« Eles Governam, Eles Perdem | Entrada | Abruptamente ... no passado »

maio 13, 2004

O Espectro da Destruição do Estado Social

Um espectro assombra a Europa – o espectro da Destruição do Estado Social. Todas as forças sociais da velha Europa se aliaram numa sagrada caçada a esse espectro: as oposições de esquerda em França e na Itália, a oposição de direita na Alemanha, socialistas e radicais portugueses e os sindicatos ... todos.

Onde está o partido no governo que não tivesse sido desacreditado pelos seus adversários (oposição e sindicatos) sob o anátema de preparar a destruição do Estado Social ? Onde está o partido da oposição que não tivesse sido desacreditado por outros partidos oposicionistas e pelos sindicatos como estando conluiado nesse fim iníquo?

O Estado Social tornou-se um espectro que assombra os políticos que quando na oposição vivem no pesadelo da sua destruição, e que, quando governo, vivem no pesadelo de não saberem como pagá-lo.

A invocação do Estado Social tornou-se uma vaca sagrada do pensamento político de um importante segmento da esquerda. Acredita na virtude imaterial do espírito da solidariedade social que permitiria conceder reformas a todos aos 60 anos e sustentar desafogadamente todos os milhões de reformados; que permitiria que todos os estudantes se matriculassem gratuitamente no ensino superior, estudando o que entendessem pelo tempo que lhes apetecesse; que permitiria que todos tivessem acesso gratuito, sem excepções nem restrições, à saúde, justiça, etc.. E o que há de imaterial nesta ficção do espírito da solidariedade social é que a sua gratuitidade e a sua generosidade são fictícias. Alguém tem que pagar.

Mas a questão não é só a de alguém ter que pagar – o Estado português sempre descobriu filantropos malgré eux. A questão é a repercussão dessa punção no rendimento nacional no desenvolvimento económico.

Vejamos o caso português. Nos últimos vinte anos a nossa economia cresceu 80%; as arrecadações fiscais, 155%; a despesa total, 170%; os salários, as pensões e os subsídios, 209% (números de Medina Carreira). O peso das despesas públicas subiu assim mais de 50% entre 1980 e 2000 (30,9% do PIB em 1980 e 46,6% em 2000), com o crescimento económico sempre em desaceleração (7,5% em média anual nos anos 60, 4,5% nos anos 80, 2,7% nos 90 e, provavelmente, não mais que 1,5% entre 2000 e 2010). Entre 1980 e 2000 a carga fiscal portuguesa aproximou-se muito da média da UE dos 15. O número de funcionários públicos e de pensionistas (SS+CGA) era de 560.000 funcionários e 1.780.000 pensionistas, em 1980 e cresceu para 747.000 funcionários e 2.907.000 pensionistas, em 2000. Nesse período a população terá crescido entre 5% a 10%.

Os números actuais do peso do Estado no PIB são similares aos da Europa desenvolvida. As prestações sociais é que não têm comparação. O modelo do nosso Estado Social é comparável ao da Europa desenvolvida pelo ónus que representa para o contribuinte português. As retribuições que este recebe é que são parcas. O Estado Social português vive em autofagia.

A expansão da punção fiscal foi dupla da criação de riqueza (PIB), mas apesar do bom comportamento financeiro dos impostos, entre 1980 e 2000, regista-se um enfraquecimento acelerado da capacidade fiscal para suportar as despesas. Todos falam em combater a evasão fiscal. É óbvio que deverá ser combatida. Aliás, a evolução das arrecadações fiscais face ao PIB mostra que tem diminuído. Todavia aqueles que mais clamam contra a evasão fiscal apenas pretendem extorquir dinheiro para continuar a alimentar o monstro, o Bal Marduk desta Babilónia do extremo ocidente europeu. Não pretendem desonerar os contribuintes cumpridores.

Alguns políticos da oposição têm sugerido mezinhas neo-keynesianas. Aumento dos gastos públicos e “esquecer” os limites impostos pelo PEC. São eles, todavia, que se esquecem que não existe em Portugal uma oferta interna capaz de prover ao aumento da procura interna resultante do aumento do rendimento disponível induzido pelo aumento da despesa pública. A contrapartida do aumento da procura interna seria o aumento das importações e o agravamento dramático da nossa balança de transacções com o exterior. Não aumentaria apenas o défice público, mas também o défice com o exterior e o endividamento geral do país. Mesmo que não houvesse os limites impostos pelo PEC seria uma política insustentável a médio prazo e com uma heraça extremamente penalizadora.

Outros políticos da oposição nem sugerem nada. Apenas querem manter o que está e, se possível, com mais regalias. Essa esquerda pensa que o Estado Social se conquistou, se defende e defenderá com acções de rua ou com o castigo pelo voto de quem o quiser reformar. Essa esquerda esquece, ou finge esquecer, que se a economia não providenciar, de forma sustentada, fundos para alimentar o Estado Social este não funciona, ou funciona mal. Essa esquerda apenas está a alimentar falácias que, a terem apoio, nos levariam, a todos, a um impasse.

Precisamos de modernizar a economia criando condições favoráveis ao investimento, nacional ou estrangeiro, apostar na qualificação da mão de obra, quer directamente pelo Estado, quer incentivando essa qualificação nas empresas e melhorar muito o desempenho da administração pública, desburocratizando os seus procedimentos, requalificando o pessoal e implementando uma avaliação eficaz do seu desempenho.

