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março 09, 2004

O Estranho Caso da TAP

Em 14 de Fevereiro último as fanfarras da comunicação social apregoavam que as previsões da nossa transportadora apontavam para um lucro, no exercício de 2003, da ordem dos 12 milhões de euros, enquanto que, no exercício de 2002, a TAP havia registado um prejuízo de seis milhões de euros. A transportadora aérea regressaria assim aos lucros depois de quatro anos de prejuízos. Um feito de Fernando Pinto!

Todavia, o presidente da «holding» da TAP, Cardoso e Cunha, tinha admitido no início de Dezembro a possibilidade de a empresa chegar ao final do ano com resultados líquidos positivos recorrendo a operações de «engenharia financeira». «Não é vergonha nenhuma utilizar métodos contabilísticos para obter estes resultados, desde que as alterações sejam aceites pelos auditores», afirmara. Na mesma linha, o brasileiro Fernando Pinto, presidente-executivo da TAP, também dera a entender que contaria com resultados extraordinários para melhorar o desempenho da companhia aérea portuguesa.

Era o caso, nomeadamente, de cerca de 18 milhões de provisões para pagamento de impostos no Brasil que não foram necessários devido à celebração de um acordo com Portugal/Brasil para evitar a dupla tributação nos dois países. Afinal o feito estava longe de ser retumbante! Se não houvesse a anulação das provisões continuaria a haver o fatídico prejuízo de seis milhões de euros.

Uma semana depois, em finais de Fevereiro, uma informação disponibilizada para a imprensa sobre as contas da TAP deixava perceber que a transportadora teria tido 25 milhões de euros de lucro. O país rejubilava. Já não havia dúvidas, era um feito de Fernando Pinto!

Agora, em 9 de Março, em declarações ao «Jornal de Negócios», Cardoso e Cunha diz que não viu, nem aprovou quaisquer contas finais, pelo que a difusão de pretensos resultados de 2003 é entendida como um acto hostil à TAP (?!). Dizer que houve lucros é um acto hostil? Talvez ... na realidade uma empresa pública com lucros destoaria do panorama das empresas públicas e indignaria todos os restantes gestores públicos. Seria clara e indubitavelmente um atropelo às regras de convivência e de sã camaradagem entre os gestores públicos.

Aliás, em entrevista concedida no início do ano, dizia Cardoso e Cunha: «Este accionista (o Estado) está inibido, juridicamente, de desempenhar as suas funções de accionista. Portanto, tenho um accionista que não só é desatento, como é inerte. Quando houver um problema (…) eu já sei que dali não espero nenhuma espécie de apoio». É verdade que a legislação comunitária impede ajudas financeiras à TAP por parte do Estado. Mas será que, para Cardoso e Cunha, as funções de accionista se resumem a ajudar financeiramente a empresa de que detém acções? Se essa tese prevalecer, o crash da bolsa fica iminente. Quem quererá deter acções quando sabe que, a menos que adquira o estatuto de desatento e inerte, terá que subsidiar a respectiva empresa?

Nessa mesma entrevista, um ano depois de ter merecido a confiança do Governo para remodelar a gestão da companhia, o balanço de Cardoso e Cunha era apocalíptico: «A TAP tem aviões que cheguem; tem pilotos a mais, tem hospedeiras a mais, tem engenheiros a mais, tem contabilistas a mais. Tem tudo a mais, menos dinheiro». Afinal a gestão de Fernando Pinto parecia ser um desastre!

Portanto, recapitulando, visto que esta história parece confusa: Em Dezembro do ano passado havia a possibilidade de a empresa chegar ao final do ano com resultados líquidos positivos recorrendo embora a operações de «engenharia financeira». No início do ano a situação era, pelo contrário, desastrosa. Em Fevereiro as previsões apontavam entretanto para um lucro, em 2003, da ordem dos 12 milhões de euros. A esperança despontava. Uma semana depois havia uma indicação que a TAP teria tido 25 milhões de euros de lucros. Era o júbilo. Agora, em 9 de Março, Cardoso e Cunha diz que não viu, nem aprovou quaisquer contas finais, pelo que a difusão de pretensos resultados ... é o desalento!

