais níveis de preços.

O que foi escrito refere-se à situação global no país. Localmente, induzidos pelo efeito da discriminação espacial de preços, poderão ocorrer ligeiros aumentos de preços. Um distribuidor local, sem concorrência nas imediações, pode aumentar ligeiramente a sua margem, sabendo que não é compensador para os consumidores deslocarem-se a uma bomba longínqua para encherem os depósitos.

Portanto, quando a Deco declara “que o preço dos combustíveis vai disparar nos próximos meses, sobretudo nos postos das auto-estradas e nas pequenas cidades, devido à livre fixação de preços”, terá, embora muito parcialmente, razão: em zonas onde a discriminação espacial de preços for possível poderá haver aumentos de preços. O resto do discurso da Deco é a tendência normal dos portugas para a notícia catastrófica.

Uma situação oposta é a de uma bomba recém instalada que tentará atrair e fidelizar clientela através de um abaixamento significativo do preço. Será uma situação conjuntural que tenderá, a médio prazo, para a normalidade em termos de preço, à medida que for angariando clientela.

Como vê, e como lhe dizia no início … tudo pode acontecer.

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dezembro 19, 2003

Magis movent exempla quam verba

Os espanhóis da Sacyr Vallehermoso vão adquirir o capital que ainda não detêm na Somague. Depois de um aumento de capital que a Sacyr Vallehermoso irá fazer, esta empresa espanhola ficará a controlar 93,97% dos direitos de voto da Somague, enquanto a família Vaz Guedes deterá 5,33% do capital da nova companhia espanhola.

Ou seja, a família Vaz Guedes troca 64,28% da Somague por 5,33% da Sacyr.

A família Vaz Guedes afirma que este processo de concentração, com integração integral do Grupo Somague na empresa espanhola, «incrementará o volume de negócios global em 25% e permitirá uma actuação concertada nos mercados ibérico e ibero-americano, conferindo, por outro lado, a dimensão crítica adequada para poder vir a operar em condições vantajosas noutros países europeus.

Até aqui, tudo bem. Mais uma empresa portuguesa cujo controlo de gestão passa para mãos estrangeiras em troca, aparente, de uma eventual abertura de outros mercados e novas oportunidades de negócio. Todavia, há um lado negativo: a passagem de empresas portuguesas para mãos estrangeiras pode levar ao esvaziamento dos próprios centros de competência que elas constituem ou deveriam constituir.

Porém, o que é caricato nesta questão é Vaz Guedes ter sido um dos impulsionadores do Compromisso Portugal. Isto é, enquanto ele pelejava arduamente para combater a alienação dos centros de decisão representados pelas empresas portuguesas geridas por portugueses, tratava em simultâneo da alienação do seu “centro de decisão” aos espanhóis.

Magis movent exempla quam verba (Os exemplos influenciam mais que as palavras) é o que se extrai de tudo isto, embora Vaz Guedes devesse dizer, de preferência: Faz o que eu digo, não faças o que eu faço

Publicado por Joana às 09:26 PM | Comentários (5) | TrackBack

dezembro 11, 2003

Bem (ou mal) acompanhada

Ontem, Vítor Constâncio afirmou a impossibilidade de um país membro de uma união monetária apresentar uma taxa de inflação superior à dos outros membros durante um período prolongado de tempo e que quando isso acontece a economia desse país perde competitividade, deixa de vender ao exterior, porque os seus produtos ficam mais caros do que os da concorrência, entra em recessão e o desemprego sobe – É, ipsis verbis, o que escrevi aqui, por diversas vezes.

E para que não restassem dúvidas, Vítor Constâncio garantiu que «em união monetária o ajustamento de uma economia faz-se pela recessão e pelo desemprego», recomendando «um enorme realismo salarial em nome do emprego». Para não me repetir, não reescrevo o fecho do parágrafo anterior.

Para desespero dos meus críticos aos artigos que tenho escrito por aqui sobre a conjuntura económica portuguesa, Constâncio declarou ainda que “uma das principais consequências (de viver em união monetária) é o ganho da importância das políticas situadas do lado da oferta da economia». Da oferta … não da despesa, sublinho eu. Ah!? Vanitas vanitatum … o que eu poderia escrever agora se …

O futuro e alguns novos gurus economistas podem não me vir a dar razão no que andei a escrever semanas a fio. Se isso acontecer, resta-me a satisfação íntima de me sentir acompanhada, na sarjeta do pensamento económico, por Sua Excelência o Governador do Banco de Portugal.

