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maio 31, 2005

As Fauces do Moloch para os remediados

Abandonemos o executivo do post anterior. Ou melhor, foi ele que nos abandonou, arreliado por entregar 70% do valor do seu trabalho ao sôfrego Moloch e ainda ter que ler as piadas dos invejosos, sobre ele ter comprado um carro acima da média. Começou a antecipar o que sucederia quando Campos e Cunha decidisse enviar a declaração do IRS dele para os vizinhos do bairro e resolveu despedir-se. Não vou revelar se ele emigrou, ou se se empregou numa empresa onde recebe 30% do vencimento em Portugal, e o restante num paraíso fiscal algures. Perante este Runaway Executive, resolvi então investigar a relação entre o insofrido Moloch e um quadro técnico intermédio, igualmente solteiro, que aufere uns modestos 2 mil euros mensais mais um subsídio de refeição de 5,75€/dia. Será que o Moloch se apieda dele?

Com se viu no caso anterior, o vencimento dele não são 2 mil euros mensais. A empresa entrega ao voraz Moloch 23,75% daquele valor (475 euros mensais). Este quadro médio custa à empresa 2.595,75 euros mensais. Quanto é que ele leva para casa?

São-lhe retidos 410,00 € de IRS (20,5%) e 220 € de Taxa Social Única. Como recebe mensalmente 120,75€ de subsídio de refeição, leva 1.490,75€ para casa. Da sua remuneração bruta, 42,6% já foi entregue ao Moloch. Pouco menos que aquele executivo, entretanto desaparecido, e que tanta inveja despertou.

O nosso quadro médio comprou uma casa em Lisboa. Andámos a ver casas, mas não foi possível encontrar um T0 por menos de 120 mil euros. A amortização do empréstimo custa-lhe 562 €/mês, mas como cerca de 45% dos custos de construção são impostos, o nosso quadro médio entrega ao Moloch, no mais doce engano, 252,9€/mês. Adicionalmente entrega-lhe o IMI que, em termos mensais, é de 70,0€ (0,7%, em Lisboa).

Nesta altura sobejam-lhe 858,75€ e entregou em impostos, directa ou indirectamente, 55% do valor do seu trabalho.

O nosso quadro médio, mais morigerado que o dispendioso executivo, comprou uma viatura de 1.200 cc por 21,8 mil euros (que inclui 6,1 mil euros de impostos diversos). Este carro não tem uma vida útil superior a 5 anos (60 meses) e seguindo a mesma metodologia do post anterior, ele pagará 363,33€ por mês, dos quais 101,67€ ao Moloch. Como ele está à beira da insolvência, só anda 900 a 1.000 kms/mês, o que poderá equivaler a 69€ de gasolina por mês. Como 68% do preço da gasolina são impostos, o nosso prudente quadro médio entrega mensalmente mais 46,92€ ao esfaimado Moloch.

Nesta altura do mês, o nosso quadro médio tem apenas 426,42€, e já lançou 60,7% da sua remuneração bruta para as fauces insaciáveis do Moloch. Apesar dos meus conselhos, advertindo-o contra os riscos que corria (a sua saúde e o seu extracto bancário), a depressão nervosa que o atingiu, depois de fazer a sua contabilidade doméstica, era tal, que o máximo que consegui foi que ele fumasse apenas um maço por dia. Enfim ... 75€ mensais, dos quais 60€ para o Moloch, sempre de goela estendida.

O nosso quadro médio vai despender o que lhe sobejou (351,42€) em bens de consumo. Tem sorte, porque o IVA médio, para o seu cabaz de compras será de 16%, ou menos. Com o que lhe resta, dificilmente almoçará mais que um copo de leite e um donut na pastelaria da esquina. Mesmo assim, entregará ao predador Moloch mais 59,74€. Da sua remuneração bruta, o nosso quadro médio entregou ao Estado 63,0% em impostos.

A pergunta que se coloca novamente é: O que é que este quadro médio recebe em troca do Estado, por lhe ter entregue cerca de 63% do valor do seu trabalho?

Li algures, escrito por um adorador do Moloch, que «O Estado não é uma empresa privada, não existe para prestar serviços pagos a "executivos"! O Estado existe para promover o bem-comum e não o bem dos "executivos", e isso envolve taxar valentemente esses "executivos"». Outros disseram que entregar aquela monstruosidade ao Moloch era um ... «privilégio»!!. O nosso executivo do post anterior, quando leu isto, obviamente desapareceu: então ele dava 70% do valor do seu trabalho a troco de nada? ... o bem de um executivo não é um bem-comum? Em face daquela sentença radical, esse executivo optou por se colocar numa situação tal que pagasse o mínimo que lhe fosse possível. Ninguém gosta de ser roubado e amesquinhado e insultado ainda por cima. Privilégios desses ... não, obrigado.

O problema é que mesmo um quadro técnico intermédio entrega 63% do valor do seu trabalho ao ávido Moloch estatal, directa ou indirectamente. Todavia, apenas parte daquela punção no nosso orçamento doméstico é feita às claras. Uma parte muito substancial é entregue directamente pela empresa onde trabalhamos, sem constar sequer do nosso recibo de vencimento. Mas é um custo que onera as empresas e lhes retira competitividade. Outras parcelas muito substanciais pagamo-las quando adquirimos uma casa ou um carro. Continuamos a pagar impostos, sem ter uma exacta noção disso, quando enchemos o depósito da viatura ou consumimos algum bem. Sempre ...

Muitos julgam que os impostos são apenas aqueles valores que aparecem nos nossos recibos, a deduzir ao vencimento, ou nas notas anuais de liquidação do IMI. É um equívoco. Uma parte significativa pagamo-la sob os mais diversos, surpreendentes e inexplicáveis disfarces. A voracidade do Moloch é insaciável.

...

E lá se voltou a esquecer do selo do carro!

Publicado por Joana às 10:49 PM | Comentários (79) | TrackBack

As Fauces do Moloch

Consideremos um executivo “rico”, português, que ganhe 4 mil euros mensais. Suponhamos, para facilitar as contas, que é solteiro. Suponhamos ainda que recebe, em ajudas de custo e senhas de refeição 500 euros mensais. Este valor é o seu “seguro de subsistência” como veremos adiante. Vejamos o que o Moloch lhe engole mensalmente:

Em primeiro lugar, o vencimento dele não são 4 mil euros mensais. A empresa lança para as fauces do Moloch 23,75% daquele valor (950 euros mensais). O nosso executivo custa à empresa 5.450 euros mensais. Quanto é que ele leva para casa?

São-lhe retidos 1.060,00 € de IRS (26,5%) e 440 € de Taxa Social Única. Leva apenas 3 mil euros. Da sua remuneração bruta, 45% já foi entregue ao Moloch. Se contarmos apenas com a remuneração oficial, entregou 49,5%.

O nosso executivo comprou uma casa em Lisboa. Como é solteiro, comprou um T1 por 150 mil euros. A amortização do empréstimo custa-lhe 694 €/mês, mas como cerca de 45% dos custos de construção são impostos, o nosso executivo entrega ao Moloch, sem se dar conta, 312,3€/mês. Adicionalmente entrega-lhe o IMI que, em termos mensais, será de 87,5€. O IMT tem pouco peso (considerando que se repercute em 30 anos) e considerei incluído nos impostos sobre a construção.

Nesta altura sobejam-lhe 2.218,50€ e entregou em impostos, directa ou indirectamente, 52,4%. Se contarmos apenas com a remuneração oficial, entregou 57,7%.

Mas o nosso executivo comprou uma viatura por 55 mil euros (que inclui 26 mil euros de impostos diversos). Nada de especial, afinal ele é um executivo “rico” português. Considerando que o carro dura 6 anos (72 meses) e sem entrar em conta com taxas intertemporais de preferência pela liquidez, dividimos simplesmente os valores em causa por 72. Ele pagará 763,89€ por mês, dos quais 361,11€ ao Moloch. Vamos admitir que ele anda 2.500 kms/mês, o que poderá equivaler a 241,5€ de gasolina por mês. Como 68% do preço da gasolina são impostos, o nosso feliz executivo entrega mensalmente mais 136,85€ ao insaciável Moloch.

Nesta altura do mês, o nosso executivo “rico” português tem apenas 1.317,76€, e já lançou 61,6% da sua remuneração bruta para as fauces insaciáveis do Moloch (Se contarmos apenas com a remuneração oficial, entregou 67,8%). Felizmente ele havia recebido 500€ livres de impostos, senão estava feito.

O nosso feliz e “rico” executivo português vai despender aquele valor que lhe sobejou em bens de consumo. Ele não fuma, porque teve que abandonar o vício por falta de liquidez. Suponhamos que o IVA médio, para o seu cabaz de compras é de 17%. Provavelmente será maior, com a taxa máxima a 21%. Se despender aqueles valores em bens de consumo, entregará ao predador Moloch mais 224,02€. Da sua remuneração bruta, incluindo aquela que “passou por baixo da mesa”, o nosso feliz e “rico” executivo português entregou ao Estado 65,7% em impostos. Se contarmos apenas com a remuneração oficial, entregou 72,2%.

A pergunta que se põe é: O que é que o nosso feliz e “rico” executivo português recebe em troca do Estado, por lhe ter entregue cerca de 70% do valor do seu trabalho?

E ele só agora se lembrou que tem que ir comprar rapidamente o Selo para o carro!

Lá terá que ir "cravar" os pais!

Ler a continuação:
As Fauces do Moloch para os remediados
As Fauces do Moloch - Notas
Os Familiares do Santo Fisco

Publicado por Joana às 02:48 PM | Comentários (72) | TrackBack

maio 30, 2005

A França escreve direito por linhas tortas

A votação de ontem em França e, principalmente, o que foi dito durante a campanha, mostraram que não é apenas o modelo social europeu que está em risco – É a própria Europa que está à beira do abismo. A Constituição Europeia não ia trazer qualquer alteração à mundialização e à contínua deslocalização das empresas para o Leste da Europa ou para a Ásia. A Constituição Europeia é contestável em termos da soberania dos Estados membros, nunca em termos de modelo social de cada Estado membro, sobre o qual não é directiva, limitando-se à retórica social aqui e ali. Os franceses não discutiram e votaram a Constituição Europeia: apenas exorcizaram os seus temores face a um mundo em mutação, que não compreendem, de que têm medo e que não aceitam.

O Tratado de Maastricht ou a recente adesão dos 10 países de Leste tiveram impacte na economia europeia, mas são factos consumados: hoje temos a moeda única e 10 novos países com baixos custos de mão de obra e com uma legislação laboral liberal. E a França vai ter que viver com eles, com Constituição ou sem ela. A UE não impediu Mitterrand de nacionalizar empresas em 1981, nem impediu Chirac de as reprivatizar em 1986. A Constituição não passa de um rosário de banalidades repetidas e redundantes, de uma tentativa perigosa de “cristalizar” situações, blindando-as ao longo de centenas de páginas. A Constituição Europeia sofre do mal das constituições de raiz jacobina, estatizante e iliberal (como a portuguesa, aliás) – porque teme o futuro, tenta “imobilizar” o presente.

Os franceses estão contra um grande mercado europeu concorrencial, basta ver como contestaram a Directiva Bolkestein que visava a liberalização do mercado de serviços, inserida na agenda de Lisboa que pretendia fazer da UE a "a zona económica mais competitiva do mundo" no horizonte 2010; os franceses estão contra a globalização e as suas exigências competitivas, a partir do momento em que essa globalização trouxe o reverso da medalha – a emergência dos gigantes asiáticos; os franceses estão contra a flexibilização laboral e contra o regresso ao horário de trabalho anterior à reforma do governo PS, porque não prescindem das “conquistas irreversíveis”; os franceses estão contra as deslocalizações, sem se aperceberem que elas são o resultado de uma legislação laboral incomportável; os franceses estão contra a entrada da Turquia na UE e contra a imigração porque têm medo de um futuro imprevisível. A França está contra tudo o que lhe cheire a mudança.

Quando a sociedade está confrontada com mutações exógenas cujas causas e consequências tem dificuldade em compreender, quando sente que “tudo o que é sólido se dissolve no ar”, entra numa crise de consequências imprevisíveis. Nos alvores da Revolução Industrial, populares irados invadiam as fábricas e escavacavam as máquinas sob a alegação que estas geravam o desemprego. A Grande Guerra e os desequilíbrios económicos provocados pelas destruições maciças e pelas alterações políticas, nomeadamente a implosão da monarquia austro-húngara, levaram a Europa continental a enveredar por uma via totalitária, por uma via de autarcia económica e a deixar-se seduzir por ideologias totalitárias, de esquerda e de direita, que tinham em comum a teoria da conspiração segundo a qual todos os males da sociedade e da economia são devidos a uma conspiração dos poderosos (a «classe dominante» marxista ou a «plutocracia e o judaísmo» nazi), que a sujeitam aos seus desígnios egoístas e tenebrosos. Sabe-se a que é que esta crise de valores e este desatino social conduziram.

Os países anglo-saxónicos e do norte da Europa, onde o pensamento liberal tem raízes mais fortes e onde o centralismo administrativo e a ideia jacobina do Estado centralizado e omnipresente não fizeram história, estão mais imunes ao desatino político e social em que vive a França e em que, mutatis mutandis, vive Portugal.

Quando a esquerda francesa acha a Constituição ultraliberal e a direita acha que o liberalismo é tão perigoso como o comunismo, apenas dão socos no ar. As empresas francesas e alemãs que deslocalizam unidades de produção, fazem incidir essa deslocalização em produções de baixo valor acrescentado ou de valor acrescentado não competitivo, para poder depois exportar para o resto do mundo. A Alemanha é o 2º maior exportador do mundo. A sua grande indústria só conseguirá sobreviver pela deslocalização dessas unidades que perderam a competitividade devido aos elevados encargos fiscais e legais na Alemanha.

A autarcia que alguns anseiam como “panaceia” para uma situação para a qual não encontram remédio por estarem agarrados a velhos ícones, apenas conduzirá à ruína e à disseminação de ideias totalitárias baseadas no “remédio Estado”, que apesar de já ter conduzido a tantos desastres, regressa sempre em roupagens novas.


Sobre a crise francesa ler ainda:
A Eurosclerose da França abril 03, 2005
Chirac e Eastwood abril 15, 2005
Esquerda e Direita? março 29, 2005

Bom Senso e Bom Não Junho 5, 2005

O Novo Waterloo

Publicado por Joana às 08:12 PM | Comentários (63) | TrackBack

maio 29, 2005

Ganha o Não

Sondagem à boca das urnas dá 45%-55%. É altura de agradecermos a todos os idiotas úteis iliberais, tais como Fabius, Chirac, Le Pen, Arlette, "les Paris Stupides: Un certain Blaise Pascal etc etc"

Publicado por Joana às 09:03 PM | Comentários (59) | TrackBack

Estou indecisa

Vou votar Não à Constituição europeia. Mas estou muito indecisa. Estou mesmo em extremo indecisa, sem saber se o meu Não vai ser um voto liberal, conservador, social-democrata, socialista, trotskista, comunista renovador, estalinista, socialista libertário, radical socialista, socialista revolucionário, socialista reaccionário, socialista impopular, neo-conservador, paleo-conservador, liberal-conversadorconservador, ...

... neo-liberal, paleo-liberal, liberal-moderado, liberal-imoderado, liberal-capitalista, neo-hegeliano, fenomenologista, neo-kantiano, desconstrutivista, neo-positivista, estruturalista, pós-estruturalista, proto-prado-coelhista, logocentrista, aporético, positivista lógico, positivista ilógico, neo-platonista, proto-socrático, relativista, anti-capitalista proudhoniano, alteromundialista, proto-mundialista, pseudo-mundialista, personalista cristão, personalista agnóstico, comunalista, monárquico, monárquico absolutista, fascista, nacional-socialista, nacionalista tout-court, anti-Chirac, anti-jacobinista, fundamentalista, anti-fundamentalista, maniqueísta, trogloditista, neo-trogloditista, axiologicamente indeterminado, ...etc. ... Até ao Referendo tenho que me decidir entre os 647 Não que já inventariei.

Ou apenas um voto lúdico, pura e simplesmente

Publicado por Joana às 05:36 PM | Comentários (25) | TrackBack

maio 26, 2005

Jaquinzinhos

Os Jaquinzinhos fazem dois anos. Mas não são apenas eles (ou ele, jcd) que merecem parabéns. Somos todos nós que estamos de parabéns por existir um blog com aquela qualidade. Obrigada, jcd.
E, à guisa de comemoração, gostaria que lessem, aqui (por transcrição) ou , no original, Quatro Casamentos e um Funeral, que continua a ser cada vez mais actual.

Publicado por Joana às 11:40 PM | Comentários (15) | TrackBack

OE2006 e OE2007

O Governo propôs aumentos de impostos e reduções simbólicas na despesa. Com isso reduzirá o défice previsional de 6,83% para 6,2%. Como não há reestruturação do sector público, mas apenas cortes simbólicos para o povo perceber que as chefias de institutos e empresas públicas também vão “penar”, estas medidas são apenas drogas que se injectam no enfermo para ele ficar feliz enquanto a doença avança.

No próximo OE2006 o Governo vai produzir-se na AR absolutamente espantado com o buraco orçamental do SNS e de outros serviços, e incomodado com a falta de espírito empreendedor dos empresários que provocaram a estagnação económica e o aumento galopante do desemprego, e prometerá reduzir o défice de 6,7% real (em 2005) para 6% em 2006, com as seguintes medidas:

IVA. Sobe de 21% para 24%.

IRS. Criado novo escalão (48%) para contribuintes que ganhem mais de 60 mil

Tabaco e Combustíveis. Os impostos directos sobre o tabaco e combustíveis (ISP) vão aumentar (no dobro do valor proposto em Maio de 2005).

Sigilo fiscal. O Governo mandará publicar as declarações de rendimentos em Diário da República – 4ª Série

Sigilo bancário. Os extractos das contas serão afixados à porta das agências bancárias

Dívidas. Estabelece-se um plano para estimar e cobrar dívidas fiscais ocorridas nos últimos 50 anos.

O sector público manter-se-á sagrado.

No futuro OE2007 o Governo vai produzir-se na AR ainda mais espantado com o buraco orçamental do SNS e de outros serviços, com a queda abrupta da actividade económica e com os 25% de desempregados e prometerá reduzir o défice de 7% real (em 2006) para 6% com as seguintes medidas

IVA. Sobe de 24% para 30%.

