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dezembro 22, 2005

Divergências Sustentáveis

Portugal está a divergir dos seus parceiros da UE. Essa divergência acontece desde há alguns anos e as previsões indicam que irá continuar. As estatísticas mostram isso. As estatísticas mostram também quais os países que convergiram ou que divergiram por “cima”, e os ensaios económicos mostram os factos que estão na base dessa convergência ou divergência por enriquecimento. Todavia, no nosso país prevalece a retórica vazia e a recusa em ver os factos. E a retórica é: «A culpa é das políticas macroeconómicas viradas quase exclusivamente para a redução do défice negligenciando-se objectivos como o crescimento económico, o emprego e a justiça social». E é com esta retórica que se anestesia o país e o empurram para o abismo.

A retórica anestesiante põe os problemas às avessas. Porque, para haver emprego tem que haver crescimento económico; para haver crescimento económico, tem que haver investimento privado e para haver investimento privado tem que haver condições que o incentivem. Isso não existe em Portugal, com uma administração pública burocrática e obsoleta, uma justiça morosa e ineficaz e com uma carga fiscal arbitrária e pesada. Estes diagnósticos estão feitos, mas a maioria não quer acreditar neles. A maioria – líderes sindicais, líderes políticos e mesmo a comunicação social bem pensante – prefere iludir-nos (ou mesmo iludir-se) com a mentira e tentar ignorar os factos ou arranjar razões para alegar que aqueles factos não são explicativos.

Em termos reais, a nossa divergência começou em 2000, como se pode ver pelo gráfico abaixo. Todavia, a política de rendimentos expansionista do governo Guterres, que os fez aumentar acima da produtividade, produziu um aumento do rendimento nacional imediato que não era sustentável a prazo. Quando não havia moeda única o reajustamento era rápido, pois induzia um aumento da inflação pelos custos e uma desvalorização cambial a seguir. Com a moeda única, o ajustamento não pode ser feito através da desvalorização cambial. Nem sequer através da inflação, embora o primeiro efeito seja o aumentar da inflação. Simplesmente este efeito está limitado pela necessidade de manter a competitividade das empresas no mercado único europeu. Portanto o efeito será a recessão e o desemprego. Mas este efeito demora 2 ou 3 anos a ocorrer. Portanto, embora a nossa divergência começasse em 2000, ela já existia, de forma não contabilizada no PIB, desde 1997 ou 1998, mas só se tornou visível a partir daquele ano. Determinados investimentos públicos, como o caso das SCUT’s, que, sem dispêndio de meios financeiros, geraram imediatamente receitas fiscais volumosas e aumento pontual do rendimento disponível (embora criando obrigações futuras) também tiveram efeito de camuflar então essa divergência.

O quadro seguinte (via O Público) não necessita explicações. Mas deve ser recordado que será normal que os países mais ricos convirjam para a média, diminuindo o seu peso na economia europeia e os mais pobres convirjam aumentando o seu peso nessa economia. O que não é normal é Portugal estar do lado dos países ricos que convergem, mas a divergir e ser pobre. Quanto aos países com melhor desempenho, e exceptuando o Luxemburgo que é um caso marginal, pois tem um peso enorme de instituições financeiras para a sua reduzida dimensão demográfica, o caso Irlandês já foi citado aqui diversas vezes, mas a maioria finge acreditar que nunca existiu; o caso dos países de Leste é detestado por muitos como injusto mas, quando esses países enriquecerem e começarem a ter transferências sociais superiores às nossas, possibilitadas por esse enriquecimento, os nossos retóricos começarão a ignorá-lo. Foi o que sucedeu com a Irlanda, que só foi falada enquanto partilhava a cauda da Europa com Portugal, Grécia e Espanha.

Nós estamos num processo de divergência sustentada pela nossa estrutura social e económica. E sustentada por uma retórica demagógica e perversa.

Divergencia.jpg

Publicado por Joana às dezembro 22, 2005 11:49 PM

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Comentários

Parece que estamos sozinhos na "Jangada de Pedra" (Os espanhóis não quiseram alinhar?).
A divergir assim da Europa, cedo chegaremos ao Brasil.
Valha-nos o samba e as mulatas...