Publicado por Joana às 07:37 PM | Comentários (12) | TrackBack

dezembro 05, 2003

Descrença, pessimismo e indeterminação

Resposta ao Rui do Adufe

Como já lhe escrevi diversas vezes, o diálogo pressupõe que cada um entenda o que o outro escreveu e argumente sobre esse entendimento. Eu permito-lhe, como pediu, todas as interpretações coloquiais que entender. Agradecia todavia, por uma questão de ética argumentativa, que correspondessem, no seu significado, àquilo que escrevi e não ao oposto:

1 – Você é livre de fazer as interpretações que quiser sobre a minha frase acerca do PR. O que eu pretendi dizer era que o PR só declamava banalidades, sobre as quais estamos todos de acordo, mas que não tinham qualquer caracter operacional nem qualquer efeito prático. Como se costuma dizer, “quem sabe, faz, quem não sabe, ensina”. O que falta ao discurso do PR é a componente prática, o “como fazer”. Senão é uma panóplia de boas intenções, boa para aquecer os corações dos ouvintes, mas estéreis quanto a efeitos práticos. Por isso é que as designo por banalidades. Em resumo … mais ou menos o que você tem escrito.

2 – Temos que controlar “os défices” (público e com o exterior) e no período mais curto possível. Isso é inquestionável. Mas você tem todo o direito em não estar de acordo ou em submergir essa necessidade num mar de sentenças moralistas, certamente bem intencionadas, mas sem conteúdo prático. Portanto considero este assunto encerrado, por não vislumbrar nada em comum entre os nossos dois discursos.

3 – Eu não disse que “Estimular, promover e facultar a formação e a reflexão sobre o negócio, estimular a iniciativa privada e o investimento público reprodutivo” não passam de palavras vãs muito distantes de terem consequências práticas. Isso não passa de um discurso de uma Joana imaginária que você criou para debitar sobre ele as suas teorias. O que eu escrevi foi que essas e outras acções (sublinhando que elas já deveriam ter começado há muito) só surtiriam efeito a longo prazo e que entretanto eram imperativas acções no curto prazo.

Eu já repeti isto 3 ou 4 vezes. Se você não consegue entender, o problema é seu. O meu é o cansaço e o fastio de repetir coisas que você entende ao contrário.

Se eu tenho uma floresta a arder por não a ter desmatado, eu tenho que fazer 2 coisas. Uma, abrir concurso para uma prestação de serviço de limpeza do mato, apreciar as propostas, discutir as condições, adjudicar e consignar a desmatação; outra chamar os bombeiros para apagar o fogo. As duas são imprescindíveis. Telefonar de urgência para os bombeiros não significa menoscabo pela desmatação, nem que tal é uma coisa “”. O que eu nunca faria, seria começar a debater a questão filosófica da desmatação, enquanto lá atrás as chamas crepitavam e consumiam a floresta. Até porque, ao fim de alguns minutos, em vez da desmatação, teria que começar a debater a questão filosófica da reflorestação.

4 – Se estimular a oferta, o aumento dos rendimentos distribuídos às famílias resultantes do aumento da produção, reflecte-se no aumento da procura interna. Parece-me evidente e é a forma sustentável e saudável de desenvolver a economia. Pelo contrário, como já lhe tentei explicar várias vezes, o aumento da procura interna sem aumento da produtividade estimula fundamentalmente a oferta externa e o défice das contas com o exterior, sem falar do défice público criado pelo “estímulo da procura interna”.

5 – Quanto às micro-reformas da administração pública de que você fala, não consigo discutir coisas no abstracto, sem critérios de validade dos resultados. Engels costumava citar um adágio inglês que dizia que “a prova do pudim está no comê-lo”. Na minha opinião o que você escreveu não tem qualquer consistência prática. Você é de opinião contrária. Como não é possível cozinhar o pudim, acho melhor ficarmos por aqui, visto a discussão não conduzir a nada.

6 – Em Portugal, os gestores, desde o Marquês de Pombal, passando pelos liberais, que compraram eles próprios os bens nacionais que venderam como governantes, passando pela Lei do Condicionamento Industrial salazarista, etc., habituaram-se a viver à sombra do Estado. As delícias de Cápua corromperam o exército de Aníbal. As delícias de Cápua do Condicionamento Industrial corromperam a capacidade competitiva dos gestores portugueses. O salazarismo acabou e o choque europeu está a fazer mudar muitas mentalidades, mas há recaídas frequentes de empresários que querem apoios do Estado que são, frequentemente, inconvenientes para um desenvolvimento saudável da nossa economia. Isso é sabido e estou de acordo. Nem eu nunca havia dito nada em contrário.

7 – Quanto às alegadas “semelhanças teóricas entre os dois discursos” (o meu e o dos actuais governantes) que é o que a si o “preocupa no meu pensamento”, eu já lhe sugeri que lesse os textos anteriores que escrevi sobre estas matérias e cuja localização citei. Como eles estão publicados no Semiramis, achei que não devia fazer copy&paste para dentro deste último texto.

