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setembro 20, 2004
É Bom Não Estar na Política Activa!
Ou a entrevista do independente Silva Lopes
O ex-ministro das Finanças, ex-governador do Banco de Portugal e hoje presidente do Montepio Geral, o economista e socialista Silva Lopes foi entrevistado pela RR e RTP2.
O Prof. Silva Lopes é um economista respeitado, mas não foge à regra de que as verdades só aparecem quando se despem os trajes de político activo. Certamente quando Silva Lopes participou na campanha eleitoral ao lado de Ferro Rodrigues não se atreveria a dizer que: «Temos 30 por cento de professores a mais em relação à média e as turmas mais pequenas dos 27 países comparados. Temos o menor número de aulas para os alunos e as menores cargas horárias para os professores. Por fim, sobretudo no fim da carreira, temos alguns dos professores primários mais bem pagos da Europa.»
E certamente seria defenestrado do último andar do Largo do Rato se, em plena campanha, numa sessão de esclarecimento para os sindicalistas PS, tivesse declarado: «Os sindicatos da administração pública, das empresas públicas e das monopolísticas são os [lobbies] mais perigosos. Veja o caso dos médicos: podem andar a fazer greves sempre porque não perdem o emprego. Já na indústria têxtil e nos metalúrgicos, onde a seguir ao 25 de Abril havia sindicatos muito poderosos, hoje ninguém os ouve, porque aí perceberam que para manter os empregos dos seus associados tinham de baixar as suas reivindicações. É isso que sucede nas empresas sujeitas à concorrência, onde não tenho nada contra os sindicatos, que se têm portado muito bem. Os da função pública, que têm as costas quentes, podem fazer o que muito bem entenderem.» e que «que o peso dos salários dos funcionários públicos é excessivo e estes gozam de privilégios socialmente injustos face aos do sector privado.»
E o que teria acontecido se, durante um porta à porta, Silva Lopes tivesse sussurrado ao ouvido de Ferro Rodrigues: «O que verifico é que governos, sejam do PS ou do PSD, têm querido estar bem com os grupos económicos»? ... bem ... se fosse só um sussurro, provavelmente Ferro responderia: «cuidado, que ainda alguém o ouve, ó amigo Lopes!».
O que salvou Silva Lopes foi a impossibilidade, no decurso da entrevista, de inserirem comentários dos kamikazes da net ... nem num modesto rodapé. É bom saber-se a salvo de comentários ... que eu, por afirmações semelhantes às produzidas por Silva Lopes, mas incomparavelmente menos contundentes, li o que jamais pensaria ler sobre a minha pessoa!
Na generalidade partilho das opiniões emitidas por Silva Lopes na citada entrevista. Mas não todas, ou pelo menos de forma tão definitiva. Tomemos o exemplo dos incentivos fiscais: Silva Lopes afirma que «os PPR não contribuem nada para a poupança nacional. Só servem para desviar as poupanças de umas aplicações para outras, para as que dão benefícios fiscais.». Parcialmente tem razão, mas apenas parcialmente. Os planos de poupança incentivam ao aumento das poupanças das famílias. Uma parcela será, certamente, desviada de outras formas de poupança, mas haverá outra parcela que, sem esses planos, seria desviada para o consumo. Na minha opinião, é justamente no segmento inferior dos «30% mais ricos (ou menos pobres!)» onde o incentivo em sacrificar o consumo pela poupança induzido por estes planos é maior. No caso dos mais ricos, é indubitável que Silva Lopes tem razão.
É interessante que Silva Lopes havia declarado, há dois anos, na comissão parlamentar de Assuntos Sociais, no âmbito da discussão da proposta de Código do Trabalho, que «As alterações à legislação laboral não têm efeitos sobre a produtividade ou competitividade da economia ou sobre o emprego. O que explica a falta de produtividade nacional é a deficiente capacidade empresarial e o baixo nível de educação dos trabalhadores». Quem o ouviu agora e leu então pensará que são duas pessoas diferentes. E são-no, deveras. Então era o militante socialista a argumentar contra a legislação laboral de Bagão Félix; agora é o presidente do Montepio Geral e economista Silva Lopes a emitir uma opinião técnica e independente sobre a política financeira de Bagão Félix.
E isto porque o «baixo nível de educação dos trabalhadores» pode ser ultrapassado com a qualificação profissional e os incentivos a essa qualificação passam por permitir a mobilidade laboral. Um trabalhador «asilado» não tem incentivos a melhorar a sua qualificação. Haverá aqueles que, pelo seu brio profissional, o farão, mas não mais do que esses. E subjacente ao ataque de Silva Lopes contra os lobbies sindicais, na entrevista em apreço, está a luta contra a rigidez laboral.
Publicado por Joana às setembro 20, 2004 10:31 PM
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Comentários
O Silva Lopes muda ligeiramente de opiniões conforme a situação.
Há outros que mudam radicalmente
Publicado por: vitapis às setembro 21, 2004 01:16 AM
Subscrevo, em parte, o que escreveu. Só é pena que, ao contrário das ideias da blogger, este blog seja tão «fechado» e «iliberal». Nem tem autor identificado, nem tem e-mail. Alguma racionalidade haverá.
NCR
Publicado por: NCR às setembro 21, 2004 01:24 AM
Vi a entrevista e concordo consigo, Joana.
Todavia compreendo as "mudanças" de Silva Lopes.
Publicado por: Viegas às setembro 21, 2004 01:49 AM
temos é alunos a menos. menos de 1 em cada 3 passa do ensino básico para o secundário? É muito pouco.
Publicado por: cris às setembro 21, 2004 04:16 AM
Fora do governo podemos dizer o que nos vai na alma. Dentro dele devemos obediencia ao(s) chefe(s). E este não tem de ser necessariamente o P.M. ...
Publicado por: carlos às setembro 21, 2004 11:44 AM
Pois é Carlos, tem muita razão
Publicado por: Adalberto às setembro 21, 2004 01:55 PM
Pois é Carlos, tem muita razão
Publicado por: Adalberto às setembro 21, 2004 01:56 PM
Silva Lopes é um reaças
Publicado por: hanibal às setembro 21, 2004 05:30 PM
Silva Lopes é um reaças
Publicado por: hanibal às setembro 21, 2004 05:30 PM
Li e gostei da entrevista.
Li e gostei da sua posta.
De facto é estranho que as saiam de bocas de que não esperávamos grande coisa...
Um abraço,
Francisco Nunes
Publicado por: Planície Heróica às setembro 21, 2004 06:32 PM
Li e gostei da entrevista.
Li e gostei da sua posta.
De facto é estranho que as verdades saiam de bocas de que não esperávamos grande coisa...
Um abraço,
Francisco Nunes
Publicado por: Planície Heróica às setembro 21, 2004 06:33 PM
Silva Lopes se ainda se diz socialista é por inércia. As suas opiniões mais recentes (2-3 anos) não têm nada de socialista mas muito de neoliberal...perferia um socialista como ele do que o regresso a uma espécie de neosalazarismo económico paternalista que começou com Guterres e agora continua com Santana/Bagão...
Publicado por: lucklucky às setembro 21, 2004 10:04 PM
Essa do neosalazarismo económico paternalista deve ser para rir.
As coisas que inventam!
Publicado por: Filipe às setembro 23, 2004 08:55 AM
O Sócrates vai recuperar o Silva Lopes e trazê-lo à política activa. Depois terá outra conversa
Publicado por: Fred às setembro 27, 2004 06:58 PM