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dezembro 07, 2003

Uma Homenagem

"O ser humano não é o homem bom de Rousseau, mas é um lutador permanente, capaz de construir valores e de dar o melhor de si por esses valores.

Luta pela liberdade e os direitos fundamentais, tão essenciais à sociedade como o ar que se respira. E luta pela igualdade, a mais actual das lutas por ser a que enfrenta os adversários mais poderosos e mais resistentes."

João Amaral - Colóquio da AML sobre Igualdade de Oportunidades (24-10-00)

João Amaral era um homem de convicções profundas. Tinha dedicado toda a sua vida ao Partido Comunista. Manteve-se fiel à ortodoxia quando apareceram as primeiras dissensões. Continuou com convicções fortes e sem dúvidas. Mas debatia as questões e aceitava a controvérsia. Era difícil contrariá-lo porque punha ao serviço das suas convicções uma poderosa capacidade e força argumentativa. Tinha todavia um charme muito dele que acabava por evitar que diferenças de opiniões criassem a cizânia.

Mesmo quando Carlos Brito, com quem mantinha uma relação de amizade muito para além das relações políticas, começou a ser marginalizado, pareceu que João Amaral continuava com as mesmas convicções fortes e sempre sem dúvidas. Pareceu inicialmente, mas não aconteceu assim. João Amaral encetou um percurso que pouco a pouco o levou a pôr em causa o funcionamento do partido, o centralismo democrático. Começou a aperceber-se de muitas das causas que tinham originado a implosão do mundo comunista na Europa de Leste. E a viagem à Coreia do Norte acabou por ser a sua Estrada de Damasco. Aquela caricatura sacralizada do marxismo, sociedade hierática, ritualizada, um universo orwelliano levado ao paroxismo, fez-lhe ver que teria que haver mudanças profundas no aparelho partidário para adequar o PC a uma sociedade democrática e tolerante.

E com o mesmo empenho que tinha votado ao serviço da ortodoxia do PC, lutou pela renovação do seu partido de sempre. E continuou a lutar com a mesma determinação mesmo depois de saber que o seu fim estava próximo.

Era, na minha opinião, uma luta inglória. A luta entre renovadores e a ala ortodoxa do PC não vai sair do impasse. Os conservadores estão prisioneiros da sua ortodoxia, dos chavões leninistas e da III Internacional e os renovadores, para além de pedirem um congresso e regras de democracia interna que permita que esse congresso reflicta a vontade dos militantes comunistas, não têm qualquer ideia visível sobre a política portuguesa.

Aliás, o problema da esquerda portuguesa, actualmente, é o de ser um deserto de ideias. E esse vazio de ideias abrange toda a esquerda e não apenas o PC. A esquerda rege-se por princípios, mas os princípios, se não forem permanentemente validados e reajustados face a uma realidade mutante, tornam-se chavões. E o que a esquerda tem hoje são chavões a que o tempo e a evolução da sociedade fez perder a substância.

A direita é mais pragmática e, numa época de crise, como a que atravessamos, consegue uma aderência maior à realidade. E sabe dar uma imagem de tolerância e de respeito pelos seus adversários políticos que falta a muitos sectores da esquerda.

Santana Lopes foi exemplar nessa imagem, na homenagem prestada hoje, 7 de Dezembro, dia em que o João Amaral faria 60 anos. Foi simples, dizendo o que era importante dizer, sem arroubos linguísticos, sem retóricas, apenas simplicidade e sensibilidade.

E, no seu estilo coloquial, nem faltaram deslizes deliciosos. A viúva do João Amaral nunca acrescentou o apelido do marido ao seu nome. Sempre que Santana Lopes se lhe dirigia, quer nos Paços do Concelho, na sessão de entrega da Medalha de Honra da cidade, quer no palanque instalado na rua que passou a designar-se por João Amaral, junto à placa toponímica que ia ser descerrada, dizia: "… Luisa … am ... ah ... gr ... Ferreira … hum ... hum … Amaral" – hesitante, e olhando para ela a ver se havia acertado. Ainda não está habituado à possibilidade das mulheres não usarem os apelidos dos maridos.