IRS. Criado novo escalão (60%) para contribuintes que ganhem mais de 60 mil € e aumentados em 5 pontos os restantes escalões

Tabaco e Combustíveis. Os impostos directos sobre o tabaco e combustíveis (ISP) vão aumentar (no quádruplo do valor de Maio de 2005).

Sigilo fiscal. O Governo mandará publicar as declarações de rendimentos em Diário da República – 4ª Série e enviará exemplares para os domicílios dos vizinhos dos contribuintes

Sigilo bancário. Os extractos das contas serão afixados à porta das agências bancárias e enviados para as sedes do BE, do PCP e para as chefias dos gangs especializados em sequestros para extorsão.

Dívidas. Estabelece-se um plano para estimar e cobrar dívidas fiscais ocorridas nos últimos 100 anos.

O sector público manter-se-á sagrado. Afinal de contas é ele o único sector que resta ao país para manter algum emprego.


Quousque tandem, Reipublicae Administratio, abutere patientia nostra?

Publicado por Joana às 02:29 PM | Comentários (90) | TrackBack

Reposta a tributação em imposto de selo das doações de valores monetários

Vou deixar de dar moedas aos arrumadores

Publicado por Joana às 01:10 PM | Comentários (4) | TrackBack

O Efeito dos Impostos

Muitos pensam que o aumento do IVA (ou do ISP ou sobre o Tabaco) penaliza apenas o consumidor. Não é verdade. Muitos julgarão que o Estado arrecada mais 2% do volume das transacções finais, no caso do IVA. Também não é verdade, embora o Estado estivesse desejoso que tal acontecesse. Que acontece então?

Na figura seguinte apresentam-se os dois casos limites e um caso intermédio.

Se a procura D for completamente rígida (inelástica), ela é uma recta vertical no espaço Preços-Quantidades (gráfico da esquerda), e um aumento do imposto que leva a oferta de S para St maximiza a arrecadação do Estado (rectângulo laranja), mantém o volume de vendas e o preço (antes de imposto) do produtor e o consumidor é que paga o total da factura. (Nota: em azul, o ponto de equilíbrio do consumidor e em roxo, o do produtor)
IVA_ISP_T.jpg

Se a procura for perfeitamente elástica (gráfico do centro) o Estado arrecada muito menos, e essa arrecadação acaba por ser paga pelo produtor. O consumidor apenas consumiu menos quantidades e não pagou nem mais um cêntimo.

Estas duas situações são absolutamente extremas. A procura nunca é absolutamente rígida nem absolutamente elástica. No gráfico da direita está apresentado uma situação intermédia. O Estado arrecada uma parte intermédia entre as duas situações anteriores, o volume de vendas e o preço do produtor têm valores igualmente intermédios, e o mesmo sucede com o dispêndio do consumidor.

Portanto quanto mais rígida for a procura de um bem, maior é o aumento do preço pago pelo consumidor e menor a queda do preço efectivamente recebido pelo produtor. E maior será a arrecadação de imposto pelo Estado.

Quanto às quantidades transaccionadas, se a procura for absolutamente rígida, mantêm-se. O seu mínimo ocorre no caso da procura absolutamente elástica. Nos comportamentos intermédios da procura, as quantidades transaccionadas variam entre aqueles valores extremos.

No caso dos combustíveis e do tabaco a procura não é absolutamente rígida, pois poderá haver diminuição de consumo e a “elasticidade de substituição” com combustíveis comprados em Espanha (por isso o aumento foi ligeiro) ou com tabaco contrabandeado (neste caso o aumento foi maior porque o Governo pensa que consegue controlar com mais eficácia o contrabando).

Nota: O IVA é um imposto sobre o valor. Logo a recta St não é paralela a S, mas diverge à medida que o preço aumenta. Mas este é apenas um exemplo ilustrativo porquanto, no limite, e dado o valor em causa (2%), a diferença não tem significado.

Nota 2: A translação da recta St relativamente a S está obviamente desproporcionada (os aumentos do IVA e do ISP são de 2%, e apenas o dos Tabacos é significativamente maior). Mas a ideia não foi obter um resultado quantitativo, mas dar uma ideia do comportamento genérico das variáveis em causa.

Publicado por Joana às 12:15 AM | Comentários (27) | TrackBack

maio 25, 2005

Estado irredutível

Neste extremo ocidental da Europa há um punhado (bem ... são mais de 750 mil) de irredutíveis que resistem contra “ventos e marés”, até ao nosso colapso final. Sócrates declarou hoje na AR que não pretende reduzir o Estado, porque o país precisa do Estado Social. A seguir dois exemplos do que Sócrates julga que o país precisa, recolhidos hoje, à pressa:

1 – Transcrito da GLQL: Acompanhei esta manhã a visita do Senhor Ministro da Justiça a um dos centros de reeducação de menores, geridos pelo IRS (...não, é o outro, o Instituto de Reinserção Social).
O Centro conta com modelares instalações, nas quais não faltam piscina e picadeiro e estábulo com vários cavalos, para aulas de equitação. Nele trabalham 31 funcionários administrativos, de todas as categorias, desde director e sub-director a tratador de cavalos. Para além destes 31 administrativos, conta ainda com a indispensável colaboração de 9 professores, médico e até um sacerdote, embora estes últimos não trabalhem ali a tempo integral. Ao todo são mais de 50 (cinquenta) funcionários e prestadores de serviços que, diariamente, ali labutam de forma esforçada, em prol da reinserção social de jovens que, por uma razão ou por outra, se desviaram das normas sociais estabelecidas ou, como dirá o sacerdote, que pecaram.

Um último pormenor: estão internados neste centro 9 (nove) jovens.
Publicado por Nicodemos às 2:49 PM

Portanto há 50 funcionários e 9 a serem reinseridos. Os reinsersores custam centenas de vezes mais que os reinseridos. Na realidade há 59 asilados naquele centro.

2 – A minha mãe recebeu ontem, na Escola onde trabalha, 300 exemplares de um livro em papel couché, cheio de fotografias, editado pela Universidade de Coimbra (pública), fazendo publicidade dos cursos que tem e das suas instalações. A tiragem foi de 35.000 exemplares e várias pessoas e entidades colaboraram no livro. A escola da minha mãe é em Lisboa. Presume-se que tenham sido enviados exemplares para todo o país, Palops, etc. A minha mãe e o Director da Escola chegaram a ponderar devolver 290 exemplares, mas desistiram para não gastarem verbas na expedição de desperdícios.

Não sei quantas dezenas (ou centenas) de milhares de euros custou a edição e expedição de um livro completamente inútil, porquanto as listas de cursos nas universidades públicas (e escolas politécnicas) são fornecidas pelo ME anualmente, com todas as indicações sobre as condições de acesso – provas de ingresso, nº de vagas, etc..

Esta “campanha publicitária” custou seguramente muito mais que todas as campanhas publicitárias que as privadas costumam fazer junto das escolas.

Publicado por Joana às 04:45 PM | Comentários (16) | TrackBack

maio 24, 2005

BCP e BEP

O BCP (Banco Comercial Português) e o BEP (Bulímico Estado Português) são duas entidades com comportamentos opostos. O BCP tem prosseguido, desde 2000, um plano de redução de custos (em Portugal), com o objectivo que estes cresçam 2% abaixo da taxa anual de inflação. O BEP tem deixado, no mesmo período, que os custos cresçam cerca de 4% acima da taxa anual de inflação. Houve um ligeiro abaixamento em 2003 e 2004, mas continuam a crescer acima da taxa anual de inflação.

Em 2000 o BCP tinha 16.099 trabalhadores. Em 2004 baixaram para 12.487, sem precisar de recorrer a nenhumas disposições draconianas de qualquer pacote laboral. Fê-lo num enquadramento legal imposto exogenamente. O BEP tem aumentado sempre os seus efectivos (29 mil por ano, entre 1995 e 2001) e as restrições posteriores a 2002 não têm produzido efeito significativo. É o BEP que faz as suas próprias leis e cria o seu próprio enquadramento legal. Portanto é duplamente responsável pelo seu excesso de peso: não teve a capacidade do BCP de saber emagrecer com a legislação existente, nem soube mudar a legislação para emagrecer sem ter que ser competente. Ou seja o BEP sofre de bulimia militante.

A diferença entre estas duas entidades reside em que os accionistas do BCP são rigorosos e despedem os gestores se estes não cumprem os objectivos de haver um superavit nas contas da gestão, enquanto no BEP tem havido um conluio entre os gestores (políticos) e os accionistas (eleitores) para a manutenção e agravamento do défice, pois estes não têm sancionado o laxismo e têm penalizado as tentativas de os chamarem à realidade. Os accionistas (eleitores) do BEP têm um medo pavoroso da realidade e preferem drogar-se com ilusões. O aumento da despesa pública tem correspondido a um desejo por parte da maioria dos accionistas (eleitores) de uma maior intervenção do BEP, na medida em que aqueles que mais beneficiam com as despesas do BEP tendem a organizar-se para as manter ou mesmo para as aumentar.

O BCP vai prosseguir com o seu plano de redução de custos até ao ano até 2008. Apesar dos seus superavits dependerem das flutuações da procura exterior, os seus diagnósticos e previsões não dão origem a dramas nem a gritos de espanto ou surpresa. Fazem previsões dentro de uma determinada manga de incerteza e cumprem-nas, nem que para tal tenham que corrigir algumas trajectórias.

O BEP anunciou ontem um défice previsto para 2005 de 6,83%, no meio de um espectáculo monumental de espanto e surpresa, quando o BP já havia previsto, 4 meses antes, um défice superior a 5%, e a bulimia compulsiva do BEP já indiciava uma derrapagem vertiginosa. O BEP prometeu aos accionistas (eleitores) que vai tentar diminuir o défice de maneira que o prejuízo de gestão, daqui a 4 anos, seja apenas 3% da riqueza produzida. Não está confrontado com incertezas exteriores significativas. As suas receitas estão asseguradas pois elas são obrigatoriamente alimentadas pelos próprios accionistas (eleitores/contribuintes). Mesmo assim não se propõe fazer melhor. A única margem de incerteza que existe resulta do facto dos accionistas (eleitores) estarem cada vez mais endividados, serem cada vez mais espoliados pelo BEP e estarem fartos de serem iludidos.

O BEP não prometeu curar a sua bulimia. O BEP está apenas a ver se encontra meios de satisfazer a sua bulimia com o que resta da carne dos seus accionistas (eleitores). O BEP está apenas a protagonizar o papel dos vampiros que sopram no rosto das vítimas para as manter embaladas enquanto lhes sugam o sangue.

Esta diferença de atitudes trouxe vantagens ao BCP, mas também tem os seus inconvenientes. Os accionistas do BEP que mais afã têm demonstrado no descontrolo dos custos, deitam olhares gulosos ao superavit do BCP e proclamam publicamente que o BEP se deveria apossar dele para satisfazer a sua bulimia compulsiva – O BEP tem que fazer jus ao seu nome. O BCP, em contrapartida, tem-se precavido deslocalizando parte da sua actividade para a Grécia e Polónia, não vá o BEP tecê-las. Fazer uma política de rigor para depois sustentar os vícios compulsivos dos outros seria um exercício inglório de masoquismo.

Além do mais, é uma enorme injustiça social o BCP diminuir os efectivos, para depois o BEP vir sangrar o BCP para manter efectivos completamente inúteis, como por exemplo no caso do MA, onde há 1 funcionário por cada 4 agricultores, ou o ME, onde há dezenas de milhares de professores, do topo da carreira (e da retribuição), com horários zero, ou ... etc., etc.

Já que a bulimia compulsiva do BEP só lhe permite formas enviesadas, absurdas e caricaturais de justiça social, resta aos injustiçados fazerem justiça (social) pelas suas próprias mãos.

Publicado por Joana às 07:30 PM | Comentários (52) | TrackBack

Mercado de Usados

Portugal está de parabéns. Embora estejamos com dificuldades de exportar os bens e serviços que produzimos, estamos a ter muito êxito na exportação de maquinarias usadas, obsoletas e de manutenção muito dispendiosa. Hoje exportámos António Guterres para a ACNUR, um ano depois de termos exportado Durão Barroso para a Presidência da CE. A transacção de hoje foi das mais proveitosas para o país, pois que aquele maquinismo, durante o período em que esteve em funcionamento público, gerou custos exorbitantes que endividaram ainda mais o país e o deixaram em estado comatoso.

É uma solução excelente, pois que apesar de se prever que a penúria dos refugiados venha a cair para índices ainda mais calamitosos, eles terão sempre o conforto do canto de sereia de Guterres, capaz de anestesiar a indigência mais lastimosa.

Publicado por Joana às 06:43 PM | Comentários (18) | TrackBack

Nabices

Murteira Nabo.jpgSe eu tivesse um PDG que ficasse espantado com o défice “achado” por Constâncio, despedia-o imediatamente. Um PDG tem que estar atento ao mercado, ler as revistas da especialidade e contactar com gente dos negócios e do topo do aparelho do Estado. Ou então mentiu descaradamente, e despedia-o por não ser pessoa fiável e deixar mal colocado o nome da minha empresa em público. Finalmente despedia-o (ou não o contratava) por bajular pateticamente o patrão.

Publicado por Joana às 02:54 PM | Comentários (12) | TrackBack

maio 23, 2005

Suspiro de Alívio

O défice previsto para o OE 2005 é de 6,83%! Uff! Estava em completo desespero, temendo que fosse 6,9%. Não calculam o meu alívio.
Obrigada, Constâncio, por só teres incluído algumas das propostas eleitorais socialistas. Imagina se tivesses incluído o Plano Tecnológico, as obras que o Mário Lino anuncia todos os dias e o rendimento mínimo para os reformados.

Publicado por Joana às 06:54 PM | Comentários (20) | TrackBack

maio 22, 2005

O Clube do meu bairro lá ganhou

Não era para escrever nada sobre esta questão, mas ao dar-me conta do entusiasmo que essa vitória despertou em todo o país e mesmo nas ex-colónias, resolvi alinhavar umas linhas sobre a ideia estúpida e malévola de que o Benfica era o "clube do sistema”. O Benfica, até à presidência de Mário Madeira (1949), foi quase sempre liderado por gente da oposição, como Félix Bermudes e Tamagnini Barbosa e correu mesmo um risco sério, na época do MUD, de ser encerrado. Nessa altura era presidente o Brigadeiro Tamagnini Barbosa.

O Benfica era claramente um clube mal visto pelo poder político, que achava que os seus corpos gerentes estavam cheios de oposicionistas. A sua visibilidade pública era censurada pelo regime. Talvez devido a essa situação, forjou ao longo de décadas, uma grande dinâmica popular e uma mística, que lhe permitiu, depois de ter sido despejado de vários recintos, fazer um estádio próprio sem recurso a subsídios, apenas com o dinheiro dos sócios.

Era óbvio que a adesão ao Benfica não era apenas de gente oposta ao regime. Os afectos clubistas são muito mais sólidos que os outros: uma pessoa muda de partido, muda de cônjuge, muda de nacionalidade ... mas não muda de clube. A razão da ascensão de Mário Madeira à presidência foi justamente uma tentativa de evitar um maior endurecimento do regime contra o Benfica.

Os riscos de encerramento que o Benfica correu entre 1946 e 1950, conjuntamente com a enorme popularidade do clube, facilitou um take over progressivo por gente ligada ao mundo dos negócios que viram no Benfica uma possibilidade de adquirirem protagonismo social. As vitórias europeias levaram a que Salazar descobrisse, por seu lado, que a paixão pelo futebol podia trazer dividendos políticos. Mas mesmo nesse enquadramento, o Benfica não se tornou o “clube do sistema”. Quando foi o 25 de Abril, o presidente do Benfica era Borges Coutinho.

Nunca vi nenhum jogo de futebol ao vivo, e raramente vejo jogos na TêVê (excepto alguns internacionais). Quem tem uma enorme paixão pelo Benfica são os meus avós paternos, a caminho dos 90. Contagiaram o filho, os netos e julgo que os bisnetos. Mas não é paixão que nos anima (enfim ... uma das minhas irmãs costumava encerrar-se no quarto, enervadíssima, a ver o Benfica pela TêVê!) ... apenas uma simpatia tranquila e terna. Nada mais.

Publicado por Joana às 11:44 PM | Comentários (26) | TrackBack

Choque Tecnológico (2)

Os novos patrulhões destinados à vigilância das nossas costas vão ter uma concepção diferente e revolucionária. Conjugarão o choque tecnológico com máxima incorporação de mão de obra nacional na sua construção, extraordinária capacidade de gerar emprego, o recurso a energias alternativas e uma perfeita ergonomia funcional de forma a criar um bom ambiente de trabalho, isento de poluição, e uma elevada motivação profissional. Foi mais uma vez uma firma alemã de tecnologia de ponta que ganhou o concurso internacional, apresentando 4 variantes, todas elas satisfazendo os requisitos muito exigentes do Caderno de Encargos.

Os sistemas de propulsão foram estudados com grande minúcia, inclusivamente os ângulos de entrada dos remos na água, os seus comprimentos e as proporções relativas face aos respectivos toletes.

Todos aqueles valores, bem como as cotas indicadas no projecto, resultam de cálculos rigorosos executados por programas informáticos muito complexos, destinados a maximizar a potência de tracção face aos recursos empenhados, tendo em conta a ergonomia e as características dos recursos humanos envolvidos.

Patrulhoes.jpg

A afectação de recursos humanos também foi cuidadosamente estudada. Os testes psicotécnicos decidiram que seria preferível que os zoilos (Z) ficassem com os remos mais curtos e fáceis de manobrar. A sua inveja e maledicência poderia desestabilizar o pessoal. Os remos mais compridos foram entregues aos trouxas (T).

O combate ao efeito estufa decorre naturalmente do tipo de energia de tracção utilizada e da proibição de incluir feijões na dieta da tripulação.

A chusma foi desenhada bronzeada, visto ser o desfecho normal de uma vida sadia, ao ar livre, respirando as inspiradoras brisas marítimas.

Publicado por Joana às 06:43 PM | Comentários (8) | TrackBack

maio 20, 2005

Choque Tecnológico

Para a reestruturação da indústria extractiva portuguesa foi pedido, através de um concurso internacional, um projecto que consubstanciasse os grandes desígnios da nossa política económica: choque, tecnologia e emprego.