Afinal em que ficamos? A «engenharia financeira» está a falhar? Será «engenharia financeira» ou apenas o consabido e rasca «martelanço das contas»? Ou será apenas uma tentativa de ajuste de contas entre Cardoso e Cunha e Fernando Pinto (aquele que o actual Governo considerou na altura um oportunista, um “brasileiro espertalhão” que veio para cá ganhar um salário milionário) ?

O Conselho de Administração da TAP, que está a discutir alianças com parceiros de dimensão mundial, já adiou por duas vezes a discussão e aprovação das contas de 2003. Por sua vez, Governo a suspendeu novamente, sine die, a privatização.

Está tudo à espera ou da «engenharia financeira», ou do «martelanço das contas», ou do resultado da luta de titãs, entre Cardoso e Cunha e Fernando Pinto.

E a TAP a voar em círculos, à espera de saber como e onde aterrar.

Espero que tenha combustível suficiente ...

Publicado por Joana às março 9, 2004 08:07 PM

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Comentários

Mesmo em cima da hora! Nos telejornais e na SIC Notícias não têm falado noutra coisa.
É estranho. Andaram meses nisto e ninguém dizia nada e agora todos botam faladura. Apareceu aqui. Apareceu nos telejornais, depois na SIC Notícias por mais de uma vez

Publicado por: Rui Silva às março 9, 2004 10:51 PM

Pois é para isso que este governo, nomeou o seu "comissário politico" para a TAP.
Como já não bastava o vencimento principesco, do Executivo, juntase-lhe o vencimento não menos principesco, do comissário.
Entretanto, vai permanecendo, a calma social, na TAP.Fruto do Executivo e não do Comissário.
Quanto às contas, certamente, que acabam por ser viciadas.Mais ao geito, de quem todos sabemos.

Publicado por: j.gonçalves às março 9, 2004 10:57 PM

Uma nota muito curta. Acho bem incluir o eufemismo "engenharia financeira" entre aspas. Linearmente poderá falar-se de procedimentos contabilísticos em desacordo com normas geralmente aceites. Vulgo fraude ou contabilidade criativa segundo terminologia globalizada. Quanto a Fernando Pinto, foram buscá-lo, como a Scolari. Pessoalmente estou em desacordo em ambos os casos. A constante das empresas públicas darem sempre prejuízos não é verdadeira e nunca o foi. Por dois motivos. Primeiro o Dr Cavaco acabou com as empresas públicas. Só há SA's, embora de accionista único, que é o Estado. Segundo porque, como sabe, tem sido privatizado tudo o que dá lucro. Ninguém adquire prejuízos. Recordar as seguradoras, a banca, a celulose, as comunicações, a Brisa. Depois, e mais importante. O Dr Cardoso Cunha é político e não gestor. Aceita-se-lhe a ignorância e o desplante. Mas não o cargo e o ordenado. Ao Conselho de Administração não compete a discussão e aprovação de contas nenhumas. Apenas a sua elaboração para serem presentes a uma assembleia geral de accionistas, acompanhadas de um parecer dos auditores, nos países onde ele é obrigatório. Note-se que auditores e revisores oficiais de contas não são uma e a mesma coisa.O Dr Cardoso e Cunha exorbita das suas funções. Acredito que lhe tenha faltado dinheiro. Que anteriormente sobrou na Expo e em Bruxelas. Quanto ao júbilo: não dei por ele. Porque não sou gestor e porque ninguém já dá por nada neste lamaçal em que alegremente nos atolamos. De todo!

Publicado por: Placard às março 9, 2004 11:15 PM

Cardoso e Cunha é um sujeito muito competente e um bom organizador. Foi o principal motor da Expo98. Não é verdade que tenha desperdiçado dinheiro. Os desvios que houve aconteceram depois e são matéria criminal e não resultantes de má gestão.
Cardoso e Cunha tem um defeito – é um pavão e julga-se insubstituível. Fez isso na Expo98 e provavelmente está a fazer isso agora, a menos que seja ele que tenha razão e não o Frnando Pinto

Publicado por: Novais de Paula às março 9, 2004 11:58 PM

Outra coisa: Se o Estado é o único accionista duma empresa, esta pertence ao Estado. Logo deve ser considerada pública. Não estou a perceber esse preciosismo

Publicado por: Novais de Paula às março 10, 2004 12:01 AM

O Placard tem razão. O Cardoso e Cunha não passa de um comiss´rio político posto pelo Burroso. É um incapaz. Só conversa.