Publicado por: Vítor às dezembro 23, 2005 01:30 AM

A sambar já andamos nós.

Publicado por: sambista às dezembro 23, 2005 01:51 AM

Nós estamos a caminho de ser uma Sicília.

As "mafias" instaladas à volta do bolo orçamental preferem dizer tudo, mas mesmo tudo, a aceitarem que o caminho é reduzir despesa estatal excessiva para deixar o sector privado respirar.

E o pior é que, enquanto arranjarem verbas lá de fora para irem injectando no bolo, pouco lhes interessa que o bolo seja já um pudim molotoff com tempo de cozedura a mais (para os que não sabem, encolhe e muito... como a linha de Portugal no gráfico acima).

Publicado por: J P Castro às dezembro 23, 2005 02:49 AM

Pode ainda piorar

http://ablasfemia.blogspot.com/2005/12/da-vocao-para-um-pas-de-eventos-5.html

Publicado por: Bruxo às dezembro 23, 2005 03:22 AM

Joana

Por mera curiosidade académica: se fosse 1o Ministro durante um dia e lhe permitissem implementar imediatamente tres medidas concretas para tentar reverter essa 'marcha para o abismo', quais escolheria?

Publicado por: MRP às dezembro 23, 2005 09:25 AM

Pois é, estamos feitos, mas cada um só quer é salvaguardar os seus interesses mesquinhos

Publicado por: VSousa às dezembro 23, 2005 09:51 AM

A comparação apresentada é com a média da UE. Embora Portugal estaja a divergir dessa média, isso não quer dizer que Portugal esteja a ficar mais pobre. Uma vez que a média está permanentemente a deslocar-se para cima. Convem, portanto, desdramatizar.

A Joana argumenta que deverá haver uma tendência para, dentro da UE, todos os países convergirem para a média. Embora as teorias da economia clássica assim o prevejam, essas teorias raramente se verificam na prática. Há países e povos mais diligentes, ou mais organizados, ou mais inventivos, do que outros. Mesmo em grandes nações em regime de mercado livre (e.g. os EUA) há regiões mais desenvolvidas do que outras, e não há uma tendência persistente para a igualitarização das regiões. Ou seja, não é forçoso que devesse haver uma tendência de longo prazo para Portugal se aproximar da média da UE.

Se há alguns países que, dentro da UE, divergem para cima (Irlanda, Luxemburgo) é admissível que haja também países que divirjam para baixo (Portugal). Isso só demonstra que, precisamente, há diferenças assinaláveis entre os povos, e não há a tal tendência forçosa para a igualitarização.

Fruto da adesão à UE e da ambição persistente dos portugueses de terem um padrão de vida equivalente ao "europeu", considera-se normal que Portugal se compare com a média da UE. Mas isto não é tão evidente assim. Num mundo em globalização crescente, Portugal não está essencialmente em competição com o resto da Europa, mas sim com o resto do mundo, incluindo países como o México, a Turquia e a China. Não é óbvio que, num tal padrão, Portugal se esteja a portar tão mal assim.

Publicado por: Luís Lavoura às dezembro 23, 2005 11:10 AM

Caro MRP 09:25 AM

Não sou a Joana, mas digo-lhe a minha primeira medida (estilo "cuidar dos vivos e enterrar os mortes") para estancar a hemorragia, não uma medida para o médio-longo prazo mas uma medida para ter resultados já no próximo ano.

Somos um país pouco competitivo com uma moeda muito forte, assim:

1º Acabar com o salário mínimo nacional;

A segunda medida a apontar para o médio prazo seria:

2º Implementar um sistema fiscal competitivo quando comparado com a Europa de Leste

A terceira medida para o médio prazo seria:

3º Racionalizar toda a administração pública recorrendo à re-engenharia, os trabalhadores excedentários seriam recompensados generosamente e sairiam da função pública.