Apresenta-se a seguir o projecto vencedor, executado por uma firma alemã de alta tecnologia. Está virado essencialmente para o combate ao desemprego através de um forte espanto choque tecnológico.

PT_Ind_Extract.jpg


Os circuitos de encaminhamento do material extraído estão indicados no corte e obedeceram a critérios ergonómicos rigorosos. O ângulo da escada que optimizava a eficiência do transporte foi calculado em 70º, através de software elaborado especificamente para este projecto. Nada foi deixado ao acaso – no canto superior direito pode observar-se o cuidado posto na preservação do meio ambiente.

Ao lado, em corte, vê-se um poço de visita para um mineiro de elite.

Publicado por Joana às 10:22 PM | Comentários (23) | TrackBack

O Caso de Défice Misterioso

Continuo sem perceber o que andam o Governador do BP e o Governo a fazer. Diz-se que Constâncio e a sua task-force estão a calcular o défice para 2005 até à 15ª casa decimal. Mas baseados em quê? Quando se fazem previsões de receitas e despesas estas previsões estão baseadas em inúmeras opções políticas, económicas e financeiras. Constâncio está a calcular o défice baseado nas opções subjacentes ao OE2005 feito sob o superior patrocínio do PR e aprovado pela anterior coligação? Ou ter-se-á antes baseado nas propostas eleitorais do PS? Ou nem numa coisa nem noutra? Ou isto não passa de uma rábula gigantesca, à escala nacional, para dramatizar uma situação que era sobejamente conhecida, mesmo por aqueles que fingiam ignorá-la.

Quando se calcula um défice, calcula-se baseado em previsões consistentes com uma dada política. Por exemplo, a renda das SCUT deve equivaler a cerca de 0,5% do PIB. O anterior governo prometeu introduzir portagens reais e este governo prometeu manter as SCUT. Qual é a opção de base para o cálculo de Constâncio? E este é um exemplo entre muitos.

Esta demora é inexplicável. Ou por outra, seria inexplicável se estivéssemos a lidar com gente fiável. Caso contrário são possíveis inúmeras explicações e muitas delas pouco abonatórias sobre as causas desta demora.

Estamos perante um thriller, enredados num argumento da 5ª dimensão, enervados até ao paroxismo, tentando adivinhar se o protagonista irá ser assassinado com 12 punhaladas no peito, 3 tiros na nuca, meio litro de cicuta ou uma martelada no crânio.

... Ou lançado para as entranhas ardentes do Moloch estatal, como era de uso em Cartago nas épocas de crise.

Publicado por Joana às 06:43 PM | Comentários (57) | TrackBack

Voz de Quase-Prisão

Soube agora pelo Manuel Limiano que, em em vez de ser um solícito CA da PT ir à minha porta dar-me explicações, como eu pretendia, deveria em vez disso ter comparecido um façanhudo agente da PJ dar-me voz de quase-prisão e conduzir-me, quase-algemada, à quase-cadeia. Explicou-me que receber dividendos da PT é uma quase-ilicitude. Manuel! Não quero nada que não tenha direito. Faça favor de me indicar o destinatário, que quase-devolverei imediatamente dividendos, retenções, anexos E, quase-tudo ...
Todavia há uma coisa curiosa nos absolutistas à portuguesa ...

A minha tese era que “Um dos princípios básicos da economia é que as decisões comportam riscos. E a avaliação desses riscos tem que ponderar a qualidade da decisão com o dinheiro que se pode ganhar ou perder com essa decisão. Mas o ministro não tem nada a perder ... o seu vencimento não sofrerá qualquer corte, por muito disparate que faça. E mesmo o patrão do ministro, o Estado, só tem 500 acções ... uma ninharia. Eu, que não tenho qualquer poder de mercado, sou muito mais vulnerável aos humores do ministro que o Estado

Esta tese é verdadeira em si. O Manuel Limiano acha, e provavelmente com razão, que a PT tem um poder de mercado excessivo, por ausência de um mercado livre e transparente. Mas esse é outra questão, que é a da demissão do Estado daquilo que deveria ser o seu papel fundamental – regular a concorrência de forma a tornar os mercados mais perfeitos e transparentes e a economia mais eficiente.

O Estado, em muitos casos, age de forma curiosa. Cria as condições para as empresas majestáticas funcionarem em regime de quase monopólio, dando-lhes a possibilidade de terem lucros monopolistas, e intromete-se, directa ou indirectamente, na gestão dessas empresas de forma que esse monopólio tenha um funcionamento tão canhestro, que nem tenha lucros ... aliás, tenha pesados prejuízos.

É um Estado duplamente ineficiente, pois não age de forma a tornar os mercados eficientes e age de forma a tornar as empresas que tutela ineficientes. O Manuel Limiano “gostava de ser liberal”. Quando se puder deleitar nesse gosto compreenderá essas duas curiosas vertentes estatais.

Mas essa dupla ineficiência do Estado não era a matéria em apreço no post. Aí só abordei uma das ineficiências. A outra tenho abordado noutros posts. Não me peça tudo, num simples post comentando uma insatisfação de um ministro.

Quanto à sua ânsia de “rachar” a PT, julgo que devia moderar os seus ímpetos e analisar a situação nas suas múltiplas vertentes, sendo uma delas a de ter em atenção os interesses das muitas dezenas de milhares de pequenos investidores que compraram acções daquela empresa nos processos de privatização, de boa-fé, sem pensarem que estavam a cometer uma quase-ilicitude. É que entre os accionistas, além de neoliberais, poderá haver neoabsolutistas como você, e muitos ... muitos indiferenciados.

Publicado por Joana às 01:15 PM | Comentários (8) | TrackBack

maio 19, 2005

Falta de Informação

O governo continua a roer as unhas à espera que o relatório Constâncio seja ultimado, para tomar as decisões. O nervosismo é imenso e as expectativas inumeráveis. Serão 7,045%? questiona-se Pinho, tamborilando nervosamente com os dedos na mesa. Nem penses nisso, retruca o Costa – são 7,038%! Vieira da Silva, cofiando a barba e limpando os óculos embaciados pela comoção, balbucia – tenho fé que sejam 6,998% ... tenho que distribuir umas massas que prometi ao João Proença. Campos e Cunha mantém-se silencioso e atónito.

Lurdes Rodrigues meneia a cabeça ... para mim ... 7,015% ou 7,018% é-me indiferente ... já demiti todos os directores lá do ME. Mariano Gago gagueja uns inaudíveis 7,0225%. Freitas, sorumbático, entre dentes, se for mais de 7,1 estamos tramados, vou devolver o Ivo Ferreira mais um maço de charros ao Dubai ... quando acabar esta reunião hei-de pedir uma lista actualizada dos partidos portugueses... estou a ver que ainda terei que aderir ao PC! ... Sócrates exclama, qual animal feroz: Raios parta isto! Que nervos me faz esta espera! Tanta coisa urgente para resolver e nós aqui sem podermos decidir as medidas a tomar por falta de informação adequada. Prometi um governo de rigor e só tomarei medidas quando souber um valor exacto.

Campos e Cunha continua silencioso e cada vez mais atónito.

Publicado por Joana às 11:46 PM | Comentários (14) | TrackBack

Choque Fiscalógico

A baixa qualificação e uma situação sem esperança nem soluções criam um sentimento de exclusão e um desespero silencioso prenhe de ameaças que são o húmus perfeito para germinar a delinquência e a gatunagem. Se não houver uma vontade colectiva forte, Portugal está em vésperas de se tornar numa imensa Cova da Moura, com uma diferença aterradora: são os gangs que produzem as leis e detêm o poder de as impor coercivamente. E irão dotar-se dos instrumentos legais para nos saquearem até ao último cêntimo. Não é nada de pessoal ... ize jâste bizinesse.

Entrarão em nossas casas pela caixa do correio, ou por qualquer outra via:

ChoqueFiscalogico1.jpg


E perseguir-nos-ão e não nos deixarão em paz até ficarmos exangues

ChoqueFiscalogico2.jpg

Publicado por Joana às 11:10 PM | Comentários (41) | TrackBack

ImpudorPoder de Mercado

Acusam a economia de mercado de criar desigualdades e poucos passarem a deter a maior parte dos activos e a partir daí exercerem um “poder de mercado”. O ministro das Obras Públicas, e etc., garantiu hoje que o Estado tenciona exercer o seu poder accionista na PT, manifestando-se irado pelo facto do C. A. da Portugal Telecom não lhe ter ido explicar os pontos da agenda da Assembleia-geral da PT. O ministro representa o Estado que detém 500 acções. Nós temos 7 vezes mais acções da PT que o Estado e o CA da PT não me veio tocar à porta para, com a solicitude exigível pelo nosso “poder de mercado”, nos explicar gentilmente os pontos da agenda da próxima AG. Acho que não merecia tamanha desfeita.

Mas ainda é mais detestável o ministro garantir que vai exercer o seu poder accionista com 500 acções, enquanto nós, com 3 mil e tal, apenas recebemos uma comunicação do banco com o montante dos dividendos e retenções, para declarar no anexo E do mod.3 do IRS e ajudarmos a pagar o vencimento do ministro.

Também costumamos receber cartas com procurações para representação nas AG’s. Descobrimos agora que se trata de um documento virtual ... pois se é o ministro que diz que manda! Portanto sempre andámos bem em deitar aquelas cartas no lixo.

O que é mais preocupante é o “Poder de Mercado” do ministro. Um dos princípios básicos da economia é que as decisões comportam riscos. E a avaliação desses riscos tem que ponderar a qualidade da decisão com o dinheiro que se pode ganhar ou perder com essa decisão. Mas o ministro não tem nada a perder ... o seu vencimento não sofrerá qualquer corte, por muito disparate que faça. E mesmo o patrão do ministro, o Estado, só tem 500 acções ... uma ninharia. Eu, que não tenho qualquer poder de mercado, sou muito mais vulnerável aos humores do ministro que o Estado. Posso perder 7 vezes mais e não ganho, como o Estado, mais de 50% do PIB português. Estou, como a maioria dos nossos concidadãos, nas mãos do Estado.

Estado ... é a teus pés, com o rosto lavado em lágrimas que, num soluço comovido, te imploro encarecidamente: vê lá o que fazes! Olha que eu tenho ajudado, e muito, a pagar os teus desvarios!

Nada mais me resta senão implorar ... rojar-me aos pés ... apelar à sua magnanimidade ... entoar súplicas ... e esperar que o regime liberal (ou neoliberal) se implante no nosso país e acabe este regime absoluto (ou neoabsoluto) que dura há 9 séculos.

Publicado por Joana às 10:37 PM | Comentários (5) | TrackBack

Teodora, está na hora do chá!

“Em 2002, quando esse governo[de Durão Barroso] tomou posse, a economia ainda crescia e era possível defender que o país não tinha um problema de competitividade, mas tão só um problema orçamental, resultante da política expansionista prosseguida pelo governo Guterres. A taxa de desemprego, de 4,1% da população activa, mantinha-se próxima do mínimo histórico.”. Só uma economista anestesiada pelo canto de sereia guterrista, e pelo excesso de chá e biscoitos, poderia defender isto. Já era então evidente que o país não tinha competitividade e que o expansionismo guterrista vivia do expansionismo da despesa pública e que o país iria pagar uma pesada factura por isso.

“Podia então defender-se que uma política muito determinada de restrição orçamental conseguiria resolver os problemas da economia, não só corrigindo o défice orçamental, mas também incentivando as exportações (graças à quebra da procura interna), restaurando a confiança internacional no país (em resultado da atitude responsável face ao PEC) e recuperando a competitividade salarial, abalada pelos excessos anteriores.” Só uma economista amodorrada pela hora do chá e biscoitos poderia supor que as exportações são incentivadas pela quebra da procura interna. Esse incentivo é apenas marginal ... é o incentivo do desespero por se ter perdido um mercado, porque sem competitividade externa esse incentivo não funciona.

Para Teodora Cardoso as duas razões principais do falhanço foram (i) a ausência de uma estratégia de reforma da política orçamental e (ii) a falta de consideração dos problemas estruturais da economia e da perda de competitividade de que esta sofria e que ia muito para além da questão salarial. Se por reforma da política orçamental Teodora Cardoso entende reforma do Sector Público, eu estaria totalmente de acordo. Mas aquela sentença parece-me mais uma frívola banalidade que se deixa cair, displicentemente, entre dois goles de chá e um trincar de biscoito, no conchego da sala, numa conversa mundana. Quanto ao facto de ir muito para além da questão salarial, tem toda a razão. Também era necessária a flexibilização laboral – mobilidade, fim da rigidez laboral, etc. Mas nesta matéria Teodora Cardoso é omissa.

Depois alinha uma frase completamente surrealista: A consolidação orçamental acabou transformado em mera ocultação de défices, enquanto contribuía para desviar as atenções dos gravíssimos problemas exibidos pelas empresas. Com o governo Guterres, estes tinham sido encobertos pela expansão (insustentável) da construção, do comércio e do investimento subsidiado em indústrias trabalho-intensivas, cujo futuro se sabia condenado. Com o governo Durão Barroso, essas actividades entraram em crise, mas nada as substituiu, a não ser a flagelação indiscriminada dos funcionários públicos, que mais parecia destinada a dissimular a incapacidade de controlar grupos de interesses e a desviar as atenções das insuficiências do grande número de empresas que se mostravam incapazes de definir uma nova estratégia de competitividade.

A ocultação de défices desviou as atenções dos gravíssimos problemas das empresas!? Qualquer raciocínio lógico concluiria antes que a ocultação de défices desviaria as atenções dos gravíssimos problemas do peso excessivo do Estado. Só um excesso de chá e biscoitos poderia estabelecer relação de causa e efeito entre a ocultação de défices e os gravíssimos problemas das empresas. Quanto ao resto do parágrafo, ele é mais próprio das lamúrias de dirigentes sindicais do que de uma economista gabada por ter audição junto do PR.

Mais adiante percebe-se melhor o “pensamento” da economista quando afirma que ao «Ministro das Finanças compete o papel fulcral de disciplinar não só o sector público, mas em igual medida - senão maior - o sector privado. Neste, as empresas terão de virar-se para o mercado externo, avaliar as novas (e cada vez mais exigentes) condições de concorrência e definir estratégias que as retirem dos últimos lugares dos rankings internacionais. A convicção de que as rendas no mercado interno irão ser cada vez menores será um incentivo poderoso nessa direcção. Os trabalhadores, por seu turno, terão de apostar na formação e de aceitar o desafio da flexibilidade, deixando de ver na primeira um simples suplemento de emprego ou de salário e passando a ver a segunda, não como uma perda de privilégios, mas como uma forma de progresso e de afirmação». Este arrazoado não passa de banalidades moralistas. O Estado não pode “obrigar” as empresas a virarem-se para o mercado externo. Pode, e deve, criar um clima económico favorável a esse desiderato. Entre as equações da microeconomia ainda ninguém encontrou, com estatuto de variáveis, as tiradas moralistas de Teodora Cardoso, logo elas não têm qualquer efeito no comportamento dos agentes económicos. Por outro lado os trabalhadores só apostarão na formação se for criado um clima económico propício a isso. As tiradas moralistas de Teodora Cardoso são-lhes indiferentes. É um disparate pensar que os trabalhadores vão aceitar o desafio da flexibilidade sem uma profunda mudança nas leis laborais (incluindo as do sector público) que acabe com a rigidez do mercado laboral.

Ou seja, Teodora Cardoso aposta numa suposta intervenção estatal nas empresas (os bons velhos tempos da sua meninice, da revolução bolchevique ...), mas como soube, pela experiência de muitas décadas, que isso só produz resultados desastrosos, não concretiza que tipo de intervenção sugere e fica por banalidades completamente inoperacionais.

Afinal o PR não é o único culpado das banalidades que diz. Muitas são-lhe sopradas por “expertos” conselheiros.

Publicado por Joana às 12:08 AM | Comentários (19) | TrackBack

maio 18, 2005

Abaixo os Moscovitas!

Estou chateada! Os meus vizinhos do lado oposto da 2ª circular perderam. Inicialmente pensou-se que era eu que tinha a culpa, pois das 2 únicas vezes que me ausentei da sala, o CSKA marcou um golo. Foi-me imposta a medida de coacção de assistir ao resto do jogo (a malta cá de casa prefere o clube aqui do bairro, deste lado da 2ª circular, mas hoje torcíamos pelos vizinhos!). Infelizmente fui ilibada, pois os moscovitas marcaram o 3º golo, comigo a assistir. Julgo que todos concordarão que o Ricardo devia ser impedido de “dar frangos” fora dos jogos contra o Benfica.

Para castigo vou desancar alguém ... quem? É fácil ... as centrais sindicais, antes mancomunadas com os moscovitas, que só fazem, e dizem, disparates ... e depois, no post seguinte, numa velhinha que foi professora de um tio meu ... que julgo deva ter ainda assistido à revolução bolchevique.

Soube-se hoje que taxa de desemprego em Portugal atingiu 7,5% no primeiro trimestre deste ano, o valor mais elevado em nove anos, representando um agravamento de mais de um ponto percentual face ao registado no mesmo período do ano passado. Em Abril desceu, relativamente a Março, mas trata-se de uma redução sazonal, como é habitual nesta época do ano.

Obviamente que as Centrais sindicais, que têm concorrido para o clima económico propício ao desemprego, exigiram imediatamente medidas de combate ao desemprego

"Estes níveis de desemprego são claramente insustentáveis. A prioridade do Governo deve ser o crescimento do emprego", afirmou João Proença da UGT: "é fundamental criar um clima de confiança para o futuro", e como? Considerando que "é possível recorrer a receitas extraordinárias, como a alienação de património que não está a ser usado". Será que João Proença está a querer utilizar receitas extraordinárias para criar um asilo para desempregados? Eu não sou contra a venda de património, quando justificável, mas como é possível criar um clima de confiança através da alienação do património? Quando os governos anteriores andaram a vender o património, não foi essa uma das medidas mais chocantes para a opinião pública? E das mais criticadas pelas Centrais sindicais?

Enquanto isso uma dirigente da CGTP afirmou que o problema do desemprego não é novo, pelo que "é necessário acautelar o aparelho produtivo e evitar as reestruturações e deslocalizações das empresas". Como? Pondo grilhetas nos pés das empresas?

E o paradoxal nestas afirmações é que, para evitar deslocalizações são normalmente necessárias reestruturações das empresas. Graciete Cruz não quer reestruturações? Então terá apenas deslocalizações.

