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dezembro 04, 2003

Optimismos e realidades

Um dos fundamentos da Economia, diria o seu fundamento primordial, porquanto sem ele não haveria sequer Economia, é a escassez de recursos.

É a escassez de recursos e a necessidade de os alocar da forma mais eficiente possível que fez com que aparecesse a Ciência Económica e se gerassem empregos para economistas.

Portanto é um dado que qualquer análise económica tem que partir de um quadro de referência, inventariando os recursos existentes: activos corpóreos (fixos e circulantes) e activos incorpóreos (capital humano, qualificações, mentalidades, hábitos, interesses dos diferentes segmentos e corpos sociais, eventualmente divergentes, etc.). Aliás, parte dos activos incorpóreos que citei caberiam melhor sob a designação de “passivos” incorpóreos!

A Alemanha, a seguir à guerra de 1939-45 ficou completamente devastada e destruída. Os seus activos corpóreos tinham “desaparecido em combate”. E muitos dos que não tinham sido destruídos foram desmontados e enviados para as potências ocupantes (excepto no sector americano). Mas tinha um precioso activo incorpóreo: a qualificação média dos seus cidadãos, a sua disciplina e sentido cívico, a sua capacidade, como povo, de aceitarem objectivos, de os compreenderem e de se sacrificarem por eles. E assim aconteceu o milagre alemão. Pouco mais de uma década a seguir ao início da reconstrução, a RFA já era a principal potência económica continental. Curiosamente, o facto de muitas fábricas terem sido desmontadas pelos ingleses, foi posteriormente considerado como tendo facilitado a modernização do tecido industrial alemão e concorrido para a obsolescência do britânico.

No caso em apreço, quando eu caracterizei a situação de referência que temos em Portugal, o Rui (Adufe) contrapõe: pois, mas isso é o que tem sucedido. A Joana “parece um político derrotado a falar”. “Mas nós não seremos capazes de aprender com os erros?”.

Bem, no meu caso pessoal, aprendi. Aprendi a analisar com frieza e objectividade as situações e avaliar a viabilidade das soluções. Mas será que o país, no seu todo, aprendeu? Vejamos:

O Código do Trabalho que pouco acrescenta à legislação existente, embora tenha o mérito de sistematizar num único diploma uma infinidade de leis dispersas e contraditórias, demorou ano e meio para ser aprovado e falta ser regulamentado. Julgo que se passarão anos a discutir a sua regulamentação.

A reforma da administração pública, introduzindo critérios objectivos de aferição de desempenho, desburocratizando os serviços e modernizando todo o aparelho administrativo continua a ser “concebida”. Sem essa reforma, qualquer euro que se invista na administração pública corre sério risco de nunca ser recuperado. Deveria ser a tarefa prioritária deste governo (como dos anteriores). Aposto singelo contra dobrado que quando o respectivo projecto vier a lume, o clamor de todos os interesses instalados vai ser ensurdecedor. E será que é uma reforma a sério, ou apenas uma maquilhagem sem impacte relevante no funcionamento da administração pública? E entrará em vigor na presente legislatura? Duvido que ambas as questões tenham resposta positiva.

Você não tem optimismo. Você tem fé. Você parece ter a varinha mágica que irá permitir que erros que foram cometidos, não o sejam agora, porque “aprendemos com isso”.

Eu sou realista. Temos que inventariar as causas dos erros cometidos e eliminá-las ou mitigá-las, reformando a sociedade para que esses erros não voltem a ocorrer. Não é o seu optimismo que evita que caiamos nos mesmo erros, mas sim a eliminação das causas que estiveram na sua origem. É essa a minha tese, que eu tentei infrutiferamente expor. Infelizmente era a fala de “um político derrotado”.

Eu não digo mal da administração pública (aliás foi você que a apelidou de retrógrada) e da universidade. Estou apenas a caracterizar uma situação de referência, que existe e que terá que ser alterada. Se ler os textos que afixei aqui, verá que, por exemplo, faço frequentes referências à situação caótica do Ministério do Ambiente e ao facto de o cumprimento da execução dos fundos comunitários estar muito baixa. As candidaturas não são aprovadas e normalmente são vítimas de manobras dilatórias.