Publicado por: diogenes às dezembro 23, 2005 11:15 AM

Caro Luís Lavoura:

"Se há alguns países que, dentro da UE, divergem para cima (Irlanda, Luxemburgo) é admissível que haja também países que divirjam para baixo (Portugal). Isso só demonstra que, precisamente, há diferenças assinaláveis entre os povos, e não há a tal tendência forçosa para a igualitarização."

Não sou economista, mas julgo que é insustentável manter uma moeda única no longo prazo nestas circunstâncias, sob pena das zonas mais pobres entrarem numa espiral de subdesenvolvimento e subinvestimento, o dinheiro e as melhores pessoas serão sifonadas desses países para as Califórnias e Big Apples da UE.

Publicado por: diogenes às dezembro 23, 2005 11:19 AM

diogenes: "julgo que é insustentável manter uma moeda única no longo prazo nestas circunstâncias"

Não sei. Os EUA vivem com uma moeda única há 200 anos, apesar de diferenciais de desenvolvimento brutais entre as suas regiões (mais no passado do que atualmente, é certo). A Índia tem uma moeda única, apesar de diferenças de salários brutais entre os seus diferentes estados. Idem com a China.

Naturalmente que há opiniões diferentes sobre como manobrar a moeda única. Nos EUA, durante os tempos da conquista do Oeste, essas diferenças foram marcantes, segundo observou Galbraith: enquanto os estados da Nova Inglaterra (credores) pressionavam para uma gestão monetarista, os estados da fronteira (devedores) queriam uma moeda em desvalorização permanente. É natural que dentro da Europa tais diferenças de opinião também existam.

Publicado por: Luís Lavoura às dezembro 23, 2005 11:44 AM

MRP às dezembro 23, 2005 09:25 AM:
1ª Arranjar processo de mudar a constituição, redigindo outra mais simples, menos palavrosa, ao estilo anglo-saxónico. A nossa constituição actual impede qualquer reforma de fundo, mesmo que todos os deputados da AR estejam de acordo. A nossa constituição leva a sua perversidade ao ponto de, para além da necessidade de dois terços dos deputados para a rever, ter ela própria estabelecido limites à sua revisão: Artigo 288.º (Limites materiais da revisão):
As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
a) A independência nacional e a unidade do Estado;
b) A forma republicana de governo;
c) A separação das Igrejas do Estado;
d) Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
e) Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais;
f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;

Embora alguns daqueles limites sejam princípios basilares aceites pela sociedade ocidental, outros, nomeadamente o (e) que pode ter leituras muito restritivas, são apenas circunstanciais.

Publicado por: Joana às dezembro 23, 2005 01:50 PM

2ª Simplificar toda a legislação sobre a justiça e sobre a burocracia do funcionamento da administração pública, flexibilizando igualmente o mercado laboral.

3ª Reestruturar a administração pública, impôr medidas de avaliação de desempenho eficazes e reduzindo o funcionalismo público em 200 a 250 mil efectivos. Portugal, em comparação com outros países da UE não precisa mais de 500 mil efectivos no sector público. Como conseqência desta medida, a carga fiscal seria bastante aliviada, o que aumentaria a competitividade da nossa economia, conjuntamente com as medidas enunciadas no ponto 2.

Publicado por: Joana às dezembro 23, 2005 01:57 PM

Joana às dezembro 23, 2005 01:50 PM

!!!

Não acredito que a constituição constitua um impedimento efetivo a quaisquer reformas que se pretenda efetuar. Por exemplo, a mudança das leis do trabalho não foi obstaculizada pela constituição. É verdade que a nossa constituição é "palavrosa" e doutrinal. No entanto, é sabido que a tradição portuguesa consiste em ter muitas leis, mas não as respeitar. Os portugueses já se habituaram a olhar para a sua constituição como uma dessas leis, que é muito bonita mas que ninguém cuida de respeitar ou sequer de procurar seguir. Neste sentido, a constituição não "impede qualquer reforma de fundo", ao contrário daquilo que Vd. pretende.

É verdade que seria bom revê-la e simplificá-la, mas não creio que isso tivesse quaisquer efeitos práticos.

