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julho 13, 2004

O Desemprego: Mitos e Realidades

Durante as semanas de «crise política» referi várias vezes o desastre que constituiria para o país um governo liderado por Ferro Rodrigues. Essa minha posição foi, frequentemente, tomada como eivada de facciosismo político. Vou aproveitar a calma de um dia em que se espera pacificamente pelas novidades sobre o novo governo para explanar melhor as minhas razões.

O PS de Ferro, aliado ao BE e, eventualmente, ao PCP seria um governo que apostaria no fim da contenção salarial e numa política keynesiana no que respeita à despesa pública. É aliás um aspecto interessante a forma como o socialismo democrático foi abandonando, a partir da cisão dos anos 20, o marxismo e foi ganho, nas últimas décadas, para o keynesianismo. No fundo mantém-se o mito estatizante, o mito da importância do papel dirigente do Estado como o motor do funcionamento da economia.

No keynesianismo, na versão de esquerda, é o aumento dos salários, e em particular dos salários baixos, que constitui o motor da economia. Isto em conjunto com os investimentos públicos, cuja noção da importância no desenvolvimento económico não é, aliás, apenas património da esquerda. Sobeja a indiferença pelos níveis dos défices públicos e das paridades das taxas de câmbio.

Ora uma política de rendimentos expansionista, que os faça aumentar acima da produtividade, produz de imediato um aumento do rendimento nacional em termos nominais. Antes da existência da moeda única, essa política de rendimentos induzia rapidamente um aumento da inflação pelos custos e uma desvalorização cambial. Era um processo relativamente rápido, até que o valor real dos rendimentos, em termos de poder de compra, voltasse ao valor anterior. Os rendimentos reais aumentavam, eram corroídos e caíam, num prazo curto, até chegarem a valores semelhantes aos de onde tinham partido, senão mesmo inferiores.

Com a moeda única, o ajustamento não pode ser feito através da desvalorização cambial. Nem sequer através da inflação, embora o primeiro efeito seja o aumentar da inflação. Simplesmente este efeito está limitado pela necessidade de manter a competitividade das empresas no mercado único europeu.

Portanto o efeito será a recessão e o desemprego. O desemprego aumenta através de vários efeitos conjugados. Há empresas que fazem reajustamentos no volume dos seus efectivos; outras fecham as portas. Muitos destes desempregados encontram um novo emprego depois. Mas, de acordo com o estudo recente realizado pela Faculdade de Economia do Porto, as perdas salariais nos empregos seguintes ao despedimento atingem 10 a 12 por cento.

Portanto o desemprego, mesmo o de curta duração, é uma forma do sistema económico reequilibrar rendimentos e produtividade.

Portanto os reequilíbrios económicos numa situação de moeda única e em caso de aumentos salariais acima da produtividade fazem-se à custa da recessão e do desemprego. O aumento do desemprego, o fecho de empresas e a diminuição do poder real de compra significam recessão económica. É um processo bastante mais lento que o anterior, mas mais profundo e mais difícil de inverter rapidamente. Em Portugal, a política de rendimentos expansionista levada a cabo entre 1995 e 2001, e à qual Pina Moura tentou debalde pôr cobro ainda durante o governo Guterres, só começou a ter um impacte significativo no emprego a partir de 2002, apesar de, logo nesse ano, essa política ter sido invertida. E os efeitos dessa política no volume de emprego vão continuar a sentir-se nos próximos anos. Pelo menos ainda em 2005, e isto se não se cair novamente na ilusão da insensatez salarial.

Trata-se, portanto, de um processo muito mais lento do que o anterior, quer no prazo em que se fazem sentir os efeitos aparentemente positivos provocados pelo aumento irrealista dos salários, quer no prazo que dura a recessão, quando a actuação dos mecanismos de equilíbrio económico repõem a verdade dos factos.

Ou seja, o actual enquadramento económico permite a perversidade de aumentos salariais irrealistas, sem que haja rapidamente a correspondente erosão monetária. Isto é, permite manter durante bastante mais tempo que na época da moeda nacional, uma ilusão de bem estar. Mas se os ajustamentos são muito mais lentos, são também muito mais duradouros e graves. A recessão, o fecho de empresas, o desemprego de longa duração de gente cuja idade dificulta a obtenção de um novo emprego, são situações de enorme gravidade que só muito parcialmente têm remédio após a retoma.

