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fevereiro 12, 2004

O Regresso do Sisa Ligeiro

O actual presidente da Agência Portuguesa para o Investimento e antigo ministro das Finanças do governo de Cavaco Silva continua igual a ele próprio.

Cadilhe tem uma enorme confiança em si mesmo e no que faz, e é extremamente céptico relativamente ao resto. Quando Medina Carreira, sempre curioso, perguntou como é que a DGCI ia apurar o rendimento real dos contribuintes, após a reforma fiscal de 1989, Cadilhe respondeu-lhe convincente e confiante: “cruzam-se os dados com a informática, e pronto!”. O “pronto”, 15 anos e diversos ministros das Finanças depois, ainda não chegou.

O seu comportamento perante as obrigações fiscais, como a sisa, ficaram célebres. Mais notável foi a forma como, durante o seu ministério, foi alterando o regime da sisa, e das respectivas isenções, ao sabor das suas próprias transacções imobiliárias: compras, vendas, permutas, etc..

Esta sua actuação valeu-lhe o cognome de Sisa Ligeiro, por comparação com o seu conterrâneo Siza Vieira.

Recentemente declarou que Portugal não tinha meios para projectos como a Expo'98, o Porto Capital da Cultura e o Euro 2004. Ora é de um extremo mau gosto um detentor de um cargo público produzir afirmações destas sobre eventos já passados ou à beira de ocorrerem, com os investimentos já realizados. E de um gosto ainda mais duvidoso, no caso de Cadilhe, que deu o seu beneplácito à obra que, depois de Santa Engrácia, é o mais lídimo símbolo da dificuldade portuguesa de planear obras públicas e executá-las dentro dos prazos e custos orçamentados: o CCB.

O CCB foi feito da forma mais atrabiliária, sem respeito por planeamentos e controlo de custos, e constituiu provavelmente a maior derrapagem de custos vista em obras públicas portuguesas.

Em contrapartida a Expo'98, e refiro-me apenas à área de intervenção do Departamento da Construção, realizou-se nos prazos previstos e sem derrapagem orçamental significativa. Os excessos orçamentais no âmbito da Expo'98 referem-se à Gare do Oriente, gerida autonomamente, (derrapagens provocadas principalmente pelas indecisões e incompetência da CP e por se ter escolhido uma prima-dona como arquitecto, o Calatrava) e aos eventos, alugueres de barcos, etc., geridos por uma caterva de boys (e girls) postos lá por compadrio político.

O Porto Capital da Cultura era um evento necessário. O que ocorreu foi o que é habitual actualmente na região do Porto. Os seus líderes são muito unidos a pedirem fundos mas, após os receberem, desentendem-se, cada um tem uma ideia diferente e contraditória, entram em guerras uns com os outros e não é possível, com essa postura, fazer uma obra respeitando prazos e custos. Há inúmeros exemplos de situações destas que poderia citar. Mas esta é uma questão de líderes que cabe às gentes do Porto resolver e estou certa que, mais ano menos ano, resolverão.

O Euro 2004 pode ter sido uma opção errada, quando foi lançada a candidatura. Mas foi uma opção tomada há alguns anos e não é agora altura de a pôr em dúvida. Agora, o que há a fazer é tentar extrair desse evento os maiores benefícios possíveis. E os benefícios de um evento como o Euro 2004 não podem ser medidos apenas pelas receitas directas. Essas interessam aos promotores. No caso do Estado, parte substancial dos fundos que entregou, recebeu-os de volta através do IVA. Existem todavia muitos outros benefícios, as chamadas externalidades, que se dirigem a toda a comunidade: turismo, restauração, maior conhecimento do país com reflexos futuros em torná-lo atractivo em diversas vertentes, etc.. Cabe à sociedade civil organizar-se para as aproveitar, mas cabe igualmente ao Estado um papel importante, criando as melhores condições para que tal ocorra.

E por falar no papel do Estado, continuo extremamente curiosa sobre o que é que a Agência Portuguesa para o Investimento tem feito para atrair o investimento para o nosso país e para proporcionar à sociedade civil um enquadramento que favoreça o investimento nacional. Até agora não vi nada. E foi para gerir essa Agência que Cadilhe foi convidado e não para ser profeta da desgraça ou para proferir publicamente dislates que apenas visam aumentar a confusão em que o país vive.

