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junho 01, 2005

Os Familiares do Santo Fisco

Sócrates anunciou na AR, no passado dia 25 de Maio, a intenção do Governo de legislar no sentido de tornar públicas as declarações de rendimentos dos contribuintes. Em recente entrevista, o ministro Campos e Cunha reiterou essa intenção, mas tentou suavizá-la no que toca à quantidade de informação a disponibilizar para o público. A ideia é possibilitar que cada português se possa tornar um informador fiscal. A ideia é regressar à época (1540-1761) que criou os portugueses que hoje temos: invejosos, mesquinhos e maldizentes. A ideia é promover os invejosos a Familiares do Santo OfícioFisco.

A Inquisição não fez muitas vítimas em Portugal. Os que foram relaxados em autos-da-fé entre 1540 e 1761 seriam menos de 1.200 (Inquisições de Lisboa, Coimbra, Évora e Goa). Muito menos que as vítimas das revoluções inglesas do século XVII que liquidaram o absolutismo e o equivalente a um mês do Terror Robespierrano, quando os jacobinos tentavam impor a Liberdade, Igualdade e Fraternidade a golpes indiscriminados de cutelo da guilhotina. Cerca de 30 mil pessoas passaram pelos cárceres do Santo Ofício e, penitenciados, viram os seus bens confiscados, sendo muitos condenados à prisão perpétua ou ao degredo. Mas mesmo este número é uma ridicularia, quando comparado com as carnificinas ocorridas durante o Terror, ou durante a época de Cromwell.

O efeito mais grave da actuação do Santo Ofício foi tornar Portugal um país de delatores e invejosos. E foi esse efeito a causa da nossa decadência que ainda não conseguimos erradicar. A Inquisição não abrangia apenas o judaísmo. Tinha igualmente como objecto o protestantismo, outras doutrinas heréticas (como o materialismo averroísta), feitiçaria, astrologia, leitura de livros proibidos, bigamia, sodomia, etc.. Este âmbito possibilitava um campo de delação inesgotável.

As vítimas não eram a arraia-miúda. Eram a burguesia comercial e artesanal – Mercadores, sapateiros, alfaiates, ferreiros, curtidores, ourives, armeiros, encadernadores, douradores, etc.. Eram os que tinham êxito nos negócios, eram os que despertavam inveja. Os delatores recrutavam-se entre a arraia-miúda e informavam a rede de familiares existente em todo o Reino. Muitas das denúncias ficavam apenas em arquivo e não tinham andamento, mas outras colhiam, nomeadamente quando já havia denúncias anteriores, ou a vítima era apetecível pelos valores confiscáveis.

O que a Inquisição conseguiu foi a destruição do nosso tecido empresarial, a emigração da gente mais empreendedora para fora do país e promover a inveja e a mesquinhez, a virtudes nacionais. Os portugueses de então, ao tentarem satisfazer a sua inveja e mesquinhez promoveram de uma maneira mais eficaz a pauperização da sociedade, do que se realmente o pretendessem fazer. É a Mão Invisível de Adam Smith substituindo a satisfação do seu próprio interesse pela satisfação da sua inveja e mesquinhez. É substituir os neo-liberais por neo-absolutistas. Provavelmente não estaria nas suas intenções, mesmo nas dos mais invejosos obter a estagnação social e económica e o progressivo nivelamento pela miséria geral, mas conseguiram-no. É nisso que poderemos a transformar a sociedade portuguesa. Aliás, ela própria tem caminhado nessa direcção, mesmo sem esta prestimosa ajuda governativa.

A missão da Inquisição portuguesa não era destruir os heréticos, mas fabricá-los. Um simples decreto pombalino eliminou toda a estrutura repressiva do Santo Ofício e a convicção, então generalizada, de que Portugal estava minado de heréticos, cristãos-novos e judeus. Tudo se esfumou no ar, como por encanto.

Os adoradores do Moloch têm posto a correr que o país é um paraíso para a evasão fiscal. Estimativas internacionais indicam que, estando embora acima da média europeia, não estamos todavia piores que alguns países da UE em matéria de evasão fiscal e de economia paralela. O que é um resultado excelente, atendendo à completa ineficiência da máquina do Estado. Se a educação, a justiça e a Saúde funcionam pessimamente e são as piores da UE, só por manifesta falta de equidade para com o cidadão a máquina fiscal funcionaria melhor.

Mas os adoradores do Moloch precisam dessas justificações. A alternativa era pôr em dúvida a dimensão descomunal do Monstro e exigir o seu emagrecimento. E eles vivem dessa gordura excessiva que todos nós alimentamos.

Portanto corremos o risco de se repetir, noutro cenário, aquele espectáculo repugnante que durou 220 anos. E a nova missão do Santo OfícioFisco não será destruir os relapsos fiscais, mas fabricá-los. Como outrora.

Publicado por Joana às junho 1, 2005 10:20 PM

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Comentários

Notável! Na mouche.

Publicado por: soromenho às junho 1, 2005 10:43 PM

O Estado, o Governo e particularmente o Senhor Ministro das Finanças, precisam de rapar o tacho.

Esta medida é justa e servirá de aviso aos relapsos.
Eu, particularmente, já tenho uma lista de cerca de cento e tal declarações que quero ver, rever e fotocopiar.