O que acho espantoso é que você repete a mesma coisa, mas depois, como um sinal de esperança num longínquo futuro de entendimento mútuo, põe entre parênteses que “hei-de ler os outros textos seus…”. Porque é que não experimentou lê-los antes de produzir alegações que nem correspondem às afirmações que escrevi nestes últimos textos, nem às que produzi nos textos que lhe citei.

7 – As experiências baseiam-se em casos pessoais. Não vejo o que isso tenha de criticável, a menos que não se seja capaz de perceber e valorizar a experiência que se viveu. Também há gente que baseia a sua “experiência” nos casos pessoais dos outros, por ouvir dizer. Isso sim, acho criticável.

8 – Para se ter fé não é preciso ser-se crente. Ter fé é acreditar em algo sem provas concretas que alicercem essa crença. Julgava, até ler o seu texto, que este entendimento fosse um dado adquirido no léxico português.

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dezembro 04, 2003

Optimismos e realidades

Um dos fundamentos da Economia, diria o seu fundamento primordial, porquanto sem ele não haveria sequer Economia, é a escassez de recursos.

É a escassez de recursos e a necessidade de os alocar da forma mais eficiente possível que fez com que aparecesse a Ciência Económica e se gerassem empregos para economistas.

Portanto é um dado que qualquer análise económica tem que partir de um quadro de referência, inventariando os recursos existentes: activos corpóreos (fixos e circulantes) e activos incorpóreos (capital humano, qualificações, mentalidades, hábitos, interesses dos diferentes segmentos e corpos sociais, eventualmente divergentes, etc.). Aliás, parte dos activos incorpóreos que citei caberiam melhor sob a designação de “passivos” incorpóreos!

A Alemanha, a seguir à guerra de 1939-45 ficou completamente devastada e destruída. Os seus activos corpóreos tinham “desaparecido em combate”. E muitos dos que não tinham sido destruídos foram desmontados e enviados para as potências ocupantes (excepto no sector americano). Mas tinha um precioso activo incorpóreo: a qualificação média dos seus cidadãos, a sua disciplina e sentido cívico, a sua capacidade, como povo, de aceitarem objectivos, de os compreenderem e de se sacrificarem por eles. E assim aconteceu o milagre alemão. Pouco mais de uma década a seguir ao início da reconstrução, a RFA já era a principal potência económica continental. Curiosamente, o facto de muitas fábricas terem sido desmontadas pelos ingleses, foi posteriormente considerado como tendo facilitado a modernização do tecido industrial alemão e concorrido para a obsolescência do britânico.

No caso em apreço, quando eu caracterizei a situação de referência que temos em Portugal, o Rui (Adufe) contrapõe: pois, mas isso é o que tem sucedido. A Joana “parece um político derrotado a falar”. “Mas nós não seremos capazes de aprender com os erros?”.

Bem, no meu caso pessoal, aprendi. Aprendi a analisar com frieza e objectividade as situações e avaliar a viabilidade das soluções. Mas será que o país, no seu todo, aprendeu? Vejamos:

O Código do Trabalho que pouco acrescenta à legislação existente, embora tenha o mérito de sistematizar num único diploma uma infinidade de leis dispersas e contraditórias, demorou ano e meio para ser aprovado e falta ser regulamentado. Julgo que se passarão anos a discutir a sua regulamentação.

A reforma da administração pública, introduzindo critérios objectivos de aferição de desempenho, desburocratizando os serviços e modernizando todo o aparelho administrativo continua a ser “concebida”. Sem essa reforma, qualquer euro que se invista na administração pública corre sério risco de nunca ser recuperado. Deveria ser a tarefa prioritária deste governo (como dos anteriores). Aposto singelo contra dobrado que quando o respectivo projecto vier a lume, o clamor de todos os interesses instalados vai ser ensurdecedor. E será que é uma reforma a sério, ou apenas uma maquilhagem sem impacte relevante no funcionamento da administração pública? E entrará em vigor na presente legislatura? Duvido que ambas as questões tenham resposta positiva.

Você não tem optimismo. Você tem fé. Você parece ter a varinha mágica que irá permitir que erros que foram cometidos, não o sejam agora, porque “aprendemos com isso”.

Eu sou realista. Temos que inventariar as causas dos erros cometidos e eliminá-las ou mitigá-las, reformando a sociedade para que esses erros não voltem a ocorrer. Não é o seu optimismo que evita que caiamos nos mesmo erros, mas sim a eliminação das causas que estiveram na sua origem. É essa a minha tese, que eu tentei infrutiferamente expor. Infelizmente era a fala de “um político derrotado”.

Eu não digo mal da administração pública (aliás foi você que a apelidou de retrógrada) e da universidade. Estou apenas a caracterizar uma situação de referência, que existe e que terá que ser alterada. Se ler os textos que afixei aqui, verá que, por exemplo, faço frequentes referências à situação caótica do Ministério do Ambiente e ao facto de o cumprimento da execução dos fundos comunitários estar muito baixa. As candidaturas não são aprovadas e normalmente são vítimas de manobras dilatórias.