Uma solução que tem sido encontrada é serem os trabalhadores a negociarem directamente com os gestores, mantendo os sindicatos fora do circuito. Será a isto que a CGTP se refere?

Se é, Graciete Cruz está cheia de razão: Os sindicatos têm apenas revelado habilidade para conduzirem os trabalhadores a situações de impasse e depois os mobilizarem para ficarem às portas das fábricas a vigiarem a sucata e a serem filmados para as Têvês em horário nobre.

Publicado por Joana às 10:55 PM | Comentários (10) | TrackBack

Barnabé ida e volta

Um Barnabé exulta com a expropriação de parte do imóvel da Bombardier (ler abaixo), exclamando: “Um anúncio útil, quem quiser desinvestir em Portugal não é bem vindo!”
Julgo que o correcto seria: “Um anúncio útil, quem quiser desinvestir em Portugal não é bem ido!”... ... e acrescentaria “O Governo adverte: investir em Portugal pode prejudicar seriamente os seus activos.

Publicado por Joana às 02:10 PM | Comentários (21) | TrackBack

Politest

Embora me pareça com muito menor poder explicativo e discriminante que o Political Compass, em vista do entusiasmo de alguns blogosféricos pelo Politest, resolvi fazê-lo.
Os resultados estão muito ligados ao universo político-partidário francês, como convém a uma nação que se julga o umbigo do mundo. Os meus resultados foram os seguintes:

«Vous vous situez à droite.

Aucun parti ne correspond exactement à vos opinions.
Cependant, le parti dont vous êtes le plus proche :

l'UMP
mais vous ne partagez pas la même opinion sur l'importance de la responsabilité personnelle des gens.
L'UMP est en majorité POUR la Constitution européenne

Na verdade eu tenho a opinião que o Sakorzy é o único dos líderes políticos franceses com alguma visão política. Nessa medida dizerem-me que eu estou mais próxima do partido dele, não me parece despropositado.

Todavia, os resultados que obtive no Political Compass (ver este link), parecem-me mais fidedignos.

Na altura fiz também o teste OK Cupid e tive resultados, ao que julgo, idênticos aos do Political Compass:
You are a Social Liberal (73% permissive)
And an ...
Economic conservative (66% permissive)
You are best described as a: Libertarian
You exhibited well-developed sense of Right and Wrong and believe in economic fairness

Neste caso fiquei no 1º Quadrante, mas porque os quadrantes são diferentes dos do Political Compass. Julgo que os resultados foram muito idênticos. Uma coisa interessante foi que no gráfico do posicionamento na escolha eleitoral entre Bush e Kerry, eu fiquei na zona de indecisão, embora mais Kerry que Bush.

E na realidade, a minha opinião sempre foi que entre os dois viesse o Diabo e escolhesse, embora eu achasse que, do ponto de vista dos EUA, o Bush talvez fosse o mal menor.

Resumindo, todos estes resultados mostram que eu sou uma ... desalinhada.

Publicado por Joana às 12:08 AM | Comentários (30) | TrackBack

maio 17, 2005

Poeira ou Descontrolo?

As notícias que têm vindo a público na sequência do fim do “Estado de Silêncio” do governo têm demasiada poeira para se conseguir triar o que é fantasia jornalística, descontrolo governativo ou rábula para “tomar” o pulso ao enfermo e deduzir que tipo de remédio este está mais disposto a aceitar. Como não estou nos meandros jornalísticos e/ou governativos vou cingir-me aos factos principais: SCUT, Bombardier e impostos.

1 – A questão das SCUT: Como eu escrevi aqui em 18-09-04, As SCUT’s foram talvez a herança mais pesada deixada pelo governo socialista. A partir de 2006, inclusive, o Estado português vai pagar uma anuidade superior a 600 milhões de euros relativa às SCUT’s da Beira Interior (152 m€), da Beira Alta/Litoral (160 m€), do Interior Norte (109 m€), da Costa da Prata (84 m€), do Litoral Norte (53 m€) e do Algarve (44 m€). A partir de 2011, inclusive e durante os dez anos seguintes, aqueles valores aumentam entre 10% e 20% descendo a partir de 2021 e extinguindo-se a partir de 2032. Estes montantes não incluem os custos relativos a expropriações, indemnizações diversas e compensações derivadas de exigências ambientais. Os valores efectivos serão, certamente, mais 15% a 20% do que os que indiquei, se não mais.

Todavia, como eu então escrevi, não era pacífica a introdução de portagens depois do negócio feito. E isto por várias razões:

a) Custos adicionais – a introdução de praças de portagem é muito onerosa (cerca de 15%, ou mais, do custo total da A/E). As portagens electrónicas são muito mais baratas, mas obrigam a que todos os carros tenham dispositivo adequado. E adicionalmente há os custos de exploração, facturação, etc.
b) Diminuição de receitas – a introdução de portagens faz diminuir o tráfego pois muitos utentes utilizarão percursos alternativos.
c) Custos da alteração contratual – o contrato inicial foi negociado em mercado concorrencial e escolhido, presumo, o concorrente que apresentou a melhor proposta. Todas as alterações contratuais posteriores são entre o Estado e uma entidade que passou a deter uma posição de monopólio. Essa entidade irá proceder a novos estudos de tráfego para reavaliar a situação com a introdução de portagens e adicionará certamente, para além das receitas perdidas pela diminuição da procura, uma margem de risco para cobrir as vicissitudes futuras. Será uma negociação onde o Estado é o parceiro mais frágil.

Na altura, o meu parecer era de que as SCUT do interior (que representam 70% do custo total) não tinham qualquer viabilidade de mudarem de estatuto contratual. Se fossem introduzidas portagens, provavelmente ainda custariam mais ao Estado do que actualmente.
Restam as SCUT do litoral. Todavia elas representam menos de um terço do custo total a suportar pelo erário público. E no caso da Via do Infante (7% do custo total!!) há uma situação injusta e caricata, pois a maior parte da via foi construída há 12 anos sem portagens. Após mais de 12 anos introduzir portagens é uma decisão que poderá ser considerada politicamente repugnante.

2 – A questão da Bombardier: esta questão ganhou uma dimensão nacional, e emocionou jornalistas e políticos, porque nós vivemos num país com um know-how industrial mais próximo do 3º mundo que da Europa, e a ex-Sorefame era uma das “jóias da Coroa” nesse domínio. Em França e na Alemanha tem havido deslocalizações de fábricas com know-how muito mais avançado e não se tem gerado a emoção que despertou em Portugal.

Sempre desconfiei da solução CP. Entregar uma empresa em dificuldades a outra empresa que vive da caridade (forçada) dos contribuintes, conduziria fatalmente a serem os contribuintes a pagarem a factura pretensamente “nacionalista”.

Soube-se hoje que as negociações entre a CP e a Bombardier se goraram e que a secretária de Estado dos Transportes retaliou, anunciando a expropriação de cerca de metade das instalações. Esta solução só tem uma virtude: a exaltação e o fervor nacionalistas – o que está em Portugal é dos portugueses ... entre as brumas da memória, ó Pátria sente-se a voz dos teus egrégios avós da Ana Paula Vitorino!

Esta “solução” pode revelar-se a longo prazo muito negativa. O Estado pode expropriar um bem, mas a seguir vem a parte litigiosa e são os tribunais que fixam o valor do bem expropriado. E podemos todos vir a pagar, como bom, um bem que terá um valor venal mais reduzido. Não consigo perceber a lógica desta solução. A única coisa que a Bombardier não pode deslocalizar é, justamente, o terreno e as construções. O Estado e a CM Amadora podem sempre arranjar instrumentos legais para impedirem uma operação imobiliária. Sem expropriação, aquele terreno seria um peso morto para a Bombardier; com a expropriação passa a ter o valor que os tribunais determinarem, imediatamente exigível pela Bombardier. É certo que o Estado fica imediatamente na posse de parte do imóvel. Mas é um imóvel vazio, visto a Bombardier poder levar todos os equipamentos.

Esta “solução” tem outro inconveniente que poderá revelar-se mais grave. Portugal precisa de investimentos estrangeiros e para tal terá que dar a imagem de um clima económico, político e social atractivo. Não me parece que esta medida seja positiva quanto a essa imagem.

Ou seja, uma “solução” inútil, do ponto de vista do emprego, prejudicial, do ponto de vista financeiro, e nociva, do ponto de vista da economia do país. Em resumo: precipitada.

3) A questão dos impostos: Como regra geral, combater um défice gerado pelo excesso de despesa com um aumento de impostos é injusto e perverso. E a perversidade é desincentivar o governo de proceder aos cortes orçamentais, para evitar confrontos com os sindicatos da função pública, e fazer recair o ónus da sua má gestão sobre os contribuintes. Infelizmente, não faz recair apenas sobre os contribuintes pois, indirectamente age como desincentivo à actividade económica, gera mais desemprego, menos receitas fiscais e a continuação da espiral de aumento dos impostos diminuição da actividade económica aumento do desemprego aumento do défice aumento dos impostos ...

Os impostos têm outro efeito perverso: o de abrandar a actividade económica. Na actual situação de recessão económica, um aumento dos impostos directos (IRS e IRC) teria um efeito muito nefasto. Elevadas taxas marginais do IRS desmotivam o interesse pelo aumento dos ganhos e travam o investimento; taxas elevadas do IRC fazem com que os recursos (neste caso o factor capital) se desloquem para outras paragens.

Numa situação como a que vivemos, a solução é aumentar os impostos indirectos, pois são mais fáceis de cobrar e produzem receitas imediatas. Têm todavia efeitos negativos na actividade económica e no nível de emprego, embora muito menores que no caso dos directos. O IVA, aumentando os preços, acarreta uma diminuição da procura, variável conforme a elasticidade da procura do bem, o que tem um efeito negativo do ponto de vista do volume de negócios. Como uma parte substancial do consumo é de bens importados e estes bens têm em média uma procura mais elástica, um aumento do IVA pode ter, em contrapartida, um efeito positivo na nossa balança de transacções com o exterior.

O imposto sobre o tabaco tem um efeito positivo do ponto de vista da saúde pública, mas terá que se ter em conta que um aumento do preço do tabaco provoca aumento do contrabando, pois torna esta “actividade” mais atractiva face aos “custos criminais”.

O imposto sobre os combustíveis tem efeitos indirectos nos preços dos produtos pelo aumento do custo dos transportes, mas como o combustível é todo importado, a diminuição do consumo terá um efeito favorável na balança de transacções com o exterior. Todavia um aumento significativo do preço levará mais portugueses a encherem os depósitos em Espanha e a “liquidarem” lá o imposto.

Provavelmente o que acontecerá será uma aumento dos impostos indirectos, o adiamento dos investimentos públicos e o adiamento, mais alguns anos, da reforma da administração pública, a besta negra dos governos. Farisaicamente, João Proença, o secretário-geral da UGT, admitiu ontem discutir um eventual aumento de impostos com o Governo (mas nunca a diminuição dos efectivos da função pública) ... e acrescentou: É fundamental que as preocupações e que os compromissos eleitorais do Partido Socialista e do Governo se mantenham, nomeadamente que a prioridade seja dada ao crescimento económico e ao emprego". Ora, como vimos, com aumento de impostos não se consegue “crescimento económico e do emprego". Aquelas afirmações são uma contradição nos termos.

O problema é que os únicos sindicatos que restam às centrais são os da função pública e dos transportes (alguns). No sector privado os sindicatos deixaram de ter expressão. Os dirigentes sindicais também vivem à custa do peso do sector público. E esse “peso” é-lhes precioso.

Publicado por Joana às 11:39 PM | Comentários (15) | TrackBack

A Rábula de Sócrates

Segundo a comunicação social Sócrates manifestou a sua preocupação com o estado das contas públicas portuguesas, depois da declaração proferida sábado pelo Governador do Banco de Portugal em como a situação orçamental de Portugal é bem pior do que ele próprio julgava. Todavia afirmou preferir esperar para conhecer os dados concretos para depois tomar qualquer medida.

Ora a situação financeira do país, com ± 1% de erro, era conhecida. E não apenas a situação financeira existente no mês X, como a sua dinâmica, que era calamitosa. Aliás, o que há de mais grave na situação financeira e económica do país é justamente o vórtice para onde ela desliza, cada vez mais inexoravelmente. Não seria de esperar que Sócrates lesse os blogs que a esquerda odeia, mas certamente deveria ter lido os diagnósticos feitos por Daniel Bessa, Silva Lopes, Miguel Cadilhe, Medina Carreira, etc.. Igualmente teria obrigação de ler, em matéria económica, os jornais da especialidade, em vez dos jornais generalistas, ditos “de referência”, onde os jornalistas escrevem sobre os seus desejos e nunca sobre as realidades.

Portanto aquelas afirmações significam uma de duas coisas:

1) Sócrates vive num mundo de quimeras afastado da realidade e não é competente para a tarefa que desempenha;

2) Aquelas declarações são uma rábula para ele protagonizar o papel de ingénuo perante a opinião pública e, “quando conhecer os dados concretos”, alegar ser vítima dos governos anteriores e tomar as medidas que sempre combateu ferozmente, quando era oposição aos governos anteriores. E um governante dado a este tipo de rábulas não é fiável nem competente para a tarefa que desempenha.

Qualquer das hipóteses anteriores é preocupante. Nomeadamente quando incidem sobre alguém que se prepara para mexer nos nossos impostos: Quais? Quanto? Como? Onde? Quando? Quantas vezes? Para quê?

Sócrates pode bem vir a protagonizar o novo Robin Hood, só que em moldes paleo-liberais: roubar a todos, incluindo os da floresta de Sherwood, para alimentar o séquito cada vez mais numeroso e ineficiente do xerife de Nottingham.


Ler sobre o OR rectificativo e antecedentes:
Fé, Esperança e Caridade
A Política dos Balões
O Apóstata Cravinho
Verba et circenses
Verba non Res
Poeira ou Descontrolo?
O Caso de Défice Misterioso

Publicado por Joana às 12:01 AM | Comentários (23) | TrackBack

maio 16, 2005

Sócrates Austero

Vão ser tomadas medidas extremas de austeridade que irão afectar profundamente toda a população. O Governo decidiu dar o exemplo. A seguir uma reportagem gentilmente cedida pela TVB sobre a primeira reunião do executivo após o decreto de austeridade.

Socratesaustero.JPG

A consternação é geral. A primeira nota que ressalta da imagem são os efeitos devastadores da crise económica nos sectores do vestuário, calçado e lâminas de barbear.

No centro, Sócrates, encanecido pelo desgosto de só agora ter descoberto uma coisa que toda a gente sabia há muito, expõe o relatório Constâncio e apela aos membros do gabinete para se manterem calmos e austeros. Campos e Cunha encoraja-o, afagando-lhe afectuosamente o joelho.

No corredor de saída, o Ministro dos Assuntos Parlamentares, Santos Silva, bate com cabeça e mãos na parede, clamando “Habemus deficit” e tentando desesperadamente encontrar argumentos para desdizer Alberto Martins, o líder parlamentar do PS, que declarara há dias: «O défice é um instrumento necessário e fundamental para garantir o crescimento económico pela vias da competitividade nacional. Se se pretende no imediato outra coisa, não contem connosco.». Afinal têm que contar!

À direita, o Ministro das Obras Públicas levanta os braços horrorizado, sem saber como irá explicar o fim de algumas SCUT, uma das promessas emblemáticas da campanha eleitoral. À esquerda, o Ministro dos Negócios Estrangeiros está sentado, de olhos fechados, cismando qual a corrente político-filosófica que irá abraçar a seguir … apenas lhe resta o PCP.

Vieira da Silva, em travesti de efebo para não ser reconhecido, tenta dar a Sócrates uma poção que lhe foi entregue pelas Centrais Sindicais. Segundo Carvalho da Silva, é uma poção mágica preparada pelo Sindicato dos Druidas que permite que o país contrate mais 150 mil funcionários públicos, aumente a função pública 6% ao ano e elimine simultaneamente o défice orçamental, tendo ainda, como efeito colateral, a capacidade de tornar os nossos têxteis competitivos com os chineses, mesmo com salários 50 vezes superiores e trabalhando metade do tempo. Vieira da Silva chamou-lhe cicuta sicuta.

Ao fundo, alguns ministros mais perspicazes timoratos escapulem-se pelas escadas.

A luminária esmaece desalentada.

Publicado por Joana às 09:31 PM | Comentários (20) | TrackBack

maio 15, 2005

Semíramis adverte

Este blogue causa dependência

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Outras imagens mais cruentas, mostrando funcionários públicos e executivos de empresas de ponta a consultarem o Semiramis nas horas de expediente, foram retiradas por o seu conteúdo ter sido considerado traumático e ser susceptível de ferir sentimentos e sensibilidades.

Publicado por Joana às 11:19 PM | Comentários (21) | TrackBack

Sócrates perante a cicuta

Segundo a comunicação social, o Governo prevê apresentar medidas "draconianas" para conter o défice, incluindo, segundo consta, encerramento de serviços públicos, aumento do imposto sobre combustíveis, possível aumento da idade de reforma, igualização ao regime geral de IRS do regime de IRS para os reformados (menos oneroso), a introdução de portagens em algumas SCUT, a aproximação do regime de aposentação dos funcionários públicos ao regime geral, alteração da progressão automática nas carreiras da função pública, alterações ao regime de subsídio de desemprego, nomeadamente a redução da sua duração, e o adiamento de alguns grandes projectos públicos de investimento.

Segundo o Expresso, “perante a má receptividade das suas medidas no Executivo, Campos e Cunha está a aligeirar a proposta de modo a obter a sua aprovação”. O Expresso garante que as medidas propostas pelo ministro das Finanças, Campos e Cunha, "chocaram vários ministros".

Há duas coisas nestas notícias que me “chocam”:

Em primeiro lugar o “choque” dos ministros. Que competência terão os ministros que ficaram “chocados”? Como é possível que não se tenham apercebido da situação em que o país se encontra? Como é possível irmos ser governados durante quatro anos por ministros que não fazem ideia do estado em que o país está e, pior, não fazem ideia do estado em que os respectivos ministérios estão quanto a eficiência, dimensão dos efectivos e correcta afectação destes e cuja reacção, quando confrontados com a realidade, é “ficarem chocados”?