Publicado por: Cisco Kid às março 10, 2004 12:28 AM

Não me parece que a questão da TAP seja apenas uma tentativa de Cardoso e Cunha de despedir o brasileiro. Há outras coisas envolvidas, certamente

Publicado por: VSousa às março 10, 2004 09:10 AM

O Cardoso e Cunha é, de facto um pavão, mas é também bastante competente.
Esperemos pelos próximos capítulos

Publicado por: VSousa às março 10, 2004 09:11 AM

Há por aí alguém capaz de explicar a necessidade de haver um Executivo e um não Executivo, (vulgo comissário politico), que se degladiam ferozmente?

Quais são as competências de cada um deles?

Numa empresa privada era possivel assistir-se a este folhetim, sem que o(s) accionista(s)tivesse(m) adoptado medisdas drásticas para lhe pôr cobro?

O Ministro da tutela não tem nada a dizer?

Ou isto é tudo feito de modo intencional, tendo em vista a privatização dos TAP?

Publicado por: Luis Filipe às março 10, 2004 02:59 PM

Dos Jornais:
Sérgio Figueiredo
... e Cardoso fala!
Os portugueses sofrem de dois males profundos: inveja e covardia. Os medíocres convivem muito mal com o sucesso alheio. E, o que é mais rasteiro ainda, procuram sempre liquidá-lo na clandestinidade.

A história recente da TAP está cheia destas histórias mesquinhas. De gente que convive entre si no maior dos cinismos e, depois, vem cá para fora, debaixo de anonimato, provocar assassínios de carácter, obviamente com a cumplicidade de muitos de nós.

Cardoso e Cunha percebeu que não podia ficar calado diante deste “folclore das contas”, como o próprio lhe chama. Aliás, reage ao desafio que ontem lhe era aqui lançado, da absoluta necessidade de se demarcar das notícias que arrasam a reputação da sua comissão executiva.

Foi o que fez. Demarca-se inequivocamente de tudo. Mas demarca-se sobretudo, e de uma forma ainda mais inequívoca, daquilo que originou este “folclore”: os tais resultados que apareceram com uns lucros rechonchudos de 26 milhões.

Classifica essa divulgação como um “acto hostil” aos interesses da empresa. E, provavelmente de forma involuntária, está a dar-nos uma grande novidade: que o verniz estalou e algo vai ter de acontecer no governo daquela sociedade.

Para o cidadão normal, que está habituado a viver com regras normais, numa empresa normal, as coisas são fáceis de entender quando: um conselho de administração e uma comissão executiva funcionam com uma agenda comum, prosseguem objectivos de empresa, respondem perante os accionistas, conforme os resultados que apresentam.

Na TAP, o que temos visto é um pouco diferente: um conselho de administração e uma comissão executiva que se toleram, devem até odiar-se cordialmente, mas que vão desconfiar um do outro até à morte; uma empresa que, por isso, tem duas agendas, pelos vistos duas contas diferentes, tudo debaixo da maior complacência do accionista.

O que Cardoso e Cunha nos está a dizer, ao assumir, sem ambiguidades, que nunca lhe passaram as contas fechadas de 2003 por baixo dos olhos – “quero vivamente confirmar-lhe que até hoje não vi, muito menos aprovei, quaisquer contas finais de 2003” – é que vai exigir explicações a Fernando Pinto, inverte o ónus da prova e obriga o ministro Carmona a actuar.

Até hoje, o país assistiu a um jogo de sombras chinesas, onde só cabiam insinuações, maledicências, projectos pessoais e politiquice mesquinha. Mas hoje, Cardoso fala! E nada pode ficar como dantes.

Nesta história já não há espaço para covardes. Agora só podem existir mentirosos. Tratando-se de gestores públicos, sejam eles quem forem, militantes do partido ou aviadores do outro lado do Atlântico, alguém deve sair.