Espero que se acautelem para não lhes acontecer o que aconteceu ao cónego Baltasar Estaço que preso em 28 de Julho de 1614 foi interrogado em 1 de Agosto e perguntado sobre a fazenda que tem, de raiz e móveis, declarou o seguinte:

De raiz tinha uma morada de casas, em Évora, na rua da Mouraria, que sua irmã Luiza Estacia, freira de santa Mónica lhe arrendava, não sabe ao certo por quanto

Quanto a móveis declarou:
Uma armação de guadamexins de ouro e verde, cinco com duas gauarda-portas e não dá fé ao presente de quantas peles são novas
Outra armação de panos de Raz, de figuras, também cinco com duas guarda-portas já usadas de figuras
Sete ou oito painéis de santos
Um escritório de nogueira usado
Sete cadeiras de espaldas e duas rasas
Três arcas encouradas
Quatro ou cinco arcas de pau
Dois bufetes e duas mesas
Uma harpa e um manicórdio
Uns caixões e umas estantes de livros
Dois pavilhões, um de linho e outro de raxeta verde e os capelos do mesmo
Dois catres, um da Índia outro da terra, sete ou oito colchões
Uma colcha que trouxe e um cobertor azul e outro de papa
Outro cobertor de cochonilha com barras de veludo vermelho
Lençóis, guardanapos, toalhas de mesa e toalhas de mão travesseiros e almofadas, não sabe ao certo quantos tem
Três ou quatro sobrepelizes
….
Uma dúzia de porcelanas da Índia e de Lisboa
Além de oito mil reais em dinheiro, declarou várias quantias que lhe eram devidas, para garantia das quais tinha como penhor objectos de ouro e prata.

Referiu-se também a uma viola metida na sua caixa encourada de cinco cordas de pau de freixo da Alemanha lavrada com laçarias de marfim e pau preto; pertencia a Belchior Dias de Castela.

Ora veja-se só a linda matéria colectável que a Santa Inquisição aqui descobriu.

(Do Volume I de Episódios dramáticos da Inquisição Portuguesa Colecção Seara Nova )
(Autor António Baião)

Publicado por: carlos alberto às junho 1, 2005 11:47 PM

Joana: Essa sua observação é mui´to lúcida. O pior vai ser o aumento da inveja e da mesquinhez que fez do nosso país o mais atrasado da UE e nos levou para um buraco que o Campos e Cunha já disse que nem daqui a 4 anos saímos dele.

Publicado por: v Forte às junho 2, 2005 01:46 AM

Sem dúvida. É o despertar da mentalidade 'já que não ganho tanto como o meu vizinho, então que ele ganhe tamto como eu' que abunda hoje na esquerda santimoniosa do Bloco, como outrora na direita santimoniosa do salazarismo.

Pode-se depois avançar para o condicionamento industrial, disfarçado de defesa do ambiente e de manutenção/criação de postos de trabalho (use-se a desculpa que der mais jeito: a primeira para negar, a segunda para autorizar) tão do agrado dos mesmos ideólogos bolorentos.

De facto, o salazarismo não morreu, está bem vivo e viceja na esquerda 'moderna' de Francisco Louçã e Fernando Rosas. Outra retórica (?) mas os mesmos objectivos de sempre.

Publicado por: Pedro Oliveira às junho 2, 2005 09:44 AM

A Joana aqui erra grosseiramente ao não perceber um ponto: é que, enquanto que a inquisição se focava sobre delitos de pensamento e delitos dificilmente prováveis, a delação fiscal foca sobre um delito incontestável, numérico, matematicamente demonstrável, e por isso também refutável.

Se alguém me acusar de ser judeu, é a palavra dessa pessoa contra a minha. Só sob tortura me podem obrigar a "confessar". Se alguém me acusar de fugir ao fisco, eu posso provar por A+B que não fujo. Tem que ser o acusador, ou os serviços fiscais, a provarem que eu efetivamente fugi.

Não faz mal nenhum que a sociedade esteja cheia de invejosos e delatores, se todas as denúncias feitas forem falsas. Quem não deve, nada tem a temer.

Publicado por: Luís Lavoura às junho 2, 2005 10:16 AM

No fisco muitas das coisas não são "matemáticas". Há critérios discutíveis. Porque é que julga que os tribunais estão cheios de processos?
A nossa legislação fiscal é uma amontoado cada vez mais complexo, que muda todos os anos, e que se destina a apanhar os distraídos.
Mesmo num IRS simples, pode haver interpretações contraditórias sobre algumas deduções. Um inspector rigoroso, com os critérios mais restritivos, poderia concluir que 99% dos contribuintes aldrabam o fisco.

Publicado por: Joana às junho 2, 2005 10:28 AM

E a questão central do meu post não é saber se A ou B enganou ou não o fisco. É o acentuar o espírito de inveja e mesquinhez dos portugueses que é um dos piores defeitos do "rectângulo".
É essa a minha questão central. Em vez de tentarmos ser nós próprios e tentarmos obter o melhor para nós, dedicamo-nos a invejar o vizinho e ao bota-abaixo. E isto envenena a nossa sociedade e dificulta o seu desenvolvimento.

Publicado por: Joana às junho 2, 2005 10:33 AM

A Inquisição não focava delitos do pensamento. A Inquisição analisava delações em que o delator via alguém a abster-se de comer carne de porco, praticar ritos então proibidos, ser bigamo, etc.. Debruçava-se sobre matéria de facto, mesmo que essa matéria fosse, total ou parcialmente, inventada pelo delator. E normalmente não agia à primeira delação, que ficava apenas em arquivo.

Publicado por: Joana às junho 2, 2005 10:38 AM

Ó senhores, então acham que a Santa Inquisição ao "ajudar" a preencher a declaração de IRS ao cónego, estava preocupada com delitos de opinião.

Publicado por: carlos alberto às junho 2, 2005 10:59 AM

Hoje estou 100% de acordo com a Joana. O virus da inveja cega, da frustração é realmente endémico na sociedade portuguesa. As disposições governamentais serão um autêntico caldo de cultura para que aconteça um outburst. Eu estou vacinado mas parece que um ou outro comentador deste espaço apresenta sintomas preocupantes. Aconselho uma vacinação, pelo sim pelo não.

Publicado por: JMTeles da Silva às junho 2, 2005 11:02 AM

A minha Avó foi professora primária na Marteleira e o meu Pai conta-me que na sala de aula lá estavam as gravuras da Santa Inquisição com as belas fogueiras onde ardiam os "pecadores".

Eu ainda levei umas belas palmatoadas com a "menina dos cinco olhos".

