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junho 05, 2005

Entregues ao Altíssimo

Campos e Cunha confirmou na AR um quadro recessivo para os próximos tempos. E disse à AR, e a todos nós, que a saída das dificuldades presentes só é possível com o crescimento da economia. E afirmou ainda que os tais 150 mil postos de trabalho perdidos nos últimos três anos, e cuja recuperação era uma das promessas eleitorais do PS, não vão poder ser recuperados no espaço desta legislatura. Todavia as medidas que propôs – muito insuficientes do lado da despesa e danosas para a economia do lado da receita – significam que o ministro não apresentou um programa político. O ministro entregou-se, e entregou-nos, à misericórdia divina.

A única forma sustentável de combater o défice é fazer diminuir a despesa pública. Combatê-lo pela via do aumento de impostos tem efeito matematicamente positivo no curto prazo, mas a médio prazo é contraproducente. Diminui a competitividade da economia, aumenta o desemprego, faz diminuir a base de incidência fiscal e acaba anulando os efeitos inicialmente positivos, deixando as finanças e a economia do país numa situação pior que a anterior. Foi o que aconteceu nos 3 últimos anos: aumento do IVA, congelamentos salariais na função pública, afirmações ad terrorem da ministra das Finanças, etc., não surtiram efeito. Apenas desaceleraram o aumento do défice.

O congelamento dos vencimentos da FP também não é suficiente, e provavelmente é contraproducente, pois não permite distinguir o mérito do demérito e incentivar a dedicação e o desembaraço. A maioria dos gastos deve-se à desorganização e burocracia dos serviços. Além disso há um excesso de efectivos. É um escândalo o ministério da Agricultura ter 1 funcionário por cada 4 agricultores. A Educação terá 30% a 40% de funcionários a mais, entre professores e pessoal auxiliar. As estatísticas dizem que temos, em termos relativos, mais juízes, magistrados e funcionários judiciais que qualquer outro país europeu. Os gastos excessivos da saúde comparados com os serviços que presta indiciam uma enorme desorganização dos serviços e a incapacidade de manter na ordem alguns lobbies internos deste sector.

Esta situação é insustentável, pois se baseia no aumento progressivo das taxas de impostos que leva, com a degradação da economia, a uma progressiva diminuição das receitas fiscais. Campos e Cunha não pode comparecer no hemiciclo, fazendo apelos ao crescimento da economia, propondo todavia medidas que constituem, parcialmente, um obstáculo a esse crescimento. O apelo de Campos e Cunha é matéria de fé, não é matéria da razão.

Há um cenário eventualmente possível a médio prazo. A manutenção do sector estatal, com a sua actual dimensão, com os seus custos de funcionamento e com o péssimo serviço que presta é, como se viu, um empecilho ao desenvolvimento. Já que tanto mentiu em campanha e como não se tem saído mal com isso, Sócrates terá condições para se apresentar, daqui a alguns meses, com todo o descaro, para afirmar perante todos nós que a defesa do “Estado Social de Bem-Estar”, que jurou nunca mexer, passa por alguns emagrecimentos, aqui e ali. É claro que o emagrecimento do Estado só será possível com uma reorganização simultânea dos serviços e dos procedimentos. Apenas despedir, só conduziria ao caos. E a diminuição dos efectivos deve ser feita de modo a que saiam os que devem sair, e não aqueles que quereriam aproveitar essa possibilidade para saírem, normalmente os mais aptos e diligentes.

Há uma forma de fazer esta operação que talvez tivesse o aval da UE. Um empréstimo público a longo prazo que pudesse custear a rescisão dos contratos poderia ser negociado com a EU como uma despesa estruturante, que não entrasse na contabilização do défice e que pudesse ser, eventualmente, comparticipada. Todavia há um óbice – esta medida exige uma elevada competência, não apenas dos membros do governo e dos seus gabinetes, como dos diversos níveis hierárquicos das chefias, a começar pelo topo. Esta elevada competência não é compaginável com a enxurrada de boys, à média de 10 por dia, que este governo tem promovido. Não é compaginável com as nomeações que este governo tem feito para os CA das empresas que tutela. Não é compaginável com nódoas políticas, com porta-vozes desqualificados, com aparitchicks mafiosos, com coelhones, etc..

