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dezembro 20, 2004

Pausa para Reflexão

A marcação de eleições antecipadas teve uma vantagem. Pôs diversas personalidades dos meios políticos, económicos e mediáticos a reflectirem sobre o impasse em que o país se encontra.

Em primeiro lugar há a constatação que nem António Guterres, nem Durão Barroso, nem Santana Lopes conseguiram gerar uma dinâmica de mudança no nosso país, nem promover as reformas necessárias para essa mudança e para alterar a estrutura de funcionamento da nossa economia. Eu acrescentaria a estes nomes o de Cavaco Silva, porque, apesar de ter levado a cabo importantes mudanças no país, não conseguiu, nem me parece que tenha tentado, resolver o problema da ineficiência do sector público.

Não vale a pena falar dos governos anteriores a Cavaco, que não merecem qualquer crédito, quer por terem exercido o poder por tempo insignificante, quer por o desvario social e político em que se vivia e que impedia quaisquer reformas, mesmo que as quisessem fazer, quer pelo facto de serem, na maioria, gente sem clarividência, apenas preocupada com abstracções ideológicas, completamente fora da realidade. Em suma, uma década que levou Portugal a uma situação absolutamente calamitosa.

É certo que António Guterres exerceu o poder em circunstâncias diferentes das de Durão Barroso e Santana Lopes. Durante os primeiros anos do governo de Guterres poucos se aperceberam do abismo para onde Portugal estava a deslizar. Guterres pôde levar a cabo uma política despesista, como nunca tinha sido possível até então, porque estava escorado em situações conjunturais que gente mais avisada compreendia que eram ilusórias, mas às quais o grande público era insensível.

As baixas taxas de juro e o aumento do consumo, da actividade económica e do emprego gerados por essa política satisfazia o grande público. Apenas os que sabiam ler para lá das quimeras do dinheiro fácil se preocupavam com o que viria a seguir. Guterres, e Portugal, desaproveitaram as circunstâncias excepcionais do primeiro mandato legislativo para introduzirem reformas importantes nas finanças do Estado. Em vez disso, aproveitaram essas circunstâncias para uma política populista e insensata que se traduziu num agravamento significativo da situação real do país.

A partir daí foram as meias legislaturas de António Guterres (o 2º mandato), Durão Barroso e Santana Lopes (apenas 4 meses). Nenhum conseguiu resolver, nem sequer inverter, o percurso calamitoso da economia portuguesa. É certo que Guterres, no seu 2º mandato, estava manietado pelas concepções políticas que havia veiculado no mandato anterior. Por outro lado não era seguro que ele estivesse convicto da gravidade da situação, embora houvesse, entre os socialistas, individualidades que já teriam consciência do facto.

É igualmente certo que Durão Barroso teve uma governação atribulada, desfalcado das principais individualidades do seu partido, que recusaram integrar o seu governo, e muito contestado por diversos motivos (nomeadamente por falar na urgência de reformas, que nunca chegou aliás a concretizar), dentro e fora do seu partido. Finalmente o governo de Santana Lopes foi morto à nascença. Santana Lopes nunca teve condições para governar, mesmo que o seu governo tivesse capacidade para tal.

Ora estes 3 governos integraram e foram directamente apoiados, em teoria aritmética, por tudo o que há de mais notável nas estruturas partidárias de partidos que compreendem 80% do eleitorado português – PS e PSD (neste último com a excepção de alguns dos seus notáveis). Além do mais, os 2 últimos governos contaram ainda com o apoio, embora como sócio menor, do PP. Apenas ficaram fora das responsabilidades governativas partidos da franja da esquerda radical, mas cujo concurso para as soluções da economia portuguesa seria uma completa calamidade, atendendo aos modelos económicos e sociais que propõem.

Portanto toda a classe política portuguesa, por acção (quase todos) ou omissão, esteve implicada no processo que tem conduzido à situação actual. E será entre estes políticos que teremos que escolher o governo que terá por missão salvar o país da desgraça em que se encontra. Desgraça para onde os seus erros e desleixos, ou incompetências, nos foram arrastando.

Mas será que 80% a 90% (descontando os restantes, que são lunáticos) da classe política portuguesa é incompetente? Obviamente não. Individualmente, a maioria deles não será incompetente. O problema é que toda essa classe está manietada pelos lobbies corporativos que têm amplas e profundas ramificações nos interiores desses partidos. O problema é que toda essa classe está manietada pela necessidade de ganhar eleições a qualquer preço, para satisfazer as suas clientelas partidárias. Para tal tem que fazer promessas ilusórias para cativar um eleitorado que, obviamente, não quer ver diminuído o seu poder de compra e a estabilidade e o imobilismo do seu posto de trabalho, no caso do sector público.

