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abril 03, 2005
A Eurosclerose da França
O espectro do não francês à Constituição europeia aterroriza a Velha Europa. Não há concessões que os líderes da UE não façam a Chirac e à França para inverterem a tendência para o Não. Os franceses estão contra um grande mercado europeu concorrencial, estão contra a globalização e as suas exigências competitivas, estão contra as deslocalizações, estão contra a flexibilização laboral, estão contra a entrada da Turquia na UE, estão contra a imigração, estão contra o regresso ao horário de trabalho anterior à reforma do governo PS. A França está contra tudo o que lhe cheire a mudança.
A esquerda francesa acha a Constituição ultraliberal. A direita acha que o liberalismo é tão perigoso como o comunismo. A França é contra ela e, entre o restantes países da UE, paradoxalmente, ela é contestada por ser favorável às ambições de supremacia que a França tem na União Europeia. Por sua vez, os liberais dispersos, que há pela UE, acham a Constituição hiper-reguladora e directiva.
A revisão do PEC, imposta por Paris e Berlim, destina-se a lançar o manto diáfano da ligeireza orçamental sobre a nudez forte da falência total dos actuais modelos sociais, o fim inevitável dos Estados-Providência, nos moldes em que estão actualmente. Vai apenas servir para dar uma moratória a uma Europa que se recusa a encarar as realidades sociais de frente.
A directiva Bolkestein, destinada a liberalizar o sector de serviços, eliminando os diversos entraves burocráticos, políticos e jurídicos à circulação das empresas europeias de serviços, foi posta em hibernação a Europa do Mercado Comum, e a França em particular, ficou em pânico com a concorrência dos prestadores de serviços dos países periféricos da UE, menos desenvolvidos, mas com elevado know-how em algumas áreas, e mesmo dos pequenos países mais desenvolvidos da UE, mas dotados de uma alta competitividade. E o mais paradoxal foi a esquerda portuguesa fazer coro com os interesses instalados no centro da Europa, impedindo que as empresas de serviços portuguesas usufruam daquelas vantagens.
A Europa, ou o eixo franco-alemão em especial, vive orgulhosa de ter um modelo social que, em termos relativos, tem uma menor percentagem da população que vive abaixo de um limiar de pobreza que os EUA. Esquece-se que se trata, justamente, de uma medida em valores relativos (metade da mediana do rendimento). Em valores absolutos, e como o PIB per capita americano, em termos de paridade de poder de compra (PPP), é 35% maior que o da França e da Alemanha, por exemplo, os pobres europeus são mais pobres que os pobres americanos.
Esquece-se ainda que a redistribuição que faz, através dos impostos, para evitar a degradação dos baixos rendimentos e providenciar subsídios de desemprego mais generosos e sobretudo mais prolongados que nos EUA, diminui os incentivos, quer à procura de emprego, quer à oferta de emprego. Nos EUA o desemprego é quase sempre temporário, enquanto na Europa é maioritariamente de longa duração. A menor flexibilização laboral e salarial na Europa faz com que os trabalhadores menos produtivos não estejam empregados, o que perverte o modelo social, pois os americanos pobres, na sua maioria, trabalham e criam riqueza, enquanto os europeus pobres, na sua maioria, estão a receber subsídios.
Esquece-se ainda que a ânsia de manter um grafo salarial de menor amplitude e uma elevada carga fiscal para fazer face ao custo cada vez maior do Estado-Providência, e estando confrontada com o aumento do preço do factor trabalho mais especializado nas novas tecnologias, está entalada entre dois males: assistir à fuga dos cérebros para os EUA, onde procuram melhores contrapartidas financeiras, e a pressão salarial dos trabalhadores menos qualificados, cujos sindicatos têm os olhos postos nas elevadas remunerações dos estratos laborais mais qualificados. Ou seja, perde competitividade porque investiu em investigação de que depois não tem qualquer retorno, e perde competitividade nos sectores económicos menos qualificados porque os respectivos salários são pressionados a subirem acima da fasquia da sustentação desses sectores.
Esta eurosclerose não afecta apenas a França. Nela é mais virulenta porque é potenciada pela nostalgia de grande potência, mas existe, em maior ou menor grau, nos principais países do antigo núcleo dos 15. É mais virulenta nos países que não têm conseguido proceder às reformas indispensáveis à sustentação do sistema, naqueles que não fizeram o trabalho de casa antes da actual conjuntura. Em Espanha, por exemplo, o referendo correu sem grandes problemas.