Publicado por: Luís Lavoura às dezembro 23, 2005 02:45 PM

Joana às dezembro 23, 2005 01:57 PM

Isto é muito bonito de dizer na generalidade. Quando se entra na prática e nos detalhes, é extremamente difícil. Por exemplo, reduzir em 1/3 o número de efetivos da função pública levaria ao seu colapso, a não ser que previamente se efetivassem muitas reformas pontuais, muitas mudanças da forma de trabalhar, muitas simplificações minúsculas mas cumulativas, que aumentassem a produtividade dos funcionários públicos - os quais, não se esqueça, incluem serviços como sejam a saúde, a segurança, a justiça, a educação, etc.

Simplificar a legislação sobre a justiça está muito bem, mas haveria terríveis resistências contra isso, pois a atual justiça garante a impunidade de quem a saiba explorar, ou seja, de todos os tubarões deste país. O sistema de justiça português tem uma complexidade que está feita por forma a permitir que qualquer tubarão possa, com a ajuda dos seus advogados, explorar essa complexidade, morosidade e ineficiência em proveito próprio, para postergar ou eliminar de todo a possibilidade de uma condenação efetiva. Qualquer simplificação do sistema de justiça será considerada um ataque ao regime cleptocrático nacional.

Publicado por: Luís Lavoura às dezembro 23, 2005 02:53 PM

Para a Joana o caso Irlanda é um exemplo a seguir... no entanto existem outros no mundo bem melhores e não seguiram as medidas da Irlanda. O caso do Brasil é o melhor exemplo, pois de um País à beira da falência (chegou a fazer tremer wall-street), de país que não conseguiria honarar as suas dívidas, passou a País com voz, com determinação chamou os abutres do FMI e disse-lhes: - a dívida para amortizar em 30 anos, vamos pagá-la em 3, e façam favor de sair deste País soberano.
No último ano, a sua moeda valorizou em relação ao euro mais de 30% e em relação ao dolar mais de 50%.

Curiosamente a nossa economia só se Internacionalizou para o Brasil ( e não para a Europa) o que nos leva ao cerne da questão:
- O problema não é como os economistas no alertam, de déficits e outras tangas (F.P. etc ) mas sim de Rumo. De orientação estratégica do nosso País na Europa e no Mundo explorando as nossas riquezas naturais ( sol, mar, gastronomia, etc.) e aplicando-as ao desenvolvimento do Turismo . Temos também na alta tecnologia boas hipóteses de vingarmos (prova disso é a PT no Brasil ) portanto só temos é que ter rumo e meter mãos à obra e deixarmo-nos de teorias baratas e desmotivadoras dos economistas que nunca resolveram nada, e apenas fazem diagnósticos de defuntos.

Publicado por: Templário às dezembro 23, 2005 02:57 PM

: Joana às dezembro 23, 2005 01:57 PM

Mais de 44 mil foram pedir a reforma e mais não vão porque não lhes deixam... provavelmente viriam mais de 250 mil para a reforma e voc~e tinha o seu problema resolvido.

Publicado por: Templário às dezembro 23, 2005 03:02 PM

Luís Lavoura às dezembro 23, 2005 02:53 PM

Operação "furacão" na Banca, fuga aos impostos e outras vigarices ! Veremos quem é apanhado desta vez....

Publicado por: Templário às dezembro 23, 2005 03:07 PM

Retórica??? Mas desde quando a contabilidade é mais importante que a economia? De que serviram as políticas contabilísticas de Barroso e Santana? Acaso saímos da estagnação?

Publicado por: Rui Martins às dezembro 23, 2005 03:29 PM

Caro Luis Lavoura;
"Por exemplo, reduzir em 1/3 o número de efetivos da função pública levaria ao seu colapso"
Não se fosse feita uma re-engenharia com o pensamento na finalidade dos processos, não na defesa das paróquias.
Quanto à moeda única e à heterogeneidade entre estados como nos EUA, è possível mas significa que os pobres estão dispostos a ser o Arkansas e ver os seus melhores irem para os atractores, ou seja estados de primeira e de segunda.