Quando a Agência Portuguesa para o Investimento foi criada e a sua sede posta no Porto por exigência de Cadilhe, diversos investidores estrangeiros queixaram-se que pôr a API fora de Lisboa não seria o mais adequado. Espero sinceramente que a acção (ou a inacção) do ex-ministro Cadilhe não venha a dar razão a esses investidores. Embora neste caso, não será a localização no Porto que estará em causa, mas a gestão do ex-ministro Cadilhe.

Mas se actuação do ex-ministro Cadilhe a chefiar a API tem sido decepcionante e apagada, outro tanto não se dirá da sua intervenção pública. Cadilhe não fala sobre as tarefas de que foi encarregado, mas fala muito e é de uma total incontinência verbal sobre as outras matérias. Agora pretende que a Agência Europeia de Segurança Marítima, atribuída a Portugal pela União Europeia, deva ficar fora de Lisboa, noutra cidade costeira que tenha um porto e uma universidade.

Se for para lhe acontecer o mesmo que à API, não me parece, obviamente, uma boa ideia. Já há um precedente até agora muito negativo. E esse precedente foi justamente criado pelo ex-ministro Cadilhe.

Publicado por Joana às fevereiro 12, 2004 07:42 PM

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Comentários

De acordo.

Lembro também a perigosa tentativa de transformar o Douro Património Mundial num campo de golfe à beira rio plantado, à semelhança do que se pretende para as margens da eclusa da Barragem do Alqueva. Curiosamente este plano tem origem na Agência Portuguesa de Investimento. Não há imaginação para mais neste país?

Publicado por: pepe às fevereiro 12, 2004 09:54 PM

Cadilhe era de facto arrogante e deixou-se levar pela ligeireza do poder, fazendo algumas coisas indevidas, mas foi, tecnicamente um bom Ministro das Finanças, se descontarmos a questão da sisa

Publicado por: Novais de Paula às fevereiro 12, 2004 09:59 PM

O grande problema não está nas declarações do Senhor Cadilhe..
A grande questão está em saber-se por que razão o senhor Cadilhe não foi de imediato demitido do cargo a seguir às declarações.

O Primeiro Ministro continua a recear o sector cavaquista do PSD.Com estes receios e a consequente falta de autoridade demonstrada levam a que o "desgaste" do governo de Durão/Portas continue,vindo do interior do próprio PSD.

Durão Barroso e o seu masoquismo!

Publicado por: ZEUS8441 às fevereiro 12, 2004 10:10 PM

adoro estes regionalistas :
contra a concentração em Lisboa , pela concentração no Porto.

Publicado por: zippiz às fevereiro 12, 2004 10:57 PM

O Cadilhe talvez fosse competente, mas era o tipo mais antipático do governo do Cavaco

Publicado por: Gustavo às fevereiro 12, 2004 11:41 PM

E oq ue ele andou a fazer com a sisa e com as mudanças a cargo do pessoal do Estado foi uma vergonha

Publicado por: Gustavo às fevereiro 12, 2004 11:43 PM

O Cadilhe adquiriu uma boa reputação, talvez imerecida. Aquilo que a Joana escreveu sobre as mudanças do regime de sisa foi verdade e, ao que parece, correspondeu às compras ou permutas que ele fez. Isto é pior que não pagar sisa. Mudara a lei para pagar menos ou não pagar, serve para ele e muitos outros enquanto durar o regime. Isto é um roubo legal. E um roubo em larga escala porque houve muitos a comer à conta do Cadilhe.
Eu não concordo com a sisa. Mas então acabava-se de vez.

Publicado por: Hector às fevereiro 13, 2004 12:13 AM

joana, joana, joana...

Who's next? (Excelente álbum!)

Freitas do Amaral?

Publicado por: dionisius às fevereiro 13, 2004 12:20 PM

Cadilhe foi dos ministros mais mal vistos dos governos de Cavaco, mas conseguiu sair com uma imagem de competência que manteve sempre.
Parece que essa imagem afinal não corresponde à realidade. Ou será que corresponde e isto são apenas fait-divers?

Publicado por: aj ribeiro às fevereiro 13, 2004 11:51 PM

As dclaracoes de Cadilhe sao estupidas, ate porque no caso da Agencia, ja era um assunto que vinha do anterior governo. As candidaturas sao de cidades e nao de paises. Agora nao era possivel voltar ao principio

Publicado por: Filipa Zeitzler às fevereiro 14, 2004 04:28 PM

.

