« Teoria e Prática | Entrada | Deitar dinheiro à rua »

setembro 25, 2005

Apocalipse Now

Os 4 Cavaleiros do Apocalipse já não são a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte. A partir da última semana passaram a ser Fátima Felgueiras, Avelino, Isaltino e Valentim. Eleitores que se precatem, pois se caírem na tentação de votar neles, desencadearão a fúria do Apocalipse. Todavia uma imensidão separa os furiosos politólogos de agora, do “Águia de Patmos” de antanho. A fúria do apocalipse destinava-se a varrer da face da Terra a “Babilónia prostituída”. Quem agora esconjura os 4 Cavaleiros do Apocalipse não percebeu que eles não são (nem serão) a causa da “Babilónia prostituída”, mas o seu efeito. Nunca a prostituirão mais do que ela se encontra actualmente. Esta fúria apocalíptica da comunicação social e dos políticos não passa de hipocrisia.

Quer políticos, quer agentes da justiça, estão desprestigiados junto do eleitorado. Para um eleitor genérico, as figuras de Avelino e dos outros poderão estar mais desprestigiadas que a média dos políticos, mas para os eleitores aos quais eles se dirigem, não o estão. Em contrapartida têm obra feita, mesmo que essa obra possa ser, em alguns casos, mais ilusória que real. Para os eleitores a que se dirigem não representam nada de pior quando comparados com os políticos “centrais”. Bem pelo contrário, estão mais próximos, souberam granjear relações de confiança e as acusações de que são alvo são frequentemente tomadas por mentiras postas a correr pelos políticos distantes por mesquinhez ou inveja, com o apoio de uma justiça facciosa e que só funciona quando quer. Ou mesmo que essas acusações sejam consideradas como tendo algum fundamento de verdade, resultam de acções tomadas em defesa da terra, enquanto os políticos distantes são vistos como igualmente corruptos e, pior que isso, incapazes e deinteressados das questões locais.

Sempre houve corrupção nas Câmaras. Corrupção directamente proporcional à importância do urbanismo e das obras. Era uma corrupção generalizada e ao nível dos serviços. A emergência do “Poder local democrático” traduziu-se na camuflagem dessa situação em nome desse ícone sagrado. O poder autárquico foi, durante muitos anos, a jóia da Coroa da Revolução de Abril. Eram visíveis as ineficiências das Câmaras e os desperdícios de fundos públicos a que deram origem. Mas eram ícones e é blasfémia duvidar das excelências das coisas sagradas. Foram décadas em que a comunicação social se preocupava apenas em denegrir a imagem dos políticos “centrais”. Os políticos locais foram preservados em nome do “Poder local democrático”. Os serviços, esses, continuaram a agir com o despudor com que sempre haviam feito.

Subitamente as coisas mudaram. As empresas municipais, que estavam sendo criadas para agilizar processos em áreas onde os municípios tinham dificuldade em agir com rapidez, tornaram-se afinal entidades para prover empregos políticos ou mesmo para bombear fluxos financeiros para fora dos circuitos normais. Empresas Multimunicipais, criadas para acabar com o escândalo dos desperdícios camarários em investimentos em ETARs, ETAs, etc., que depois ficavam inactivas por incompetência dos serviços, tornaram-se centros de negócios que conseguiam lucros adicionais que enchiam os bolsos dos partidos. Era notável a unanimidade e o consenso com que os partidos partilhavam desses bónus, por muito irreconciliáveis que fossem as suas diferenças políticas.

Ou seja, entidades criadas quer para contornar uma estrutura legal burocrática e anquilosante, ou para melhorar a eficiência dos serviços prestados a nível local, tornaram-se, em muitos casos, centros de empregos políticos ou bolsas de financiamento partidário ou pessoal. E isso começou a trazer-lhes notoriedade pública. E os políticos locais caíram sob a lupa da comunicação social e da justiça. Mas apenas os políticos, porquanto os serviços continuam a agir, imperturbavelmente, como sempre fizeram.

Esse efeito causou um terrível tumulto. Descobriu-se agora que foi um tumulto apenas ao nível da comunicação social. A comunicação social andou estes meses a terçar armas contra monstros que ameaçavam tragar a democracia, perante o olhar irónico e algo indiferente dos portugueses. O Isaltino tinha uma conta na Suiça? Um riso escarninho ... e os outros? E as reformas chorudas de cargos semi-políticos, políticos e políticos e semi?