Publicado por: diogenes às dezembro 23, 2005 03:35 PM

Bem ... dizem-me que o Estado vendeu (ou está a vender) dez toneladas de ouro. Para que efeito será ?

Publicado por: asdrubal às dezembro 23, 2005 03:52 PM

Asdrubal isso não é nada, deviam era vender o ouro todo

Publicado por: Templário às dezembro 23, 2005 04:03 PM

Provavelmente a minha pergunta vai desmascarar a minha profunda ignorancia politica, mas se toda a gente concorda que a racionalizacao da administracao publica é uma das medidas essenciais (quiça, sine qua non) para resolver uma data de problemas, porque é que ela nao está a ser feita?

Publicado por: MRP às dezembro 23, 2005 04:16 PM

MRP às dezembro 23, 2005 04:16 PM

Ora aí está uma boa pergunta !

Resposta: Porque os Portugas sabem que tomar as medidas que se impõem na Justiça, na Burocracia e em tudo o resto, custa muito, ou seja, dói mesmo muito e era necessário haver corajosos, ora nós somos é mais um País de cobardolas, pois deixámo-nos embalar em balelas nos últimos 20 anos e agora só nos resta esperar pelo 4º milagre de Fátima !

Publicado por: Templário às dezembro 23, 2005 04:26 PM

Quanto aos países de leste basta lembrar que Portugal também já foi o bom exemplo de crescimento no passado. No que diz respeito à Irlanda geralmente faz-se um raciocínio que sobre da falácia da composição pois nada garante que Portugal atingisse resultados melhores do que os que tem se seguisse as mesmas políticas que os Irlandeses. Tratam-se de países diferentes. Na gestão também abunda essa falácia, estadam-se os casos de sucesso de empresas e aponta-se o exemplo como o caminho a seguir, como se o que convém a um possa simultaneamente convir a todos.

Lógicas de "vejam só como os outros são tão bons" são muito comuns, já aqui tivemos a sugestão da constituição "anglo-saxofonizada". É caso para dizer, "quando vou lá fora ouço os lá a dizer que o que se faz lá fora é melhor". Questões constitucionais não são do foro do Governo, o Governo tem de trabalhar com a Constituição dada. Alterações ao Direito Fundamental não vão alterar muito o modo de funcionamento da economia, o texto é vago e depende mais da doutrina do que da letra.

As medidas apresentadas servem para dar a ideia de que a economia ficaria mais relativamente mais competitiva que as restantes. Isto já supõe que as restantes não fazem o mesmo, anulando os nossos possíveis ganhos. Ignorando esse aspecto, temos ainda de ter em conta que estamos a aumentar a competitividade de sectores que produzem bens de uma gama baixa que são forçados a competir via preço nos mercados internacionais. Pela sua natureza e pelo ambiente onde se inserem esses produtos, os nossos produtos, não têm hipóteses de ter uma vantagem relativa na competitividade, os competidores são países onde "vale tudo" para produzir mais barato.

Com este tecido industrial ambiciona-se então o investimento directo estrangeiro (IDE). Para isso propõe-se o que está na moda e parece bem, mas temos de ter em conta que:
-muito do IDE negoceia os impostos que vai pagar antes, o que dilui o efeito de uma maior atratividade por o país ter impostos mais baixos;
-parte do que atrai/afasta o IDE recai sobre a cultura do país, a seriedade do ambiente de negócios ou a clareza da relação com as entidades públicas.
Falamos de Portugal...

Nas medidas é necessário ter em conta o contexto. Não faz sentido despejar milhares de funcionários públicos no desemprego em época de recessão. A procura iria cair ainda mais e a receita fiscal, tal como os resultados das empresas, iria diminuir. Se quisermos o lado positivo podemos considerar que a Balança Comercial (um problema grave em Portugal) seria mais favorável por diminuição da procura de importações.