Este pânico face ao futuro tira discernimento à Europa, porque a faz apostar no passado em vez de construir o futuro; tornou-a avessa à mudança, em vez de planear essa mesma mudança. Todavia, se a Europa pode tentar ser avessa à mudança, não a pode evitar, não pode evitar a globalização e o alargamento do mercado mundial. Ao não planear a mudança, a Europa está a comprometer o seu futuro.
E não só nos principais países. Portugal tem um Estado-Providência, que providencia muito pouco, que não satisfaz as necessidades da população, que é uma caricatura de um Estado social, e que só tem uma característica similar à dos Estados-Providência dos países com um modelo social mais desenvolvido: custa proporcionalmente o mesmo. Na Europa central discute-se se vale a pena ter um Ferrari como Estado-Providência. Em Portugal nós pagamos um Ferrari, mas temos um Fiat em 5ª mão, que está permanentemente empanado.
Publicado por Joana às abril 3, 2005 11:11 PM
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Comentários
Eu acho indecente os europeus fazerem todas as vontades à França, por causa da chantagem do "não".
Eu quero lá saber se a França vota "não"
Publicado por: Coruja às abril 3, 2005 11:45 PM
Quanto mais eles se abaixarem por causa dos franceses, mais eu tou decidido a votar Não
Publicado por: Coruja às abril 3, 2005 11:46 PM
Era bem feito o "Não" para não andarem com os francius ao colo.
Publicado por: bsotto às abril 4, 2005 12:13 AM
A oposição dos franceses não se deve a a França não ter feito as reformas necessárias, nem a uma nostalgia de grande potência. Deve-se às próprias caraterísticas antropológicas de uma parte do povo francês. Sempre foi um povo, historicamente, com tendência para grandes e violentas revoltas. A luta dos franceses contra a constituição europeia inscreve-se na mesma linhagem das lutas contra os produtos agrícolas espanhóis, contra as sementes transgénicas na agricultura, e sei lá que mais - tudo lutas com um padrão de determinação e de violência inaudito, e incompreendido pelos outros povos europeus.
Entretanto, em vez de analisar as peculiaridades do caso francês, seria melhor a Joana perder tempo a analisar as soluções propostas. Por exemplo a diretiva Bolkestein. Eu não a conheço. Mas presumo que o que ela vai promover é que a Europa dos serviços se torne assim mais ou menos como os registos de navos cargueiros: todos os armadores de navios registam esses navios em países como a Costa do Marfim, a Libéria e a Guiana. É claro que esses países, ou pelo menos as suas populações, não enriquecem substancialmente com o serviço que prestam aos armadores; mas a lei do mar empobrece, certamente.
Tomemos também o caso das pensões de velhice. De acordo que o atual modelo do Estado-Providência está condenado à falência. Mas que se propõe em troca? Nada de válido. Porque o problema de fundo é que as pessoas hoje em dia morrem aos 90 anos, mas continuam a estar genericamente improdutivas aos 60 ou 70. Ou seja, qualquer que seja o modelo para pagar a vida aos velhinhos, temos o problema de que o número de velhinhos improdutivos a sustentar é muito grande. E esse problema, que não é resolvido pelo Estado-Providência atual, também não é resolvido por nenhum outro modelo - a não ser pelo modelo esquimó, no qual os velhinhos improdutivos são abandonados à morte.
Publicado por: Luís Lavoura às abril 4, 2005 09:40 AM
O PIB per capita americano, em termos de poder de compra, é 35 % superior ao da França ou da Alemanha ? 35% ?!
Publicado por: asdrubal às abril 4, 2005 10:23 AM
asdrúbal, a comparação dos PIB per capita depende das taxas de câmbio. Como atualmente o dólar está a baixar, o PIB per capita americano também está. Pode no entanto argumentar-se que o dólar está artificialmente alto - ele é sustentado por constantes e crescentes depósitos dos bancos asiáticos em valores americanos. É previsível que no futuro de médio prazo (5 anos) o dólar dê um trambolhão dos grandes, e então o PIB per capita americano poderá ficar ao nível do europeu, ou até inferior.
Publicado por: Luís Lavoura às abril 4, 2005 10:40 AM
Ainda há quem diga que a política é uma ciência. Pois... só se for a ciência dos disparates.
Publicado por: Senaqueribe às abril 4, 2005 12:19 PM
35%? Tanto? Não supunha que fosse tanto. E os números estarão certos?