É claro que as regras do PEC tentam evitar que um país caia em semelhante situação. Todavia, no caso português, durante a primeira fase do governo Guterres, a descida das taxas de juro (provocada pela integração no euro), o lançamento das SCUT’s, etc., possibilitaram um aumento irrealista dos salários e da despesa pública sem menoscabo dos limites do PEC durante os primeiros anos. Mas passado o período em que a acção daqueles factores permitiu mascarar a realidade, esta veio ao de cima e a recessão abateu-se sobre a economia portuguesa com a violência que ainda se mantém.

É a perversidade de ser possível manter uma política salarial irrealista cujos efeitos negativos só se começam a tornar visíveis dois ou três anos depois, e cujo saneamento é moroso e envolve pesados custos sociais, que me fez considerar que um governo de Ferro aliado do BE poderia ser um desastre nacional, tendo em conta as opções económicas e sociais que ambos têm revelado. Nomeadamente quando falam convictamente na sua vontade de combater o desemprego sem perceberem quais são as suas causas profundas e pretendendo, inclusivamente, fazer uma política económica que a prazo vai fazer aumentar o desemprego.


Nota - Ler em complemento:
Desemprego, produtividade e despesa

Publicado por Joana às julho 13, 2004 07:56 PM

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Comentários

obrigado pela aula de politico-economia. Muito interessante!
Não tenho prederência política, mas estou atento à politica de Portugal e, pela força das coisas aos que governam este país, queria portanto deixar estas ideias relativamente ao texto da Joana:
Concordo consigo quando diz: "um governo de Ferro aliado do BE poderia ser um desastre nacional, tendo em conta as opções económicas e sociais que ambos têm revelado" e queria só acrescenter que é um cúmulo por Ferro Rodrigues ser licenciado em economia e professor universitário e Francisco Louçã ser doutorado e ter agregação em economia...


Mudando de assunto, António Costa disse esta manhã que o Sr. Vitorino, caso aceitasse o cargo de secretário geral do partido, sería o melhor entre todos os possíveis candidatos ... portanto calculo que o cargo de secretário geral do PS, não tendo sido aceite pelo António Vitorino, o Partido Socialista terá, obrigatóriamente uma 2ª escolha como líder - e não será o melhor de entre eles todos...
João Soares? Socrates?
como tem sido habitual nas últimas semanas, a ver vamos...

Publicado por: Ch'ti às julho 13, 2004 08:37 PM

Da economia e da corupção!

Publicado por: Eye of the tiger às julho 13, 2004 08:40 PM

O Estado deve combater o desemprego e não demitir-se como quer a Joana

Publicado por: Cisco Kid às julho 13, 2004 10:03 PM

O Cisco faz lembrar o M Portas que compara a guerra ao desemprego. Guerra ao desemprego sim, no Iraque, não

Publicado por: rui às julho 13, 2004 10:08 PM

Um post com muito interesse didáctico

Publicado por: Sa Chico às julho 13, 2004 10:11 PM

Boa aula de economia. Mas há mais coisas para além da economia. Justiça social, por exemplo

Publicado por: Tocha às julho 13, 2004 10:24 PM

Se você aceita o texto como aula, então haver justiça social gastando acima da conta, acaba em desgraça social.
Não lhe parece?

Publicado por: Novais de Paula às julho 13, 2004 10:51 PM

E aproveito para dizer à Joana que gostei de ler o texto

Publicado por: Novais de Paula às julho 13, 2004 10:53 PM

Novais de Paula em julho 13, 2004 10:51 PM:
Bem dito, de acordo!

Publicado por: fbmatos às julho 14, 2004 01:02 AM

Este post está envenenado pelo espírito reaccionário.
Justiça social é precisa

Publicado por: vda às julho 14, 2004 01:04 AM

Ou é impressão minha, ou a Joana defende que as politicas keynesianas de investimento público conduzem ao desemprego.

Os alemães e os franceses são tão maus economistas que resolveram fazer precisamente o contrário.

Com moeda única e tudo.

Um dos seus principais mentores foi Cavaco Silva.

O seu governo foi dos que teve políticas mais keynesianas.

Uma análise ao caracter expansionista ou contraccionista das politicas economicas não faz mal a ninguem.

A análise com base numa do trade of inflação-desemprego deinclinação negativa..já era.

Se analisar o perído despesista de que fala poderá constatar uma inclinação positiva, menos inflação e mais emprego.

Ma concordo com a produtividade, é pena que não tenhamos uma iniciativa empresarial que alguma vez se tenha preocupado com isso, preferindo aproveitar-se de governantes facilmente influenciáveis para ganharem alguma coisita com o negócio, estratégias que mantêm desde sempre, cuja última expressão foi a gula por fundos comunitarios.