Em simultâneo precisamos de repensar um novo modelo do Estado Social. Sem dramatismos nem demagogias. É necessário manter o Estado Social, mas não este e a funcionar da forma como está. Se não lhe introduzirmos modificações profundas as maiores vítimas serão os mais desfavorecidos da nossa geração e das gerações seguintes. Pior, seremos todos nós e de forma cada vez mais gravosa.

Publicado por Joana às maio 13, 2004 08:15 PM

Trackback pings

TrackBack URL para esta entrada:
http://semiramis.weblog.com.pt/privado/trac.cgi/105161

Comentários

Concordamos que é necessário "manter o Estado Social". Quanto a não ser "este", tenho as minhas dúvidas. Quanto a funcionar melhor do que está, estou de acordo.

Publicado por: c seixas às maio 14, 2004 01:46 AM

Defenderei o Estado Social com acções de rua, se for preciso, sim senhor

Publicado por: Cisco Kid às maio 14, 2004 01:46 AM

O seu texto contém informação muito útil para se ver a situação para onde nos levaram. E não foi apenas o anterior governo. É uma herança que já vem detrás.
Hoje em dia consegue-se melhor informação em alguns blogs do que na maioria dos meios de comunicação.
Parabéns

Publicado por: Rui Pereira às maio 14, 2004 02:43 AM

Os números que aponta são inquietantes. A sua conclusão ainda mais.
Tem que haver uma saída social para a situação.

Publicado por: Vitapis às maio 14, 2004 10:27 AM

Os números que aponta são inquietantes. A sua conclusão ainda mais.
Tem que haver uma saída social para a situação.

Publicado por: Vitapis às maio 14, 2004 10:27 AM

Estado Social? Como se pode acabar uma coisa que nunca tivemos? Andam a enganar quem?

e, depois, como explicar que as coisas funcionem, há muitos anos,numa suécia,noruega,islândia, finlândia...? como é que estes providenciam, de forma sustentada, fundos para alimentar o Estado Social que de facto têm? Pois é!
A Joana chama-lhe falácias . Há quem lhe chame inteligência. Defender o Estado Social é um acto de inteligência e chega. Nem que seja na rua como propõe o Cisco mas creio que quando aí chegarmos já será tarde de mais como tudo neste país. Este povo só há-de acordar quando já não tiver mais nada para meter na boca aos filhos.quando não tiver dinheiro para pagar a consulta ou a operação no Hospital S.A.. Quando as escolas dos seus filhos (as públicas , claro, entretanto metodicamente degradadas) se tornarem verdadeiros campos de criminalidade, selvajarias e toxicodependências várias etc. etc.etc. que é para onde estamos a caminhar cantando e rindo ao som da musica dos netos de salazar e franco.
começo a acreditar nalguns amigos meus quando me diziam que o MRPP era uma criação da cia.
depois diga-me que estou a ver filmes ou que tenho problemas de iliteracia. já lhe ouvi chamar coisas mais engraçadas.

Publicado por: dionisius às maio 14, 2004 04:55 PM

Joana, infelizmente o que escreve eh verdade. A economia na Alemanha estah num impasse terrivel. Ninguem vislumbra saida. O pessoal não quer prescindir de nada e os politicos não sabem que fazer

Publicado por: Filipa Zeitzler às maio 14, 2004 05:14 PM

O Estado Social está num impasse. Nisso estamos de acordo. Como será a solução é que poderemos discordar.
Agora fazer apelos patéticos a ele é que não leva a nada

Publicado por: Trofa às maio 14, 2004 05:41 PM

Filipa: a diferença é que o Estado Social alemão custa caro, está num impasse, mas funciona.
Aqui custa caro, está num impasse, e não funciona.

Publicado por: fbmatos às maio 14, 2004 07:15 PM

De um lado os números, do outro só tretas.

Publicado por: Mocho às maio 15, 2004 05:40 PM

Filipa Zeitzler em maio 14, 2004 05:14 PM:
Seja bem aparecida. Portugal e a Alemanha vivem situações com alguma semelhança, embora com governos de partidos diferentes.
E digo alguma porque, como diz o fbmatos, o nosso Estado Social só é "social" pelo dinheiro que custa. As suas prestações são muito más.

Publicado por: Joana às maio 16, 2004 11:56 PM

Destruir o nosso “Estado Social” que não funciona, também não se perde muito

Publicado por: Rave às maio 19, 2004 07:51 PM

Parabéns Joana !

Felicito-o pela sua análise objectiva.

Sem criar riqueza não há politica distributiva que aguente.

Continue.
Aníbal Almeida

Publicado por: Aníbal Almeida às maio 25, 2004 02:35 PM

Não passam de reaças, todos!

Publicado por: z às junho 17, 2004 08:47 PM

Não passam de reaças, todos!

Publicado por: z às junho 17, 2004 08:47 PM

Não passam de reaças, todos!

Publicado por: z às junho 17, 2004 08:47 PM

Não passam de reaças, todos!

Publicado por: z às junho 17, 2004 08:47 PM

Não passam de reaças, todos!

Publicado por: z às junho 17, 2004 08:47 PM

Não passam de reaças, todos!

Publicado por: z às junho 17, 2004 08:47 PM

Não passam de reaças, todos!

Publicado por: z às junho 17, 2004 08:47 PM

Não passam de reaças, todos!

Publicado por: z às junho 17, 2004 08:47 PM

Não passam de reaças, todos!

Publicado por: z às junho 17, 2004 08:47 PM

Arre

Publicado por: Absint às fevereiro 28, 2005 05:51 AM

Pois

Publicado por: Absint às fevereiro 28, 2005 05:52 AM

Comente




Recordar-me?

(pode usar HTML tags)