E com estes traumas ainda querem que o povoléu seja "europeu"....

Publicado por: carlos alberto às junho 2, 2005 11:02 AM

Também estou de acordo: Mais grave saber que o sr. A deduziu um colchão Colunex que não devia, é criar este caldo de cultura para nos tornarmos ainda mais invejosos e mesquinhos.
E gente invejosa e mesquinha não progride.

Publicado por: David às junho 2, 2005 11:07 AM

Concordo, no entanto, que a transparência fiscal, provavelmente, terá muito menos eficácia no combate à fuga ao fisco do que a transparência bancária. Ou seja, parece-me que o fim do sigilo bancário é muito mais eficiente do que o fim do sigilo fiscal.

Embora seja verdade que o povo português é um povo de invejosos, convem notar que muita da inveja é justificada, porque os seus objetos enriqueceram não apenas por mérito próprio, mas também por falcatruas diversas. Ou seja, há imensas pessoas em Portugal que, sem se lhes poder criticar o trabalho esforçado, subiram na vida em boa parte por esquemas menos abonatórios.

Uma vez falei com uma mulher que estava desempregada e me disse que os dois filhos estavam numa IPSS. Eu tenho um filho numa IPSS, pago 200 euros por mês, e perguntei-lhe, então, se ter os dois filhos numa IPSS não constituía um "rombo" grande no orçamento familiar. Ela respondeu-me, candidamente, que o marido ganhava grande parte do seu salário em comissões e que portanto o seu vencimento efetivo, declarado no IRS, era muito inferior ao real, pelo que cada um dos filhos pagava uma ninharia na IPSS uma vez que, a avaliar pela declaração de rendimentos, se tratava de uma família pobre.

Como se deve calcular, eu fiquei um bocado... verde.

Publicado por: Luís Lavoura às junho 2, 2005 11:22 AM

Eu trabalho na universidade, que é um ambiente extremamente cheio de invejas mesquinhas. Ora, é verdade que algumas das pessoas invejadas são de facto cientistas de grande mérito e saber e esforço. Mas não é menos verdade que grande parte desses cientistas de grande mérito, saber e esforço fizeram também já, e fazem repetidamente, variadas filha-de-putices para subir na vida e suprimir a concorrência dos outros. Ou seja, subiram e sobem na vida não apenas (e em alguns casos não de todo) devido ao seu saber e trabalho, mas também devido às sacanices que fazem aos outros. Isto é uma verdade quase geral. A inveja é em parte injustificada, na medida em que os seus objetos são de facto pessoas de mérito, mas é também em parte justificada, na medida em que essas pessoas de mérito exibem, na forma como atuam, uma moralidade mais que duvidosa.

Um caso clássico foi o do projeto COMBO, aqui há uns anos. Um cientista português (A), chefe de um grande grupo, aliou-se a um consórcio científico estrangeiro para fazer uma experiência científica em Portugal. Um outro cientista português (B) denunciou a experiência como perigosa em termos ambientais. Surgiu no PÚBLICO um editorial de José Manuel Fernandes (ele próprio um caso de pessoa que cabe bem na descrição que eu fiz acima) atacando a inveja e a mesquinhez de B. José Manuel Fernandes teria alguma razão, mas deveria ter acrescentado que A é um bom fdp, que já tinha sacaneado B, nomeadamente trabalhando para que o seu doutoramento no estrangeiro não fosse reconhecido em Portugal. Ou seja, B poderia estar a ser mesquinho, mas estava apenas a fazer pagar a A as sacanices que ele, no passado lhe tinha feito a ele pessoalmente, e a muitos outros.

Publicado por: Luís Lavoura às junho 2, 2005 11:35 AM

Ai não, que não progride!... Olhe só para os políticos profissionais!

Publicado por: Senaqueribe às junho 2, 2005 11:43 AM

Este post está cheio de razão. Esta ideia do governo é o apelo ao país cavernícola. É o apelo à denúncia, à inveja, ao voyeurismo.

Publicado por: Rui Sá às junho 2, 2005 12:38 PM

É que a maioria das pessoas não irá delatar nada, porque nem haverá nada a delatar. Irá para o café dizer piadas sobre as declarações dos outros: amigos, conhecidos, figuras públicas, etc.
Vai ser mais um desporto nacional, estéril e mesquinho.

Publicado por: Rui Sá às junho 2, 2005 12:41 PM

Alguns blogues da praça vão delirar com esta oportunidade... A coscuvilhice foi promovida a desporto nacional. Pelo menos existe o aspecto positivo de contribuir para que os coscuvilheiros arranjem acessos à Internet.

Publicado por: Pedro Oliveira às junho 2, 2005 01:06 PM

Luís Lavoura às junho 2, 2005 11:35 AM: Fui assistente universitária durante 3 anos, logo a seguir a me formar. Os 2 últimos já estava também a trabalhar para o privado, a recigo verde.
Às vezes ia aos gabinetes dos meus colegas. Era a mediocridade mas absoluta. Passavam a vida a dizer mal uns dos outros e a olhar vagamente para livros e revistas para prepararem as aulas. Era deprimente. A certa altura ia só dar as minhas aulas e desaparecia de lá, excepto para as reuniões semanais da equipa que leccionava a cadeira.
Ainda dei, a seguir, um semestre num curso de mestrado e depois demiti-me porque não era possível compatibilizar as duas carreiras e escolhi a que era, de longe, mais gratificante, quer a nível de realização pessoal, quer a nível remuneratório.

Publicado por: Joana às junho 2, 2005 01:06 PM

E diziam também muito mal do "patrão" que ainda por cima lhes concedia dispensas do serviço docente pelas razões mais inverosímeis e lhes continuava a pagar.

Publicado por: Joana às junho 2, 2005 01:08 PM

Acabem com o sigilo bancário e tudo o que é transação particular será feito al contado e o arame guardado debaixo do colchão com já se faz em Espanha. Cambada de idiotas que julgam que endireitam o mundo assim. Só criam mal estar e vontade de fugir às regras ao mais honesto.