A flexibilidade do mercado de trabalho conduz-nos para a taxa de desemprego natural, que pode ser 2% ou 10%, não é garantido que seja mais baixa que a actual. (estou a considerar uma tx de des. natural é estável no longo prazo, este conceito é pouco rigoroso na prática). Garante também mais flutuações do desemprego conforme o entusiasmo da economia. A incerteza é sempre prejudicial para a economia, resta saber se a incerteza gerada pela flexibilização do mercado de trabalho é mais do que compensada pelos benefícios da flexibilização.

Uma medida desejável poderia ser a parceria entre entidades públicas e privadas para criação de empresas produtivas em sectores tecnologicamente mais avançados. Essas empresas deveriam ter dimensão suficiente de modo a ter capacidade para assumir investimentos de investigação. Infelizmente as leis de direita impedem tal medida, as entidades públicas não podem fazer investimentos em sectores produtivos.

Outra medida seria sacrificar a justiça teórica da lei em deterimento da velocidade de aplicação, isto no que diz respeito às relações comerciais. Trata-se de dar menos garantias e consequentemente correr um maior risco de punir inocentes. A lógica é simples, se não queremos que um rato faça uma coisa damos-lhe imediatamente um choque cada vez que ele a fizer. Em pouco tempo ele aprende que é melhor não ter aquela acção. Como se sabe, os portugueses são muito ratos no seu dia a dia.

Publicado por: Daniel às dezembro 23, 2005 05:29 PM

Assim falava Zaratrustra:

«Em 1987/88, estava eu no Conselho Europeu, o que mais se discutia era a profunda crise económica e financeira em que estava a Irlanda. A Irlanda tinha um desemprego de 16%. Tinha um défice do sector público de 10% do PIB. Tinha uma dívida pública que era de 120% do PIB. Era o terceiro mais pobre da Europa. Há uma mudança política, um acordo entre os diversos partidos políticos, que envolve também depois uma concertação com os parceiros sociais, e ela parte para uma nova fase com uma velocidade que agora é o segundo mais rico da Europa, a dívida pública está apenas a 20, 25% do PIB, o desemprego está a 4,5% e não tem défice orçamental. Não quero que Portugal se torne irrelevante. Há países pequenos que são relevantes. E nós estamos naquela condição de podermos ser pequenos e irrelevantes porque não temos credibilidade».
(Cf.Entrevista de CS no CM de hoje)


Publicado por: asdrubal às dezembro 23, 2005 06:16 PM

Um facto curioso:

O Governo entendeu criar, conforme consta do Programa de Governo, a ASAE (Agência para a Segurança Alimentar e Actividades Económicas). Esta Agência extingue uma "catrefada" de entidades e respectivos cargos de chefia, concentrando numa só instituição uma série de competência dispersas.

No que respeita ao sector vitivinícola, esta intenção do Governo tem sido largamente contestada na comunicação social, em artigos cheios de mentiras, escritos por pessoas com cargos de responsabilidade em associações empresariais. Pretendem, a todo o custo, manter as coisas tal como estão, contrariando aquilo que escreveram há um ano atrás.
E porquê?
- porque estas associações empresariais perdem alguma capacidade (que ainda têm no Conselho Consultivo do Instituto da Vinha e do Vinho) de influenciar as decisões políticas;
- porque vêm fugir o património (que dizem ser seu????) do Ministério da Agricultura para o da Economia;
- porque fica em causa o papel da Viniportugal e alguns "tachos" a ela associados.

Com empresários destes não há reforma possível. Ou melhor: se o Estado estiver disposto a recorrer ao outsourcing para estas questões da segurança alimentar, aí já teremos alguns empresários abertos à mudança. Pudera...

Publicado por: Vítor às dezembro 23, 2005 07:03 PM

Gostaria de deixar três sugestões mais para as medidas essenciais :

- acabar com o mito da educação e saúde gratuitas, assegurando que há taxas a serem pagas pelos utilizadores do serviço que o Estado assim fornece aos cidadãos. Chamem-lhe moderadoras ou propinas ou o que quiserem, mas tais taxas têm de ter um valor tal que introduzam racionalidade no sistema.