Parecia Mr. Bean a celebrar um dos casamentos nos “4 Casamentos e um Funeral” e a enganar-se no nome do noivo.

Publicado por Joana às dezembro 7, 2003 11:32 PM

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» O Pragmatismo e os Princípios from Adufe.pt
E lá estou eu outra vez a meter-me com a Joana. Mas porquê? Não a conheço de lado nenhum, já me disseram que eram palavras inglórias, que não valia a pena, que era estar a dar destaque a quem não... [Ler...]

Recebido em dezembro 9, 2003 01:27 AM

Comentários

Parece que continuamos a querer dividir o mundo em preto e branco. Em termos politicos, era a chamada "guerra fria", dos dois blocos. Hoje, tendo caído um deles, querem fazer-nos crer, que há um vencedor, e esse vencedor é a direita. A Esquerda deixou-se derrotar..etc. Ora os tempos que atravessamos, já não são de Direita nem de Esquerda. Esta é a realidade, nua e crua. Tentarmos arranjar argumentos, é tentar tapar o sol, com uma peneira.
Deixo aqui um exemplo, dos "principios da Direita ", a direita (assenta 99% dos principios na religião católica) é contra o Aborto, é pela vida Humana, um valor inestimável..trá lá lá etc e tal. Muito bem !
- 1ª prática - Guerra, força na guerra. (caso do Afeganistão e Iraque etc. )aliás até o Papa esteve contra, veja-se ao que chegou a direita Portuguesa ! (ultrapassou o próprio Papa )
- 2º Os abortos continuam a fazer-se diariamente. São aos milhares por ano. Porque não resolvem então esta calamidade? A tal esquerda já o teria feito, legalizando, e dando assistência médica a quem necessitasse dela.
Que fez ou faz a Direita? nada !

Enfim...opinões !

Publicado por: Templário às dezembro 8, 2003 07:38 PM

Que eu saiba a decisão sobre o aborto resultou de um referendo e não foi tomada por nenhum partido político. No PS e no PSD havia gente favorável e gente contra.

Publicado por: GPinto às dezembro 8, 2003 09:48 PM


Esta desbragada, neo-facista recalcada, não se contém e usa a memória de um falecido em proveito das suas intenções de cariz duvidoso. Bem sabemos que é seu hábito violar a memória de cadáveres, vide Sá carneiro, mas isso é intolerável! Tenha tino menina.

Publicado por: Lúcido às dezembro 8, 2003 11:42 PM

Parece, pelo texto anterior, que a Joana tem razão quando escreve que a deireiat "sabe dar uma imagem de tolerância e de respeito pelos seus adversários políticos que falta a muitos sectores da esquerda".

Publicado por: Hector às dezembro 9, 2003 12:30 AM

"A esquerda é um deserto de ideias". Já vi ideias de alguma esquerda defendidas pela Joana nos seus textos. Breves escapadinhas da Joana ao deserto ou ideias oportunisticamente roubadas pela esquerda? A chatice é "as coisas" insistirem a ser complexas, cheias de tonalidades. São tão assim que fazem parecer tontas as pessoas que escrevem que "A esquerda rege-se por princípios" ou "A direita é mais pragmática".
É o que me parece a mim Joana. Não é para se ofender.
Celeste Cardona (uma ministra, de direita) quando negou terminantemente considerar a hipótese de combater o flagelo (que reconheceu) da proliferação da Sida nas cadeias, por manifesta incapacidade de por cobro a curto prazo ao problema da toxicadependência, condenou à morte quantos prisioneiros por uma questão de princípio?
Onde estava aí o seu pragmatismo para enfrentar um problema de saúde pública, que alternativas eficazes apresentou? Deixem-nos morrer! Tem o que merecem! Para mim, um tipo de esquerda, isto não são opções admissíveis no pragmatismo de ninguém. É uma questão de princípios, cara Joana.
Pela simplicidade de argumentos da Joana, Celeste Cardona é a Direita logo...