Publicado por: JMTeles da Silva às junho 2, 2005 03:16 PM

Um excelente e lúcido artigo, Joana.

Publicado por: Fred às junho 2, 2005 05:08 PM

O que o Estado poderá tirar com esta medida é muito menos do que o país perde por continuar a cultivar estes emplastros invejosos

Publicado por: Diana às junho 2, 2005 06:02 PM

Há medidas que são contraproducentes, pelos seus efeitos colaterais. Esta parece ser uma delas. Entregar as declarações do IRS à vigilância popular só passaria pela cabeça de gente que perdeu a cabeça.

Publicado por: Ramiro às junho 2, 2005 07:40 PM

O que estão a conseguir é afugentar os empresários que restam e a levar os quadros superiores a formas "criativas" de remuneração.

Publicado por: Ramiro às junho 2, 2005 07:41 PM

Acho muito bem que se vejam as declarações desses ladrões e que sejam perseguidos e obrigados a pagar o que devem

Publicado por: Cisco Kid às junho 2, 2005 10:00 PM

Se o trabalho do meu vizinho vale duas vezes mais do que o meu e ele ganha duas vezes mais do que eu, e eu lhe quero mal por isto, isso é inveja.

Se o trabalho do meu vizinho vale duas vezes mais do que o meu e ele ganha vinte vezes mais, e eu sou contra isto, isso não é inveja, é sentido da justiça.

Se o meu vizinho tem dois Mercedes novos topo de gama e faz férias três vezes por ano nas Maldivas; se eu vou ver o rendimento dele e verifico que os rendimentos declarados e o imposto pago batem certo com esse nível de vida - com certeza não o vou denunciar às Finanças; e se for, as Finanças riem-se na minha cara.

Mas se verifico que ele declara 500€ mensais e quase não paga impostos, é claro que o denuncio. Denuncio-o porque fugir aos impostos é um crime com vítimas; e denuncio-o porque uma das vítimas do crime sou eu, que tenho que pagar a mais o que ele paga a menos.

Tudo isto é dum óbvio ululante. Mencionar a inveja a propósito disto é obscurecer deliberadamente o que é claro como a água. Então um cidadão não tem o direito de se queixar de quem o rouba?

Delação é uma palavra muito feia. Chamar delação a uma queixa legítima é um truque retórico muito feio. É juntar o insulto à injúria. Se os povos do Norte da Europa não cospem para o chão e não fogem aos impostos não é porque haja um polícia atrás de cada cidadão, é porque os cidadãos se policiam uns aos outros - como é normal nas sociedades civilizadas.

A Joana chame a isto inquisição, se quiser: pode ser que a metáfora pegue em todo o mundo e que no imaginário colectivo dos povos entre, a par com a «Spanish Inquisition», a «Swedish Inquisition».

Publicado por: Zé Luiz às junho 2, 2005 10:04 PM

Zé Luiz às junho 2, 2005 10:04 PM:
Um truque retórico ainda mais feio é faltar à verdade. No norte da Europa, se alguém atravessa uma rua quando não deve, chamam-lhe a atenção. Não vão à esquadra da polícia fazer queixa.
Você não percebe a diferença?

Publicado por: Joana às junho 2, 2005 10:09 PM

É claro que não percebe. Você mesmo diz que vai, num óbvio ululante, denunciar o seu vizinho à repartição mais próxima.

Publicado por: Joana às junho 2, 2005 10:12 PM

Joana:
Percebo a diferença. E você, percebe a diferença entre um crime sem vítima e um crime com vítima?
É claro que não percebe. Se percebesse não negaria à vítima o direito de apresentar queixa.

Publicado por: Zé Luiz às junho 2, 2005 11:31 PM

Esse raciocínio é idêntico para quem delatava gente à Gestapo, à PIDE, ao KGB. Faziam-no porque a vítima era o Estado e eles, parte do Estado, eram igualmente vítimas da "subversão".
Portanto veja como percebo.

Publicado por: Joana às junho 3, 2005 12:01 AM

Não insista, Joana. Não vê que não tem razão?

Publicado por: Zé Luiz às junho 3, 2005 12:07 AM

Perante a solidez e a lógica poderosa desse argumento, calo-me.
Era o que eu fazia quando tinha 9 anos e me diziam coisas dessas.

Publicado por: Joana às junho 3, 2005 12:12 AM

Joana, não estava a argumentar. Estava a apelar para a sua inteligência. Posso argumentar se você insistir, mas não vejo como fazê-lo sem insultar a sua inteligência e a minha.

Publicado por: Zé Luiz às junho 3, 2005 12:19 AM

E também não vou argumentar agora, só vou fazer uma pergunta para satisfazer a minha curiosidade: você já era teimosa aos nove anos? Incapaz de dar o braço a torcer? O acto de argumentar já era para si uma coisa lúdica, independentemente de ter razão ou não?

Eu tenho um irmão assim, e adoro-o. Mas ele sabe que eu sei que ele sabe que muitas vezes o que ele está a dizer é «bullshit». Brilhante, mas «bullshit».

As minhas sobrinhas, filhas dele, quando o vêem assim, castigam-no com cócegas e batem-lhe com almofadas. É o que me está a apetecer fazer-lhe a si.

Publicado por: Zé Luiz às junho 3, 2005 12:31 AM


Caro Zé Luis

Esta questão dos impostos, não é assim tão linear...

Vejamos, eu posso ter um Mercedes de 50.000 euros e ter um IRS de 500 euros por mês e minha empresa ter zero de lucro.

A Lei Permite-o

A Lei é mesmo assim !

Vejamos:

Declaro como Gerente da minha empresa, um vencimento de 500 euros/mês.

Como a Empresa é rentável e dá uns Euros emgraçados, começo a ver que no final do ano, vou entregar ao Estado um dinheiro, que podia "gozar" ou usufruir, pois foi do meu pêlo que ele apareceu.

