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maio 15, 2005
O Manto diáfano da inacção
Cada dia que passa se torna mais difícil ao Governo tapar a nudez decrépita da verdade com o manto diáfano das fantasias cozinhadas pelos silêncios de um pretenso recato e medidas avulsas e cosméticas, encomiasticamente apodadas de pequenos passos, que sugerem mudanças onde o que é substancial se mantém. O Governo não propõe projectos, propõe estudos de revisões de projectos já dezenas de vezes estudados e revistos. O Governo não faz coisas, desfaz coisas. Quando afirma algo, desdiz-se logo a seguir.
No curto prazo esta política é ganhadora. Num país onde a inveja e o bota-abaixo são predicados do pensamento politicamente correcto que domina a comunicação social, o Governo de José Sócrates continua hoje, mais de dois meses passados da tomada de posse, a avaliar decisões tomadas pelo anterior Executivo. A incineração de resíduos perigosos já decidida no último governo de Cavaco Silva, foi revogada, revista, novamente revogada, revista outra vez e novamente revogada. Este é talvez o exemplo mais ridículo da forma como politizamos decisões fundamentalmente técnicas. Dizer mal e levantar suspeitas sobre o que foi antes decidido compensa num país mesquinho, patrocinado por uma comunicação social favorável ou complacente.
Todavia o excesso de décadas de desgoverno, de inveja e de mesquinhez tornaram Portugal num corpo enfermo em grau extremo. Não atacar decisivamente a enfermidade significa aumento da dívida pública e do défice, implicando perda de competitividade, que por sua vez influencia negativamente a dívida pública e o défice, numa espiral infernal sem solução à vista. A curto prazo é uma política ganhadora; a médio prazo é a ruína.
As não-decisões do governo têm permitido que a dívida pública cresça aceleradamente. Entre Abril e Março houve um aumento de 1,2%, o que em termos anuais corresponderia a um acréscimo de 15,4%. No ano que decorreu até à tomada de posse de Sócrates a dívida pública tinha aumentado em cerca de 7,7%. É certo que o OE2005 concorreu igualmente para a aceleração posterior. Todavia o OE2005 foi feito por insistência do PR e promulgado por este. Obviamente ninguém esperaria que Santana Lopes, após a armadilha que lhe tinham montado, apresentasse um OE muito restritivo, com as eleições à porta e ansioso para conquistar popularidade. Pôr um governo demitido sob a acusação de incompetência a fazer um OE é um perfeito disparate. Na altura reprovei aqui essa situação classificando-a de «exercício masoquista».
A responsabilidade do OE2005 é do PR, foi ele que o pediu e foi ele que o promulgou; a responsabilidade de não promover cortes orçamentais enquanto faz passar para a opinião pública anúncios de medidas que custariam milhões ao erário público (embora depois deixe na dúvida sobre se essas medidas são para avançar ou não) é de José Sócrates. Ou seja a responsabilidade do défice de 7% estimado, segundo parece, para 2005 pela Comissão Constâncio é do PS, pois mesmo com o enquadramento do OE2005, a previsão da Comissão Europeia, em meados de Abril, para o défice orçamental português em 2005, era de 4,9 % do PIB. A responsabilidade da dívida pública ter atingido no final de Abril 66,8% do valor do PIB previsto para 2005 é do PS. A responsabilidade da nossa competitividade continuar a cair, é do PS.
Segundo consta, na reunião entre Sócrates e o seu núcleo duro Silva Pereira, António Costa, Campos e Cunha e o secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro foi decidido que a actuação do Governo será a de não esconder o problema mas tentar passar uma mensagem optimista, contrariando o discurso da «tanga» de Durão Barroso. Segundo o Expresso os membros do governo teriam ficado em «estado de choque» com o diagnóstico de Campos e Cunha. Em vez de promover o «choque tecnológico», afinal o governo entrou em «choque emocional». Só é estranho não se ter apercebido disso antes. Os socialistas Silva Lopes, Daniel Bessa e Medina Carreira, e os blogs que a esquerda odeia, já tinham feito diagnósticos semelhantes e porventura mais graves e realistas que o que Campos e Cunha terá feito. É uma pena esses políticos só se ouvirem a eles mesmos, ou então estarem de tal forma entretidos a passar à lupa as decisões do governo anterior que não tiveram ocasião para saber o que se passava no país.