O Público, na edição de 6ª feira passada, conta a história de uma indemnização de 12 milhões de euros à Eurominas em que estiveram envolvidas figuras gradas do PS, como Alberto Costa, José Lamego, Vitalino Canas, José Junqueiro, Narciso Miranda e ... António Vitorino, que agiram, ao longo de todo o processo, quer como representantes do Estado quer como representantes da Eurominas, consoante os avatares eleitorais. Foi uma história em que ninguém mais pegou, apesar de envolver um actual ministro e um permanente candidato a qualquer cargo político importante no país ou no estrangeiro.

Tratava-se de um caso complexo, incapaz de ser reduzido a uma frase estentórica jorrada pela boca da MM Guedes e comentada com o sangue a escorrer pelas comissuras dos lábios de MS Tavares. Ao nível mental em que o país se encontra, já só têm interesse cenas boçais, de faca e de alguidar. Tudo o que extravase a boçalidade, o mediatismo circense e o voyeurismo não serve as audiências.

Nós temos o país que criámos ao longo destes anos. Queixamo-nos dos autarcas. Mas se nós os divinizámos durante décadas como uma das conquistas mais sólidas do 25 de Abril? Os políticos queixam-se dos interesses corporativos que agora impedem as reformas. Mas se foram eles que os criaram e os alimentaram para obterem os seus votos? Queixamo-nos da partidocracia. Então não nos tem sido repetido, desde há mais de 30 anos, que os partidos são a base da democracia? E não temos que acreditar nisso, sob o opróbrio de se ser salazarista, no caso de alguma dúvida sobre aquele conceito minar as nossas mentes? Queixamo-nos do laxismo da nossa sociedade. Mas não fomos nós que aprovámos e aplaudimos esse laxismo nas escolas que nos têm educado no último terço de século? Queixamo-nos dos políticos que nos têm governado. Acaso temos feito por merecer melhor?

Os 4 Cavaleiros do Apocalipse não vão modificar as coisas na “Babilónia prostituída”. E se modificarem será, mau grado eles e os seus detractores, no sentido de uma menor hipocrisia e de uma maior clarificação da coisa pública.

Se desbabilonizarmos e desprostituírmos secaremos a seiva que nutre aqueles cavaleiros e outros que se prefigurem no horizonte político. Esse é que deveria constituir o nosso objectivo, e não invectivas inúteis e farisaicas.

Publicado por Joana às setembro 25, 2005 05:56 PM

Trackback pings

TrackBack URL para esta entrada:
http://semiramis.weblog.com.pt/privado/trac.cgi/104907

Comentários

Esses quatro corruptos vão ganhar. E o país não se vai mover para o Atlântico nem um milímetro. Infelizmente. Nada de significativo vai mudar. Daqui a uns meses (anos, da forma como funciona a nossa Justiça) alguns desses senhores(as) poderão ser deditos, mas o nosso povinho hé-de escolher outros corruptos populares e que amantes de bébes e velhinhas para eleger. E o Circo vai continuar a passar...

Publicado por: Rui Martins às setembro 25, 2005 06:00 PM

ui ...a Joana acordou inspirada . Diz a má lingua aqui na terrinha , que o ( já vai com 4 ou 5 mandatos ) Jose Ministro Dos Santos , actual e futuro presidente da camara municipal de Mafra , deve ter uma fortuna consideravel graças um uma simples regra , por cada predio aprovado éra dado ao ilustre presidente da autraquia ou 50000 euros "cash" ou um apartamento ( duplex ) , mas isto é apenas má lingua , os factos são : varias empressas semimunicipais entre elas uma empressa proprietaria de uma auto-estrada (Malveira - Mafra ) .. hehehe , como este senhor deve haver poucos , (com uma auto-estrada não deve haver mais nenhum , no resto até deve haver bem pior ) .

Publicado por: jojo às setembro 25, 2005 06:54 PM

Ai a excelência destes textos!
Mais uma vez...FANTÁSTICO!

Aquele abração do
Zecatelhado

Publicado por: zecatelhado às setembro 25, 2005 06:56 PM

Achava piada a que ganhassem apenas porque isso seria uma machadada nas estruturas partidárias.

Publicado por: Redinha às setembro 25, 2005 07:16 PM

Nessa coisa das autarquias já sofri várias perdas de inocência. Faço votos de assistir ao 1º caso de aplicação do chamado Direito de Regresso sobre ex-autarcas, no caso José Luís Judas aqui em Cascais. Aí talvez comecem todos a ter mais pudor.

Depois há o problema da lei dos loteamentos.

Finalmente sempre houve corrupção, desde o Império Romano...