Em segundo lugar, a possibilidade de “perante a má receptividade das suas medidas no Executivo, Campos e Cunha estar a aligeirar a proposta de modo a obter a sua aprovação”. O ministro Campos e Cunha rege-se por critérios de racionalidade económica e financeira ou pelas desordens emocionais dos seus colegas de gabinete?

É duro para um partido que enquanto oposição criticou as medidas de contenção orçamental, que fez uma campanha eleitoral criando a ilusão que com uma “política de rigor” haveria a descompressão pela qual o país ansiava, que prometeu acabar com o discurso da tanga, que baseou as suas promessas no “enterro do PEC”, ser confrontado agora com a crua realidade.

Sócrates recebeu uma herança terrível. E o mais preocupante é só agora se ter apercebido disso. Foi uma herança preparada pelo governo mais desastrado que o país alguma vez teve, e no qual figurava o próprio Sócrates, continuada por um governo sem coragem, face a uma oposição chicaneira, de atacar as questões de fundo, e acabada por um governo armadilhado, cujo principal objectivo era evitar ser demitido no dia seguinte, para que Sócrates recebesse a herança.

Foi um presente envenenado, mas foi envenenado por um governo do qual Sócrates era ministro, envenenado pela política de obstrução permanente da oposição, da qual Sócrates era uma figura proeminente, mobilizando as forças sociais contra medidas que seriam obviamente difíceis, envenenado pela política do “governo sob vigilância” implementada pelo PR como solução interina até o PS encontrar um líder “credível”.

Sócrates está a comer o bolo que envenenou ou ajudou a envenenar. Sócrates está perante a cicuta que preparou.

Esperemos pelo Orçamento Rectificativo para 2005, a apresentar em Junho.

É o Choque Emocional em vez do Choque Tecnológico.

Publicado por Joana às 08:19 PM | Comentários (27) | TrackBack

O Manto diáfano da inacção

Cada dia que passa se torna mais difícil ao Governo tapar a nudez decrépita da verdade com o manto diáfano das fantasias cozinhadas pelos silêncios de um pretenso recato e medidas avulsas e cosméticas, encomiasticamente apodadas de “pequenos passos”, que sugerem mudanças onde o que é substancial se mantém. O Governo não propõe projectos, propõe estudos de revisões de projectos já dezenas de vezes estudados e revistos. O Governo não faz coisas, desfaz coisas. Quando afirma algo, desdiz-se logo a seguir.

No curto prazo esta política é ganhadora. Num país onde a inveja e o bota-abaixo são predicados do pensamento politicamente correcto que domina a comunicação social, o Governo de José Sócrates continua hoje, mais de dois meses passados da tomada de posse, a avaliar decisões tomadas pelo anterior Executivo. A incineração de resíduos perigosos já decidida no último governo de Cavaco Silva, foi revogada, revista, novamente revogada, revista outra vez e novamente revogada. Este é talvez o exemplo mais ridículo da forma como politizamos decisões fundamentalmente técnicas. Dizer mal e levantar suspeitas sobre o que foi antes decidido compensa num país mesquinho, patrocinado por uma comunicação social favorável ou complacente.

Todavia o excesso de décadas de desgoverno, de inveja e de mesquinhez tornaram Portugal num corpo enfermo em grau extremo. Não atacar decisivamente a enfermidade significa aumento da dívida pública e do défice, implicando perda de competitividade, que por sua vez influencia negativamente a dívida pública e o défice, numa espiral infernal sem solução à vista. A curto prazo é uma política ganhadora; a médio prazo é a ruína.

As não-decisões do governo têm permitido que a dívida pública cresça aceleradamente. Entre Abril e Março houve um aumento de 1,2%, o que em termos anuais corresponderia a um acréscimo de 15,4%. No ano que decorreu até à tomada de posse de Sócrates a dívida pública tinha aumentado em cerca de 7,7%. É certo que o OE2005 concorreu igualmente para a aceleração posterior. Todavia o OE2005 foi feito por insistência do PR e promulgado por este. Obviamente ninguém esperaria que Santana Lopes, após a armadilha que lhe tinham montado, apresentasse um OE muito restritivo, com as eleições à porta e ansioso para conquistar popularidade. Pôr um governo demitido sob a acusação de incompetência a fazer um OE é um perfeito disparate. Na altura reprovei aqui essa situação classificando-a de «exercício masoquista».

A responsabilidade do OE2005 é do PR, foi ele que o pediu e foi ele que o promulgou; a responsabilidade de não promover cortes orçamentais enquanto faz passar para a opinião pública anúncios de medidas que custariam milhões ao erário público (embora depois deixe na dúvida sobre se essas medidas são para avançar ou não) é de José Sócrates. Ou seja a responsabilidade do défice de 7% estimado, segundo parece, para 2005 pela Comissão Constâncio é do PS, pois mesmo com o enquadramento do OE2005, a previsão da Comissão Europeia, em meados de Abril, para o défice orçamental português em 2005, era de 4,9 % do PIB. A responsabilidade da dívida pública ter atingido no final de Abril 66,8% do valor do PIB previsto para 2005 é do PS. A responsabilidade da nossa competitividade continuar a cair, é do PS.

Segundo consta, na reunião entre Sócrates e o seu núcleo “duro” – Silva Pereira, António Costa, Campos e Cunha e o secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro – foi decidido que a actuação do Governo será a de não esconder o problema mas tentar passar uma mensagem optimista, contrariando o discurso da «tanga» de Durão Barroso. Segundo o Expresso os membros do governo teriam ficado em «estado de choque» com o diagnóstico de Campos e Cunha. Em vez de promover o «choque tecnológico», afinal o governo entrou em «choque emocional». Só é estranho não se ter apercebido disso antes. Os socialistas Silva Lopes, Daniel Bessa e Medina Carreira, e os blogs que a esquerda odeia, já tinham feito diagnósticos semelhantes e porventura mais graves e realistas que o que Campos e Cunha terá feito. É uma pena esses políticos só se ouvirem a eles mesmos, ou então estarem de tal forma entretidos a “passar à lupa” as decisões do governo anterior que não tiveram ocasião para saber o que se passava no país.

O Governo está entre dois fogos: 1) O que ateou com o seu discurso de descompressão e de crítica ao discurso da tanga, deixando entender que o problema do défice se resolvia com a revisão do PEC. Discurso que ainda mantém, pois há dias, Alberto Martins, o líder parlamentar do PS, um dos responsáveis pelas trapalhadas sobre o referendo da IVG, declarava: «O défice é um instrumento necessário e fundamental para garantir o crescimento económico pela vias da competitividade nacional. Se se pretende no imediato outra coisa, não contem connosco.». 2) O que tem alimentado com a sua inércia em travesti de prudência e recato, permitindo que a despesa pública aumente sem controlo, que a nossa competitividade externa continue em queda com o desemprego a aumentar, que as nossas contas com o exterior se degradem, deixando que uma previsão de défice de 4,9% do PIB se transforme, exactamente um mês depois, numa previsão de 7%!

O país está de “tanga”, mas o governo diz que tem que contrariar o discurso de tanga. Pergunta-se: como vai convencer os portugueses a fazerem os sacrifícios necessários para retirar o país da situação trágica em que se encontra? Como compaginar mensagens de confiança com sacrifícios em impostos, despedimentos na função pública e restrições orçamentais?

A contracção do sector público desonera o tecido produtivo e é um factor incentivador do crescimento da economia. A contracção do sector privado e o desemprego privado são factores cumulativos de empobrecimento colectivo. O desemprego público gera emprego privado; o desemprego privado gera mais desemprego privado numa espiral que só termina com a falência do Estado. A escolha está, para já, nas mãos do governo. As vítimas de uma escolha errada seremos nós ... todos.

Publicado por Joana às 07:17 PM | Comentários (21) | TrackBack

maio 12, 2005

Ao Impertinências

O Impertinências, como retaliação à minha alegada “boutade” na Certidão de Creditação, escarneceu do nome deste blog. Ora sucede que eu escolhi este nome, entre outras razões, como um acto de contrição. Semíramis ficou em dívida para com a sociedade por duas coisas: 1) Pelas numerosas, megalómanas e sumptuosas construções que mandou fazer – cidades, palácios, os jardins suspensos de Babilónia, obras públicas e infra-estruturas diversas, nomeadamente estradas e canais – que teve como resultado o erário real ficar de tal forma vazio que ela desapareceu, alegando ter-se transformado em Deusa. 2) Pelos seus excessos sexuais.

Relativamente à primeira questão, todos certamente reconhecerão o vigor com que me tenho batido pela contracção da despesa pública, demonstrando, por exemplo, em dezenas de posts, que o investimento em obras públicas não é um factor de desenvolvimento sustentável. Sócrates corre um sério risco de, dentro de poucos anos, ver-se obrigado a desaparecer, com a direcção do PS a clamar que ele subiu aos céus e se tornou Deus. Guterres, mais modesto, subiu à IS e agora está em vias de subir à ACNUR. Há meses também se deu Barrosos Himmelfahrt. Santana desceu aos Infernos, mas ainda não percebi por que fugiu deste padrão semiramístico.

Veja como a experiência vivida com a excelsa Semiramis é posta ao serviço do meu país. Ela arrepende-se através de mim, através da minha luta pela virtude, neste caso virtude económica e financeira.

Quanto à segunda questão, lá chegaremos. Roma e Pavia não se fizeram num dia. Não será para já, em virtude da premência do saneamento financeiro, mas dentro de 30 ou 40 anos lá estarei, vigorosamente, a bater-me contra.

Publicado por Joana às 11:35 PM | Comentários (27) | TrackBack

O Desespero do Artista

Entristece-me ver tanta incompreensão em alguns quadrantes. Que possibilidades tem um jovem realizador de se afirmar no nosso país? Pelo talento? Mas se todos têm talento, reconhecido por 2 ou 3 amigos, pelo Carlos Pinto Coelho e pelo Ministério da Cultura que os subsidia! Pelas audiências? Mas se tal lhes está vedado pela sua procura da dimensão estética absoluta e da plasticidade elástica oscilando entre o mais e o mais. Mais grave: se a perversidade da fortuna lhes trouxer audiências ficam definitivamente na lista negra da Corporação dos Realizadores, que é inexorável perante a indignidade que representa o grande público gostar de uma obra de arte. Tal é uma contradição nos termos: se é Arte, o grande público necessariamente não gosta; se o grande público gosta, não é, definitivamente, Arte.

Que caminhos restam então ao Artista Realizador para se tornar conhecido e continuar Artista? Terá que ser algo com impacte mediático. A Quinta das Celebridades é impossível: ainda não é uma celebridade e ficaria irradiado da Corporação dos Artistas se fosse para lá, mesmo disfarçado de vaca. Aparecer no programa da Ana Sousa Dias? Mas se há dúvidas sobre se aquela gente existe mesmo! Para os poucos que, num zapping distraído, o vêem, são apenas ectoplasmas refractados e entediantes. Aliás, o próprio Prof. Marcelo está em vias de se tornar num ectoplasma ...só lhe faltam os espelhos que já devem ter sido encomendados.

São dolorosos e insondáveis os caminhos de um Artista Realizador para atingir o esplendor mediático. Há caminhos que trazem uma enorme notoriedade, mas infelizmente pontual: imolar-se pelo fogo, atirar-se da Ponte sobre o Tejo, ir para a bancada dos sócios do FC Porto trajando as cores e insígnias do Benfica, fumar droga em Singapura ou na Malásia, etc.

Mas, pensando melhor, esta ideia é capaz de ter potencialidades. Em toda a vasta Arábia dominada pelo fundamentalismo, existe um ponto minúsculo, invisível no mapa, que penaliza os charros mas cujo emir é um bonzão, cheio de clemência para os estrangeiros: eles que se vão drogar para a terra que os pariu, é o seu lema.

Está encontrada a solução. O Artista Realizador é detido e passa a herói e mártir público. As televisões difundem propaganda de solidariedade em prime time. O Governo garante que mantém "toda a sua atenção e determinação no acompanhamento do caso, fazendo uso de todos os meios disponíveis para apoiar aquele nacional”. É pedida a assistência consular dos parceiros comunitários. O embaixador português em Riad desloca-se ao Dubai. O Ministério dos Negócios Estrangeiros impetra um pedido de clemência ao emir e é confrontado na Assembleia da República com requerimentos pedindo explicações por parte do PCP e o Bloco de Esquerda. A Ordem dos Advogados disponibiliza-se imediatamente para garantir a defesa de Ivo Ferreira. A secretaria de Estado das Comunidades garante que a situação do cidadão português está a ser acompanhada. Todas as instituições portuguesas se mobilizaram para resolver o problema do charro.

O Artista Realizador tornou-se assim um mártir, detido por fumar um charro, um inocente acto ao alcance de qualquer aluno do nosso sistema de ensino. E o seu suplício foi agravado, de forma bizarra e tenebrosa, quando a acusação foi deduzida em árabe. O país mediático estremeceu de horror. Em árabe? O nosso compatriota torturado, gemendo lancinante enquanto assinava documentos escritos naquele idioma invertido e sem vogais. Sabe-se lá quantos dias teria passado na sala de torturas, a treinar-se a escrever da direita para a esquerda.

Todavia o clímax mediático ocorreu quando, em declarações à SIC, Ivo Ferreira disse partilhar uma cela sem electricidade com outros 18 homens. Tamanho despautério provocou a indignação pública geral e a inveja discreta de alguns. O Bloco de Esquerda organizou novenas, com preces públicas. Adivinhava-se a apresentação de um projecto de Lei autorizando o exercício da poligamia em Portugal para cidadãos do Dubai, por permuta com fumaças de charros por cidadãos portugueses no Dubai.

Finalmente o paroxismo da libertação: A longa viagem para a liberdade de Ivo Ferreira. No Aeroporto Internacional do Dubai a mole humana interroga-se "Onde está o Ivo?". O Ivo está "lá dentro", segredava-se. Segundo o embaixador António Monteiro foi o despertar de um pesadelo. As autoridades dos Emirados Árabes Unidos bem insistiam que a sua presença já não era necessária, mas o embaixador queria saborear o pesadelo até ao fim. O responsável pela diplomacia egípcia, que também participou neste memorável resgate, chorava de emoção e recitava versículos corânicos.

O Artista Realizador Ivo Ferreira, como primeira declaração pública, pronunciou-se energicamente sobre o assunto, com a veemência e a credibilidade que o seu estatuto de mártir confere: "Espero que o meu caso sirva de lição, e que quer o Ministério dos Negócios Estrangeiros quer as agências de viagem passem a disponibilizar mais informações sobre os países e as suas leis."

Portanto, a lição não é sobre oportunidade de Artistas Realizadores sorverem haxixe, pois esse é um acto necessário, patriótico e promocional. A lição é para o MNE e agências de viagem: eles é que devem disponibilizar informações sobre as acções turísticas que se podem desenvolver nos diversos países e em que circunstâncias: fumar charros, inalar cocaína, injectar heroína, praticar pedofilia, apedrejar a mulher, perpetrar homicídios, etc.

Por exemplo, nos países do Médio Oriente, desde a época em que o Velho da Montanha e os seus “bebedores de haxixe” assassinavam as figuras públicas de então (assassino vem daquele termo árabe), que os protagonistas da política olham de soslaio os “bebedores de haxixe”, que vêem como seus assassinos potenciais. O MNE tem que disponibilizar informações históricas sobre estes casos, para prevenir os turistas. Em contrapartida podem levar as esposas para as linchar lá à vontade.

Foi até agora o charro mais caro alguma vez fumado por um português.

Publicado por Joana às 02:35 PM | Comentários (42) | TrackBack

maio 11, 2005

Moloch e a Mão Invisível 2

Ou a Razão do Poder contra o Poder da Razão: – 2) Mercado do Arrendamento

Há decisões que o Moloch toma, sempre com as melhores das intenções de justiça social e de protecção aos mais desfavorecidos, conforme os seus sacerdotes nos garantem, que só décadas depois revelam os seus efeitos absolutamente perversos. São mercados onde a Mão Invisível dá inicialmente a ilusão de não os influenciar e, quando nos damos conta, verificamos que esteve a tecer na sombra uma teia tão densa que levou aquele sector de transacções (já nem lhe chamo mercado) a uma situação de total aniquilamento e os bonzos do Moloch à mais absoluta incapacidade decisória.

Numa economia de mercado, os valores dos arrendamentos urbanos deveriam ser estabelecidos pelo equilíbrio da oferta e da procura no mercado imobiliário. Pelo encontro entre o valor que o proprietário acha justo pelo espaço que disponibiliza e o valor que a entidade arrendatária ou o mercado em geral estão dispostos a pagar pela sua utilização. Isto é válido para um arrendamento habitacional ou comercial.

Durante o Estado Novo regulamentou-se o congelamento de rendas em Lisboa e Porto com o intuito de obviar uma eventual especulação imobiliária perante uma oferta então reduzida. No curto prazo, e para mais sendo aquela uma época em que a inflação era quase nula, tanto a oferta como a procura de arrendamento são muito inelásticas, quer pelo lado da oferta, porquanto entre a decisão de construir para alugar e o fim da construção pode decorrer 1 a 2 anos, o que limita a oferta, quer pelo lado da procura, porque a decisão dos potenciais inquilinos depende de diversos factores, incluindo hábitos de vida, que se alteram lentamente.

Ou seja, a fixação do preço abaixo do seu nível de equilíbrio não provocou, no curto prazo, uma disparidade muito pronunciada entre procura e oferta. Contudo, com o aumento da inflação, iniciado no período marcelista e tornado galopante após o 25 de Abril, e com a extensão desse congelamento de rendas ao resto do país, as rendas tornaram-se irrisórias, mesmo depois de ser permitida uma tímida actualização anual, a partir de meados da década de 80.

Portanto assistiu-se a uma queda pronunciada do valor real das rendas ao longo de décadas. Os valores nominais mantinham-se congelados, enquanto os valores reais caíam abruptamente, com inflações que atingiram taxas anuais superiores a 30%. As rendas dos contratos iniciais caíram para valores 50 a 100 vezes inferiores ao seu valor real. Imóveis construídos durante a vigência do congelamento eram arrendados por valores superiores ao custo marginal, porque os senhorios incorporavam um “prémio” do risco de inflação. Todavia esse “prémio” era corroído ao fim de três ou quatro anos e a inflação galopante na década a seguir a 1975 tornou inclusivamente essas rendas irrisórias e liquidou o mercado de arrendamento. Deixou de se construir para arrendar.