Não acredita que a universidade está desligada do país real? Isto independentemente de haver muita gente boa e competente na docência universitária e nos centros universitários. Eu vivi a universidade em 3 vertentes: discente, docente (3 anos) e como consultora que lê com frequência pareceres elaborados por professores ou organismos universitários. Do ponto de vista de serem um instrumento de decisão para os clientes que os encomendam, na maioria dos casos não servem objectivamente para nada. Não me refiro a determinadas áreas de investigação mais teórica onde a situação poderá ser diferente.

Está no seu direito de não acreditar no que lhe digo, mas creia que tenho razão. O perverso é que, falando com eles nunca os consegui levar a objectivar os seus estudos. Pura e simplesmente não me compreendem e eu, com a delicadeza de quem foi assistente daqueles prof’s acabo por desistir e refaço-os ou mando refaze-los. Recorrer aos centros universitários é útil quando há necessidade de muita recolha e compilação de dados (mão de obra estudantil ou recém formados!). No resto pouco mais é que irrelevante. Note que me estou a referir às faculdades de economia. Julgo que na área da engenharia o panorama é melhor.

Uma última nota: eu escrevi “en passant” referindo uma série de mecanismos económicos e a sua acção, ao caracterizar a situação portuguesa. O chamado empecilho incómodo dos factos.

Você contrapõe o seu voluntarismo e optimismo “juvenil”. Mas aos factos disse nada. O que você explanou foi uma compilação de boas intenções e de esperanças no futuro.

O optimismo e o ardor juvenis são óptimos. Calculo que haverá menos de uma década de diferença entre nós. Provavelmente o tempo suficiente que permitiu que a dura realidade dos factos mediatizasse um optimismo impetuoso e juvenil.

Acho bem que continue optimista. Todavia condimente esse optimismo com a realidade do país que temos. Mas não se torne pessimista ou derrotista (como julga que eu sou) ao constatar a realidade que temos e a sua inércia em modificar-se. Um optimismo realista é o que precisamos.

Notas soltas:
Rui, não é possível debate quando se pega no que o interlocutor escreve e se lê ao contrário. Eu escrevi: Nós temos 2 realidades com que nos confrontar: o curto e o médio e longo prazo E temos que agir sobre ambas. E você a seguir escreve que havia dito isso e dá a entender a seguir que eu sugeriria que se devesse primeiro “esperar que se atinjam todos os equilíbrios macroeconómicos dos livros para se recuperar o tempo perdido”. Onde é que eu disse tal coisa?

Quanto aos impostos, quem é que lhe diz que se gastar mais 1€ na máquina fiscal ela lho devolve com “juros”? Lá está você a manejar ideias sem estarem ancoradas aos factos. O facto é que é necessária uma reforma de alto a baixo na administração pública. A situação fiscal presentemente em Portugal está à beira da rotura. Ainda há dias um membro da CTOC dizia que o fisco só persegue quem declara os rendimentos, esquadrinhando tudo de forma intolerável, mas que é incapaz de ir àqueles que declaram pouco ou nada ou que vivem em economia paralela. Você vai ver, por exemplo, ao que a reforma da tributação do património vai conduzir. O caos está completamente instalado, as finanças a comportarem-se discricionariamente, a enganarem-se nos titulares das declarações que enviam, etc. A maioria que vai ser atingida são os pequenos senhorios dos bairros antigos, com rendas miseráveis e baixa qualificação, que não percebem o sarilho em que estão metidos. É o cidadão anónimo que paga a má qualidade da administração pública.

Portanto, a equanimidade fiscal em Portugal só será atingida aos poucos, com reformas profundas do aparelho fiscal, e só produzirá frutos lentamente. Como eu escrevi dezenas de vezes, mas você não tem reparado, “temos que construir o futuro, mas também temos que gerir o presente”.

Publicado por Joana às dezembro 4, 2003 09:00 PM

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Lista dos links para blogues que mencionam Optimismos e realidades:

» A Fé, o optimismo e a determinação from Adufe.pt
Cara Joana para já dispenso-me de discutir detalhadamente os fundamentos primordiais da ciência económica pois até aí, face ao que disse (demasiado redutor) teria muito a dizer. Mas já que discutimos princípios básicos falho-lhe num parágrafo (e aos le... [Ler...]

Recebido em dezembro 5, 2003 01:03 PM

Comentários

Joana, concordo plenamente consigo na parte do que diz de que eu tenho experiência pessoal

Publicado por: Viegas às dezembro 10, 2003 12:33 AM

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