Publicado por: pyrenaica às setembro 25, 2005 07:19 PM

O caso de José Luís Judas foi o mais surpreendente. Um sujeito tido como sério por todos, um ex-sindicalista com muitos anos de sindicato e fazer aquela borrada toda.

Publicado por: vitapis às setembro 25, 2005 07:23 PM

Passou-se: 20 000 novos fogos licenciados, sobretudo no 2º mandato! tudo a rebentar como cogumelos depois da chuva.

A seguir passámo-nos nós.

Agora é ele outra vez.

PS dizem que a má da fita é a Zita, por quem ele tinha uma paixão, que ficou riquérrima no Brasil e depois se divorciou...

Publicado por: pyrenaica às setembro 25, 2005 07:29 PM

O "nós" foi muita gente, uns daqui, outros dali e outros dacolá, dos partidos ia desde os monárquicos ao BE, um dos mais importantes era um tipo do PS, e muita gente sem partido.

Serviu para alguma coisa, conseguiram-se travar urbanizações malucas, reduzir substancialmente outras, reconfigurar espaços, proteger algumas manchas. Mas é sempre à defesa. O sistema...

Publicado por: pyrenaica às setembro 25, 2005 07:35 PM

Agora também é verdade que nenhuma má da fita dá para desculpar um homem adulto: lixou-se.

Publicado por: pyrenaica às setembro 25, 2005 07:51 PM

Agora acho alguma graça à Fátima ter voltado. Tem pinta, acho eu. Mas confesso que não conheço de perto a história.

Publicado por: pyrenaica às setembro 25, 2005 07:56 PM

A chatice é que não gosto nada daquele loiro. Em Portugal as mulheres ficam todas loiras aos 50 anos!

Publicado por: pyrenaica às setembro 25, 2005 07:58 PM

Mas temos mais, a querida Isabel Damasceno ,que do alto do castelo de Leiria, assopra o apito dourado.

A dupla Rui Rio -Paulo Morais, e a sua sonata a quatro mãos OS EMPREITEIROS...

O nosso engenheiro Carmona e o seu popular fado dos TACHOS, e não esquecer tambem o seu grande êxito EU TENHO UMA RETRETE...

Em suma tudo boa gente no reino das laranjas podres....

Publicado por: corvo às setembro 25, 2005 08:01 PM

As rosas murchas parecem estar piores.

Publicado por: fbmatos às setembro 25, 2005 10:52 PM

olhe que não...
olhe que não...

Publicado por: corvo às setembro 25, 2005 10:58 PM

Por enquanto a frase da pré-campanha é :
"Os candidatos Bandidos"
Um bom título para um filme de série B .

Publicado por: zippiz às setembro 25, 2005 11:39 PM

Eu tenho boa impressão do Carmona Rodrigues. Ou por outra, tinha antes dele ter ido para a política. Desde então nunca mais o vi.
Mas presumo que não se tenha modificado.

Publicado por: Hector às setembro 25, 2005 11:53 PM

Modificou Modificou, Carmona Rodrigues durante quatro anos na Camara de Lisboa como numero 2 do Santana, aprovou o pouco de bom e o MUITO DE MAU que essa vereação executou.

Depois nesta fase final, as tricas com os vereadores do PSD, os tachos oferecidos ao PND e ao PPM , as conversas de retretes no debate com o Carrilho, a falta de respeito e as mentiras que veiculou sobre Gonçalo Ribeiro Teles, e para acabar, esta situação caricata, da venda do carro do Santana em segunda mão.

Não o credibilizam.

Se calhar era preferivel ter continuado como engenheiro, em vez de vir fazer figuras tristes para a Camara de Lisboa.

Publicado por: corvo às setembro 26, 2005 12:02 AM

Acho graça ao pessoal que agora diz cobras e lagartos do JL Judas.
Aposto que não se cansaram de chamar estalinista à direcção do PCP, quando o partido descobriu o aldrabão que ele era e se viu livre dele...

Publicado por: (M) às setembro 26, 2005 01:54 AM

O Apocalypse Now era mesmo um bom filme, não?

Publicado por: pyrenaica às setembro 26, 2005 08:22 AM

Não me parece que o Judas tenha saído do PC por ser trafulha. Saíu porque tinha opiniões diferentes sobre o movimento sindical.