Mas a acção lenta e inexorável da Mão Invisível não se ficou apenas pelo fim da construção para arrendamento. Com as rendas que recebiam, os senhorios não tinham qualquer interesse em fazer obras de conservação e manutenção. Só a colocação de andaimes custava mais que o montante total das rendas de vários anos. Mesmo quando vagava algum andar, deixavam o encargo da sua reabilitação ao inquilino. A oferta era tão reduzida e a procura tão forte que o inquilino aceitava pagar este prémio ao senhorio.

E o mais perverso é que não foram apenas as rendas habitacionais que foram subtraídas às regras do mercado. As rendas comerciais foram tratadas da mesma forma. Se no caso da habitação se poderia falar de uma necessidade básica, de uma acção de filantropia social que, não tendo o Estado meios para a fazer, encarregava os senhorios, contra vontade destes, de a fazerem, no caso das rendas comerciais, estas são um factor de produção. Não há qualquer filantropia. O seu congelamento equivaleu a um subsídio que os senhorios portugueses, ao longo de décadas, deram, contrariados, à actividade comercial: lojas, escritórios, etc.. Ora uma política cega de subsídios retira incentivos à modernização. O comércio dos centros históricos foi perdendo qualidade relativa, cristalizou, e tem perdido mercado face ao comércio menos central e com maior mobilidade e aos grandes espaços. A degradação da qualidade da actividade comercial nos centros históricos tem igualmente concorrido para a ruína destes e para a sua desertificação.

Portanto, estas intervenções de Moloch, distorcendo o mercado, tomadas sempre com as melhores das intenções de justiça social e de protecção aos mais desfavorecidos, conforme os seus sacerdotes nos garantem sempre, conduziram à degradação do parque habitacional, à ruína dos centros históricos das cidades, à derrocada dos prédios antigos, à opção pela aquisição de casa própria e ao endividamento exponencial das famílias para o conseguirem, à dificuldade prática de uma reforma fiscal moderna do património e à total injustiça social, onde as gerações mais antigas têm casas de rendas irrisórias, enquanto os mais novos têm um ónus terrível em despesas de habitação; onde os senhorios dos prédios antigos estão descapitalizados, sem capacidade de intervirem na reabilitação dos seus prédios, enquanto os senhorios de áreas mais recentes têm rendimentos incomparavelmente superiores, com custos muito menores.

Muitos dos prédios degradados nem sequer têm senhorios conhecidos. Quem consta do registo das Conservatórias já não existe e os herdeiros nunca reclamaram a herança porque provavelmente o Imposto Sucessório (ou o actual IMT) seria muito superior ao valor dos imóveis. A perversão do sistema é total. Meio milhão de fogos (544 mil) estão vagos, dos quais 105 mil para venda e 80 mil para arrendar. Os outros estão simplesmente vagos. Mas em que condições? Porque estão fora do mercado? Terão proprietário conhecido? Actualmente a Administração Fiscal continua sem saber quem são os donos de 602.815 prédios urbanos. Não se trata de evasão fiscal de proprietários ricos. É gente que pura e simplesmente se desinteressou de bens para os quais o mercado é completamente ineficiente.

Mas uma das características dos bonzos do Moloch é a de pensarem sempre que os desastres provocados pela intervenção estatal se curam com mais intervenção estatal. Mais Estado para curar o mau Estado, é a sua divisa. E, pertinazes, foram legislando mecanismos de intervenção: Recria, Rehabita, Recriph, Solarh, Peru, etc.. Contrataram especialistas em acrónimos para combinarem Reabilitação, Habitação, Solidariedade e outras palavras com forte impacte social, para etiquetarem programas que tiveram um efeito irrelevante.

Nenhuma regulamentação, por mais minuciosa ou repressiva que seja, conseguirá resolver esta situação tão eficientemente como o poderá fazer a liberalização das rendas e o regresso ao preço de equilíbrio. Todavia existem tantas expectativas legitimadas e hábitos consolidados, e um fosso de tal forma abissal entre os preços de equilíbrio e os preços actuais, que o Moloch e os seus bonzos andam às aranhas, sem saberem como conseguem sair deste atoleiro.

Era impossível ter obtido um resultado pior. As diversas intervenções estatais no mercado, distorcendo-o completamente, realizadas sempre com as melhores das intenções de justiça social e de protecção aos mais desfavorecidos, impediram os jovens de aceder ao mercado do arrendamento, introduziram discriminações terrivelmente injustas entre os agentes económicos de acordo com a época em que entraram ao mercado - senhorios, inquilinos habitacionais e comerciantes, conduziram à ruína dos centros históricos das cidades, à derrocada dos prédios antigos, ao excessivo endividamento das famílias, etc., etc., uma total devastação social e imobiliária.

Foi a conservação destrutiva.

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maio 10, 2005

Certidão de Creditação

Corre pela blogosfera uma ânsia de confissões, de auto-denúncias, de auto-flagelações na praça net pública. Bloggers contritos, de joelhos e de mãos suplicantes martelando compassadamente o chão, virados para Meca JPP e D Oliveira, tentam ser os primeiros na comovente missão de entregarem aos dois Censores da Res Bloga, o respectivo fassio com todos os dados relativos às suas pessoas, respectivas filiações, estados civis, medidas vitais, BI’s, etc., para os inscreverem no album blogorium e ficarem aptos para a Lectio Bloga, direito imprescritível que foi atribuído àqueles dois magistrados do census e do regimen morum. Eu não podia ficar indiferente, sob pena de descrédito total, a esta avidez de despimento na praça net pública.

Tudo começou quando o Público dedicou duas páginas a bloggers políticos. Aí, J.P.Pereira afirmou que «Sou muito crítico em relação ao blogues cujos autores não se identificam. Nenhuma coisa que lá se diz me merece credibilidade.» e o Daniel, que a Direita odeia, desdenhou «Eu não dou muito valor [aos bloggers não identificados] ... é uma situação de desigualdade.». E a partir de então dezenas de bloggers se acotovelaram na ânsia de serem iguais ao Daniel que a Direita odeia, e de se credibilizarem perante o Panurgo falhado do PSD.

Um blogger mostrou tal empenho em ser igual a Daniel Oliveira, que o ultrapassou, colocando todos os seus dados civis e fiscais no respectivo blogue, pretendendo chamar, como escreveu, os bois pelos nomes. Por distracção, que certamente corrigirá em próximo post, esqueceu-se de indicar o mais importante: o NIB e o código MB

Embora sem pretender enfileirar naquela ilustre fila bovina, e tendo sido citada pelo « Impertinências» como igualmente anónima, decidi imediatamente fazer o mesmo que os jaquinzinhos e outros blogues desacreditados, e credibilizar-me perante o Panurgo JPP e o Barnabé DO, pondo o « Impertinências» a roer-se de inveja, colocando os meus documentos de identificação neste blogue, onde poderão ver o meu BI devidamente assinado.
BI_JAGC.jpg

A fotografia não ficou boa porque foi tirada no momento em que eu havia acabado de ler que: «os produtos culturais ... têm uma espécie de plasticidade, o que significa que a nossa relação com eles é densa e elástica, se desloca entre o mais e o mais» e estava completamente aturdida a tentar perceber como é que a plasticidade se torna elástica, e como é que se desloca entre o mais e o mais. De tanto mexer nas palavras, o EPC misturou-as todas e já não consegue refazer o puzzle. Elas efluem sem nexo daquela mente privilegiada.

Publicado por Joana às 07:59 PM | Comentários (41) | TrackBack

maio 09, 2005

Concorrência Imperfeita

Tem sido para mim um caso intrigante verificar o furor com que os Blasfemos terçam em matérias futebolísticas: penalties a mais ou a menos, foras de jogo ou dentros de jogo, cartões amarelos e vermelhos que se mostram ou se escondem, jogadores que se agridem ou se afagam, etc., são dramas tumultuosos, que se agitam de forma estranha e que incendeiam teclas e mentes. Mas tudo se me tornou claro quando li que as acções da SAD do Porto tiveram uma perda de 47% face ao preço a que foram inicialmente vendidas.

Tamanha queda bolsista transtorna certamente qualquer agente económico, por muito experiência que tenha das vicissitudes do mercado. Vendo de uma perspectiva mais abrangente, o que lemos nesse blogue de referência não são, afinal, questiúnculas menores desse epifenómeno que é o futebol - o que estará a acontecer, e despertou a justa repulsa blasfema, são violações estruturais do modelo de concorrência pura e perfeita num importante sector do nosso tecido económico e do efeito devastador que a concorrência imperfeita teve no comportamento do mercado bolsista. É essa a matéria em apreço.

Nesse entendimento, questionar Ligas, Apitos Dourados ou Prateados, Federações é despiciendo. Não são essas as sedes destas matérias. Isso apenas causa que comentaristas pouco avisados, e outros bloggers, se insurjam por motivos fúteis e gastem as energias discutindo posições relativas de jogadores, bolas, cotovelos, mãos, bandeirinhas, apitos, etc., julgando estar a discutir futebol, em vez de micro e macroeconomia, exaltando-se com a caprichosa bola de couro, quando a matéria é a teoria neoclássica. É à Autoridade da Concorrência ou à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários que se devem dirigir.

Em vez de linkarem jornais ou blogues desportivos, deverão linkar esses posts denunciantes à AC e à CMVM

Publicado por Joana às 11:19 PM | Comentários (19) | TrackBack

Moloch e a Mão Invisível

Ou a Razão do Poder contra o Poder da Razão: – 1) o Mercado do Trabalho

A Teoria Económica diz que a taxa salarial deve ser igual à produtividade marginal do trabalho. É injusto, mas está demonstrado. A Angelina Jolie ganha muitos milhões de dólares por filme. Porque não eu? Sinto uma terrível e mesquinha inveja. Vingo-me, mentalmente, pensando que se Angelina Jolie se candidatasse a um lugar na minha empresa, ganharia dez vezes menos que eu. É a malvadez daquela relação iníqua criada pelos caprichos satânicos da Mão Invisível.

É óbvio que aquela relação só se aplica a situações concorrenciais: no sector privado, entre os actores de Hollywood, nos craques da bola, nos treinadores poliglotas, etc.. Há outros sectores que não trabalham em concorrência, como o sector público. Mas nesse caso, a diferença entre a taxa salarial e produtividade marginal do trabalho é paga por todos nós. A caprichosa Mão Invisível regula o equilíbrio de preços do factor trabalho no sector privado. O poderoso Moloch fixa o preço do trabalho no sector privado e obriga os seus súbditos a cotizarem-se para pagarem a diferença.

Mas o Moloch, na sua divina providência, também entendeu impor restrições ao preço e mobilidade do factor trabalho no sector privado. Para proteger os trabalhadores, conforme os seus sacerdotes proclamam nas suas prédicas.

O salário mínimo foi instituído como meio de preservação das condições mínimas de dignidade e de qualidade de vida dos trabalhadores. Todavia, nos segmentos menos qualificados, ou entre os jovens que procuram o primeiro emprego, se o salário mínimo fixado administrativamente for superior à produtividade marginal do trabalho esperada, a procura de emprego diminui e haverá um excesso de oferta face à procura, ou seja, dá-se o fenómeno do desemprego. O excesso de oferta de mão-de-obra resolve-se pelo emprego de alguns trabalhadores com o seu rendimento acrescido da diferença entre o salário mínimo e o salário de equilíbrio, à custa da exclusão dos outros candidatos do mercado de trabalho.

Os sacerdotes do Moloch prometeram proteger a qualidade de vida dos trabalhadores. Criaram em paralelo um custo social do desemprego. Os sacerdotes do Moloch não operaram qualquer redistribuição entre ricos e pobres: com o salário mínimo limitaram-se a conseguir uma redistribuição de rendimentos entre famílias pobres - umas ficaram ligeiramente menos pobres e outras sem nada (ou com subsídios de desemprego).

Por outro lado promoveram o florescimento do mercado negro. E assim surge o trabalho clandestino no qual a taxa salarial é mais próxima do nível de equilíbrio, mas quase sempre inferior a ele, visto que existe um prémio de risco para o engajador e para o empregador, que receiam cair nas malhas legais. A produtividade marginal do trabalho será igual à nova taxa salarial (mais baixa) adicionada ao prémio de risco.

Portanto, os sacerdotes do Moloch ao prometerem proteger a qualidade de vida dos trabalhadores, aumentaram o flagelo social do desemprego, reduziram a taxa salarial dos que se viram forçados ao trabalho clandestino e apenas promoveram uma redistribuição de rendimento entre os mais pobres, a um nível mais baixo, porquanto o rendimento global é menor.

O salário mínimo funciona portanto como uma barreira à entrada que assegura o salário dos “insiders” à custa dos candidatos que se mantêm em situações de desemprego prolongado.

Adicionalmente, nos sectores menos qualificados, se os trabalhadores são pagos acima da sua produtividade marginal, essa situação não se poderá manter a longo prazo numa economia concorrencial e, mais cedo ou mais tarde, a empresa que os emprega perde competitividade, e fecha ou deslocaliza-se. Ou seja, mesmo os que ficaram transitoriamente menos pobres, mais tarde ou mais cedo acabam no desemprego.

Há um ponto positivo. Um salário mínimo superior à produtividade marginal do trabalho num dado sector, pode orientar a oferta de trabalho para sectores mais qualificados. Mas essa reorientação é um fenómeno a médio ou longo prazo, porquanto pressupõe uma melhoria de qualificação do factor trabalho.


Ler a continuação:
Moloch e a Mão Invisível 2

E, sobre este tema:
Estado e Desenvolvimento

Estado e Desenvolvimento (2)

Publicado por Joana às 08:58 AM | Comentários (41) | TrackBack

maio 06, 2005

Um pensamento para o fds

O antigo Egipto tinha o duplo privilégio, que sem dúvida explica a sua riqueza fabulosa, de possuir duas espécies de actividades, a construção de pirâmides e a extracção de metais preciosos, cujos frutos, pelo fato de servirem às necessidades do homem sem ser consumidos, não se aviltavam por serem abundantes.

Provavelmente julgam que este pensamento é meu ... se até escrevi, há dias os “Construtores de Pirâmides”!

Mas não. Quem escreveu aquilo foi John Maynard Keynes! E na Teoria Geral, a sua obra seminal. Keynes acreditava que o lucro dos novos investimentos diminuía pelo facto dos investimentos mais viáveis serem assumidos em primeiro lugar, deixando os outros para mais tarde. No fundo, Keynes não acreditava que as inovações tecnológicas proporcionassem uma contínua viabilização de novos investimentos. Vivia-se a Grande Depressão e havia muito cepticismo quanto ao futuro.

E, já agora, deixo a continuação, com a qual Keynes terminou o capítulo 10 – Propensão Marginal a Consumir e o Multiplicador

A Idade Média edificou catedrais e entoou cânticos. Duas pirâmides, duas missas de requiem, valem duas vezes mais que uma — o que porém não é verdade tratando-se de duas estradas de ferro ligando Londres a York. Portanto, assim nos mostramos tão razoáveis, e nos educamos de modo tão semelhante aos financeiros prudentes, meditando bem antes de aumentar as cargas "financeiras" da posteridade pela edificação das casas onde ela viveria, que já nos não é tão fácil escapar aos inconvenientes do desemprego. Temos de aceitá-los como o resultado inevitável de aplicar à conduta do Estado as máximas concebidas para "enriquecer" um indivíduo, permitindo-lhe acumular direitos a satisfações que ele não tenciona exercer em qualquer época determinada.

E no fim de semana também será de leitura obrigatória “Um Governo Derridiano” nos jaquinzinhos

Publicado por Joana às 07:47 PM | Comentários (16) | TrackBack

Mito do Estado Inovador

Aproveitando estar com as mãos na massa, não posso deixar de referir um post de há 2 semanas, que representa uma descoberta notável e original: Salvo raríssimas excepções ... não são os empresários que rompem conceitos. Não é das empresas que saltam as inovações. Não são os empresários que fazem a economia: eles guiam a respectiva locomotiva ... Quem faz a economia são os grupos sociais. Nos últimos séculos consubstanciados no Estado, ou Nação. É o Estado o motor, a locomotiva, da mudança. É a política, enquanto disciplina reguladora do social, que estipula os carris da economia.

A fé com que aquele sentença é proferida só é ultrapassada pela falta de fundamento. Desde Arquimedes, passando pela Revolução Industrial, até ao início da 2ª Guerra Mundial não conheço nenhuma invenção que tivesse origem no Estado ou nos «grupos sociais consubstanciados no Estado» (embora aqui seja forçada a reconhecer que não sei o que tal significa). E depois disso, aquelas que se iniciaram em centros de investigação públicos, ficaram a marcar passo até os privados as desenvolveram e inovarem as suas actividades.

Em primeiro lugar, antes de enveredar pelo assunto, convém afinar alguns conceitos. Há que distinguir entre a ideia ou a concepção de base e as diferentes fases do processo inventivo, até à sua exploração industrial. Aqui convém separar o conceito de inovação do de invenção. A inovação é não apenas inventar um produto ou um processo, mas adaptá-lo à sua utilização ou descobrir novas utilizações para ele. E também adaptar inovações produzidas por outros na sua actividade. E isto tanto para bens como para serviços.

Tomemos o caso da tracção a vapor. Quem descobriu o efeito propulsor do vapor foi Hierão de Alexandria que, sobre o assunto escreveu um tratado, Pneumatica, há 2.100 anos! Todavia a máquina a vapor foi reinventada por James Watt em 1763. E a partir daí, associada aos anteriores inventos da indústria têxtil (Spinning Jenny, por exemplo) e aplicada ao transporte ferroviário (primeiro) e marítimo (depois) foi o motor da revolução industrial. A concepção original de Hierão ficou restrita a alguns “mecanismos lúdicos” propostos no Pneumatica, sem qualquer sequência. A invenção de Watt e as invenções de Hargreaves e Arkwright tiveram rapidamente aplicação tecnológica. Hierão apenas inventou. A tecnologia e o baixo nível de necessidades de então não incentivaram quaisquer desenvolvimentos. As invenções de Watt, Hargreaves e Arkwright traduziram-se imediatamente em inovações sucessivas e foram o motor da Revolução Industrial.