Compro então um Mercedes em ALD, em nome da empresa e fica a firma a pagá-lo.

Logo, aquilo que o vizinho vê, não é o que na realidade é. Uma vez que o mercedes não é minha propriedade, nem sequer da minha empresa, pois ela apenas paga o aluguer.

HÁ 2 COISAS MUITO IMPORTANTES NESTE PAÍS:

1º - HÁ UMA IGNORÂNCIA ATROZ (especialmente nos trabalhadores por conta de outrém)

2º - AS LEIS DÃO PARA TUDO !

O que deveria acabar:

Os empresários pagam 2 vezes impostos !
No caso que referi, suponhamos que a Empresa no final do ano apresentava 10.000 contos de lucro líquido antes de IRC.

Teria que pagar cerca o IRC e do restante o empresário se decedisse recebê-lo (99% decidem não o embolsar directamente) teria depois que o declarar em IRS e voltar a pagar mais impostos.

Ora...como é evidente... os empresários não sendo burros, utilizam o que as INJUSTAS leis lhes permitem... e vai daí...compram em nome da empresa.

Publicado por: Templário às junho 3, 2005 03:22 AM

BUFARIA !!!

Nisto a Joana tem razão !

A Bufaria nunca levou a lado nenhum, e também não levará, pois este é um País de corruptos a começar nos desgraçados e acabando nos lacinhos de seda.

Quando o desgraçado do Cantoneiro e da Maria mulher-a-dias (actualmente ganham bem) compram o T2 com 30 anos nos subúrbios por 65.000 euros, se o vendedor lhes disser, que é melhor só declararem 45.000 para não pagarem impostos, eles concordarão logo sem pestanejar.

Está nos genes cá da malta !

DE QUALQUER DAS MANEIRAS, JULGO QUE ISSO É UMA TRETA A FUGA AOS IMPOSTOS.

E ESTA MEDIDA PIDESCA, EM NADA ALTERARÁ, É APENAS PARA AS PESSOAS SENTIREM QUE PODEM DAR À LÍNGUA nas finanças, em vez de darem à língua nos transportes públicos, nos cafés, nas tascas, nos restaurantes etc.

Publicado por: Templário às junho 3, 2005 03:37 AM

Joana às junho 3, 2005 12:01 AM

Eu acho que está a faltar à Joana um pouco de juízo moral, a capacidade de distinguir o Bem do Mal. Denunciar um indivíduo ao Estado (à Gestapo, à PIDE) por esse indivíduo ter opiniões contrárias à do Estado, é Mal. Denunciar um indivíduo ao Estado por esse indivíduo não cumprir as suas obrigações enquanto cidadão, é Bem.

Pagar impostos é uma obrigação normal dos cidadãos. É desagradável, e naturalmente as pessoas tentam fugir a essa obrigação, mas não deixa de o ser.

À Joana, aparentemente, escapa-lhe o sentido moral. Sugere que denunciar uma pessoa ao Estado é sempre mau. Denunciar o vizinho à polícia como sendo judeu, é mau, Denunciá-lo como não pagando os impostos que deveria pagar, é mau. Denunciá-lo como batendo na mulher, é mau. Denunciá-lo por fumar no elevador, é mau. Denunciá-lo por matar o filho com pancada, é mau.

Publicado por: Luís Lavoura às junho 3, 2005 09:58 AM

Uma coisa é denunciar alguém à polícia que praticou ou está a praticar um crime, como maltratar os filhos, etc.
Outra é o Estado tonar as paredes das casas transparentes para a malta ver o que se passa lá dentro, na perspectiva que uma parte significativa da população é criminosa.

Publicado por: Diana às junho 3, 2005 10:27 AM

Faço minhas as palavras do Zé Luis e do Luis Lavoura...quanto à Joana desafio-a a escrever algo sobre a situação actual...

Para mim um crime fiscal é um crime como qulquer outro...se disserem que é necessário alterarem o nosso sistema fiscal também concordo mas não venham comparar um crime com um "crime" de opinião! Aliás para mim uma opinião não pode ser criminalizada...

Publicado por: amsf às junho 3, 2005 11:54 AM

Os organismos policiais dos Estados totalitários perseguiam pessoas que individualmente, ou através de organizações que estabeleciam, pretendiam destruir esse Estado. Muitas dessas acções tinham frequentemente efeitos colaterais, atingindo pessoas inocentes.
Dentro da lógica desse sistema não se tratava de crime de opinião, mas de crime contra o bem estar do próprio Estado e da população.
Vocês, na ânsia de defenderem a delação, estão a subjectivar perigosamente uma situação.
Eu posso achar que o Estado me rouba indecentemente, usa o seu aparelho legislativo para dar aparência legal ao roubo e acho-me no direito de me defender com os meios que tenho.
É uma opinião.
Logo a delação visa, neste caso, um deliot de opinião, segundo o vosso raciocínio.
Não há verdades relativizadas. Delação é delação. Convite à delação é um acto abominável.

Publicado por: Joana às junho 3, 2005 12:54 PM

Publicado por: Templário às junho 3, 2005 03:22 AM

Muito interessante a sua observação, como é normal.
Fez-me lembrar a morte da princesa Diana cujo Mercedes em que se deslocava não "pertencia" a ninguém.

Pertencia a uma empresa de rent-a-car.

E aposto que 110% dos nossos maiores empresários não têm carro próprio.

Publicado por: carlos alberto às junho 3, 2005 01:39 PM

Publicado por: Joana às junho 3, 2005 12:54 PM

Um crime fiscal não é um crime de opinião bem como uma opinião favorável ao aborto não é um crime de aborto...
A verdade é que somos sócios de uma mesma empresa (Estado) mal gerida, na qual procuramos não investir mais capital mas que aquando da distribuição dos dividendos falamos como sócios maioritários...o problema que se põe é não poder-mos vender as nossas acções e como ela é mal gerida exige constantemente aumentos de capitais...no meio disto tudo os gestores são os únicos satisfeitos...