O Governo está entre dois fogos: 1) O que ateou com o seu discurso de descompressão e de crítica ao discurso da tanga, deixando entender que o problema do défice se resolvia com a revisão do PEC. Discurso que ainda mantém, pois há dias, Alberto Martins, o líder parlamentar do PS, um dos responsáveis pelas trapalhadas sobre o referendo da IVG, declarava: «O défice é um instrumento necessário e fundamental para garantir o crescimento económico pela vias da competitividade nacional. Se se pretende no imediato outra coisa, não contem connosco.». 2) O que tem alimentado com a sua inércia em travesti de prudência e recato, permitindo que a despesa pública aumente sem controlo, que a nossa competitividade externa continue em queda com o desemprego a aumentar, que as nossas contas com o exterior se degradem, deixando que uma previsão de défice de 4,9% do PIB se transforme, exactamente um mês depois, numa previsão de 7%!
O país está de tanga, mas o governo diz que tem que contrariar o discurso de tanga. Pergunta-se: como vai convencer os portugueses a fazerem os sacrifícios necessários para retirar o país da situação trágica em que se encontra? Como compaginar mensagens de confiança com sacrifícios em impostos, despedimentos na função pública e restrições orçamentais?
A contracção do sector público desonera o tecido produtivo e é um factor incentivador do crescimento da economia. A contracção do sector privado e o desemprego privado são factores cumulativos de empobrecimento colectivo. O desemprego público gera emprego privado; o desemprego privado gera mais desemprego privado numa espiral que só termina com a falência do Estado. A escolha está, para já, nas mãos do governo. As vítimas de uma escolha errada seremos nós ... todos.
Publicado por Joana às maio 15, 2005 07:17 PM
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Comentários
Calma!
Estão ainda a tentar contabilizar os estragos feitos pela outra seita que foi corrida de lá em 20 de Fevereiro último... e parece que as notícias não são as melhores... défice em 7%
Eles resolviam tudo não era?
Santana disse que tinha deixado a casa arrumada, não disse?
Durão disse que ia pôr ordem nas finanças, não disse?
Publicado por: canzoada às maio 15, 2005 07:49 PM
O Governo não faz coisas, desfaz coisas.
Agora anda a desfazer o Nobre Guedes.
Diziam que o Guterres é que tinha enterrado isto, afinal já se fala em 7,5 % de deficit .... os Kridos que iam reduzir as despesas... afinal se cortaram no papel higiénico, quem é que se abotoou com o Carcanhol ?
Publicado por: Templário às maio 15, 2005 09:54 PM
As vítimas de uma escolha errada fomos nós ... todos. Foi o PSD e as teorias de Direita e dos Neoliberais que afundaram isto !
Assumam !
Vá coragem ! Não tenham medo, pois o povinho, já vos condenou, portanto já n podem voltar a ser condenados !
Publicado por: templário às maio 15, 2005 10:00 PM
Basta ler alguns comentários para se achar que a Joana tem razão no que diz no segundo parágrafo deste seu texto.
Publicado por: JM às maio 15, 2005 11:15 PM
Pois é JM, você também tem muita razão.
Publicado por: Absint às maio 15, 2005 11:33 PM
JM e Absint
Estão enganados no parágrafo.... é o penúltimo !
Publicado por: Templário às maio 15, 2005 11:55 PM
"A responsabilidade da dívida pública ter atingido no final de Abril 66,8% do valor do PIB previsto para 2005 é do PS. A responsabilidade da nossa competitividade continuar a cair, é do PS."