Não acredita que a universidade está desligada do país real? Isto independentemente de haver muita gente boa e competente na docência universitária e nos centros universitários. Eu vivi a universidade em 3 vertentes: discente, docente (3 anos) e como consultora que lê com frequência pareceres elaborados por professores ou organismos universitários. Do ponto de vista de serem um instrumento de decisão para os clientes que os encomendam, na maioria dos casos não servem objectivamente para nada. Não me refiro a determinadas áreas de investigação mais teórica onde a situação poderá ser diferente.

Está no seu direito de não acreditar no que lhe digo, mas creia que tenho razão. O perverso é que, falando com eles nunca os consegui levar a objectivar os seus estudos. Pura e simplesmente não me compreendem e eu, com a delicadeza de quem foi assistente daqueles prof’s acabo por desistir e refaço-os ou mando refaze-los. Recorrer aos centros universitários é útil quando há necessidade de muita recolha e compilação de dados (mão de obra estudantil ou recém formados!). No resto pouco mais é que irrelevante. Note que me estou a referir às faculdades de economia. Julgo que na área da engenharia o panorama é melhor.

Uma última nota: eu escrevi “en passant” referindo uma série de mecanismos económicos e a sua acção, ao caracterizar a situação portuguesa. O chamado empecilho incómodo dos factos.

Você contrapõe o seu voluntarismo e optimismo “juvenil”. Mas aos factos disse nada. O que você explanou foi uma compilação de boas intenções e de esperanças no futuro.

O optimismo e o ardor juvenis são óptimos. Calculo que haverá menos de uma década de diferença entre nós. Provavelmente o tempo suficiente que permitiu que a dura realidade dos factos mediatizasse um optimismo impetuoso e juvenil.

Acho bem que continue optimista. Todavia condimente esse optimismo com a realidade do país que temos. Mas não se torne pessimista ou derrotista (como julga que eu sou) ao constatar a realidade que temos e a sua inércia em modificar-se. Um optimismo realista é o que precisamos.

Notas soltas:
Rui, não é possível debate quando se pega no que o interlocutor escreve e se lê ao contrário. Eu escrevi: Nós temos 2 realidades com que nos confrontar: o curto e o médio e longo prazo E temos que agir sobre ambas. E você a seguir escreve que havia dito isso e dá a entender a seguir que eu sugeriria que se devesse primeiro “esperar que se atinjam todos os equilíbrios macroeconómicos dos livros para se recuperar o tempo perdido”. Onde é que eu disse tal coisa?

Quanto aos impostos, quem é que lhe diz que se gastar mais 1€ na máquina fiscal ela lho devolve com “juros”? Lá está você a manejar ideias sem estarem ancoradas aos factos. O facto é que é necessária uma reforma de alto a baixo na administração pública. A situação fiscal presentemente em Portugal está à beira da rotura. Ainda há dias um membro da CTOC dizia que o fisco só persegue quem declara os rendimentos, esquadrinhando tudo de forma intolerável, mas que é incapaz de ir àqueles que declaram pouco ou nada ou que vivem em economia paralela. Você vai ver, por exemplo, ao que a reforma da tributação do património vai conduzir. O caos está completamente instalado, as finanças a comportarem-se discricionariamente, a enganarem-se nos titulares das declarações que enviam, etc. A maioria que vai ser atingida são os pequenos senhorios dos bairros antigos, com rendas miseráveis e baixa qualificação, que não percebem o sarilho em que estão metidos. É o cidadão anónimo que paga a má qualidade da administração pública.

Portanto, a equanimidade fiscal em Portugal só será atingida aos poucos, com reformas profundas do aparelho fiscal, e só produzirá frutos lentamente. Como eu escrevi dezenas de vezes, mas você não tem reparado, “temos que construir o futuro, mas também temos que gerir o presente”.

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dezembro 03, 2003

Estabilidade Económica e a Crise Portuguesa

A estabilização económica é um dos três objectivos económicos que cabem ao Estado assegurar, estabilização em várias vertentes: estabilizar a actividade em torno do pleno emprego; estabilizar os preços em torno de uma inflação baixa e estável; e estabilizar as contas externas em torno do equilíbrio.

Os outros dois objectivos económicos que cabem ao Estado são a redistribuição dos rendimentos e a eficiente alocação de recursos na economia.

O quadro de política económica existente na União Europeia, que de alguma forma complementa o papel que cabe ao Estado em matéria de estabilização económica, é um quadro que disciplina as contas públicas dos 12 países da Eurolândia e em que o BCE gere a política monetária tendo como preocupação principal a estabilidade de preços.

Uma pergunta que se formula actualmente é se as políticas de estabilização, ou mais precisamente, o Pacto de Estabilidade e Crescimento estará a afectar o crescimento da União Europeia, e em que medida?