Publicado por: c seixas às abril 4, 2005 12:21 PM
Vamos lá ver se os números (são do FMI, Setembro de 2004) saiem penteados:
Gross domestic product based on purchasing-power-parity (PPP) per capita GDP - US dollars
1990 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Austria 18.773 28.024 28.801 29.383 29.995 30.781 32.059
Belgium 17.425 25.916 26.648 27.174 27.794 28.662 30.007
Canada 19.035 28.286 29.203 30.176 30.936 31.942 33.104
Cyprus 10.318 16.600 17.547 17.981 18.464 19.224 20.150
Denmark 19.108 28.635 29.628 30.512 31.267 32.136 33.252
Finland 16.962 25.321 25.634 26.291 26.972 27.956 29.095
France 17.125 24.505 25.472 25.945 26.318 27.047 28.145
Germany 18.029 25.871 26.658 26.962 27.351 28.104 29.204
Greece 10.998 15.943 16.920 17.753 18.613 19.563 20.387
Ireland 13.118 30.133 32.311 34.419 34.538 35.879 37.894
Israel 13.662 21.351 21.206 20.791 20.782 21.009 21.575
Italy 17.367 24.805 25.857 26.266 26.755 27.480 28.670
Japan 18.543 25.744 26.396 26.691 27.576 28.278 29.165
Nether 17.425 27.027 27.786 27.964 28.072 28.590 29.663
Norway 21.340 35.912 37.283 37.857 38.397 39.535 40.784
Portug. 10.727 16.985 17.579 17.839 17.940 18.428 19.340
Spain 12.842 20.005 20.894 21.423 22.091 22.835 23.911
Sweden 17.000 25.392 26.207 26.911 27.576 28.335 29.544
Switzer 21.867 27.757 28.458 28.594 28.695 29.271 30.366
UKingd 16.237 24.640 25.577 26.235 26.929 27.777 28.877
UStates 22.676 34.003 34.535 35.424 36.519 38.031 39.711
Publicado por: Joana às abril 4, 2005 01:02 PM
Enfim, poderiam estar piores.
Gross domestic product per capita, current prices - US dollars
1990 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Austria 20.971 23.539 23.406 25.305 31.083 34.627 35.861
Belgium 19.824 22.299 22.084 23.874 29.408 32.979 34.081
Canada 21.084 23.651 23.102 23.567 27.536 30.439 32.073
Cyprus 08.271 11.434 11.671 12.779 16.063 18.098 19.008
Denmark 25.946 29.647 29.739 32.108 39.449 43.896 45.015
Finland 27.547 23.572 23.356 25.366 30.922 34.318 35.242
France 20.971 21.673 21.699 23.560 28.635 32.153 33.126
Germany 24.458 22.816 22.561 24.119 29.173 32.404 33.099
Greece 08.282 10.448 10.720 12.163 15.625 18.036 18.995
Ireland 13.529 25.140 26.932 31.006 38.302 43.862 46.335
Israel 11.629 19.004 18.258 16.448 16.911 17.165 16.987
Italy 19.472 18.728 18.974 20.701 25.593 28.649 29.648
Japan 24.619 37.431 32.757 31.220 33.678 36.184 36.486
Nether 19.761 23.425 24.054 26.094 31.721 34.836 35.393
Norway 27.358 37.164 37.607 42.010 48.337 52.861 53.465
Portug 07.301 10.537 10.780 11.911 14.410 16.021 16.658
Spain 13.153 14.057 14.507 16.234 20.601 23.447 24.627
Sweden 27.955 26.970 24.628 26.964 33.605 37.363 38.451
Switzer 34.699 34.156 34.504 37.521 43.391 47.493 49.246
UKingd 17.377 24.575 24.246 26.413 30.140 35.505 36.977
UStates 23.208 34.775 35.507 36.398 37.819 39.991 42.076
Publicado por: Joana às abril 4, 2005 01:03 PM
Como podem observar, a vida na "Velha Europa" é cara (na Noruega e Suiça é mesmo caríssima), e o mesmo sucede no Japão.
Outra coisa que podem notar é estar o dólar cotado abaixo do valor relativo ao poder de compra interno
Publicado por: Joana às abril 4, 2005 01:08 PM
Os números percebem-se, o que é estranho é saber que o custo de vida na América é inferior, e às vezes bastante inferior, ao da Europa desenvolvida.
Publicado por: Rave às abril 4, 2005 01:52 PM
Você tem esse sangue frio todo e "neutralidade" porque estes cataclismos lhe passam ao lado. Ou praticamente.
Pense no português médio, a ganhar um ordenado médio, com uma casa a sustentar, e compreenderá que haverá muita gente desorientada
Publicado por: anonimo às abril 4, 2005 03:26 PM
anónimo: Às vezes a frieza permite juízos mais objectivos que a desorientação.