Publicado por: VSousa às fevereiro 14, 2004 06:50 PM

Oops. Queria apenas dizer que o Cadilhe sempre se comportou como um arrogante e auto-convencido e não era agora que iria mudar

Publicado por: VSousa às fevereiro 14, 2004 07:51 PM

Parabéns, Joana, pela lucidez.
Também, eu, tenho muito gosto em saber qual a actividade desenvolvida pelo Dr. Cadilhe na captura de investimento para Portugal. Todavia, até agora, não chegou ao meu conhecimento que tenha havido qualquer interesse por parte de investidores estrangeiros.
Penso, e digo penso porque tenho cabeça para pensar, diferentemente do Dr. Cadilhe que me parece não ter usado a cabeça (dele) antes de proferir o discurso tam medíocre e não fudamentado. Admito e aceito que ele avalie negativamente a Expo98 e o Euro2004; mas, não admito nem aceito que ele o faça gratuitamente, isto é, avaliação negativa por avaliação negativa. As críticas têm de ser baseadas em atitudes concretas, ponderadas as variáveis, vantagens e inconvenientes.
Não quero julgar a competência do Dr. Cadilhe, já porque não o conheço, já porque pouco sei àcerca do trabalho que realizou ao longo da sua carreira. Apenas posso afirmar que nunca ouvi falar dele como um profissional competente.
E seria bom que, na qualidade de Presidente da API, explicasse aos portugueses quais os resultados da sua acção e quanto já gastou do seu orçamento. Isto para sabermos se o trabalho desenvolvido pela Agência é rentável.

Publicado por: manuel marques às fevereiro 15, 2004 12:19 AM

Plenamente de acordo. O Cadilhe em vez de andar a criticar a casa alheia, era melhor que tratasse da sua. Ainda hoje saiu no Público uma notícia nada boa para o país em que a API deveria ter tratado melhor do assunto: http://jornal.publico.pt/2004/02/13/Economia/E20.html
A arrogância dá nestas coisas...asneira.

Publicado por: vmar às fevereiro 15, 2004 12:30 AM

Cara Joana

Vim parar ao seu blog por acidente, numa pesquisa sobre o conceito de "externalidade", a qual me levou a um texto seu, não me lembro já bem qual.

Permita-me uma crítica construtiva, pois existem pormenores que não ficam bem a quem pretende abordar certos assuntos com seriedade e profissionalismo..

A crítica é a seguinte: não se refira a navios, chamando-lhes barcos. São coisas diferentes, pricipalmente para um economista.
È como chamar pensão ao Ritz, não porque o dono se sinta ofendido, mas pelas características e dimensão de cada um e, consequentemente, pelas diferentes características que assumem dum ponto de vista produtivo.

(Já agora, os navios não se alugam, fretam-se ou afretam-se.)

Para terminar, penso que deveria ter algum cuidado na análise da EXPO98. Na minha opinião, qualquer análise séria da EXPO deveria ter em conta meia dúzia de factores, dos quais me ocorrem neste momento:

1. Análise e avaliação dos diversos CA da APL (então AGPL) que deixaram aquela zona da cidade chegar ao estado de degradação que apresentava.
2. Analisar bem as relações pessoais de todos os responsáveis, fossem do PSD ou do PS. Apelidar alguns de caterva de boys e louvar o ex comissário C. e Cunha é, no minimo, curioso.
3. Comentar o relatório da equipa do IST feito logo após o encerramento da exposição, que, salvo erro, concluiu que a cada 116 milhões de contos gastos correspondia um nível normal de custo de 100 milhões.

Parece-me que já é tempo de fazer uma análise calma da EXPO, possível e desejável sem beliscar a auto-estima geral de todos nós. A obra e a imagem ficaram, tanto no Parque das Nações como na memória colectiva do país, e vai certamente resistir a qualquer desmistificação de um ou outro personagem que por lá passou.

Em democracia, os mitos são perigosos, pois quando alimentados pelos media tendem a toldar a capacidade de análise dos eleitores.

Cumprimentos para todos.