Publicado por: Rui MCB às dezembro 9, 2003 12:53 AM

Bom, qual é o drama? A opinião da Joana é a opinião da Joana e nada mais do que isso... Assim entendido, às vezes até lhe acho piada.
# : - ))

PS - Também acho piada a todos os que elogiam a fase dissidente do João Amaral, mas fazem por esquecer as posições mais do que ortodoxas que assumiu, designadamente quando manobrou para correr com José Saramago da Assembleia Municipal. E porquê? Porque o escritor era pouco controlável, está bem de ver.

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 9, 2003 08:06 AM

Já lhe disse que não sou muito assíduo na Internet, por isso só hoje li a sua resposta à pergunta que lhe fiz a propósito do Alentejo. Trago o assunto para aqui porque a probabilidade de você voltar àquele comentário não deve ser muito alta.
Honestamente, como frisei, estou interessado em ver a demonstração matemática, económica, financeira (à escolha) de que o Alentejo tem sido beneficiado no investimento público. É pena que seja apenas um feeling seu. Assim fico sem saber os factos. Gosto de «feelings», mas só cantados.
Você não é muito boa a interpretar intenções. Por mais de uma vez já falhou comigo e voltou, agora, a falhar. Escreveu você: «...Quanto à capacidade de gestão dos fundos e o poder regional, você está a fazer, sem intenção certamente, um elogio à boa gestão do AJJ em comparação com os continentais»...
Duplo erro.
Primeiro, o que eu teria, eventualmente, elogiado seria a gestão regional, em contraponto ao centralismo democrático (é piada, é) do governo de Lisboa.
Segundo, não gosto do AJJ como pessoa (conheço-o o suficiente para não gostar dele), mas não tenho qualquer problema em reconhecer que tem usado bem «os dinheiros públicos». É certo que de vez em quando sabe-se de uma ou outra falcatrua, mas não podemos ser demasiado exigentes. Você deve entender-me, já que está por dentro dos sigilos do Grande Porto.
Vem a talhe de foice (esta não é piada) lembrar que o pensamento de esquerda não desfere ataques pessoais. Precisando: se eu atacar o AJJ é pelas suas ideias e prática políticas, não pelo que ele faz em privado desde jovem estudante de Coimbra. A direita mais à direita tem provado, ao longo da História, que não procede do mesmo modo.

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 9, 2003 08:37 AM

Rui:
Uma coisa são os princípios, outra a prevalência do direito. Em matéria de direito eu não sou favorável ao adágio - "já que não os podes vencer, junta-te a eles". Veja apenas onde é que isso nos poderia levar em matéria de deliquência criminal, fiscal, etc..
´Todavia, se se provar, por exemplo, que a despenalização do consumo de drogas leves é vantajoso para a sociedade, posso aceitar isso, até porque o tabaco é uma droga leve e não foi proibido.

Eu escrevi que "A direita é mais pragmática" e não que fosse sempre pragmática. Mesmo admitindo que aquela medida fosse´correcta, eu não disse que Celeste Cardona era "necessariamente" pragmática.

Publicado por: Joana às dezembro 9, 2003 09:12 AM

(M)arca Amarela:

Se está assim tão interessado, veja as contas regionais do INE, as distribuições de verbas do PIDDAC e dos Fundos estruturais, etc.

Quanto à capitação alentejana não é um feeling: já vi isso escrito em documentos estatísticos por diversas vezes.

Por regiões, as únicas contribuintes líquidas do país são LVT eo Algarve. Todas as outras recebem mais do que pagam (em impostos).