Aí sim a falta de produtividade.

E em que classes sociais tem aumentado mais o rendimento sem a respectiva produtividade.

Quem tem auferido de mais elevados rendimentos sem o respectivo contributo para a receita e conseuqentemente para as politicas de investimento publico em infraestruturas?

Nos rendimentos do trabalho?

Vejamos quem anda a ser improdutivo.

Publicado por: paco às julho 14, 2004 10:33 AM

A luta contra o desemprego é prioritária e o resto é chachada

Publicado por: luso às julho 14, 2004 02:35 PM

A luta contra o desemprego é prioritária e o resto é chachada

Publicado por: luso às julho 14, 2004 02:36 PM

.

Publicado por: Bob às julho 14, 2004 02:38 PM

O Combate ao desemprego deve ser a nossa principal prioridade

Publicado por: J Cáceres às julho 14, 2004 04:36 PM

Vamos atacá-lo à bomba!

Publicado por: riuse às julho 14, 2004 04:42 PM

É sempre fácil discorrer algumas ideias sobre o desemprego quando se tem a barriga cheia.
Os únicos que tem autoridade para falar neste assunto são todos aqueles se de forma involuntária foram atirados para uma situação não desejada e para a qual, na maioria dos casos, o seu contributo foi um zero absoluto.
Já algum de V. Exas. viveu o drama do desemprego, que não se esgota apenas na perda de meios de subsistência?
Já algum de V. Exas. experimentou o que é viver o primeiro dia de desemprego? Acordar pela manhã, e subitamente, ser confrontado com a triste realidade: Eu hoje não vou ter a possibilidade de desempenhar a minha actividade profissional. É demolidor!
Deixem-se de fantasias. Neste caso é insdispensável viver a realidade no concreto da própria existência para se ter uma opinião válida.
Tudo o resto não passa dum mito.

Publicado por: Luis Filipe às julho 14, 2004 07:07 PM

paco em julho 14, 2004 10:33 AM:
Comecei a responder, mas como me alonguei vou responder em post próprio, daqui a pouco.

Publicado por: Joana às julho 14, 2004 07:29 PM

Luis Filipe
Julgo que não percebeu o que escrevi. Eu escrevi claramente que há políticas que muitos exigem e aplaudem julgando que melhoram a sua situação, ou a situação do país, quando afinal estão a criar uma ilusão que vai gerar, a prazo, recessão e desemprego.

O que você está a fazer é a dar socos no ar.

Claro que o desemprego é uma desgraça social e um drama para quem o vive. Mas na raiz desse drama está a convicção de muitos, nomeadamente dos sindicatos, que deveriam contribuir para a melhoria económica dos trabalhadores, em alimentar ilusões funestas.

Muitas vezes não são aqueles que obtêm algumas vantagens que são depois vítimas da recessão. O aumento excessivo da função pública fez diminuir a competitividade do sector produtivo (pois foi ele a pagar esse ónus) e lançou muita gente no desemprego que não teve nada a ver com aqueles erros: apenas foi vítima deles.

Publicado por: Joana às julho 14, 2004 07:45 PM

Joana: tem toda a razão. Infelizmente há muita gente que pensa como o Luís Filipe. Julga que o desemprego se cura obrigando as empresas a manter os trabalhadores.

Publicado por: fbmatos às julho 14, 2004 10:28 PM

Eu não partilho da ideia que as empresas tenham de subsistir, quais Santas Casas da Misericórdia, para manter artifialmente os posrtos de trabalho.
O que nós assistimos no ano passado foi uma atitude muito própria dum determinado tipo de capitalismo selvagem a que, eufemeisticamente, se passou a chamar "deslocalização das empresas".
Parece deixar transparecer, e os seus apoiantes idem, que os trabalhadores devem ser considerados apenas como um mero factor de produção,(natureza, capital e trabalho), mas hoje visto numa óptica descartável: usa e deita fora.

Publicado por: Luis Filipe às julho 15, 2004 05:20 PM

Luis Filipe em julho 15, 2004 05:20 PM
Se você viver junto à fronteira não vai encher o depósito a Espanha, deixando lá os impostos, em vez de encher em Portugal?
Você quando vai ao Hipermercado só compra produtos portugueses, para evitar a falência das empresas portuguesas, ou compra o que for mais barato e melhor?
Porque é que as empresas agiriam de outra maneira?