Comparando o crescimento dos Estados Unidos com a área da Eurolândia verifica-se que os Estados Unidos registaram um maior crescimento que os países da União Económica e Monetária, apesar de terem políticas de estabilização porventura mais restritivas.

Ainda hoje foi anunciado que a produtividade dos trabalhadores norte-americanos aumentou no terceiro trimestre de 2003 a um ritmo anual de 9,4%, o mais acelerado das últimas duas décadas e que os custos laborais caíram 2,2% face a igual período de 2002, abaixo do esperado, já que os analistas aguardavam uma quebra de 5,6% no mesmo período.

Ora isto é um indício claro que não é pelo lado da procura que se promove o crescimento mas sim pelo lado da oferta. São necessárias políticas estruturais do lado da oferta que permitam uma mais eficiente utilização de recursos, o aumento da produtividade e portanto o crescimento. Para isso, há que actuar quer sobre os mercados de bens, quer sobre os mercados de trabalho.

É paradigmático que a taxa de desemprego na União Económica e Monetária tenha subido nas últimas décadas, enquanto nos EUA tenha diminuído, isto apesar de uma tendência mais inflacionista na Europa. É evidente que estes problemas jamais serão resolvidos com mais expansão da procura. Só reformas estruturais poderão resolver estes problemas.

Vejamos agora o caso português integrado no contexto que acabamos de descrever.
No caso de Portugal, com uma pequena economia aberta como a nossa, a participação na União Europeia e na moeda única assegurava a estabilidade monetária de um regime de inflação baixa. Igualmente os agentes económicos beneficiavam também da estabilidade cambial com uma área económica para onde destinam o essencial da sua produção de bens e serviços.

Tudo isto deveria garantir as condições necessárias ao crescimento, ou seja, inflação baixa, política orçamental sustentável, abertura da economia a mercados sem distorções.

No entanto, o que se pode dizer é que o quadro das políticas de estabilização da União Económica e Monetária foi demasiado permissivo para a tendência laxista dos governantes portugueses. Quando Portugal aderiu à moeda única, as taxas de juro portuguesas aproximaram-se por essa razão das que vigoravam no núcleo da futura União. Como Portugal era dos países que tinha taxas de juro mais elevadas, foi dos que mais beneficiou com essa descida. Esse factor, por si só, teve uma incidência acentuada na diminuição do défice pela diminuição dos encargos com a dívida pública.

Assim Portugal pôde manter, durante os governos de Guterres, uma política orçamental expansionista e, simultaneamente, reduzir o défice orçamental. Determinados investimentos públicos, como o caso das SCUT’s, que geram imediatamente receitas fiscais volumosas (embora criando obrigações futuras) igualmente ajudaram a criar a ilusão que esta política era sustentável, apesar do excesso de procura gerado por esta política orçamental gerar por sua vez um défice externo crescente.

Teria sido muito mais fácil fazer a verdadeira consolidação orçamental no período do forte crescimento que foram os anos 1998-2000, do que na actual situação. E isto é tanto mais importante quanto a política orçamental não tem apenas como objectivo a prossecução do pleno emprego, mas também o de contribuir para a obtenção de uma inflação baixa e de um equilíbrio externo.

É um dilema de política económica: a necessidade de relançar o crescimento económico poderá sugerir a utilidade de uma política orçamental mais expansionista, mas, em contrapartida, uma elevada inflação e um forte desequilíbrio externo aconselhar exactamente o oposto

Ora a manutenção em Portugal de uma inflação acima da média europeia significa um agravamento permanente dos custos dos factores de produção internos e, por conseguinte, uma perda de competitividade das empresas que, na ausência dos instrumentos tradicionais de estabilização, impossíveis de utilizar no quadro da moeda única, apenas poderá ser suprida, a prazo, com o encerramento de empresas e com mais desemprego.

É isso que tem sucedido nestes últimos anos em Portugal e esse é, portanto, um desequilíbrio que temos de corrigir rapidamente, aceitando a lógica da moderação salarial, sob pena de nos virmos a confrontar num futuro próximo com as consequências da única possível correcção para essa situação: aumento do desemprego e agravamento da recessão.

Publicado por Joana às 10:03 PM | Comentários (19) | TrackBack

novembro 25, 2003

O Pacto de Estabilidade e Crescimento

A França e a Alemanha já haviam anunciado que não iriam cumprir o Pacto de Estabilidade. Agora parece decidido que não irão sofrer sanções por causa dessa infracção. Os ministros das finanças dos 12 da zona do euro aprovaram hoje por sólida maioria uma resolução que permite uma nova “interpretação” dos défices públicos da Alemanha e da França e que na prática suspende a aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Apenas o Comissário Solbes se empenha em acções “punitivas”. Teria aliás que o fazer, senão cairia no ridículo depois das ameaças que fez a Portugal durante 2002.