E a ironia maior é que a individualidade mais competente do governo está sob fogo da populaça por questões “éticas”. E essa ironia é mais curiosa porque a devassa a que está a ser sujeito era um dos pilares que ele estava a erigir para combater a evasão fiscal através da delação pública, do voyeurismo invejoso dos rendimentos de outrem. Campos e Cunha, economista competente, deve ter agora aprendido que a cidadania e o sentimento do social não se exercitam com apelos à delação, mas pela pedagogia, principalmente pela pedagogia política de um Estado que se deve comportar para com os seus cidadãos como pessoa de bem. Demora décadas, mas é assim que se faz. E como demora décadas, deve-se começar já.

Um Estado péssimo pagador, que dá pouco em troca de muito, é um mau pedagogo político. E se convidar à delação é um pedagogo ainda menos convincente.


Ler também:
OE2006 e OE2007
A Cigarra e o Coelhone

Waterloo a Prazo
Orçamento Auto-regenerável

Publicado por Joana às junho 5, 2005 09:30 PM

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Comentários

Que saudades que temos dos governos de Durão e de Santana !
Joana, não acha inteligente que a direita, representada pelo PPD/CDS, se desse ela própria um periodo de nojo, de modo a que as pessoas com memória não vos apelidassem de hipócritas ?

Publicado por: zippiz às junho 5, 2005 09:55 PM

zippiz: Você disse "vos apelidassem de hipócritas"?, ou enganou-se e queria dizer "os apelidassem de hipócritas"?.
Porque se me quer meter ao barulho, para além de uma questão de educação, aviso-o que eu sempre escrevi que não contasse com nenhuma política "mais à esquerda" de Sócrates. Só um tonto completo (nem seria hipócrita) poderia propor essa "polítca de esquerda" no estado em que a economia portuguesa está.

Publicado por: Joana às junho 5, 2005 10:03 PM

talvez, também por isso, um pouco de contenção nas criticas a um governo, que melhor aplica as politicas que a direita sempre teve dificuldade em aplicar, não ficasse mal ao neoliberais ...

Publicado por: zippiz às junho 5, 2005 10:14 PM

Cada vez que leio um post a propor alguma medida para salvar o país, aparece logo um inteligente com a cassete da direita e da esquerda, e dos neoliberais. Irra!

Publicado por: Joao P às junho 5, 2005 11:05 PM

Não se irrite Joao P !
eu é que sou um ingénuo; não existe esquerda, centro, direita, liberais, conservadores, republicano, monárquicos...nem albertos j.jardins !
é tudo invenção dos inteligentes.

ps:
sócrates também acha que está a propor medidas para salvar o país; a existência de postas como o de joana também podem ser apelidados de ... inteligentes ?

Publicado por: zippiz às junho 5, 2005 11:17 PM

zippiz: faço o que posso. Como sou "pouco inteligente" tento ser diligente para compensar.

Publicado por: Joana às junho 5, 2005 11:51 PM

joana,
isto é como tudo ! há os que usam cassetes da feira do relógio e os que usam cd's/dvd's da fnac !

Publicado por: zippiz às junho 6, 2005 12:00 AM

Campos e Cunha não está a ser sujeito a "devassa". Está a ser sujeito a transparência.

O problema dos rendimentos de Campos e Cunha não está em ele auferir muito dinheiro. Está em ele auferir uma pensão de REFORMA vitalícia por ter trabalhado 4 anos, e quando tem apenas 49 anos de idade, continuando entretanto a trabalhar.

Se ele ganhasse o mesmo que ganha, mas a título de salário normal pelo trabalho que presentemente desenvolve, não haveria (em meu entender) motivo de escândalo.

O que é escandaloso é pedir aos outros que se reformem aos 65 anos de idade, quando ele mesmo se reformou antes dos 50.