Publicado por: Hector às julho 15, 2004 05:28 PM

Caro Hector
Infelizmente vejo-me frequentemente confrontado com esta triste realidade de, nas grandes superficies, entar no sector das frutas e não encontrar qualquer produto de origem portuguesa:as cerejas são da Turquia, quando temos excelentes cerejas produzidas no Fundão; as peras vêm de Espanha, e assim não são consumidas as famosas pera rocha produzidas na região do oeste; as uvas vêm do Chile, etc., etc.
O que é que nos resta hoje em termos agrícolas, após a aplicação das sucessivas reformas da PAC?
E com o sector das pescas? E com os texteis?
Quais são as alternativas que se colocam? Uma total dependência do exterior?
O seu exemplo da gasolina é bastante curioso, e surpreende-me até que o tenha apresentado. Porque, como deve saber, um dos principais componentes do custo que o consumidor tem de pagar no preço da gasolina é o famigerado ISPP. Ora, este depende exclusivamente da politica fiscal adoptada. No nosso caso, a Dra. MFL (hoje até estou simpático para a tratar por DRA.)até devia ficar radiante ao saber que o crude aumentava diariamente nas bolsas de Londres e Nova Iorque. Quanto maior fosse o preço de venda da gasolina, quanto maior eram as receitas fiscais arrecadadas. Linear, como vê.

Publicado por: Luis Filipe às julho 15, 2004 07:19 PM

Joana:
Eu tenho muitas duvidas acerca da relação directa que diz existir entre o excesso de funcionários da função publica e a falta de competitivade do sector produtivo, porque sendo absolutamente certo que o número de trabalhadores do estado e autarquias é excessivo, é ousado estabelcer uma relação de causa/efeito com consequências directas no desemprego.
Vejamos dois exemplos. Os CTT e a EDP, que actuavam, e actuam no mercado num regime de monopólio, eram, há anos, os dois grandes empregadores nacionais. Quais as causas que determinaram uma tão grande redução no volume de emprego nessas empresas? E a redução de postos de trabalho nos sectores da banca e seguros fica a dever-se a quê?
Quanto aos outros sectores de actividade, creio que é necessário analisá-los cada um de per si, pois não comparaveis sectores texteis e de calçado com construção civil e obras publicas.
Pelo que me apercebo, a Joana está mais familiarizada com a macroeconomia e por isso, desculpe-me se estou a errar, desconhce o que se passa no interior das empresas.
Como classificar o tecido empresarial português, onde proliferam mais de 400.000 pequenas e médias empresas?Como foram formadas?Iniciaram a sua actividade com o capital social adequado, ou limitaram-se a cumprir a exigência do minimo legal?Quais as consequências resultantes deste "insignificante" pormenor?Remunerar os capitais próprios ou os alheios? Qual a preparação escolar e técnica dos nossos empresários? Praticam uma gestão de navegação à vista, ou socorrem-se de instrumentos de gestão?
Estão essas empresas apetrechadas com os capitais humanos e técnicos indispensáveis?
Como vê, não se pode cair numa análise simplista, que, compreendo, muitas vezes resulta da necessidade de se dar uma resposta apressada.
E que dizer, quanso se refere "pois foi ele (sector produtivo) a pagar o ónus"? Está a referir-se ao pagamento de impostos? Se sim, seria interessante ver o contributo das familias e das empresas em termos de receitas fiscais.
Relativamente ao mundo empresarial, este deve estar preocupado sim com a enorme evasão fiscal, que é, antes do mais, um sério problema de distorção concorrencial entre empresas cumpridoras e não cumpridoras.E estas são em número avassalador!!!
Ababo de ler no Jornal de Negócios que António Carrapatoso se referiu hoje a este problema, propondo, sem explicitar como, que deve ser combatido através dum sistema fiscal "objectivo, muito simples e consistente". Apetece-me dizer, ironicamente, que perdeu o ensejo de ser o novo ministro das finanças para por em prática as suas ideias. E completa com aquilo que já vem sendo tradicional: "sem perda do sigilo bancário"
Quem tem medo da perda do sigilo bancário? Os cumpridores? Neste aspecto, os americanos são uns pobres coitados.

Publicado por: Luís Monteiro às julho 15, 2004 08:02 PM

ubbah Ser td ÜBB@I-I!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ;) ***

Publicado por: JUBBAHB às outubro 27, 2004 06:13 PM

dass.. caralho do texto,pendurava-o numa arvore de Natal!

Publicado por: Eu às novembro 3, 2004 08:29 PM

Podiam estar descritas as CAUSAS de desemprego! ÜBB@H

Publicado por: JeanA às novembro 17, 2004 05:22 PM

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