O que há de caricato em tudo isto, foi ser a Alemanha a principal impulsionadora do Pacto de Estabilidade e Crescimento, com os severos 3% de limite de défice orçamental que impôs por desconfiar da indisciplina crónica dos europeus mediterrânicos, e ser agora a principal incumpridora e a causa das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento passarem a letra morta.

Era bom termos um Pacto de Estabilidade e Crescimento. A União Europeia ao ter uma moeda única precisa de uma regra de disciplina orçamental. Era mau termos um pacto “cego”, fixado num valor de partida, arbitrário, independente das variações das conjunturas económicas dos estados membros e da UE no seu todo.

A necessidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento é evidente: com a união monetária, os mecanismos económicos de controlo do endividamento para cada estado membro desaparecem e têm que ser substituídos por um instrumento legal.

Quando um país com moeda própria vive uma situação deficitária, quer orçamental, quer nas suas contas com o exterior, os mecanismos económicos actuam e levam aos reajustamentos das taxas de câmbio. Se Portugal não estivesse ligado ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, os governos de António Guterres poderiam ter continuado a sua política laxista, pois os mecanismos económicos agiriam na “sombra”, reajustando o valor da moeda, corroendo o poder de compra dos cidadãos e repondo a verdade económica à custa da carestia da vida, principalmente nos bens importados, mas mesmos nos bens de fabrico nacional que parcialmente incorporam importações (nem que fosse a energia).

Se o laxismo continuasse, Portugal poderia ter caído numa situação semelhante à que ocorreu na Argentina, onde as transacções se passaram a fazer preferencialmente em espécie, e que se transformou do país mais rico da América do Sul, num país a viver na maior das misérias.

Surgiriam então comentários indignados nos fóruns da net e em alguns artigos e notícias nos mídia, acusando tudo e todos da miséria da situação, nomeadamente os agentes económicos mais “imponentes” – Bancos, grandes empresas, etc. – mas com o resultado estéril a que as invectivas ignorantes conduzem.

É por isso que eu penso que este Pacto de Estabilidade e Crescimento é extremamente útil para nós e deve ser respeitado. Ele evita que os nossos governantes caiam no laxismo ou, quando caiem e não sabem como se livrar da situação, se demitam, como fez António Guterres.

O Pacto de Estabilidade e Crescimento obriga a que, apesar dos inúmeros cretinos que continuam a debitar disparates sobre a situação económica e social em Portugal, os nossos governantes ajam com responsabilidade, quer o governo actual, embora com incompetência e com uma Ministra das Finanças, excelente técnica ao nível da gestão de uma mercearia, mas discutível como gestora financeira do país, quer o governo de A. Guterres que, em vista da situação, se demitiu por incapacidade de a resolver, dados os compromissos e expectativas entretanto gerados.

Em qualquer dos casos, Portugal e os países cumpridores ficam agora numa situação óptima para pressionarem para que sejam flexibilizadas as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, não no sentido do disparo dos défices por excesso de consumo público corrente, mas para que possa haver uma política de investimento público que seja adequada à conjuntura económica de cada país. Os limiares devem distinguir entre despesas correntes e despesas de investimento, sendo restritivo para as primeiras e dando flexibilidade às segundas ,consoante a conjuntura económica de cada país.

E é preciso que o façam, pois é indispensável um Pacto de Estabilidade e Crescimento, mas um pacto assente em bases sólidas e que tenha em conta os sinais dos mercados e das conjunturas económicas. Senão arrisca-se a tornar-se letra morta, como este.

Publicado por Joana às 02:53 PM | Comentários (35) | TrackBack

novembro 14, 2003

O Mercado e o Arrendamento Urbano

Numa economia de mercado, os valores dos arrendamentos urbanos deveriam ser estabelecidos pelo equilíbrio da oferta e da procura no mercado imobiliário. Pelo encontro entre o valor que o proprietário acha justo pelo espaço que disponibiliza e o valor que a entidade arrendatária ou o mercado em geral estão dispostos a pagar pela sua utilização.

Isto é válido para um arrendamento habitacional ou comercial.

No nosso país, durante o Estado Novo, regulamentou-se o congelamento de rendas em Lisboa e Porto. Como durante o regime salazarista a inflação foi praticamente inexistente, essa regulamentação, feita com o intuito de obviar a especulação imobiliária perante uma oferta reduzida, não conduziu inicialmente a grandes distorções do mercado. Contudo, com o aumento da inflação, iniciado no período marcelista e tornado galopante após o 25 de Abril, e com a extensão desse congelamento de rendas ao resto do país as rendas tornaram-se irrisórias, mesmo depois de ser permitida uma tímida actualização anual, a partir de meados da década de 80.