- acabar com os direitos adquiridos irracionais na habitação, seja na perpetuação de contratos de arrendamento obsoletos ou na política de habitação social, assegurando que todas as situações em que o próprio não assegura para si habitação (mas apenas através de protecção social ou legal) têm carácter temporário.

- por fim, assegurar que o Estado dá prioridade aos recursos comuns, naturais, culturais e patrimoniais, em vez de gastar o seu orçamento em recursos semi-individuais como a educação, a saúde e o trabalho, sem exigir uma contribuição individual correspondente.

Publicado por: J P Castro às dezembro 23, 2005 10:40 PM

Por falar em Constituição , dizia há uns tempos o Sampaio com aquele ar de estúpido que ele tem...pq nos últimos 30 anos a Espanha só fez 3 revisões constitucionais , e nós umas 15 ...
Como o gajo é burro e cretino ... é evidente que a Espanha nunca teve uma constituição comunista como nós tivemos que até o Marxismo era citado... Claro que assim eles não precisam de revisões.

Dizia alguém aqui em cima ... deviamos ter uma constituição AngloSaxónica ... porque se usam rodeios ? ...deveria ser uma cópia da Americana ,que é a mais próxima conhecida da perfeição...
Será por isso que eles se encontram a anos luz de distância ? e o aumento da velocidade é directamente proporcional ao afastamento ?
Para o Lavoura e o Albatroz ( que são broncos )... quanto mais afastado .. mais rápido se torna o afastamento...

Publicado por: Caboclo Capiroba às dezembro 24, 2005 12:56 AM

Enfim, guindo o tema, para dizer que vi imagens do Sabor (que não conhecia) de um encanto e de uma beleza inexcedíveis. Se pudesse, era por ali que ficava eternamente.

Publicado por: asdrubal às dezembro 24, 2005 02:23 AM

Recomendo a leitura do livro "Fim das ilusões, Ilusões do fim" de Joaquim Aguiar.
Ajuda-nos a perceber como chegamos a este ponto de descontinuidade.

Publicado por: diogenes às dezembro 24, 2005 10:47 AM

Vamos a ver se para o ano melhora.
Feliz Natal a todos

Publicado por: Adalberto às dezembro 24, 2005 05:46 PM

asdrubal às dezembro 24, 2005 02:23 AM

pois...pois...quando se fala do País, só se fala de 1/3 do território ou seja do litoral. O resto do País está abandonado, sería necessário que fosse ocupado por ciganos, romenos, ucranianos ou brasileiros para que os Tugas acordassem.

Belo e abandonado....

Publicado por: Templário às dezembro 24, 2005 06:02 PM

Um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo e que consigam avistar a retoma que Durão Barroso, Manuela Ferreira Leite, Santana Lopes, Bagão Félix e Luis Delgado não se cansaram de anunciar durante todo o ano passado e que ainda não chegou!

Publicado por: canzoada às dezembro 24, 2005 06:13 PM

Templário às dezembro 24, 2005 06:02 PM,

Caro Templário, eu sou um autóctone dos Açores onde o progresso, como é "de lei", vai também provocando os seus danos por muito ambientalismo que se evoque ou pratique. Temos, por exemplo, pragas zoológicas que não tínhamos há trinta ou quarenta anos (pardais e térmitas) e a adubação de pastagens levou à imparável eutrofização das lagoas na Ilha de S. Miguel ... estamos todos "mais ricos" e estamos todos "mais pobres".
O Sabor é uma paisagem deslumbrante. É mesmo preciso uma hidroeléctrica no Sabor ?

Publicado por: asdrubal às dezembro 24, 2005 06:50 PM

canzoada às dezembro 24, 2005 06:13 PM:
Se eles já não governam há quase um ano, como podem ser responsabilizados disso?

Publicado por: David às dezembro 24, 2005 07:13 PM

"Estórdinário" como temos por aqui a solução para os males do país.
É realmente uma pena que não reparem nestes tão ilustres blogueiros que, de uma penada, colocariam o país no rumo de um futuro radioso.
Do outro lado da barricada temos uns broncos como o Luís Lavoura e o Albatroz que se atrevem a negar as evidências.