Publicado por: Joana às dezembro 9, 2003 09:17 AM

Joana:
Gostei dos seus esclarecimentos. Concordamos com o adágio, mas noto que na questão concreta de uma população prisional, inteiramente sob responsabilidade e (teoricamente) controlada pelo Estado há outros princípios a considerar. E quando assim é temos de fazer escolhas. Temos de escolher a que princípio se deve ajustar o adágio. Se nenhum dos elementos do aparelho do Estado no que diz respeito à gestão das prisões, falhasse, os presos, por mais que quisessem nunca teríam acesso à droga dado que não a sintetizam no interior da cadeia. Eles não são os únicos responsáveis... Há décadas que o Estado elegeu o combate à toxicodepêndência no interior das cadeias (é o que tem dito ao longo dos anos). No entanto, as consequências do seu sucessivo fracasso produzem na prática, um efeito demasiado previsível para que o Estado não se sinta corresponsável e compelido para agir numa frente adicional.
Mas esta é a questão do meu exemplo, quanto à questão da generalização que defendeu e até da dicotomia que tentou estabelecer (pragmatismo versus princípios) noto apenas que ofende muito boa gente de direita. E foram, curiosamente, alguns deses, meus amigos, que lhe traçaram subliminarmente o paralelo com Eróstato, o tal mito com que se vitimizou no comentário deixado no Adufe.

Publicado por: Rui MCB às dezembro 9, 2003 10:58 AM

Joana,

Infelizmente hoje em Portugal não é exclusivo da esquerda o deserto de ideias, em termos políticos temos um deserto a 360º graus, em todos os quadrantes.
E pior que isso, para além de não haver ideias, há igualmente incapacidade de executar tudo o que já está definido.

Publicado por: NunoP às dezembro 9, 2003 11:59 AM

Joana
OK, lá vou eu ter de investigar essa história do investimento público no Alentejo.
Quanto ao deve e haver dos impostos, sabe como é, não é verdade? As empresas pagam nos concelhos onde têm a sede social e não onde desenvolvem a sua actividade. Esse é um factor (e não dos menores) a engrossar as receitas de Lisboa. Factor que, por acaso, até contribuiu para o êxito de outro autarca de sucesso: o nosso conhecido Isaltino, que soube levar para o seu Tagus Park a nata das empresas de serviços.
A capitação alentejana faz-me lembrar a estatística dos frangos. Hoje deu-me para aqui; o que é que se há-de fazer?
Fora de contexto ---> O PNuno deve ter razão. A avaliar pelo ratio entre o número de visitantes afixado e o número de comentários, o deserto de ideias deve ser incomensurável.

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 9, 2003 01:51 PM

Andava eu à procura dos números do PIDDAC e imagine o que já encontrei: nada mais nada menos do que quatro presidentes de Câmara do Alentejo a dizerem das boas sobre o PIDDAC.
Está aqui: http://www.radioelvas.com/30102003.html

Traumente, isto nã quer dezer nada, mas lá que dá que pensar, isso dá.

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 9, 2003 02:13 PM

Prometo que não volto mais hoje. É só uma coisinha mais sobre o PIDDAC. Desta vez o de 2003.

«Os autarcas socialistas do Alentejo reuniram-se em Campo Maior, na terça-feira, dia 22, para discutir assuntos como o Orçamento de Estado, o PIDDAC 2003, o traçado do TGV, entre outros.
.........
Mais adiante, os autarcas manifestam preocupação em relação aos valores do PIDDAC 2003, considerando “que traduzem a opção clara do Governo de marginalizar o Alentejo” e apontam “os atrasos verificados na análise e procedimentos inerentes às candidaturas no âmbito do III QCA, o que coloca em causa investimentos importantes no contexto do desenvolvimento concelhio e regional»

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 9, 2003 02:17 PM

Rui MCB:
Eu sou uma iconoclasta por feitio. Portanto não me vitimizo ao escrever que me estavam a celebrizar à maneira de Eróstrato!

Publicado por: Joana às dezembro 9, 2003 07:57 PM

(M)arca Amarela
No texto "A Ministra Controleira" afixado em 20-11-03, escrevi “Como escrevi em 30-10-03, “Neste entendimento, a actual situação no Ministério do Ambiente é um caos, onde as candidaturas andam entre Cila e Caribdes e não são despachadas.”.