Publicado por: Sa Chico às setembro 26, 2005 09:46 AM

vvvv

Publicado por: Senaqueribe às setembro 26, 2005 10:26 AM

abcd

Publicado por: Senaqueribe às setembro 26, 2005 10:27 AM

Desígnio nacional

Temos políticos peripatéticos
Com ideias caquécticas, esqueléticas
Anódinos, obtusos, amorfos
Sem tusa, lerdos
Imprestáveis e descartáveis.
Temos políticos
Uniformes, simétricos
Carreiristas, carteiristas
Cinzentões, amigalhaços
Caciques
Uns quantos palhaços
E alguns corruptos com a conivência geral.
Temos os políticos que merecemos
Neste país à beira-mar plantado
Que cheira a merda não cheira a flores
O país do não incomoda, não chateies
Amanhã logo se vê.
Temos a classe politica ideal
Para um grande desígnio nacional
Afundar de vez Portugal
E depois despedir todos
E começar o país outra vez.

(eroticidades.blogspot.com)

Publicado por: Senaqueribe às setembro 26, 2005 10:34 AM

"O homem é um animal político" Aristóteles

Portanto políticos somos todos nós. E como estamos na era da Revolução Digital isso fica patente...

Agora não basta dizer mal. Antes pelo contrário. É preciso compromotermo-nos com propostas concretas e alternativas, no terreno. É muito mais difícil. Dá mais trabalho.

Mas o resto é demasiado déjà-vu.

Publicado por: pyrenaica às setembro 26, 2005 10:45 AM

comprometermo-nos

Publicado por: pyrenaica às setembro 26, 2005 10:46 AM

Eu já estou comprometido!... Não me posso comprometer com mais ninguém.

Publicado por: Senaqueribe às setembro 26, 2005 11:37 AM

;-) tudo bem, eu também sou contra meter-me em relações, já aprendi essa...

Publicado por: pyrenaica às setembro 26, 2005 12:50 PM

;-) tudo bem, eu também sou contra meter-me em relações, já aprendi essa...

Publicado por: pyrenaica às setembro 26, 2005 12:51 PM

ralações...

Publicado por: pyrenaica às setembro 26, 2005 12:52 PM

Concordo que a exaltação de muitos políticos e analistas contra o "Bando dos 4" não passa de hipocrisia.

Publicado por: Valente às setembro 26, 2005 02:18 PM

É a vingança dos políticos do Terreiro do Paço/São Bento contra os políticos locais

Publicado por: Diana às setembro 26, 2005 03:18 PM

Se o "Bando dos 4" ganhar as eleições vou fartar-me de rir da cara dos políticos e dos analistas

Publicado por: Rave às setembro 26, 2005 05:14 PM

Eu não acho que eles devessem ganhar. Mas acho piada na medida em que é uma bofetada na política actual.
São precisas coisas que nos obriguem a repensar a nossa sociedade.

Publicado por: Rave às setembro 26, 2005 05:16 PM

Eu em relação ao Isaltino e à Fátima não tenho grande coisa a dizer. Mas penso que se os dois padrinhos mafiosos Valentim e Avelino ganharem as respetivas eleições, isso é coisa que não dá absolutamente nehuma vontade de rir nem tem absolutamente piada nenhuma.

Publicado por: Luís Lavoura às setembro 26, 2005 05:35 PM

Não me parece que o Valentim seja pior que a Fátinha.

Publicado por: AJ Nunes às setembro 27, 2005 12:04 AM

Pensando melhor esta comparação foi estúpida. Entre o muito mau e o péssimo, pouco há a dizer

Publicado por: AJ Nunes às setembro 27, 2005 12:06 AM

Tenho impressão que já vi um filme com esse título: O Mau, a Mazinha, o Péssimo e o Vilão

Publicado por: Coruja às setembro 27, 2005 12:08 AM

Afinal não é só o JMF que lê este blog. O antónio
ribeiro ferreira também (http://dn.sapo.pt/2005/09/27/opiniao/afinal_ainda_virgens.html)

Publicado por: David às setembro 27, 2005 12:00 PM

Há agora uma 5ª cavaleira: a Damasceno.

Publicado por: bsotto às setembro 27, 2005 06:11 PM

Fora os outros cavaleiros mais disfarçados que andam por aí.

Publicado por: Valente às setembro 28, 2005 09:33 AM

Nós julgamos que são 5 cavaleiros, e afinal são 308!

Publicado por: Carlos às setembro 28, 2005 05:25 PM

Quem não tem cão

Publicado por: Coruja às setembro 28, 2005 07:52 PM

caça com gato

Publicado por: Coruja às setembro 28, 2005 07:52 PM

É a vida

Publicado por: Coruja às setembro 28, 2005 07:53 PM

Comente




Recordar-me?

(pode usar HTML tags)