Que disparates, Joana!
A sua obsessão desculpabilizante en relação à direita, e culpabilizante para com a esquerda, deturpa-lhe a visão.
Segundo a Joana, a inação de Sócrates, durante os 3 meses que ele leva no governo, tem mais culpa do que a inação da coligação PSD-CDS, que esteve 3 anos no governo.
Isso faz lá sentido, Joana?
O PS é tão mau, mais ou menos, como o PSD-CDS. Essa é que é a verdade.
Publicado por: Luís Lavoura às maio 16, 2005 09:45 AM
Enquanto se encarar a política de uma façon clubistica não passaremos da cepa torta. Os média futebolizaram as relações população/público com partidos/clubes. Está tudo estragado.
Publicado por: JMTeles da Silva às maio 16, 2005 10:23 AM
A Joana, no seu afã de desculpabilizar a direita, vai ao ponto de atribuir a Jorge Sampaio toda a responsabilidade pelo orçamento de Estado deste ano.
Quer dizer: Bagão Félix faz as contas, produz um orçamento, esse orçamento é defendido na AR por Santana Lopes, PSD e CDS votam-no favoravelmente... e tudo isso é dulpa de Sampaio! Estão todos a fazer o favor a Sampaio! O orçamento é mau? Pois o PSD e o CDS não têm culpa pois, segundo a Joana, "ninguém esperaria que Santana Lopes [...] apresentasse um OE muito restritivo, com as eleições à porta". Santana Lopes e Bagão Félix são totalmente branqueados: foram obrigados (à ponta de pistola, supõe-se) a produzir e defender um orçamento e, naturalmente, coitadinhos, não conseguiram fazê-lo minimamente restritivo, dada a triste situação em que tinham sido colocados pelo malvado Sampaio.
É de gritos!!!
Publicado por: Luís Lavoura às maio 16, 2005 10:27 AM
Luís lavoura: Na altura os empresários também estavam contra ser um governo de gestão a fazer o OE. Foi o PR que insistiu. Teria sido preferível um regime de duodécimos.
É perverso pôr um governo a fazer um OE quando sabe, quase de certeza, que será outro a levá-lo à prática.
Será sempre um OE eleitoralista
Publicado por: Hector às maio 16, 2005 10:43 AM
A coligação tinha 2 hi+óteses:
Fazia um OE de rigor (com as medidas "chocantes" anunciadas por Campos e Cunha) e estava feito eleitoralmente.
Ou tentava dar uma imagem de mudança (como Sócrates tem feito até agora) para ver se se safava do desastre anunciado.
Escolheu a 2ª hipótese. Qualquer partido faria o mesmo.
O erro está em ter sido um governo de gestão a fazer o OE. E esse erro foi do Sampaio. Não só exigiu que fizesse "um" OE como promulgou "aquele".
Publicado por: Hector às maio 16, 2005 10:49 AM
Luís Lavoura às maio 16, 2005 10:27 AM:
Eu não desculpabilizei ninguém. Leia, sff, no post de cima:
«Foi uma herança preparada pelo governo mais desastrado que o país alguma vez teve, e no qual figurava o próprio Sócrates, continuada por um governo sem coragem, face a uma oposição chicaneira, de atacar as questões de fundo, e acabada por um governo armadilhado, cujo principal objectivo era evitar ser demitido no dia seguinte, para que Sócrates recebesse a herança».
Publicado por: Joana às maio 16, 2005 01:03 PM
Leia, sff, http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/2004/12/a_aprovacao_do.html
onde eu emito a opinião sobre o OE2005, que mantenho.
Publicado por: Joana às maio 16, 2005 01:07 PM
Leia, sff, http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/2004/11/obviamente_demi.html
onde começo por «Penso que Santana Lopes se deveria demitir e sugerir ao PR a realização imediata de novas eleições» e faço uma crítica cerrada à situação política de então e às decisões do governo.