Sucede que boa parte destas candidaturas são de associações municipais alentejanas: AMLA, AMCAL, AMDE, etc., etc..

Os autarcas alentejanos têm toda a razão e é criminoso o que está a suceder, visto que a nossa taxa de cumprimento orçamental relativamente aos fundos de coesão está baixíssima.

Este ministro é um “Theias de aranha”!

Quanto ao PIDDAC, qualquer autarca que se preze protesta contra ele. Desde sempre. Excepto Lisboa que, curiosamente e juntamente com o Algarve são os únicos contribuintes líquidos.

Quando se começou a discutir a regionalização, Fernando Gomes publicou um livro sobre os investimentos no norte com as estatísticas todas distorcidas. Meias verdades são, às vezes, a pior das mentiras.

Publicado por: Joana às dezembro 9, 2003 08:08 PM

Toda a gente depois de morrer se torna o máximo.
Neste caso, não há dúvidas que o sujeito se tornou mais simpático nos últimos tempos.

Publicado por: Cerejo às dezembro 10, 2003 12:55 AM

Conheci-o no Porto há quase 30 anos e era muito quezilente e impossível de dialogar. Só com os da cor.
Deve ter mudado muito.

Publicado por: A Nunes às dezembro 10, 2003 01:00 AM

Deve ter mudado mesmo muito para merecer o que tenho lido.
Também a autora fala que só a partir destes últimos anos a coisa mudou.

Publicado por: A Nunes às dezembro 10, 2003 01:00 AM

Continuo a apreciar os seus textos e as reflexões
neles desenvolvidas.
Parece-me muito esclarecida e bem informada.
Apreciei a referência ao João Amaral. A sua evolução foi honesta como a de todos os que dentro do Partido lutaram (poucos ainda lutam...) pela sua renovação sem terem como objectivo tachos - Pina Moura, Barros Moura, Judas - e tachinhos (Vital Moreira,A. Teodoro - na mercearia do lado. O facto de só mais recentemente ter assumido posições renovadoras não deslustra a sua evolução. Cada um teve o seu tempo de maturação e ruptura. Por exemplo, eu comecei a levantar questões há mais de quinze anos, ainda antes da queda do Muro (cheguei a integrar a Terceira Via e a Plataforma de Esquerda) e mantive-me no P. até há um ano e pouco. E com isso não me considero mais esperto do que os outros nem rejeito a evolução de quem agiu como o mais seguista dos estalinistas (que os há na Renovação!) e com o tempo foi assumindo posições a pôr em questão a ortodoxia reinante. Alguns achar-me-ão burro ou ingénuo, o que em nada me incomoda, porque só quem aderiu por coerência e consequência aos ideais comunistas e militou durante quase 30 anos, alguns dos quais em grande intensidade, pode entender um processo de evolução até à ruptura.

Publicado por: Costa Carvalho às dezembro 10, 2003 10:54 PM

Costa Carvalho:
Compreendo perfeitamente o que escreveu. Hoje temos dificuldade em compreender como foi possível gente inteligente, visceralmente democrata, ter aderido ao PC, colaborado com a sua política e aceitasse justificações para tantas violações do direito das gentes, de uma forma que nos parece inexplicável.
Deve ter sido uma época terrível, em que a luta superou a razão. O meu pai diz-me, numa alegoria, que se julgavam numa batalha e que, na refrega, não se pergunta ao nosso general ou oficiais se sabem o que estão a fazer. Está-se na trincheira e atira-se na outra direcção. Atira-se sempre, com determinação, sem dúvidas. Ter dúvidas é um acto de traição ... ou uma vacilação pequeno-burguesa. E afinal estava-se a cometer um erro. Dever-se-ia ter questionado o que se estava a fazer naquela trincheira. Que generais eram aqueles e o que pretendiam de facto.
O meu pai nunca foi do partido, mas conviveu (e ainda mantém relações de amizade) com muita gente que militou lá.

Publicado por: Joana às dezembro 10, 2003 11:50 PM

Joana

«...tantas violações do direito das gentes»...