Publicado por: amsf às junho 3, 2005 02:27 PM

Joana às junho 3, 2005 12:54 PM

Você é que me parece - se é que percebo bem o seu raciocínio - que está a defender a relativização das coisas.

Eu acuso um homem de bater na sua mulher. Em sua opinião, estou a cometer um ato abominável (delação): o homem tem o direito de ter a opinião de que bater na sua legítima é um direito inalienável de todo o Macho Latino, direito que o Estado lhe pretende, tiranicamente, usurpar.

Para mim, nada há de errado na delação, bem pelo contrário, se se considera que a pessoa que é denunciada está a fazer algo de efetivamente criticável. E nada há de errado em que se encoraje a delação como forma de desvendar comportamentos delituosos.

Ou seja, não há relativismo. Relativismo é considerar que todos os comportamentos são legítimos menos a delação. Eu, pelo contrário, considero que há montes de comportamentos ilegítimos, e que portanto a delação não é necessariamente um erro.

Faço ainda notar que a Joana se mantem numa perigosa ambiguidade:

"Eu posso achar que o Estado me rouba indecentemente [...] e acho-me no direito de me defender com os meios que tenho."

A Joana tem o cuidado de dizer "eu posso achar". Não tem a coragem de dar o passo final e assumir "eu acho". Mas de facto, sugere aquilo que não diz. Sugere que os seus posts anteriores são apenas conversa fiada: aquilo aonde você quer chegar é apenas à conclusão de que nada há de errado em fugir ao fisco.

Publicado por: Luís Lavoura às junho 3, 2005 02:43 PM

Eu acho piada a estes gajos preocupados com a fuga ao fisco dos outros (os que lhe pagam o ordenado). Será que eles exigem as facturas aos canalizadores e aos tipos que lhes vão fazer biscates e resolvem pagar o IVA sobre essas facturas para o bem público?

Publicado por: Coruja às junho 3, 2005 03:02 PM

Como o título deste post fala em Santo, apenas vou citar, sem qualquer tipo de moralismo:
"Não julgueis para não serdes julgados, com a medida com que medis sereis medidos (Mt7,1-2).

Publicado por: Luís Filipe às junho 3, 2005 04:48 PM

Na verdade há algo que não posso ou não quero compreender. Básicamente o que é proposto é que os portugueses façam o trabalho que compete ao estado. Além de ser uma completa falta de respeito ao meu direito de privacidade.
Como é possível que a burocracia em Portugal seja imensa e depois não serve para absolutamente nada. Não haveria a necessidade dos portugueses andarem a delatar o próximo se os dados fossem cruzados, se os inspectores de finanças fizessem o seu trabalho (Guterres conseguiu manietar legislativamente os inspectores até ao ponto de impedir o trabalho dos inspectores), se as repartições de finanças trabalhassem.
Esta lei só pode ser inconstitucional, além de ridícula e contra-producente.

Publicado por: Braveman às junho 3, 2005 04:55 PM

«Eu acho piada a estes gajos preocupados com a fuga ao fisco dos outros (os que lhe pagam o ordenado).»

Coruja, lamento informá-lo, mas a lógica não é uma batata.

Eu sou funcionário público. O meu vencimento é pago pelos contribuintes. Pelos contribuintes que NÃO fogem ao fisco.

Os que fogem ao fisco estão fora da equação. Não pagam, não podem exigir. Se eu ganho muito ou pouco não é da conta deles. Nem é da conta deles se os serviços que presto são bons ou maus.

Para quem não paga os impostos que deve, os serviços prestados pelo Estado nunca podem ser maus: por piores que sejam, são sempre bons demais para eles.

Publicado por: Zé Luiz às junho 3, 2005 05:36 PM

Até acho que quem está em dívida para com o fisco ou a Segurança Social devia ser impedido de votar. Se é «no taxation without representation», também devia ser «no representation without taxation».

Publicado por: Zé Luiz às junho 3, 2005 05:39 PM

«Eu posso achar que o Estado me rouba indecentemente, usa o seu aparelho legislativo para dar aparência legal ao roubo e acho-me no direito de me defender com os meios que tenho.
É uma opinião.»

É uma opinião, com efeito, Joana. E você tem todo o direito a ela.

O que já não tem direito é a fazer tudo o que lhe der na gana em consequência dessa opinião. E muito menos se os seus actos tiverem efeitos colaterais sobre vítimas inocentes - e a fuga aos impostos tem-os, como aqui já demonstrei à saciedade.

Seja consistente, Joana. Sempre a vi condenar o terrorismo, não venha agora defender uma espécie de guerrilha fiscal. Sempre a vi defender o liberalismo, não venha agora condenar a medida mais liberal tomada nas últimas décadas por um governo português.

Publicado por: Zé Luiz às junho 3, 2005 05:55 PM

Importa-se de repetir: O voyeurismo fiscal é a "medida mais liberal tomada nas últimas décadas por um governo português"???

Publicado por: Hector às junho 3, 2005 06:00 PM

Amigo Templário

Aconselho-o a estudar um pouco de fiscalidade, e verá que o que disse não tem qualquer correspondência com a realidade.

Publicado por: Luís Filipe às junho 3, 2005 07:43 PM

Hector:
Não posso repetir o que não escrevi. Mas posso reafirmar: A TRANSPARÊNCIA fiscal é a medida mais liberal tomada nas últimas décadas por um governo português.

Publicado por: Zé Luiz às junho 3, 2005 07:50 PM

Uma das tragédias do provincianismo português é que as ideias, quando cá chegam, já não são ideias, são modas.
É o caso do liberalismo. Com excepção de alguns pensadores consequentes, os nossos liberais defendem uma moda, e não uma ideia.
Depois, se vem um governo - ainda por cima de esquerda - tomar uma medida liberal a sério, enxofram-se todos.