LA

Publicado por: LA às fevereiro 15, 2004 01:03 PM

LA:
Terá toda a razão no que se refere aos barcos vs. navios. Só que não vejo que isso seja matéria de economia.
Tem razão quando se diz que os navios se afretam ... mas para fazer transportes. Aqueles foram «alugados» para fins similares a fins «imobiliários».
Eu defendi a bondade da Expo’98, independentemente das externalidades que geraram como essas que você, justamente, assinala.
Não conheço o relatório do IST, mas conheço os orçamentos e a respectiva execução por parte do Departamento de Construção da Expo’98, dirigido pelo Engº Virgílio Borges.
Essa afirmação do IST acho-a risível. Para começar, é difícil definir o “nível normal”. Se você alguma vez assistiu a alguma abertura de propostas em concursos de empreitadas (ou outros quaisquer concursos), vê diferenças de custos que, às vezes, variam em mais de 100%.
Em segundo lugar, viveu-se, nessa altura, um boom da construção civil. Nesse tipo de conjuntura, como sabe, há tendência para os concorrentes subirem os preços. Como têm uma carteira cheia de encomendas, elevam os preços bem acima do custo marginal. Numa situação de escassez, pelo contrário, baixam os preços. Essa conclusão do IST não me merece qualquer crédito. É tão válida como os mapas de medições e orçamentos que os projectistas apresentam com o projecto e que, normalmente tem diferenças abissais quando comparados com os resultados dos concursos.
Cardoso e Cunha é competente (aliás como Torres Campos) o que não significa que não tenha que ser impermeável aos jogos do poder. Além do que a gestão da Expo era um organismo complexo com vários poderes.

Publicado por: Joana às fevereiro 16, 2004 09:14 PM

Joana

Registo e agradeço a sua resposta, efectivamente a gestão da EXPO era uma coisa complicada e com a entrada do PS no poder a meio do projecto, imagino que deverá ter-se complicado ainda mais.

Quanto ao 1º comissário (C. e Cunha), respeito a sua opinião, embora numa missão de caracter público com aquelas características, haja certas atitudes ou decisões de colaboradores que inevitavelmente afectam a sua imagem. As noticias vindas a publico quando mais recentemente entrou na TAP, não ajudaram muito a repor essa imagem.

Quanto ao navio vs barco (não sou economista, sou da area do transporte maritimo)pense na exploração dum navio enquanto fábrica de produção de frete, e talvez perceba o que queria dizer no meu comentário.

Boa noite

Publicado por: LA às fevereiro 17, 2004 07:34 PM

LA em fevereiro 17, 2004 07:34 PM
Não faço ideia do que o Cardoso e Cunha tem andado a fazer pela TAP.
Temos todavia que ter em conta que a TAP tem sido o holocausto dos gestores públicos.
Não tem que agradecer. Apareça sempre.

Publicado por: Joana às fevereiro 17, 2004 08:01 PM

O Cardoso e Cunha não vai fazer nada na TAP. Quem manda na TAP são os pilotos e o resto é conversa.

Publicado por: Senhor dos Aneis às fevereiro 17, 2004 10:24 PM

O Cardoso e Cunha não vai fazer nada na TAP. Quem manda na TAP são os pilotos e o resto é conversa.

Publicado por: Senhor dos Aneis às fevereiro 17, 2004 10:25 PM

Eu acho o Cadilhe competente e um grande defensor da cidade do Porto. Precisamos de alguém que nos defenda

Publicado por: Bsotto às fevereiro 20, 2004 08:07 PM

Avaliar a competência de uma pessoa por ela ser do Porto ou de Freixo da Espada à Cinta não me parece bom critério

Publicado por: Rui Pereira às fevereiro 20, 2004 08:54 PM

Ouvi dizer que a UE está chateada com a indecisão de Portugal sobre a localizaçlão da agéncia. Era bom que ela ficasse aqui no Porto

Publicado por: Bsotto às fevereiro 23, 2004 07:13 PM

Ouvi dizer que a UE está chateada com a indecisão de Portugal sobre a localizaçlão da agéncia. Era bom que ela ficasse aqui no Porto

Publicado por: Bsotto às fevereiro 23, 2004 07:13 PM

Oops! Fugiu-me o dedo

Publicado por: Bsotto às fevereiro 23, 2004 07:13 PM

m***

Publicado por: Absnt às fevereiro 27, 2005 12:38 PM

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