???
Há coisas que me custa deixar passar em branco. Pode-se acusar o PCP de muita coisa, mais ou menos justas, mais ou menos verdadeiras. Bater no PCP sempre esteve na moda, salvo uma breve interrupção a seguir ao golpe de Estado de 25 de Abril, quando a moda predominante foi o oportunismo.
Mas «violações do direito das gentes»??!! E logo «tantas»??!!
Caríssima Joana, a credibilidade constrói-se com a verdade. Estas «violações» são mais próprias de um Tokarev qualquer.

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 11, 2003 08:35 AM

Não me estava a referir a Portugal, onde o PCP nunca foi poder, mas aos países em que o PC foi (e é) poder.
Mas a avaliar pelas purgas internas, desde que Cunhal está à frente do PCP, não tenha dúvidas que se fosse poder haveria «...tantas violações do direito das gentes»...
Aliás, julgo que o funcionamento interno do PCP é, em si, uma violação dos direitos das gentes. Quando o aparelho se quer ver livre de alguém recorre à mais baixa calúnia (não tem meios mais definitivos à disposição ...) para marginalizar e levar ao abandono esse militante.

Publicado por: Joana às dezembro 11, 2003 09:10 AM

Um exercício que não pratico -- por uma questão de princípio -- é o de fazer juizos sobre o que aconteceria SE algo tivesse acontecido.
Outro a que não me dedico é o de basear opiniões em presunções.
Talvez a minha formação científica me tenha levado por maus caminhos, mas continuo a entender que os factos, a realidade e a verdade histórica são as melhores balizas para a análise.
Deixando de lado o pequeno pormenor de que, sendo português e vivendo em Portugal, não tenho que vestir a farda de nenhum PC estrangeiro, muito menos fazer penitência pelos pecados que tenham cometido, quero dizer-lhe, com conhecimento de causa, que o comunismo, o PCP e o aparelho do PCP são três realidades diferentes e nem sempre coincidentes, ao contrário da santíssima trindade.
Quando o aparelho do PCP (pego nesta sua designação para termos uma referência comum, embora eu a use numa acepção e você noutra) se quer ver livre de alguém vê-se, mesmo, livre de alguém. Ao contrário do que presume, não precisa de recorrer à calúnia. A sua arma mais mortífera é a segregação não declarada, sem dúvida mais indigna e mais violadora de todos os direitos, incluindo um dos mais elementares, que é o direito de defesa. Explicando melhor: se alguém a calunia, você pode defender-se; mas se alguém a condena secretamente e à revelia, sem que você saiba, você não pode defender-se porque nem sequer existe acusação. A verdade é que, numa percentagem preocupantemente elevada, nem sequer existe «crime».
A verdade manda também que se diga que violações desse tipo existem em todos os partidos, em todos os países, em todos os tempos. Isolar e condenar os partidos comunistas por essa prática não é intelectualmente honesto.
O conhecimento que pode resultar do fluxo de trânsito dos militantes do PCP é mais do que suficiente para encontrar outros motivos -- estes sim, específicos -- de condenação do PCP. Esses motivos são menos mediáticos, mas são, do ponto de vista político e ideológico, muito mais graves.
O maniqueísmo que está subjacente ao parágrafo que começa por «...Hoje temos dificuldade em compreender, etc...», não é inédito, logo, não me surpreende. Mas também eu poderia dizer: como é que gente inteligente generaliza de um modo tão primário a adesão à ideologia comunista e confunde essa adesão com a prática de um partido? Como é que, não contente com isso, associa essa opção ideológica individual com a prática de TODOS os partidos comunistas? Como é que, se o anterior não fosse já suficiente, pretende ligar essa opção aos erros cometidos por todos os dirigentes comunistas em todos os países e em todos os tempos?
Sou comunista e não tenho qualquer dúvida em afirmar que sou inteligente e que sou democrata. O que não tenho é culpa de viver num tempo de lugares comuns e ideias feitas. Mais de 90 por cento dos que condenam o leninismo não leram Lenine. E mais de metade dos que defendem o leninismo e leram Lenine não o compreenderam.
O seu paizinho deve ter tido uns convívios muito interessantes e deve conhecer pessoas muito interessantes. Mas teve o azar de conhecer os comunistas errados. Yes men, gente acéfala ou timorata existe em todo o lado. Também no PCP, naturalmente. Afirmar, no entanto, que os comunistas aceitam e executam ordens sem as questionar é dar mostras de um atrevimento que só a ignorância pode explicar. Ou será que você pensa que os comunistas são todos parvos? Ou, na mais benévola das hipóteses, anjinhos?
Não quero terminar sem lhe dizer uma coisa que, certamente, vai-lhe entrar a 100 e sair a 200 -- dos partidos portugueses, o PCP é aquele em que as directivas ou as propostas são mais discutidas e questionadas.
O mal, cara Joana, está num outro tipo de questões que, deve compreender, eu não vou enumerar aqui. Combater o PCP não é, decididamente, um objectivo na minha vida.