Durante esse período não foi despiciendo o papel do Estado, mas nunca o de «locomotiva, da mudança» ... apenas o de ajudar à manutenção dos carris. Por exemplo, a indústria química alemã apercebeu-se que a manutenção da sua competitividade dependia da sua própria capacidade de inovar. Para isso precisava que as suas descobertas não fossem copiadas, para que os outros não ficassem com o produto dos seus investimentos em I&D. O Estado alemão ajudou a sua indústria promulgando, em 1877, a Patentgesetz para garantir o direito de propriedade intelectual. Todos nós sabemos a capacidade de inovação que os grandes laboratórios alemães, Bayer, Hoechst, etc., têm hoje em dia. Aliás, a indústria farmacêutica vive da sua capacidade de investigação e desenvolvimento, e tem laboratórios próprios, embora, de há alguns anos para cá, mantenha igualmente diversos contratos de investigação conjunta com universidades públicas e privadas. Mas isto não aconteceu apenas na Alemanha, pois rapidamente se alargou aos outros países, pelo Tratado de Paris assinado em 1883. Em diversas indústrias as Economias de Escala são elevadas justamente pelos vultuosíssimos gastos em I&D a que obrigam.

É injusto o desdém, naquele post, por todos esses desenvolvimentos : «o "empresário" agente de mudança do século XIX, de Edison a Ford, é uma imagem romântica hoje desbotada no album de família dos empresários». Edison, para além dos seus inventos, criou o centro de investigações da General Electric que hoje tem mais de mil investigadores. O transístor foi inventado nos Laboratórios Bell, herdeiro do inventor das comunicações telefónicas. E assim sucessivamente. Não são imagens desbotadas.

É um facto que com a 2ª Guerra Mundial e com as necessidades que esta criou, os Estados beligerantes promoveram centros de investigação dedicados ao esforço bélico. E na continuação, com a guerra fria, os centros de investigação estatais prosseguiram as suas investigações no âmbito da indústria de armamento e aero-espacial. Mas, mesmo nestas indústrias, muitas descobertas e inovações foram realizadas em empresas privadas, trabalhando como contratantes.

E por isso mesmo continuam a ser as empresas as responsáveis por mais de 70% dos inventos patenteados no mundo, sendo que 96% das patentes industriais registadas o foram por entidades sedeadas nos países desenvolvidos. Como o peso das universidades e centros de investigação privados é elevado nestes países, seguramente muito menos de 20% das patentes foram da lavra do sector público (universidades e centros de investigação). São as empresas que têm arriscado os vultuosos investimentos em investigação, embora haja igualmente, quer sob a forma de subsídios, quer sob a forma de isenções fiscais, importantes apoios governamentais. Todavia isto não tem nada a ver com ser “o motor, a locomotiva, da mudança”.

Um autor brasileiro(*) estabeleceu, recentemente, uma comparação sugestiva. A Coreia do Sul dispõe de 90 mil cientistas, praticamente os mesmos que o Brasil. Mas, na Coreia, cerca de 80% dedicam-se a fazer pesquisa e desenvolvimento na indústria, enquanto, no Brasil, a indústria não absorve mais que 10% desses investigadores. Essa disparidade explica, segundo o autor, o alto volume de patentes registadas pelos coreanos no ano anterior à publicação do artigo - mais de 3.400, contra apenas 113 patentes brasileiras. Esta diferença abissal, é o que separa a investigação conduzida pelo sector privado e a investigação conduzida no sector público ... a locomotiva.

Como é possível falar no Estado como o motor do progresso e da inovação quando 83% dos investigadores nos EUA trabalham no sector empresarial privado? Mesmo na UE, onde o papel do Estado é muito maior, 50% dos investigadores trabalham nesse sector. Com a agravante, no caso europeu, de que há um enorme défice de investigadores e uma “fuga de cérebros” permanente para os EUA.

As questões ligadas à inovação e invenção também concorreram para o colapso soviético. O esforço armamentista e espacial americano era coordenado por agências estatais, mas desenvolvido, em parte, por empresas privadas, e as inovações destas empresas difundiam-se pelo tecido industrial, tendo aplicações noutros bens. Na URSS ficavam circunscritas às entidades encarregadas daquelas indústrias. A sua eficiência na economia da URSS era incomparavelmente inferior à da economia dos EUA. A situação tornou-se insustentável com a irrupção da informática. A informática para se desenvolver com a rapidez actual, precisa de uma ampla difusão permanente de conhecimentos. Há milhões de utilizadores de informática que concorreram, e continuam a concorrer, para o seu desenvolvimento. Nem o Bill Gates consegue colocar nos carris esses milhões de furiosos da informática. Esta difusão permanente e acelerada de inovações é incompatível com uma sociedade baseada no papel dirigista do Estado.

E a visão do Estado como locomotiva do progresso é herdeira da mentalidade da economia dirigista soviética que conduziu à sua implosão.

Isto não invalida o papel do Estado, quer no financiamento de Universidades e Centros de Investigação públicos, quer na aquisição de bens e serviços de empresas de alta tecnologia. Mas isso não é “o Estado o motor, a locomotiva, da mudança”. Será talvez o de lubrificar os carris e fornecer algum combustível para a máquina.

Quanto à proposição “É a política, enquanto disciplina reguladora do social, que estipula os carris da economia. São a necessidades do Estado que abrem e fecham os mercados.”, confesso que julgava que as desastrosas experiências passadas tivessem trazido alguns ensinamentos.

(*) cf Brito Cruz - O lugar da inovação no desenvolvimento

Publicado por Joana às 12:05 AM | Comentários (90) | TrackBack

maio 05, 2005

O Mito do Estado

No (o vento lá fora) tem havido algumas profissões de fé no Estado. Têm 3 coisas em comum: a veemência, a fé e a ausência de fundamentação científica. Comecemos por esta citação: “Tomemos o ensino, como podíamos tomar a rede viária ou a Imprensa. Sob o pretexto de que o sistema estava falido, sem dúvida alguma devido à irresponsabilidade do Estado para o gerir, abriu-se o ensino superior à "iniciativa privada". Efeitos: o ensino superior não só não melhorou como globalmente dá hoje piores resultados; a grande maioria das universidades privadas está tecnicamente falida”.

Comentário: Portugal é, depois da Finlândia, o país da UE que investe mais na educação em termos do PIB. Portugal gasta mais 50% em Educação que a média europeia e tem o mais baixo nível de educação da UE. Portanto o sector público do ensino não está falido apenas porque é pago pelos contribuintes, por todos nós. Em segundo lugar as Universidades privadas foram-se criando, algumas com o compadrio do poder, numa época em que o sector público não conseguia satisfazer a procura. Entretanto a oferta pública aumentou e os subsídios às privadas diminuíram. É óbvio que as Universidades Privadas não podem concorrer com as públicas: são em média 10 vezes mais caras para os utentes. A menos que se imponham pela qualidade – e apenas duas ou três o conseguem fazer, tal a diferença de propinas.

E depois acrescenta, consternado, com as consequências desta situação que “a sociedade (representada pelo Estado) perante um dilema terrível: ou as deixa fechar pelo curso inexorável dos tempos, com alguns custos políticos (governo que o faça fica com esse ónus), ou as mantém artificialmente com os balões de oxigénio das notas de acesso mais baixas”.

Eu estou mais consternada com o custo exorbitante do nosso sistema de ensino, que se não fosse eu e muitos outros pagarem para ele, já teria falido há algum tempo. Mas para o pagarmos sobrecarregamos o tecido produtivo com impostos e levamos as empresas à falência. Os defensores do peso do Estado estão convencidos que o dinheiro que ele custa, aparece por obra e graça do Espírito Santo (a 3ª pessoa da Trindade e não o Banco!). Não é verdade – ele sai do nosso bolso. É o nosso bolso que paga o Estado, a sua ineficiência e evita, não sei quanto tempo ainda, que ele vá à falência. (o vento lá fora) está preocupado com a possibilidade de falência dessas universidades privadas. Eu não estou. O corpo docente de parte delas é constituído, em muitos casos, por “turbo-professores” que ficarão, resignados, reduzidos às universidades públicas. Estou mais preocupada com o desemprego e a desaceleração económica gerados na indústria pelo gigantismo do Estado (ver aqui e aqui). Aí não há turbo-empregados. Há gente que fica em desemprego de longa duração.

Quanto “aos manuais escolares” julgo que há um total equívoco. Eles sempre foram produzidos por editoras privadas. O Estado não se alheou. Foi exactamente o contrário que ocorreu. É o Estado que altera constantemente os currículos e que introduz o caos naquele mercado. As editoras limitam-se a tabelar os livros adicionando um prémio de risco para o caso do ministério ou das escolas mudarem de ideias. Um manual escolar está em permanente risco de se tornar num mono e a editora de ficar com dezenas de milhares de exemplares em stock. Não é alheamento ... é uma acção nociva do Estado.

Quanto ao SNS, (o vento lá fora) afirma que “Está por provar que a gestão hospitalar privada seja a solução”. Concordo. Todavia a situação de descontrolo orçamental do SNS está provada e tem que acabar, quer seja com privados, com hospitais SA ou com hospitais EPE. E isso é o âmago da questão. (o vento lá fora) afirma que os privados não são solução (embora antes tenha afirmado que tal está por provar) porque “a saúde não é uma actividade lucrativa”. Esta afirmação é apenas uma tirada moralista. O abastecimento de água, o tratamento de efluentes e a recolha e tratamento do lixo também não eram actividades lucrativas, e muitas delas foram concessionadas a privados porque estes as fazem com preço mais baixo, e ainda conseguem obter lucro.

A ideia do lucro como pecado é uma tradição escolástica, dos tempos de S Tomás de Aquino. Se uma entidade me prestar um serviço, com a mesma qualidade, e a um preço inferior, não me importo que ela possa ter lucro. É o prémio por ela prestar dois serviços: o serviço em si, e a eliminação do desperdício social anterior. Claro que há que haver cuidado com o contrato de concessão e com as obrigações nele consignadas e constituir uma entidade reguladora que vele pelo cumprimento contratual e pelo andamento da concessão. Anteriormente foram construídas centenas de ETA’s e ETAR’s pelo sector público que ou nunca funcionaram, ou deixaram de funcionar ao fim de pouco tempo. Isto sim ... é desperdício. Eu prefiro o pecado do lucro a deitar dinheiro à rua.

Em matéria de Comunicação Social não vou discutir com um “insider”. Só posso dar o testemunho de leitora que não é abonatório, embora provavelmente por outras razões.

Mas o paradoxal é que, quando confrontado com a sua relação com o Estado, conclua que “o Estado é mau. Hoje em dia não é pessoa de bem”, que foi por “ter deixado chegar a este ponto de gordura paralisante que a sociedade passou a demandar a sua desestruturação, em benefício do sector privado”. Sobre isso estamos de acordo. Todavia lembro que essa “demanda” sempre foi objecto da Ciência Económica até à actualidade. As próprias receitas keynesianas de aumento de despesa pública referiam-se a circunstâncias muito específicas, completamente diversas das existentes no pós-guerra. E referiam-se a investimento público e não ao aumento estéril da burocracia e das sinecuras. E se o keynesianismo é hoje atacado, é por se tentarem usar as suas receitas em circunstâncias completamente diversas (embora também seja atacado por razões de capelinhas científicas). O que aconteceu entretanto foi que as sociedades ocidentais criaram um monstro (no caso português, além de monstro é totalmente ineficiente) que não conseguem dominar e de que se arriscam a serem vítimas. E há uma progressiva tomada de consciência disso à escala do mundo desenvolvido.

Todavia quando (o vento lá fora) afirma : «Mas agora temos um novo problema: o sector privado também foi incapaz de responder aos desafios como se desejava e impunha» está a esquecer-se de várias coisas. Em primeiro lugar, o peso do Estado é ele próprio um entrave ao desenvolvimento (ver os meus posts * e * e os estudos * e *). Em segundo lugar, e no caso português, há uma história espúria de dependência dos empresários relativamente ao Estado (contratos públicos, condicionamento industrial e outras formas de protecção anti-concorrencial, etc.); levantar aquela questão é o mesmo que dizer: este tóxico-dependente não está a ter um bom desempenho, o melhor é continuar a drogá-lo. Em terceiro lugar, e apesar de ser «incapaz de responder aos desafios como se desejava e impunha», é ele que paga o Moloch estatal. É do sector produtivo que, directa ou indirectamente, sai o financiamento da despesa pública, que já ultrapassou 50% do PIB. É ele que tem que competir com a globalização que nos bate à porta e arca ainda por cima com a ineficiência do Estado, enquanto o sector público se permite ignorar as regras da eficiência e só ainda não faliu, porque esse «sector incapaz de responder aos desafios», continua a ser capaz de o sustentar.

Os meus parabéns, todavia, pela frase final, que é uma conclusão genial face ao conteúdo do texto: «Vamos em Portugal continuar a viver tempos difíceis e de desorientação geral».


Ler a continuação:
Mito do Estado Inovador

Publicado por Joana às 10:59 PM | Comentários (11) | TrackBack

maio 04, 2005

De Neocom a Neocon

A dupla Bush-Rice irradia um poder magnetizador que me deixa perplexa. Não há couraça política que resista aos seus fluidos hipnóticos, misteriosos e provavelmente satânicos. Vimos como um político com a poderosa consistência ideológica de Freitas do Amaral baqueou perante um arrepanhar de lábios de Condoleeza Rice – não foi um sorriso ... mais parecia uma cãibra do músculo labial, mas foi o suficiente. Agora coube a vez a Massimo D’Alema de sucumbir fragorosamente. Não é um qualquer ... é o presidente da DS, o principal partido de esquerda italiano e primogénito do Partido Comunista Italiano. Não sucumbiu à socapa, num gabinete privado da Casa Branca ... sucumbiu em plena reunião da Fundação da Esquerda Reformista, com estrondo e alarido.

Freitas andou em manifs radicais, acompanhando cartazes onde escorria sangue dos dentes de Bush, um émulo de Hitler, Salazar, Franco e Pinochet. Mas face à cãibra labial de Condoleeza, Freitas já só via qualidades em Bush ... pois se ele tinha vindo à Europa! A comunicação social informou que Bush havia indicado o falcão Paul Wolfowitz para a presidência do Banco Mundial, mas aquele arrepanhar labial foi-lhe fatal ... afinal «Portugal foi um dos primeiros países europeus a reconhecer a independência dos Estados Unidos há 200 anos». A comunicação social agitou a proposta de nomeação de John Bolton como embaixador junto das Nações Unidas ... mas aquela cãibra labial constituía um apelo tão incontornável à continuidade da cooperação militar entre os dois países. Comovido, balbuciando agradecimentos emocionados, aceitou o convite para ir a Washington.

Agora foi Massimo D’Alema que se tornou um rotweiler de Bush "A ideia de exportar a democracia é um grande objectivo, um eixo fundamental para uma nova segurança internacional", afirmou no fórum da Fundação da Esquerda Reformista. E um dos chefes políticos italianos que mais tem combatido a política pró-americana de Berlusconi, e o envolvimento italiano no Iraque, foi mais longe: "Mas, para exportar a democracia com sucesso, não se pode excluir a priori o uso da força". Berlusconi apenas havia enviado tropas para manutenção de paz ... mas esse pacifismo estéril está ultrapassado. Se for preciso guerra para lhes ensinarmos a democracia, Massimo D’Alema estará na primeira linha. Massimo D’Alema está imparável ... Berlusconi que se cuide, pois pode passar a um aliado de segunda ordem.

Massimo D’Alema, num ápice, foi de neocomunista a neoconservador, de neocom a neocon. Foi traído pela homofonia.

Publicado por Joana às 11:09 PM | Comentários (40) | TrackBack

maio 03, 2005

Estado e Desenvolvimento (2)

Keep it simple, stupid

Os números que indiquei no post de ontem têm poder explicativo e mostram que o peso do Estado num dado momento, medido em percentagem do PIB, influencia negativamente o crescimento subsequente. Mostram igualmente que quanto maior é o ritmo do crescimento do peso do Estado, maior é a desaceleração do crescimento económico. Ou seja, o crescimento económico é entravado pelo peso do Estado e pela rapidez com que esse peso aumenta. E estes resultados são confirmados por um outro resultado que mostra que o investimento reage negativamente ao peso do Estado. E estas conclusões apoiam-se mutuamente – se o investimento reage negativamente, afecta obviamente o crescimento económico.

É óbvio que as equações de regressão estimadas só são válidas dentro de certos limites. Se não houvesse quaisquer despesas do Estado (G=0) o crescimento não seria 7,72% ao ano, nem o investimento 28,4% do PIB. Provavelmente não haveria investimento e o país estaria num caos. O Estado tem que existir para assegurar a protecção dos cidadãos e dos seus bens, a aplicação da justiça, a soberania nacional e evitar que no processo de funcionamento da economia surjam situações de violação das regras da concorrência, suprimindo as barreiras que limitam a liberdade económica, nomeadamente aquelas que resultam das tentativas de agentes económicos de criarem cartéis, barreiras à entrada num dado mercado, etc.

Por outro lado, o Estado deve fornecer serviços que “organizem” as desigualdades sociais e económicas de forma a trazer aos mais desfavorecidos melhores perspectivas e a serem compatíveis com o objectivo permanente da igualdade das oportunidades. Ou seja, equidade na política de educação, segurança social, saúde, infra-estruturas públicas, etc.. Todavia aqui o Estado tem que evitar a tentação do igualitarismo, que conduziu, pouco a pouco, aos modelos sociais absurdos e em vias de falência. Não é a igualdade que é importante, mas sim a equidade. Este princípio é compatível com um aumento da desigualdade. Pouco importa que o rico se torne muito mais rico se o pobre se tornar menos pobre. Portanto o Estado deve definir com rigor o seu “core business” e não se dimensionar para além do aceitável.

O Estado deve ater-se ao princípio KISS: keep it simple, stupid.

O estudo apresentado ontem refere-se a países com alguma identidade: democracias estáveis onde existe o primado do direito e com níveis de desenvolvimento e organização social sem diferenças abissais entre eles. Por isso, a introdução de variáveis adicionais, tais como a variação do número de anos de escolaridade e da taxa de inflação revelaram-se, segundo os autores, sem poder explicativo.

Nesse sentido o estudo em causa alargou o leque de países para 60, incluindo os da OCDE. Não foram indicados os países em causa, mas presume-se que foram aqueles para os quais era possível obter dados fiáveis. Foram excluídos os países da antiga URSS e da Europa de Leste, bem como a China. Mesmo assim, o período de análise cingiu-se a 1980-1996, por dificuldade em obter dados anteriores.

