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dezembro 05, 2003

Descrença, pessimismo e indeterminação

Resposta ao Rui do Adufe

Como já lhe escrevi diversas vezes, o diálogo pressupõe que cada um entenda o que o outro escreveu e argumente sobre esse entendimento. Eu permito-lhe, como pediu, todas as interpretações coloquiais que entender. Agradecia todavia, por uma questão de ética argumentativa, que correspondessem, no seu significado, àquilo que escrevi e não ao oposto:

1 – Você é livre de fazer as interpretações que quiser sobre a minha frase acerca do PR. O que eu pretendi dizer era que o PR só declamava banalidades, sobre as quais estamos todos de acordo, mas que não tinham qualquer caracter operacional nem qualquer efeito prático. Como se costuma dizer, “quem sabe, faz, quem não sabe, ensina”. O que falta ao discurso do PR é a componente prática, o “como fazer”. Senão é uma panóplia de boas intenções, boa para aquecer os corações dos ouvintes, mas estéreis quanto a efeitos práticos. Por isso é que as designo por banalidades. Em resumo … mais ou menos o que você tem escrito.

2 – Temos que controlar “os défices” (público e com o exterior) e no período mais curto possível. Isso é inquestionável. Mas você tem todo o direito em não estar de acordo ou em submergir essa necessidade num mar de sentenças moralistas, certamente bem intencionadas, mas sem conteúdo prático. Portanto considero este assunto encerrado, por não vislumbrar nada em comum entre os nossos dois discursos.

3 – Eu não disse que “Estimular, promover e facultar a formação e a reflexão sobre o negócio, estimular a iniciativa privada e o investimento público reprodutivo” não passam de palavras vãs muito distantes de terem consequências práticas. Isso não passa de um discurso de uma Joana imaginária que você criou para debitar sobre ele as suas teorias. O que eu escrevi foi que essas e outras acções (sublinhando que elas já deveriam ter começado há muito) só surtiriam efeito a longo prazo e que entretanto eram imperativas acções no curto prazo.

Eu já repeti isto 3 ou 4 vezes. Se você não consegue entender, o problema é seu. O meu é o cansaço e o fastio de repetir coisas que você entende ao contrário.

Se eu tenho uma floresta a arder por não a ter desmatado, eu tenho que fazer 2 coisas. Uma, abrir concurso para uma prestação de serviço de limpeza do mato, apreciar as propostas, discutir as condições, adjudicar e consignar a desmatação; outra chamar os bombeiros para apagar o fogo. As duas são imprescindíveis. Telefonar de urgência para os bombeiros não significa menoscabo pela desmatação, nem que tal é uma coisa “”. O que eu nunca faria, seria começar a debater a questão filosófica da desmatação, enquanto lá atrás as chamas crepitavam e consumiam a floresta. Até porque, ao fim de alguns minutos, em vez da desmatação, teria que começar a debater a questão filosófica da reflorestação.

4 – Se estimular a oferta, o aumento dos rendimentos distribuídos às famílias resultantes do aumento da produção, reflecte-se no aumento da procura interna. Parece-me evidente e é a forma sustentável e saudável de desenvolver a economia. Pelo contrário, como já lhe tentei explicar várias vezes, o aumento da procura interna sem aumento da produtividade estimula fundamentalmente a oferta externa e o défice das contas com o exterior, sem falar do défice público criado pelo “estímulo da procura interna”.

5 – Quanto às micro-reformas da administração pública de que você fala, não consigo discutir coisas no abstracto, sem critérios de validade dos resultados. Engels costumava citar um adágio inglês que dizia que “a prova do pudim está no comê-lo”. Na minha opinião o que você escreveu não tem qualquer consistência prática. Você é de opinião contrária. Como não é possível cozinhar o pudim, acho melhor ficarmos por aqui, visto a discussão não conduzir a nada.

6 – Em Portugal, os gestores, desde o Marquês de Pombal, passando pelos liberais, que compraram eles próprios os bens nacionais que venderam como governantes, passando pela Lei do Condicionamento Industrial salazarista, etc., habituaram-se a viver à sombra do Estado. As delícias de Cápua corromperam o exército de Aníbal. As delícias de Cápua do Condicionamento Industrial corromperam a capacidade competitiva dos gestores portugueses. O salazarismo acabou e o choque europeu está a fazer mudar muitas mentalidades, mas há recaídas frequentes de empresários que querem apoios do Estado que são, frequentemente, inconvenientes para um desenvolvimento saudável da nossa economia. Isso é sabido e estou de acordo. Nem eu nunca havia dito nada em contrário.

7 – Quanto às alegadas “semelhanças teóricas entre os dois discursos” (o meu e o dos actuais governantes) que é o que a si o “preocupa no meu pensamento”, eu já lhe sugeri que lesse os textos anteriores que escrevi sobre estas matérias e cuja localização citei. Como eles estão publicados no Semiramis, achei que não devia fazer copy&paste para dentro deste último texto.

O que acho espantoso é que você repete a mesma coisa, mas depois, como um sinal de esperança num longínquo futuro de entendimento mútuo, põe entre parênteses que “hei-de ler os outros textos seus…”. Porque é que não experimentou lê-los antes de produzir alegações que nem correspondem às afirmações que escrevi nestes últimos textos, nem às que produzi nos textos que lhe citei.

7 – As experiências baseiam-se em casos pessoais. Não vejo o que isso tenha de criticável, a menos que não se seja capaz de perceber e valorizar a experiência que se viveu. Também há gente que baseia a sua “experiência” nos casos pessoais dos outros, por ouvir dizer. Isso sim, acho criticável.

8 – Para se ter fé não é preciso ser-se crente. Ter fé é acreditar em algo sem provas concretas que alicercem essa crença. Julgava, até ler o seu texto, que este entendimento fosse um dado adquirido no léxico português.

Publicado por Joana às dezembro 5, 2003 10:17 PM

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Recebido em dezembro 6, 2003 02:00 AM

Comentários

Cara Joana:

Gostaria de a ver comentar um post intitulado "Não está certo abusar da ingenuidade da juventude", no qual o autor do "Blogo Existo" (http://blogoexisto.blogspot.com) discorre sobre os textos que publica no "Semiramis".

Um abraço

NunoG

Publicado por: NunoG às dezembro 9, 2003 12:20 PM

NunoG :
Esquecia-me de lhe agradecer o ter-me chamado a atenção para o post em referência.
Obrigada.

Publicado por: Joana às dezembro 10, 2003 09:21 AM

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