Portanto vamos assistir mais uma vez à formulação de promessas que não poderão ser cumpridas, e iremos viver depois uma governação que terá total dificuldade em seguir uma política de verdade por lhe estarem permanentemente a lembrar as promessas feitas e deixadas na gaveta. E esses apelos ao despesismo vêm não apenas de fora, mas também de dentro do partido (ou partidos) do governo. Portanto, o governo que sair das próximas eleições começa a sua governação fragilizado pelas promessas a que foi obrigado, para ganhar o poder.

Para se fazerem as reformas de que o país necessita para evitar esta descida contínua ao abismo, é necessária a congregação de mais de dois terços dos deputados, para permitir que se façam as leis necessárias a essas reformas, e as alterações constitucionais necessárias para que essas leis não sejam arguidas de inconstitucionalidade. É necessário um amplo apoio do espectro político, porque serão reformas que terão um impacto muito profundo no sector público, não apenas no número dos seus efectivos, como na avaliação do seu desempenho, como nos hábitos de aquisição de consumíveis (o SNS está incontrolável, neste aspecto) e outras despesas afins.

Porque a questão não é apenas a do défice orçamental. Qualquer desafogo dos orçamentos familiares salda-se imediatamente pela derrapagem das nossas contas com o exterior. A competitividade do nosso sector exportador continua a diminuir face à concorrência internacional, quer pela conjuntura internacional, quer pelos estrangulamentos internos, e qualquer aumento do rendimento disponível das famílias é maioritariamente despendido em bens importados.

Se não se fizer isto, todos os fins de ano vão ser palco das cenas que estamos a viver agora. Como há dias escrevi aqui em «A Tirania do Défice(*)», parecia-me impossível que o Eurostat aceitasse uma operação que, em termos simples, era trocar dinheiro por uma declaração de dívida caucionada por cerca de 60 imóveis. O défice, tal como os custos e proveitos das empresas, não é medido em termos de fluxo de pagamentos, mas em termos de fluxo de compromissos, pagos ou em dívida. Não entendo como o Ministro das Finanças acreditou que o Eurostat avalizasse semelhante operação.

Nesta emergência, o governo só tem dois caminhos: 1) vende os imóveis, e considera menos relevantes os princípios éticos que apregoou quando desistiu da venda, pela razão de ser um governo de gestão; 2) desiste da operação, admite um défice superior ao limite do PEC e permite que o próximo governo tenha mais bens para poder alienar no fim de 2005, para trazer novamente o défice para valores inferiores ao limite fatídico. Mas o primeiro caminho só será viável se tiver o aval do PR, o que talvez seja possível face aos problemas que o não cumprimento do défice nos poderão trazer. Lembremos que Portugal, contrariamente à França e à Alemanha recebe fundos comunitários, e está por isso numa posição muito mais vulnerável.


(*) Escrevi então: Mas se não há alienação patrimonial não percebo como tal poderá ser aceite por Bruxelas, porque me parece ter uma característica similar à hipoteca, embora com a designação pomposa e anglo-saxónica de lease and lease back.

Publicado por Joana às dezembro 20, 2004 11:41 PM

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Comentários

Dizem que o sector público também é responsável pela pandemia de gripe que foi anunciada em Singapura...

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 21, 2004 12:19 AM

A Joana voltou...
Procura "bodes expiatórios" em tudo quanto é sítio.
Redonda de conversa, a mesma da "pesada herança", a tal que tem servido aos políticos (maus) para não governarem, e da qual já estamos todos um pouco fartos.
Ela, a conversa, serve no entanto de "manto" protector para desculpar, aqueles que o povo português escolheu em 2002, porque tinham prometido encetar novo caminho!
Não só não o fizeram, como estragaram ainda mais o que já estava.
Depois foi o rol de fugas, trapalhadas, etc...

Publicado por: E.Oliveira às dezembro 21, 2004 12:28 AM

Tem toda a razão. E a sua dúvida do outro dia confirmou-se.

Publicado por: VJSousa às dezembro 21, 2004 01:15 AM

...e a solução da Joana é : o Centrão !
o mesmo, com as mesmas políticas, dos últimos 10-15 anos.
sobre a criatividade das soluções...estamos conversados.

Publicado por: zippizz às dezembro 21, 2004 01:17 AM

Afixado por zippizz em dezembro 21, 2004 01:17 AM:
Que soluções propõe?