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 11, 2003 02:01 PM

(M)arca Amarela
1 – Você pode vestir a farda que entender, mas o PCP sempre defendeu e justificou aquilo que você, “em 2003”, reconhece como “pecados que tenham cometido” os PC’s estrangeiros. Logo não é possível vir agora a terreiro com ar imaculado no que respeita a esses “pecados”.
2 – Assisti, pessoalmente, durante a década de 90, à forma como os que iam sendo marginalizados eram caluniados, até ao absurdo, pelos que ficavam. Com a perversão de que alguns dos que entravam no coro da calúnia, no acto seguinte passavam a caluniados. Eram calúnias baseadas no diz-se … nada era poupado, principalmente a vida pessoal.
3 - O meu “paizinho” talvez tenha tido o azar de conhecer os comunistas errados: líderes do grupo parlamentar, vice-presidentes da AR, Directores do Avante, parlamentares, vereadores autárquicos, o actual secretário-geral, membros do CC, etc., etc.. Paciência. Não se pode acertar sempre. Não o conheceu a si, por exemplo. Apenas gente timorata.
4 – Quanto ao facto do “PCP é aquele em que as directivas ou as propostas são mais discutidas e questionadas”, trata-se de um slogan que é dito em coro, pelos seus dirigentes, sempre que se põe em causa a democraticidade do PC. Nem me pronuncio sobre isso.

Publicado por: Joana às dezembro 12, 2003 10:10 AM

Joana
1- Eu não «venho agora a terreiro». Nunca defendi e muito menos justifiquei acções de partidos, nacionais ou estrangeiros, comunistas ou não, que violassem os direitos do homem. Por isso estou à vontade. Não tenho complexos de culpa nem rabos de palha. Ao contrário de muitos arrependidos que você anda por aí a incensar.
2 - Por muito que você tenha assistido, não assistiu mais nem mais directamente do que eu. O que escrevi é politicamente mais significativo que o diz que disse a que se refere. Comadrices tenho-as ouvido em todos os partidos, mas não são elas que fazem a história.
3 - É engraçada a sua capacidade de reverter as situações. Quem disse que os comunistas eram todos gente timorata e acrítica foi você. A menos que esses epítetos se apliquem às pessoas que enumera, está a negar o que afirmou antes.
4 - Eu não disse que isso lhe ia entrar a 100 e sair a 200? Mas faz bem em não se pronunciar. Nunca se deve falar do que não se sabe. Aliás, quem estabelece a discussão das propostas como medida da democraticidade interna do PCP é você. Eu sei que não é. Mas também não lhe digo onde é que ela falha.

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 15, 2003 10:00 AM

Sempre o achei muito autoconvencido e muito quezilento.
Nos últimos anos melhorou.
Pelo que me apercebi do que li, não devo estar a dar novidade nenhuma à Joana.
Você parece ter sido amiga dele (ou conhecida), mas no fundo está consciente do que eu escrevi.

Publicado por: A Nereu às dezembro 30, 2003 01:42 AM

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