Publicado por: Zé Luiz às junho 3, 2005 07:58 PM

Surpreendo-me miserávelmente invejoso :
.
Trabalhar de 1996 até 2002 no Banco de Portugal -seis anos - e daí receber uma reforma aos 48 anos de idade - 48, hum ? - por meio de uma legislação específica - específica, óra essa - do ex- Ministro das Finanças António Luciano Pacheco Sousa Franco ... é um daqueles patriotismos que só o nosso Presidente da República pode explicar.
Ele que explique, s.f.f.

Publicado por: asdrubal às junho 4, 2005 01:52 AM

Luís Filipe às junho 3, 2005 07:43 PM

Caro Luis Filipe, explique-me lá a sua discalidade e onde é que me enganei. Pois sendo empresário nunca tive caro em meu nome, nem em nome da firma. Agora explique-me lá, a sua fiscalidade.

Aguardo ansiosamente a sua lição, pois sou um tipo com disponibilidade para aprender a qualquer momento !

Publicado por: Templário às junho 4, 2005 01:56 AM

correcção
discalidade = fiscalidade

Publicado por: Templário às junho 4, 2005 01:57 AM

correcção
caro=carro (deve ser da hora, ehehehe)

Publicado por: Templário às junho 4, 2005 01:59 AM

asdrubal em junho 4, 2005 01:52 AM: O ministro quis que todos vissemos as declarações de todos para podermos denunciar à vontade, e foi a primeira vítima.
A 2ª foi o Mário Lino!

Publicado por: Cerejo às junho 4, 2005 09:41 AM

Pois é, o ministro foi o 1º a ser apanhado na armadilha que montou eheheheheh

Publicado por: Absnt às junho 4, 2005 09:59 AM

1. O Ministro das Finanças devia fazer como o dos Negócios Estrangeiros e prescindir duma das duas fontes de rendimento apesar de serem ambas legais: de preferência da mais questionável do ponto de vista ético e político, que é a pensão do Banco de Portugal; ou então, se não quisermos ser demasiado rigorosos, da menor das duas.

2. O Ministro não foi apanhado na rede que ele próprio montou porque ela ainda não está a funcionar: foi apanhado numa rede que existe há muito tempo, montada pelos «trouble-shooters» dos partidos e pela comunicação social.

3. Não sabemos se o ministro quis que víssemos as declarações uns dos outros para denunciar à vontade. Pode ter querido que as víssemos para termos resposta para quem diz que paga impostos a mais pagando impostos a menos. Como sanção social já não é pouco.

4. Não preciso de consultar as declarações de rendimentos de ninguém para saber que o meu amigo L., que é muito rico, não paga os impostos que deve. Ele próprio o confessa a quem o quer ouvir, e até brinca com isso. Um dia até me disse: «Ó pá, eu não sou rico, rico és tu que pagas IRS e pagas as propinas do teu filho na Universidade. Eu até recebo um subsídio para a minha filha andar no colégio».

5. Confesso: nunca o denunciei às Finanças, nem tenciono fazê-lo. Sei que ele me está a roubar, mas sou português e como tal não escapo ao vício do nacional-porreirismo. Mas também sei que se ele cai na asneira de dizer que paga o meu vencimento de reles funcionário público, leva para tabaco...

Publicado por: Zé Luiz às junho 4, 2005 11:04 AM

Zé Luiz em Junho 4, 2005 11:04 AM,
.
O que eu gostava de perceber é porque é que «eu» que trabalhei durante seis anos numa instituição do Estado - o Banco de Portugal, neste particular - estou legalmente legitimado, por troca desse serviço, a receber uma reforma vitalícia aos 48 anos de idade, e o Zé Luís, que é professor e que eventualmente tem uma carreira contributiva (suponhamos) de 30 anos e que está (suponhamos também) na casa dos 55 anos, não tem qualquer direito à sua reforma ou pré-reforma.
Mais : segundo julgo ter percebido, agora adiam-na, fazendo-o recuar seis meses por cada ano que contribua !
O que é que tem de «especial» o Banco de Portugal, que não tenha o duro trabalho de um médico, ou de um enfermeiro num Hospital ? Ou o duro trabalho de um professor nas Escolas Primárias ? E mesmo, por ironia, o trabalho esgotante de um Ministro das Finanças ?
Não percebo ... isto ainda é uma República ?

Publicado por: asdrubal às junho 4, 2005 02:34 PM

Se o Banco de Portugal fosse uma entidade privada, seria com ele, mas o BP, a CGD, o IPE (de onde vem uma das reformas do Mário Lino) são do Estado. Falou-se num fundo privado do IPE!!? Mas se o IPE é do Estado, quem paga esse dito fundo privado?

Publicado por: David às junho 4, 2005 06:35 PM

Resposta: quem paga somos nós, directamente aos f.p. e indirectamente a esse peixe graúdo.

Publicado por: David às junho 4, 2005 06:36 PM

Caro Asdrúbal:

Receber uma reforma choruda ao fim de seis anos de trabalho é uma imoralidade, e acumulá-la com um vencimento torna-a ainda pior.

Infelizmente, porém, não é ainda uma ilegalidade. Esperemos que o seja em breve - mas a nova lei já não virá a tempo de obrigar o Ministro das Finanças a fazer o que devia ter feito voluntariamente: prescindir, ou de 2/3 da pensão, ou de 2/3 do vencimento.

Não conheço os contornos do caso do Ministro das Obras Públicas, mas se é verdade que ele descontou como qualquer de nós, então deve receber como qualquer de nós. O mesmo direi do Alberto João Jardim, que também acaba de se aposentar.

Publicado por: Zé Luiz às junho 4, 2005 07:28 PM

Zé Luiz em Junho 4, 2005 07:28 PM,
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Caro Zé Luís :
O que considero o verdadeiro objecto de indignação, não é este ou aquele "caso", mas a própria legislação que legitima estas excepções à pála do voto da Comunidade. Nem sequer me pergunto se o PR assinou esses «diplomas», para não me sentir ... envergonhado.