Publicado por: Hector às março 10, 2004 11:12 PM

Mais, dos jornais:
Resultado Operacional da TAP "Abaixo do Desejado"
Por I.S.
Quarta-feira, 10 de Março de 2004

Os resultados operacionais da TAP em 2003 ficaram "abaixo do desejado", o que "impede" a companhia aérea "de ter uma situação mais tranquila de tesouraria", afirma o administrador-delegado da transportadora, Fernando Pinto, num editorial intitulado "Optimismo cauteloso", publicado ontem pelo jornal interno da TAP. Contactado pelo PÚBLICO, o administrador-delegado admitiu mesmo que os resultados operacionais poderão ficar abaixo dos 49,8 milhões de euros registados em 2002, permanecendo todavia positivos.

"O ano passado foi o pior do sector", referiu. Em causa está não apenas a conjuntura económica mundial e a crise no transporte aéreo agravada pela guerra do Golfo, mas também situações respeitantes à própria companhia aérea.

O mesmo responsável confirmou que o conselho de administração (CA) não teve ainda conhecimento das contas finais - que não estão definitivamente fechadas - e acrescentou que apenas os resultados preliminares foram avançados aos membros da equipa presidida por Cardoso e Cunha, há cerca de duas semanas. Quanto à aprovação final, o administrador-delegado afirma não estar certo de apresentar já amanhã os números definitivos na reunião do conselho, ao contrário do que estaria previsto. Confirmou no entanto que deverão ficar acima do orçamentado, que rondava 50 milhões de euros.

O presidente da TAP, Cardoso e Cunha, referia na edição de ontem do "Jornal de Negócios" que o CA da transportadora "não viu nem aprovou quaisquer contas finais do exercício de 2003", afirmando que nada tem a ver com a divulgação de resultados da empresa nas últimas semanas. Também o administrador-delegado da companhia aérea se demarcou ontem das notícias recentes, num comunicado enviado ao final do dia para todos os trabalhadores da TAP. "Alguns destes valores preliminares foram aparentemente passados à comunicação social, acompanhados de interpretações que permitiram distorcer a realidade", afirma na mensagem, acrescentando que "as contas da TAP ainda não foram aprovadas" porque "o balanço ainda não foi totalmente apurado". .

Várias notícias saídas na imprensa atribuem resultados bem diferentes ao último exercício da transportadora, sem citarem a respectiva fonte. Ou muito acima das previsões, na ordem dos 25 milhões de euros, ou um engano completo descontando resultados extraordinários, com um saldo negativo final de 7,5 milhões. Fontes ligadas ao sector afirmam que estas notícias têm origem numa "guerra" entre a equipa de Cardoso e Cunha, chegada à empresa há quase dois anos, e a equipa de Fernando Pinto, que entrou na TAP há cerca de três anos e meio.

Publicado por: Hector às março 10, 2004 11:13 PM

Não há dúvida que esta história está muito mal contada.
Espera-se que após a reunião de amanhã, que deve ser de cortar à faca, saiam coisas concretas.

Publicado por: Hector às março 10, 2004 11:14 PM

Lembro-me do Cardoso e Cunha como um homem competente. Eh estranha essa disputa.
Quando foi da Expo98 ele julgava-se imprescindivel e teve um comportamento arrogante com o governo PS. Nao ha ninguem imprescindivel.
Como se costuma dizer, os cemiterios estao cheios de gente imprescindivel

Publicado por: Filipa Zeitzler às março 11, 2004 09:36 PM

Estou cheio de curiosidade acerca da reunião de hoje, se é que decidem alguma coisa

Publicado por: Ventura às março 11, 2004 10:12 PM

Os mesmos que diziam, há anos, que o brasileiro não passava de um “esperto” que ganhava um balúrdio à custa de uns saloios como nós, agora dizem que é um herói, por resistir ao “comissário do governo”.

Publicado por: Arroyo às março 11, 2004 11:51 PM

De facto não dá para entender.
Há gente que só raciocina conforme o vento político

Publicado por: Arroyo às março 11, 2004 11:53 PM

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