Este post foi escrito antes da demissão ... No dia seguinte Sampaio demitia PSL.
Publicado por: Joana às maio 16, 2005 01:13 PM
Leia ainda, sff, http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/2004/07/santana_entregu.html
onde eu previ o clima de instabilidade que se iria seguir à indigitação de PSL, da maneira como o PR a fez.
Publicado por: Joana às maio 16, 2005 01:15 PM
Eu não mudo de opinião como quem muda de T-shirt. Se ler este blog há-de verificar que sempre tive fraca opinião do governo de Durão Barroso.
Só me equivoquei, ligeiramente, num ponto. PSL foi muito mais inábil que eu supunha, pela forma como geriu a sua relação com o PR e a comunicação social. E a estatura política que mostrou no final do seu mandato era muito mais baixa da que eu lhe atribuia.
O resto, está tudo lá. Não tenho que mudar uma vírgula.
Publicado por: Joana às maio 16, 2005 01:19 PM
Joana às maio 16, 2005 01:19 PM
Eu não a acusei de ter mudado de opinião. Só a acusei de estar (agora, como no passado) a branquear a atuação dos governos de direita, sobretudo do governo Santana Lopes. Esse governo fez um orçamento e foi à assembleia defendê-lo - podia não o ter feito. Os deputados do PSD e do CDS votaram a favor desse orçamento - podiam ter votado contra. Não se pode atirar com as culpas todas para cima de Jorge Sampaio, como a Joana aparenta fazer.
Também não se pode atirar as culpas do deficit de 7% exclusivamente para cima de Sócrates e de Guterres, como a Joana explicitamente faz. Entre Sócrates e Guterres houve um governo que esteve lá 3 anos e dispunha de maioria parlamentar para alterar muitas leis (não a constituição), se o quisesse ter feito. Guterres governou, é preciso não o esquecer, em condições muito mais desfavoráveis.
Publicado por: Luís Lavoura às maio 16, 2005 02:18 PM
É por demais evidente que à "inacção" do actual governo a Joana prefe a hiperactividade dum trio de governantes que, já no estertor do governo(?) a que pertenciam, não se coibem de forjar um documento apócrifo com o nobre (sem qualquer tipo de ironia...) desejo de salvar portucale.
Publicado por: Luís Filipe às maio 16, 2005 03:17 PM
Não sei se o documento é apócrifo. Nobre Guedes assinou-o datado e enviou aos outros para o assinarem. É natural que eles o assinassem 2 ou 3 dias depois.
Julgo que isto é uma circunstância normal quando há vários ministros que têm que assinar um despacho.
Dá-me ideia que há muita fofoquice à volta desta questão
Publicado por: V Forte às maio 16, 2005 03:26 PM
Não vi nenhuma desculpabilização da direita...
Publicado por: Mário às maio 16, 2005 04:09 PM
V Forte
Vossa mercê habita neste planeta ou é um extra-terrestre?
Considera assim tão natural que assuntos como o da Portucale sejam tratados de forma tão singela?
Veja o que o próprio Telmo Correia já disse acerca do assunto.
Acha mesmo que se trata duma mera fofoquice, duma comunicação social ávida de sangue?
O que me chateia verdadeiramente nos defensores da direita portuguesa é a sua tendência suícida para a total desresponsabilização das politicas adoptadas pelos governos de que são
simpatizantes. E este post da Joana é sintomático deste estado de espirito.
Como diz, e muito bem, o Luís Lavoura, não é intelectualmente honesto pretender-se imputar agora responsabilidades ao Sócrates pela existência dum orçamento que foi oportunamente defendido e aprovado por toda a direita parlamentar.
Agora queixam-se de quê? Querem transformar-se em
sádico-masoquistas?
Publicado por: Luís Filipe às maio 16, 2005 04:26 PM