Todo este processo, feito com as melhores das intenções de justiça social e de protecção à habitação, teve um efeito absolutamente perverso: a degradação do parque habitacional, a ruína dos centros históricos de Lisboa e Porto e, em menor grau, das restantes cidades do país, a inexistência de um mercado de arrendamento eficiente, a opção pela aquisição de casa própria e o endividamento exponencial das famílias para o conseguirem.

O próprio Estado, o arquitecto da lei e responsável pela sua manutenção, ficou na impossibilidade prática de uma reforma fiscal adequada do património. Senhorios dos prédios antigos, recebendo rendas de miséria, descapitalizados, nunca poderão pagar impostos patrimoniais baseados num critério geral para todo o país. A perversão do mercado do arrendamento conduziu a miríades de situações, quer dos senhorios, quer dos inquilinos, todas diferentes, relativamente às quais não é possível estabelecer leis genéricas sob risco da ruína de dezenas de milhares de pessoas, senhorios, ou inquilinos, ou ambos.

E o mais perverso é que não foram só as rendas habitacionais que escaparam às regras do mercado. As rendas comerciais foram tratadas da mesma forma. Ora se face à habitação se pode falar de uma necessidade básica, de uma acção de filantropia social que, não tendo o Estado meios para a fazer, encarregava os senhorios, contra vontade destes, de a fazerem, no caso das rendas comerciais, estas são um factor de produção. Não há qualquer filantropia. O seu congelamento equivaleu a um subsídio que os senhorios portugueses, ao longo de décadas, deram, contrariados, à actividade comercial: lojas, escritórios, etc.. Ora uma política cega de subsídios retira incentivos à modernização. O comércio dos centros históricos foi perdendo qualidade relativa, cristalizou, e tem perdido mercado face ao comércio menos central e com maior mobilidade e aos grandes espaços. A degradação da qualidade da actividade comercial nos centros históricos tem igualmente concorrido para a ruína destes e para a sua desertificação.

Ora aqui está como a regulamentação do mercado, estabelecendo preços que não correspondem aos equilíbrios que se formariam pelo seu funcionamento normal, e a manutenção dessa situação ao longo de décadas, conduziu à ruína dos centros históricos das cidades, à derrocada dos prédios antigos, ao excessivo endividamento das famílias, à impossibilidade prática de uma reforma fiscal moderna do património e à absoluta injustiça social, onde as gerações mais antigas têm casas de rendas irrisórias, enquanto os mais novos têm um ónus terrível em despesas de habitação; onde os senhorios dos prédios antigos estão descapitalizados, sem capacidade de intervirem na reabilitação dos seus prédios e à mercê de qualquer intempérie que lhes pode causar prejuízos que eles não têm capacidade de suportar, enquanto os senhorios de áreas mais recentes têm rendimentos incomparavelmente superiores, com custos muito menores e com uma punção fiscal proporcionalmente mais benévola.

Adam Smith (sempre ele!) escreveu há quase dois séculos e meio que os agentes económicos, funcionando em mercado livre, “ao tentarem satisfazer o seu próprio interesse promovem, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretendem fazer. Nunca vi nada de bom, feito por aqueles que se dedicaram ao comércio pelo bem público”. Esta frase é lapidar: aqueles que tentaram, julgando servir o bem público, constranger ou impedir, o livre funcionamento do mercado, criaram situações de muito maior injustiça social e muito mais ineficientes e dispendiosas para o bem público e para toda a comunidade em geral, do que não o tivessem feito.

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O Mercado e o Trabalho

Numa economia de mercado, os salários deveriam ser estabelecidos pelo equilíbrio da oferta e da procura no mercado de trabalho. Pelo encontro entre o valor que o trabalhador acha justo pelo seu trabalho e o valor que a entidade empregadora ou o mercado em geral estão dispostos a pagar pela sua utilização.

Isto é válido para um engenheiro, uma economista, um médico, um romancista, um actor, etc..

Como a economia de mercado, sem regulamentação, poderia deixar que alguém passasse fome, ou incapacidade de prover às suas necessidades básicas, por insuficiência de “mérito” ou por situações estruturais do mercado que o afastassem do modelo de concorrência perfeita (caso da falta de transparência, cartelização do lado da oferta, por ex.), foram estabelecidas derrogações ao modelo concorrencial, quer por pressão, quer por consenso sociais, para acautelar situações de miséria ou exclusão social: o salário mínimo, o subsídio de desemprego, o rendimento de inserção social, etc.

A nível fiscal, para contrabalançar as diferenças salariais decorrentes do funcionamento do mercado, foram introduzidos os impostos progressivos e as transferências sociais.