Publicado por: Vítor às dezembro 24, 2005 10:08 PM

Caboclo Capiroba às dezembro 24, 2005 12:56 AM

Estamos no N-A-T-A-U, não no C-A-R-N-A-V-A-U!
Sacou?

Publicado por: Vítor às dezembro 24, 2005 10:11 PM

Templário, o Brasil estava menos falido que Portugal quando passou por essa crise. Acontece que não estava dentro de um bloco com moeda única, e foi vítima de uma fuga de "hot money" e de dinheiro dos próprios Brasileiros, que provocou um colapso insustentável na sua moeda (insustentável, entenda-se, porque uma recuperação posterior era inevitável face aos fundamentais da economia brasileira).

Depois, essa valorização deu-se após um pico de desvalorização com a eleição do Lula. Não se deu porque o Lula tenha tomado medidas fantásticas, mas sim porque a eleição do Lula em si provocou o pico e ainda coincidiu com um ambiente favorável à desvalorização do Real. Na altura, investir em Reais tornou-se num "no brainer".

De seguida, o ano passado (2005) o Real valorizou mais contra o Euro do que contra o USD (ao contrário do que apontou). Isto porque o Euro desvalorizou contra o USD ...

E agora, o que há de previsível no Brasil neste momento? Bem, sobre a moeda pouco, mas sobre as taxas de juro de curto prazo, só têm um caminho ... para baixo.

Quanto ao que disse sobre os reformados resolverem o problema, não resolvem. O Estado paga tanto aos trabalhadores como aos reformados. Mais reformados só AGRAVAM o problema, pois parte deles serão substituídos por novos trabalhadores.

Por fim, nesta discussão toda a favor e contra o Estado é preciso entender uma coisa: TUDO AQUILO que o Estado cobra em excesso do que a sociedade pagaria numa economia de mercado, é um ROUBO que pratica sobre os seus contribuintes para alimentar a sua estrutura. Esse roubo, é feito à mão armada pois apoia-se no poder do estado de controlar a força.

O fim do roubo, também será feito à mão armada, a menos que sejam tomadas medidas para o prevenir antes.

Mais de 44 mil foram pedir a reforma e mais não vão porque não lhes deixam... provavelmente viriam mais de 250 mil para a reforma e voc~e tinha o seu problema resolvido.

Publicado por: Incognitus às dezembro 25, 2005 12:18 PM

Incognitus às dezembro 25, 2005 12:18 PM

Há outra solução, em alternativa à reforma: a injecção letal.

Publicado por: Vítor às dezembro 25, 2005 05:24 PM

Vítor: os sindicatos não iam gostar disso

Publicado por: Coruja às dezembro 26, 2005 12:34 PM

Ficavam sem sócios

Publicado por: Coruja às dezembro 26, 2005 12:35 PM

Vitor, a única alternativa que existe é mesmo privatizar brutalmente. Privatizar escolas, serviços, segurança social, cultura, até tribunais (excluindo talvez o juíz).

Publicado por: Incognitus às dezembro 26, 2005 12:54 PM

kpk

Publicado por: Coruja às dezembro 26, 2005 11:25 PM

kpk

Publicado por: Coruja às dezembro 26, 2005 11:25 PM

Publicado por: Incognitus às dezembro 26, 2005 12:54 PM

Privatizar escolas, [...] até tribunais (excluindo talvez o juíz).


Talvez ?!! Talvez ?!!

O Incognitus já pede a tabela de preços das sentenças daqui a nada.

Publicado por: J P Castro às dezembro 27, 2005 01:56 AM

JP Castro, não é líquido que um juíz seja mais isento apenas porque o seu salário é pago pelo Estado em vez de o ser por uma entidade privada.

Publicado por: Incognitus às dezembro 27, 2005 10:42 AM

Não sei em que mundo é que você vive, mas no dia em que um juíz decidir contra a entidade empregadora sem pensar em quem lhe paga o salário é porque já são todos robôs.

Eles até tendem a não decidir contra o Estado só por causa disso.

Publicado por: J P Castro às dezembro 27, 2005 01:44 PM

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