Publicado por: David às dezembro 21, 2004 01:20 AM


Dizes tu ó Janica tendenciosa: "Em primeiro lugar há a constatação que nem António Guterres, nem Durão Barroso, nem Santana Lopes conseguiram gerar uma dinâmica de mudança no nosso país, nem promover as reformas necessárias para essa mudança e para alterar a estrutura de funcionamento da nossa economia." Tás-e a esquecer do teu ídolo, o Portas, que também não presta para nada a não ser sacar comissões...

Publicado por: Átila às dezembro 21, 2004 01:38 AM

O Portas também 1º Ministro?

Publicado por: Coruja às dezembro 21, 2004 02:02 AM

O Portas também foi 1º Ministro?

Publicado por: Coruja às dezembro 21, 2004 02:03 AM

A solução é acabar definitivamente com intermediários incapazes e deixar que Bruxelas governe directamente o país.

Publicado por: Senaqueribe às dezembro 21, 2004 10:38 AM

Senaqueribe em dezembro 21, 2004 10:38 AM:
Essa solução era boa. Não resolvia todos os nossos problemas, porque são problemas da nossa índole, mas unia-nos contra o estrangeiro, em vez de discutirmos uns com os outros

Publicado por: Humberto às dezembro 21, 2004 11:25 AM

Um amigo meu dizia que as pessoas confundiam clarividência com ser de direita.

De certa forma é o que confirmam os histéricos que estão cá sempre a comentar, sem acrescentar nada de útil, apenas com a lógica da desconversa.
Gostam de usar a liberdade, que detestam ver ser usada pelos outros.

Mas os "zippizz" e os "átilas" representam bem os portugueses, que há muito esgotaram a sua vertente lúcida e corajosa. Mas ainda têm em si aquele engenho típico luso e descobriram rapidamente que estes comentários são uma boa terapia.

Publicado por: Mario às dezembro 21, 2004 11:25 AM

Mario em dezembro 21, 2004 11:25 AM:
O amigo tem razão. A esquerda é intolerante, troça das opiniões dos outros, mas não acrescenta nada.
A contestação ao Santana foi apenas troça de coisas menores. Não houve contestação das políticas.
É um nojo.

Publicado por: Hector às dezembro 21, 2004 11:35 AM

Sobre a capacidade deste executivo já quase tudo foi dito e redito, acresce uma observação sectorial na pasta da cultura onde nunca houve uma orientação como por exemplo em relação aos teatros nacionais, revelando um confrangedor vazio de ideias, conhecimento acompanhada numa total ausência de debate.
O ponto central deste comentário é a sua defesa pela figura da revisão constitucional profunda, digo-lhe que não vejo nesse desejo mais do que a promoção de “mais do mesmo” no sentido em que todos os esforços nesse sentido redundam na impossibilidade conjectural. Sobre os politicos prevalece o interesse na escolha e não o projecto é um dilema para com criatividade ser superado. Cumprimentos

Publicado por: vitorjose às dezembro 21, 2004 12:46 PM

E continuam as trapalhadas ...

Publicado por: vitapis às dezembro 21, 2004 02:38 PM

Está tudo a mexer: uns a trabalhar, outros a atrapalhar.

Publicado por: Senaqueribe às dezembro 21, 2004 04:10 PM

Por muito que isto nos custe, sair desta trapalhada económica exige duas etapas:

Primeira etapa: deixar cair o nosso poder de compra cerca de 10 a 15%, o que será precedido por um aumento do desemprego até aos 15 ou 20%.

Segunda etapa: reconstrução do tecido produtivo português, dirigido sobretudo para a exportação.

Só depois da segunda etapa cumprida será possível retomar o caminho do crescimento económico e da recuperação dos niveis de vida. Tudo isto vai levar vários anos, talvez 15 ou 20. Até lá é só apertar o cinto. E quanto mais depressa se começar, mais depressa chegamos ao fim deste calvário. Mas, como não há um único político capaz de dizer a verdade aos portugueses, receio que o processo se vá arrastar muito mais tempo do que seria desejável.

Publicado por: Albatroz às dezembro 21, 2004 07:33 PM

Afixado por David em dezembro 21, 2004 01:20 AM Afixado por Hector em dezembro 21, 2004 11:35 AM Afixado por Mario em dezembro 21, 2004 11:25 AM

o vosso governo nem precisa de oposição ; uns encartes publicitários de 100.000 euros cada, resolve mais que qualquer discurso estruturado contra o governo ; e não são só os que apoiam o governo que pagam impostos ... aqueles a quem Vcs insultam também pagam os vossos encartes .

Publicado por: zippizz às dezembro 22, 2004 10:58 PM

Pausa?

Publicado por: Roberto às fevereiro 28, 2005 08:15 AM

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