Inicialmente, qualquer forma de coligação era proibida, pois criava imperfeições no regime de concorrência. A Revolução Francesa (Lei Le Chapelier) proibia expressamente todas as formas de associações sindicais, profissionais, empresariais, etc.. Todavia, por se verificar que os empresários tinham maior força negocial que os trabalhadores isolados, os Governos, pressionados pela opinião pública, permitiram o estabelecimento dos Sindicatos, que, em si, também é uma derrogação ao modelo da concorrência

Mas a avaliação económica do comportamento das sociedades tem mostrado que a política de redistribuição de rendimentos terá que ser concebida de forma a não menoscabar a eficiência do tecido produtivo pois se este perder a eficiência haverá cada vez menos rendimento para redistribuir.

Por outro lado, as derrogações à liberdade contratual e à mobilidade do mercado de trabalho criam situações de imperfeição no modelo concorrencial que começam por afectar a eficiência económica da sociedade como um todo e atingem em seguida aqueles que julgavam que essas derrogações os punham a salvo das “injustiças” do modelo concorrencial.

Pensemos no caso português. Na sequência do 25 de Abril, com o nobre intuito de proteger os trabalhadores, legislou-se no sentido de impedir qualquer despedimento ou flexibilização da relação laboral. Pensava-se que, com esses institutos legais, os trabalhadores ficariam eternamente protegidos contra a exploração capitalista.

Rapidamente o poder político se apercebeu que aquela legislação tinha um efeito perverso na evolução económica, desincentivando os empresários em aumentar o emprego, mesmo em períodos de expansão económica, e colocando o país em risco de cair no marasmo económico e, eventualmente, de levar empresas à falência e conduzir à diminuição daquilo que se queria conservar: os efectivos da população activa.

Mas os portugueses são hábeis em contornar obstáculos. Aconteceram então duas coisas. A primeira foi a proliferação do sistema de prestação de serviços contra recibos verdes, em completo arrepio ao espírito daquele sistema, inventado para as profissões liberais. Depois, veio a lei dos contratos a prazo, para introduzir alguma flexibilidade num mercado de trabalho rígido e à beira do estrangulamento.

Estes dois novos tipos de relações de trabalho tiveram um notável efeito estimulante na nossa economia e no nível de emprego. Portugal passou a ser, na União Europeia, o país em que o índice de desemprego era menor. Mesmo em períodos de grande crise, como no início da década de 80 ou no início da década de 90, enquanto o desemprego na Europa assumia níveis assustadores, em Portugal mantinha-se quase o pleno emprego.

Os empresários, em face de expectativas, mesmo medianamente favoráveis, admitiam pessoal com bastante facilidade, pois sabiam que podiam demitir esse pessoal, total ou parcialmente, quer se as expectativas se gorassem, quer se o pessoal não satisfizesse profissionalmente.

Todavia tal traduziu-se igualmente numa clivagem do tecido laboral no nosso país: o trabalhadores que nunca podiam ser despedidos e os trabalhadores sobre os quais pendia permanentemente a espada de Damocles da rescisão da relação laboral a prazo curto ou mesmo imediata. As novas gerações que acederam ao mercado de trabalho ficaram neste segundo grupo. O meu primeiro contrato de trabalho na vida privada, foi a prazo.

É claro que, na generalidade dos casos, esse pessoal, que nunca seria admitido se não houvesse aquelas facilidades, acabou por ir ficando e, no termo do contrato, passar a efectivo na empresa. Portanto, a mobilidade, mesmo parcial, do factor trabalho, permitiu aos empresários escolhas mais racionais, aumentarem o volume da sua actividade e possibilitar o seu crescimento e o aumento do nível de emprego. E aos trabalhadores terem acesso a postos de trabalho que o não teriam sem aquelas oportunidades.

Durante o governo socialista houve algumas tentativas para diminuir a amplitude daquele fenómeno. Foram tentativas frouxas, limando apenas algumas arestas, pois havia a consciência que retirar mobilidade ao mercado de trabalho teria efeitos nocivos sobre a economia e sobre o volume de emprego.

O governo actual tenta aumentar a mobilidade do trabalho na globalidade, tentando em contrapartida aumentar as garantias dos trabalhadores nos regimes de trabalho precário. Seria óptimo, mas duvido que o consiga. É fácil conceder regalias e benesses. Retirá-las é quase impossível. Não é inconstitucional aumentar as regalias concedidas ao factor trabalho. Todavia verifica-se que retirá-las é, quase sempre, inconstitucional. Mesmo se o resultado continuar a ser a manutenção da injustiça social entre as gerações dos trabalhadores.

No decurso da sua evolução, quando uma sociedade verifica que as regulamentações e derrogações à concorrência, entretanto criadas, retiram competitividade ao seu tecido económico, degradam a sua riqueza e se viram contra os próprios objectivos que estiveram subjacentes à sua criação, ela deveria eliminar ou mitigar algumas dessas regulamentações. Não o conseguir fazer pode ser mortífero para a evolução posterior dessa sociedade e para a sua prosperidade.

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