Foram introduzidas mais algumas variáveis independentes interessantes:

1) dados sobre a segurança da propriedade e do primado da lei: riscos de expropriações; riscos de violação contratual, etc. Os dados foram obtidos a partir de uma empresa internacional de análise de risco. Como é usual em estatística não paramétrica, aquelas indicações foram quantificadas com scores de 1 a 10. Designei por Π essa variável. Simultaneamente introduziram outra variável, relativa à variação daqueles scores ao longo do período em análise – ΔΠ.

2) Foi introduzida uma variável para avaliar os efeitos da inflação sobre o crescimento. Os autores escolheram o desvio-padrão da taxa inflação de inflação, o que me parece razoável, porquanto o mais importante, para um agente económico, é a incerteza associada a este fenómeno. Designei-a por σi.

3) Foi introduzida ainda uma outra variável representativa da escolaridade média dos indivíduos de idade superior a 25 anos (E). Embora o número de anos de escolaridade não seja suficiente, pois não entra em conta com a qualidade do ensino, acaba por ser uma boa variável proxy. Em princípio os países com mais anos de escolaridade terão um ensino de melhor qualidade (ou pelo menos não inferior).

4) A variável ΔG foi subdividida em 3 variáveis – ΔG1 (variação de G entre 1980 e 1985); ΔG2 (variação de G entre 1985 e 1990); ΔG3 (variação de G entre 1990 e 1995).

Foram estimadas 4 equações de regressão múltipla

(1) ΔY = – 8,27 – 0,62xG – 1,15x ΔG1 – 1,15x ΔG2 – 0,68x ΔG3 + 1,37xΠ + 1,46x ΔΠ – 0,82x σi
R2= 0,48

(2) ΔY = – 8,72 – 0,49xG – 1,17x ΔG1 – 0,97x ΔG2 – 0,60x ΔG3 + 1,30xΠ + 1,36x ΔΠ – 0,57x σi + 0,61xE
R2= 0,54

(3) ΔY = – 8,81 – 0,42xG – 1,01x ΔG1 – 0,83x ΔG2 – 0,31x ΔG3 + 1,13xΠ + 1,25x ΔΠ – 0,68x σi + 0,085xI
R2= 0,49

(4) ΔY = – 8,98 – 0,40xG – 1,09x ΔG1 – 0,81x ΔG2 – 0,40x ΔG3 + 1,17xΠ + 1,25x ΔΠ – 0,52x σi + 0,55xE + 0,048xI
R2= 0,54
DG_Table5.jpg
Estes resultados confirmam tudo aquilo que tenho escrito, em quase dois anos, neste blog.

Em primeiro lugar os estimadores com maior significado estatístico são os que se referem ao risco que pende sobre a propriedade e sobre o cumprimento dos contratos. Quanto menor é o risco, maior é o crescimento. Já sublinhei aqui diversas vezes a importância do bom funcionamento da justiça no desenvolvimento da nossa economia. Um país de caloteiros insolventes não é atractivo para um investidor.

Em segundo lugar o peso do Estado (G) e as variações desse peso têm um efeito fortemente negativo sobre o crescimento e os estimadores dos respectivos coeficientes têm um elevado nível de significado, excepto os relativos a ΔG3, o que é compreensível, visto que os seus efeitos ainda não se fizeram sentir completamente. É evidente que deve haver alguma multi-colinearidade entre estas 4 variáveis e a repartição do peso da influência de cada uma no crescimento económico, indicada nas equações, pode estar enviesada por esse fenómeno. Mas isso não invalida a acção conjunta destas variáveis – o nível da despesa pública tem uma influência preponderante no crescimento e age negativamente, entravando-o. Este é um resultado incontornável.

A variação dos anos de escolaridade age positivamente e tem algum significado estatístico. Enquanto isso, e como seria expectável, o risco de variações da taxa de inflação age negativamente no crescimento, embora o significado estatístico do estimador seja baixo.

Uma última palavra sobre o Investimento. Tem um efeito positivo, mas um significado estatístico baixo. Eu atribuo isso ao efeito da multi-colinearidade, visto haver uma forte correlação (negativa) entre o investimento e as variáveis relativas à despesa pública. O que é importante é haver uma sólida relação entre crescimento e despesa pública (negativa) e entre crescimento e investimento (positiva). É menos importante saber como essa relação se “reparte” em termos dos estimadores dos respectivos coeficientes.

Resta a questão da optimização do peso do Estado. Os autores concluem que um valor de 15% é a dimensão óptima. Todavia não entram em conta com as pensões de reforma e o serviço de saúde. É certo que estes dois serviços podem ser prestados por entidades externas, todavia o princípio da equidade que eu referi acima obriga a que o Estado tenha uma intervenção importante nessas áreas, mesmo que apenas complementar. Em Portugal, em 2004, aquelas despesas representavam cerca de 24% do PIB, embora haja, como se sabe, uma enorme ineficiência do Estado. Admitindo um valor de 20%, ter-se-ia um peso do Estado no PIB de cerca de 35%. Com este peso, e admitindo a validade das equações deduzidas no post anterior, Portugal poderia ter um crescimento da ordem dos 3,7% a 4%, mantendo o âmbito das prestações sociais.

Outras acções teriam de ser tomadas porque, como se viu, a despesa pública apenas explica 42% do crescimento, nomeadamente pôr a justiça a funcionar devidamente e aumentar drasticamente a escolaridade média.

Resumindo: Basta reformar a administração pública, reduzindo-a e melhorando o seu funcionamento, e privatizar alguns serviços e empresas ainda desnecessariamente a cargo do Estado.

Publicado por Joana às 10:51 PM | Comentários (24) | TrackBack

maio 02, 2005

Estado e Desenvolvimento

Uma mentira repetida torna-se verdade, pensavam os chefes nazis. É um facto. Todavia torna-se verdade para um número cada vez mais reduzido de pessoas. Os comícios dos primeiros de Maio, onde os líderes sindicais repetem os mesmos chavões, receitas que levaram à bancarrota onde foram aplicadas, presenciados por cada vez menos assistentes cada vez menos entusiasmados, são prova inequívoca disso. Hoje vou dissecar a teoria de João Proença de que "a obsessão pelo défice do Orçamento de Estado" estava a arrastar o País "para um ciclo vicioso de crise económica e de desemprego", que ele havia enunciado há mais de um ano e que dava como provada pelo aumento do desemprego entretanto ocorrido. Esta relação causa-efeito faz lembrar o episódio do cientista e da rã.

Na realidade o problema põe-se inversamente. Foi a política de aumento continuado da despesa pública conduzida pelos governos anteriores, com especial ênfase nos governos de Guterres, que criou as condições "para um ciclo vicioso de crise económica e de desemprego". A “obsessão pelo défice do Orçamento de Estado" apenas tentou, embora convenhamos que de uma forma inábil, inverter aquele processo.

Três economistas reputados apresentaram, há cinco anos, um estudo (Nota 1) analisando o crescimento de 23 países da OCDE durante 37 anos, entre 1960 e 1996, ou seja 23x37=851 observações, estabelecendo uma regressão entre aquele valor, tomado como variável dependente, e o peso do Estado, expresso pela percentagem da despesa pública relativamente ao PIB(Nota 2).
DG_Table1.jpg

Nos quadros seguintes estão os resultados obtidos. O histograma do primeiro quadro é significativo. Quanto maior o peso da despesa pública num dado Estado, no início de uma dada década, menor o crescimento económico desse Estado, nessa década.

No segundo quadro apresenta-se a nuvem de pontos e a recta de regressão. A função estimada é:

(1) ΔY = 7,14 – 0,10xG

O R-quadrado igual a 0,42, indica que 42% do crescimento é explicado por aquela variável. A estatística t = 8,1 indica um elevado nível de significância do estimador do coeficiente de G (a variável é significativamente diferente de zero com probabilidade superior a 99%). Ou seja, podemos concluir com uma elevada segurança estatística que quando a despesa pública tem um aumento de 10% em termos do PIB, o crescimento económico diminui em 1%. E isto é um resultado que tem em conta o comportamento de 23 países ao longo de 37 anos. Não se refere apenas a um país ao longo de 37 anos, nem a 23 países num dado ano.
DG_Table2.jpg
E chamo a atenção para o facto de que quanto mais elevado é o peso do Estado, menor é a dispersão das observações face à recta de regressão. Basta olhar para o segundo quadro que se identifica essa situação. O aumento do peso do Estado torna-o uma causa cada vez mais significativa da diminuição do crescimento económico.

Outra adenda significativa. Como o estudo se refere a dados até 1996, estão excluídos os recentes desenvolvimentos provocados pela globalização e pela crise dos Estados sociais. Além disso, parte dos dados refere-se às 3 gloriosas décadas em que aqueles países tiveram elevados crescimentos e dominavam económica e comercialmente o mundo. Ou seja, se o estudo tivesse incluído as observações até 2004, provavelmente o estimador do coeficiente da variável G seria maior em valor absoluto. Por outro lado, ninguém pode argumentar contra a validade do estudo baseando-se no “ruído” destes últimos anos.

Aqueles autores adicionaram, em seguida, mais duas variáveis independentes – a variação percentual da despesa pública ocorrida em cada década (ΔG) e o investimento em percentagem do PIB (I). Os resultados estão no quadro seguinte (Table 4)

As equações são:

(2) ΔY = 7,724 – 0,11xG – 0,046x ΔG

(3) ΔY = 5,365 – 0,099xG – 0,055x ΔG + 0,087xI
DG_Table4.jpg
Houve uma ligeira melhoria do poder explicativo (notar que o R-quadrado foi ajustado ao aumento do número de variáveis) e os estimadores têm um nível de significado elevado, embora seja de admitir uma provável existência de multi-colinearidade (as variáveis independentes não são independentes entre si e pode haver erros na “repartição” dos coeficientes entre si) e auto-correlação (há séries temporais o que pode provocar correlação entre grupos de séries de observações ordenadas no tempo). Todavia estes efeitos não alterariam os resultados globais, quanto muito influenciariam ligeiramente os coeficientes dos estimadores e o seu peso relativo.

A equação (2) mostra que o crescimento não diminui apenas com o peso da despesa pública, mas também com a rapidez do crescimento dessa despesa. Esse fenómeno explica o agravamento da crise económica a seguir ao descontrolo da despesa pública guterrista. Não aconteceu por acaso, ou apenas pela conjuntura internacional. É um efeito normal de um erro financeiro e económico. A conjuntura internacional apenas agravou esse efeito.

Quanto ao investimento, equação (3), favorece o crescimento económico, como seria evidente. Todavia, tem um poder explicativo estatisticamente menor que o peso da despesa pública, e isto é importante, para compreender a análise subsequente.

Uma quarta regressão foi efectuada tomando I como variável dependente e G como variável independente. O resultado, que está na mesma tabela, conduziu à seguinte equação de regressão:

(4) I = 28,4 – 0,159xG

O R-quadrado igual a 0,22, indica que 22% do investimento é explicado por aquela variável. A estatística t tem um valor elevado (p>99%). Portanto quando a despesa pública tem um aumento de 10% em termos do PIB, o investimento diminui em 1,59%. O aumento da despesa pública desincentiva o investimento.

Se os líderes sindicais não vivessem no Parque Jurássico, deveriam debruçar-se sobre estes resultados. O aumento do peso do Estado desincentiva o investimento e sem investimento não há criação (ou mesmo manutenção) de empregos. E, por via disso, mas não só, o aumento do peso do Estado é um entrave ao crescimento económico e, obviamente, ao nível de emprego. Os líderes sindicais fazem reivindicações que contrariam os objectivos com que acenam aos trabalhadores.

Mas não são apenas os líderes sindicais a viverem no Parque Jurássico. Jorge Sampaio afirmou ontem na Figueira da Foz que «Não fazer as coisas porque não há dinheiro é atitude de país rico e nós não somos um país rico». Na sua linguagem de Pitonisa de Delfos, Sampaio disse uma verdade sem intenção: meter-se a fazer coisas sem dinheiro e sem avaliar o rácio benefício-custo desse empreendimento é uma aventura típica de um país subdesenvolvido que não percebe como há-de sair dessa situação de baixo desenvolvimento. Sampaio continua sem estar consciente da importância da diminuição do peso do Estado no desenvolvimento do país.


(1) The scope of government and the wealth of nations - James Gwartney, Randall Holcombe, and Robert Lawson, Cato Journal, Vol. 18, No. 2 (Fall 1998)

(2) No que respeita a este indicador transcrevo esta nota dos autores: «Throughout this paper, total government expenditures as a share of GDP are used to measure the size of government. Total government expenditures include spending on government consumption, transfers and subsidies, net interest on outstanding debt, and capital goods. Previous cross-country studies have generally used government consumption (or central government expenditures) as a share of GDP to measure the size of government. While those figures are easier to obtain and available for more countries, they are often highly misleading. The government consumption figures substantially understate the size of government for countries with either (a) large transfer and subsidy sectors or (b) a high level of government investment. Similarly, the central government figures will understate the size of government for countries (for example, United States and Switzerland) where substantial expenditures are undertaken at lower levels of government. Thus, the total government expenditure figure is both a more accurate and more comprehensive indicator of government size».

Publicado por Joana às 10:32 PM | Comentários (48) | TrackBack

maio 01, 2005

Alguém me explica?

O Governo anunciou hoje a criação de centros de emprego móveis até ao final de Maio, após o Conselho de Ministros “descentralizado” em Amares. O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, descreveu estes centros de emprego móveis como "núcleos de intervenção rápida e personalizada”.

Alguém me explica? Trata-se de uma força de elite de intervenção rápida? Uma vítima fica no desemprego, faz uma chamada para o número de emergência e aparecem, rápidos como um relâmpago, ninjas especializados em luta anti-desemprego? Sócrates não andará a ver doses excessivas do Lusomundo ACTION?

Publicado por Joana às 07:46 PM | Comentários (28) | TrackBack

País Paralelo

A questão da identificação fiscal dos imóveis que o Ministério das Finanças tem tentado regularizar há mais de um ano, que tem sido objecto de diversas prorrogações e à qual foi dada uma terceira prorrogação, cujo prazo termina agora no fim de 2005, seria surrealista num país civilizado. Num total de 6.166.008 prédios, 3.716.350 prédios continuam sem identificação fiscal. Após um ano, duas prorrogações e diversas ameaças, os prédios devidamente identificados ainda não atingem os 40%.

Portugal tem cerca de 9 milhões de hectares. Faltam identificar 3.113.535 rústicos e 602.815 urbanos, ou seja, os prédios rústicos por identificar devem ter, na sua quase totalidade, uma área bastante inferior a 1 hectare. A maioria desses prédios rústicos deve ter um valor venal inferior aos custos da sua regularização. O preferível para muitos desses proprietários é o deixar andar e utilizarem a sua terra, escudados do direito consuetudinário e no reconhecimento dos vizinhos, como as pequenas hortas nas zonas de protecção das auto-estradas.

Sim, porque a causa primeira desta situação não é a baixa ou nula alfabetização do meio rural português. A causa primeira é a burocracia pesada e estúpida. É extremamente complicado actualizar o registo de um prédio. Têm que ser feitas actualizações nas respectivas Conservatórias do Registo Predial e Repartições de Finanças e uma total compatibilização entre áreas e confrontações nos registos existentes. Se os últimos registos, frequentemente feitos há muitas décadas, ou mesmo centenários, não coincidirem exactamente nas áreas, o processo de regularização é infernal.

Nesta matéria, o que há de pior, de mais obsoleto, de mais estupidamente burocrático, são as Conservatórias Prediais. E tudo o que meta Conservatórias Prediais é moroso, obriga a inúmeras diligências, a permanecer em filas de espera intermináveis, muitas e repetidas vezes, e é caro. Encareceu substancialmente nos últimos anos, justamente antes de ser lançada a campanha de regularização dos registos. É a vertigem da burocracia exploradora – deveria ter previamente simplificado os procedimentos em vez de os encarecer.

Quando se falou na regularização dos registos, apercebi-me que se iria traduzir no mais completo caos. Nem o governo nem a Administração Fiscal fazem ideia do país que têm. E deveriam fazer, se a informação circulasse na máquina estatal. Estive algumas vezes numa repartição de finanças de uma cidade de província e sempre achei curioso que, em média, em cada 20 pessoas, 19 estivessem no balcão da Autárquica/Sisa. É uma cidade de vinte mil habitantes, capital de distrito e com bastante comércio e indústria. Todavia a maioria dos utentes estava na zona “predial”. Actividades que representam menos de 20% da actividade económica, ocupavam mais de 90% do atendimento.

Voltei lá há dois meses. Felizmente apenas precisava de ir à Tesouraria, pois na Repartição não cabia mais uma agulha. Estavam munidos de senhas de atendimento e presumi que estivessem todos a tentarem, desesperadamente, resolver o(s) problema(s) de registo de imóveis.

Para além da complexidade desnecessária destes procedimentos e os custos das certidões, apresentações, registos, etc., ainda haverá, em muitos casos, escrituras de habilitações de herdeiros a fazer, impostos sucessórios a liquidar, etc., etc.. Muitos imóveis foram transmitidos por herança sem que as respectivas escrituras de partilhas fossem realizadas, registadas e liquidados os respectivos impostos. Ou constituem ainda heranças indivisas. Em muitos casos poderá ter havido mais que uma transmissão sem registo e os primitivos herdeiros já nem existirem.

Vai ser muito difícil introduzir ordem neste caos alimentado ao longo de séculos pela burocracia estatal e facilitado pela ignorância das gentes e pela sua aversão e receio da rapacidade da máquina estatal. Não vai ser apenas difícil ... vai produzir muitas injustiças e deixar muitos ressentimentos.

Após um ano, duas prorrogações e diversas ameaças, os prédios devidamente identificados ainda não atingem os 40%. Esta situação devia-nos fazer meditar sobre a situação da esclerosada máquina do Estado. E no país paralelo que se criou como defesa contra essa máquina esclerosada e odiosa. Não é uma doença recente, ela arrasta-se há séculos e continuamos a não encontrar remédio para ela.

E se no fim deste ano continuar a haver milhões de prédios por actualizar? Que fará o governo? O Estado constituir-se-á em herdeiro, ele próprio? Permitirá aos actuais “proprietários” inscreverem os imóveis utilizando a figura do “usucapião”, simplificando todos os procedimentos? E como assegurar a regularidade e a justiça destes actos?

Publicado por Joana às 07:33 PM | Comentários (13) | TrackBack