Publicado por: Luís Lavoura às junho 6, 2005 10:49 AM

EUROLIBERAL às junho 6, 2005 12:33 AM

Que interessante:
Temos então que os políticos altamente preparados são eleitos por populaças ululantes.
Conclusão: as populaças ululantes são altamente clarividentes (mas só quando elegem os tais políticos altamente preparados?).
Não sei se hei-de rir se hei-de cantar...


Publicado por: Senaqueribe às junho 6, 2005 11:18 AM

E a propósito de devassa vs. transparência, convem lembrar a palavra russa "glasnost", que fez muito furor e recebeu muito apreço, e que salvo erro quer dizer precisamente "transpaência".

Convem também lembrar que atualmente está muito em voga advogar fundos de pensões (reformas) privados. Os fundos de reformas privados só pagam, tipicamente, 20 anos de reformas. Mais, só pagam reformas na medida do dinheiro que para eles foi descontado. Ou seja, os fundos privados NÃO pagam reformas vitalícias, NÃO pagam reformas a partir dos 50 anos de idade, e NÃO pagam reformas a indivíduos que só descontaram para eles durante meia-dúzia de anos.

É pena que o Estado, em certos pontos, não se reja pelos mesmos princípios de saúde financeira que são vulgares nas instituições privadas. Penso que a Joana concordará comigo neste ponto.

Publicado por: Luís Lavoura às junho 6, 2005 11:21 AM

Campos e Cunha reformou-se antes dos 50? Está certo! Aliás, todos os cidadãos deveriam estar na reforma desde que nascem até aos 50 anos. Gozar a vida enquanto se é novo! A partir dos 50 deveriam então ir trabalhar, usando a experiência adquirida...

Publicado por: Senaqueribe às junho 6, 2005 11:36 AM

A "glasnost" foi inventada pelo Perez Troica.

Publicado por: Senaqueribe às junho 6, 2005 11:41 AM

Todo o meu apoio, Senaqueribe. Nem calcula a experiência que se adquire a gozar a vida e a ver trabalhar os outros

Publicado por: Coruja às junho 6, 2005 12:33 PM

Talvez N S de Fátima nos ajude. Ela não é a padroeira de Portugal. A menos que não dê conta do serviço público que lhe foi destinado.

Publicado por: lopes às junho 6, 2005 12:48 PM

Luís Lavoura em junho 6, 2005 11:21 AM:
Claro que concordo consigo. Você é que não costuma concordar comigo quando tenho opiniões dessas

Publicado por: Joana às junho 6, 2005 12:58 PM

Há uma ténue fronteira entre devassa e transparência.

Publicar ordenados e reformas de políticos visa sobretdo criar um clima emocional que exacerba a inveja e a mesquinhez. Isto não é transparência, que é muito mais difícil de obter. ão apenas manobras que vêmao de cima quando se tenta fazer alguma coisa.

Apesar deste governo não ter apostado no cambate à despeza, há que louvar a sua intenção de querer fazer algo. Ainda mais, se pensarmos que tem atrás aquelas figuras detestáveis do PS que há décadas tentam afundar o país.

Publicado por: Mário às junho 6, 2005 02:40 PM

EUROLIBERAL às junho 6, 2005 01:40 PM

"...MAS JÁ NÃO SOU COMPETENTE PARA REFERENDAR AS OPÇOES TÉCNICAS QUE O CIRURGIÃO TERA INEVITAVELMENTE DE FAZER NO DECURSO DA OPERAÇÃO !..."

É simples e rápido: peça informações, ouça e decida.
E deixe de chamar ignorantes só aos outros.

Publicado por: Senaqueribe às junho 6, 2005 03:26 PM

Senaqueribe em Junho 6, 2005 03:26 PM,
.
Esta, acho que foi fóra do recipiente ...

Publicado por: asdrubal às junho 6, 2005 03:48 PM

Pode parecer incrível, mas vamos ainda ter muitas saudades destes políticos.

A próxima fornalha será muito pior. Fomos um país pobre, ignorante, ingénuo. Mas o cidadão médio de hoje é pior. Mais mesquinho, muitas vezes mal intencionado, só pensa no curto prazo e em lixar o próximo. A próxima geração de políticos será arrogante, totalitária, militarista, xenófoba, proteccionista, imperialista, estatista. Será porque é essa a actual imagem do país.