Publicado por: asdrubal às junho 4, 2005 09:08 PM

«A dissolução da Assembleia da República em Dezembro de 2004 fez disparar o Orçamento do Parlamento para 2005 no capítulo de subsídios de reintegração. Pelo menos 64 ex-deputados solicitaram este regime especial. Em Maio, foram corrigidas várias verbas inicialmente previstas, em 2005, para gastos da Assembleia e a rubrica respeitante à reintegração passou de um valor de 350 mil euros para 1,35 milhões de euros».
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Os «Representantes» !

Publicado por: asdrubal às junho 4, 2005 09:48 PM

Caro Asdrúbal:

Plenamente de acordo consigo. O objecto de indignação não é o que este ou aquele faz ao abrigo duma lei celerada, mas a própria lei celerada.

Politicamente é duma triste ironia que José Sócrates seja prejudicado pelas acções legais de um seu ministro no preciso momento em que está a moralizar as leis que as permitiram.

Publicado por: Zé Luiz às junho 5, 2005 01:00 PM

A política não tem moral.

Publicado por: bsotto às junho 5, 2005 04:35 PM

«Lei é aprovada este domingo em Conselho de Ministros. Titulares de cargos políticos têm de optar por um terço do ordenado mais a pensão, ou um terço da pensão mais o ordenado».
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Caro Zé Luís :
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A minha questão não tem nada a ver com «acumulações».
Por exemplo, não me faz nenhuma impressão, mas nenhuma, que o Dr Alberto João Jardim acumule o seu ordenado de Presidente eleito do Governo Regional da Madeira, com a sua legítima aposentação da Função Pública, ao cabo de 36 anos de serviço público e de 60 anos de idade. Acho absolutamente legítimo qualquer "caso" igual ou semelhante a este, independentemente da simpatia ou da antipatia pelo personagem.
Outra coisa completamente diferente é a legislação que permite, com qualquer idade e, que se conheça, com seis, oito ou doze anos de prestação de serviço público, auferir, a que título for, «subsídios de reintegração» e/ou pensões vitalícias ou reformas.
São questões totalmente diferentes que envolvem exclusivamente a "classe política" (deputados e julgo que autarcas) e a alta administração do Estado.
O Senhor Primeiro-Ministro José Sócrates revogou essa legislação avulsa e oligo-medieval ?
Não me parece ... mas não nos vai tapar o Sol com a peneira !

Publicado por: asdrubal às junho 5, 2005 04:58 PM

Zé Luiz e sdrubal.
Notem que o Plano de pensões do Banco de Portugal é custeado por apenas 5% do salário e permite pensão vitalícia ao fim de um mandato de seis anos. Funciona desde 1998 (dois anos depois de Campos e Cunha ter chegado pela mão de Guterres, ao CA do BP). Isto é, foi o Conselho de Administração do Banco de Portugal, de que Campos e Cunha era vice-governador, quem propôs o novo plano de pensões a Sousa Franco que foi consignado na Lei Orgânica do Banco.
Portanto Campos e Cunha aufere de uma regalia que ele próprio criou, ou participou na sua criação.

Publicado por: L M às junho 5, 2005 10:34 PM

L M em Junho 5, 2005 10:34 PM,
.
Obrigado LM.
É exactamente o que eu estava a pretender dizer acerca da "Alta Administração" do Estado. Não têm vergonha nem decoro.
Administram "privativamente" uma Instituição do Estado. Esta porra não é uma República ?!

Publicado por: asdrubal às junho 6, 2005 12:17 AM

Ao fim e ao cabo, que se lixem. São alarves e dormem mal. Morrem cedo.

Publicado por: asdrubal às junho 6, 2005 01:17 AM

LM e Asdrúbal:
Pois claro, a imoralidade está aí. Se Campos e Cunha tivesse descontado como os outros teria todo o direito moral de receber como os outros: mas descontou muito menos, e durante muito menos tempo, para receber muito mais. Isto é imoral, dêem-lhe as voltas que lhe derem. É falta de vergonha e é falta de decoro.

Infelizmente não é ilegal, por enquanto. E pode ser que este caso seja um daqueles males que vêm por bem, se contribuir para que estas leis celeradas sejam revistas - e sobretudo se contribuir para que se acabe com o hábito português de fazer leis com destinatário.

Publicado por: Zé Luiz às junho 6, 2005 10:49 AM

Recorrentemente :

A Exceptolândia ...

... « Portugal é o único país da UE onde o IVA é aplicado sobre o Imposto Automóvel ».

Uma figura de dupla tributação, ilegal em toda a UE ... excepto em Portugal.

Publicado por: asdrubal às junho 7, 2005 12:17 PM

asdrubal em junho 7, 2005 12:17 PM: Porque é que você julga que em Portugal não há sanção social sobre quem foge ao fisco?
Como o Estado é um ladrão, só não foge quem não pide.

Publicado por: David às junho 7, 2005 01:04 PM

Mais uma «pérola» (embora "me cheire" a mais provocação do que convicção).
Medeiros Ferreira nos "bichos carpinteiros" :
.
«Se a proposta do Governo de retirada cega das compensações aos titulares de cargos políticos for aprovada de cruz pelos deputados na AR estão criadas algumas condições para o abaixamento geral do recrutamento dos próximos agentes políticos. Tenho pena que os ministros Mário Lino e Campos e Cunha não tivessem pedido logo a demissão para acabar com este fado do ceguinho que só afastará gente de bem de cargos públicos. Ainda há quem pense que se vai para o governo por causa do ordenado?

A nova fornada de políticos vai ser fresca! Ou corretores de grandes interesses ou funcionários partidários. É isso que querem ?»

Publicado por: asdrubal às junho 9, 2005 06:26 PM

Sou ladrão profissional, e venho por este meio agradecer ao Governo por ajudar-me na escolha das minhas vitimas.

Obrigado

Publicado por: HFV às julho 11, 2005 04:53 PM

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