Publicado por: Mário às junho 6, 2005 04:36 PM

Gostei particularmente desta ideia.

"Campos e Cunha, economista competente, deve ter agora aprendido que a cidadania e o sentimento do social não se exercitam com apelos à delação, mas pela pedagogia, principalmente pela pedagogia política de um Estado que se deve comportar para com os seus cidadãos como pessoa de bem. Demora décadas, mas é assim que se faz. E como demora décadas, deve-se começar já."

Já agora, tens algo que suporte esta afirmação? Afirmação que a cidadania e o sentimento social exercitam-se pela pedagogia política de um Estado?

Publicado por: Jorge às junho 6, 2005 05:31 PM

Piores que estes? Não.
Está a aparecer uma geração de gestores que não andaram a esmolar do Estado e que sabe o que quer.
E depois aparecerão os políticos.

Publicado por: Hector às junho 6, 2005 05:55 PM

Há sempre piores. Julgamos que pior é impossível e depois é uma desilusão.

Publicado por: Susana às junho 6, 2005 06:19 PM

Sinto que a paz na Europa já foi muito mais estável. Aos poucos cria-se um clima em que as principais decisões são tomadas por alguns poderosos que se reunem em quartos de hotel. Cada vez ficam mais autistas em relação ao comum cidadão.

Tentam vender uma ideia de confronto, em que se fazem dos países exteriores inimigos contra os quais se deve lutar e fechar portas.

Mas à medida que a pobreza se vai espalhando, aquela sensação de superioridade moral que os europeus têm vai-se transformando em ressentimento contra os que estão mais perto. Vai-se procurar um inimigo fácil, como sempre. Aí aparecerão outros políticos que serão vistos como salvadores. Daí para a frente o caminho pode já não ter retorno.

Publicado por: Mário às junho 6, 2005 07:03 PM

Hector às junho 6, 2005 05:55 PM

Caro Hector, não me diga que acredita nos nossos kridos gestores, que inventam aquelas grandes medidas nas empresas:

- quantos clientes temos ?
- 400 mil Sr. Doutor !
- Ora, empreste-me aí a máquina de calcular... 400 mil vezes 5,5 euros dá... 220 mil euros...???
- Dois milhões e 200 mil euros sr. doutor !
- Sério ? pois é ! tens razão ! Eureka !!! Pró ano vamos ganhar mais 2,2 milhões de euros !
- Vossa Excelência permita-me Sr. Doutor...é um Génio !

Publicado por: Templário às junho 6, 2005 08:24 PM

Segundo um estudo do ISEG encomendado pelo parlamento, os impostos triplicaram em apenas três décadas.

Publicado por: David às junho 7, 2005 10:06 AM

E estamos mesmo entregues ao Altissimo, com um teimoso sem rumo, como PM, e um mafioso como porta-voz.

Publicado por: censor às junho 7, 2005 12:23 PM

Muito se tem protestado contra o aumento do IVA. A razão mais frequentemente invocada é o efeito pernicioso na actividade económica interna. Todavia a análise da situação nos últimos anos revela que o aumento do consumo interno se tem traduzido num pseudo-crescimento da economia nacional e um aumento descontrolado das importações alimentado pelo endividamento das famílias. Ora na impossibilidade de travar as importações, não me parece descabido ou indesejável uma diminuição do consumo interno, e no imediato o aumento do IVA parece ser a única forma de o obter.

Óbviamente que isto terá um impacto negativo em muitas empresas que funcionam como meros intermediários sem grande valor acrescentado.

Publicado por: Carlos às junho 8, 2005 01:38 PM

Acho uma piada aos militantes socialistas, quase todos funcionários públicos. Estão dessesperados. Até os parlamentaresameaçam sair. Como se tivessem melhor cá fora!

Publicado por: soromenho às junho 9, 2005 05:02 PM

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Publicado por: kkk às junho 16, 2005 10:00 AM

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Publicado por: Mortg às junho 29, 2005 03:23 AM

eheheheh

Publicado por: Surama às julho 5, 2005 03:53 AM

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