Não sei se será este o caso.
Publicado por: cerdim às abril 4, 2005 04:10 PM
Um artigo publicado na economist referia-se justamente a essa diferença entre o PIB europeu e americano. Tinha como título "Chasing the Leader".
Mostra que desde 1950 há uma aproximação do PIB per capita da Europa ao dos EUA, não impedindo que em 2000 o PIB per capita europeu seja 30% menor. No entanto, ao medir o PIB por hora de trabalho revela uma aproximação maior do PIB europeu, apenas ligeiramente atrás do dos EUA. Sugere que os europeus têm maior preferência por lazer e até que podem ser mais produtivos por hora de trabalho.
O autor do texto é americano, os seus trabalhos podem ser encontrados em:
http://faculty-web.at.northwestern.edu/economics/gordon/indexmsie.html
Publicado por: Daniel às abril 4, 2005 04:16 PM
A propósito da "preferência pelo lazer", eu quando trabalhei na Alemanha tinha direito a 29 dias úteis de férias por ano (em Portugal tenho 22). Quando trabalhei nos EUA tinha direito a 15 dias úteis, salvo erro - mas era um privilegiado, a maior parte dos trabalhadores americanos têm cerca de 10 dias úteis por ano. Além disso, nos EUA as baixas por doença contam como dias de férias: se um gajo ficar 10 dias em casa por ter partido um braço, lerpa com as férias todas desse ano.
Não sei se é uma questão de "preferência", mas devo dizer que me habituei facilmente ao regime de ter apenas 15 dias de férias por ano, nos EUA, mas nunca consegui gozar todas as férias a que tinha direito, na Alemanha.
Publicado por: Luís Lavoura às abril 4, 2005 04:38 PM
É verdade que o «o PIB por hora de trabalho revela uma aproximação maior do PIB europeu».
Mas isso deriva do facto dos trabalhadores americanos menos qualificados (e com menores salários) estarem a trabalhar, enquanto os europeus estão, em muito maior número, no deemprego.
O outro factor é o do funcionalismo público. A produtividade mede-se pelo VAB/N. No caso do Estado, mede-se dividindo as remunerações (incluindo as sociais) pelo número de funcionários. Esta parcela introduz um certo enviesamento favorável à UE, mas fictício, pois não é uma produtividade física, de um bem transaccionável, em concorrência com o exterior.
Publicado por: Joana às abril 4, 2005 07:19 PM
Luís Lavoura às abril 4, 2005 04:38 PM:
Os técnicos qualificados trabalhando no sector privado, em Portugal, raramente gozam as férias a que têm direito. Há trabalhos a ultimar, propostas a entregar, exigências à última da hora dos clientes, etc., que tornam as marcações de férias problemáticas.
Só os mais jovens ou mais "indiferenciados" se podem permitir a isso.
Como por lei as férias se têm que gozar até ao fim do 1º trimestre do ano seguinte, é sempre um problema. Ou trocam as férias por dinheiro, ou acumulam-nas de uma forma encapotada.
Publicado por: Joana às abril 4, 2005 07:25 PM
A quem o diz, Joana! Já devo ter quase 6 meses de férias acumuladas!
Publicado por: Hector às abril 4, 2005 07:43 PM
Eu venho para aqui a ver se me esqueço do trabalho e vocês não falam de outra cosia :)
Publicado por: Mario às abril 4, 2005 10:46 PM
OK. Só se fala do trabalho como factor de produção; como recurso. Só em abstracto!
Publicado por: Joana às abril 4, 2005 11:54 PM
Não falem no trabalho como recurso, senão o Zé Luiz!
Publicado por: Hector às abril 4, 2005 11:57 PM
Mais tarde ou mais cedo alguém vai propor que a Europa se isole economicamente do resto do mundo (com excepção do petróleo e das exportações que forem necessárias para pagar o dito cujo). E, de facto, um mercado de quase 500 milhões de pessoas pode isolar-se sem problemas. Seria a melhor maneira de garantir trabalho para toda a gente, mesmo se isso implicasse alguma descida de poder de compra. Nós (europeus) inventámos o livre-cambismo quando éramos os mais competitivos. Agora que já não o somos em muitos sectores, podemos regressar ao isolacionismo, com a certeza de que não há nada que um economia de 500 milhões de consumidores não possa produzir: desde baldes de plástico a foguetões Ariane...
Publicado por: Albatroz às abril 5, 2005 01:42 AM
Albatroz às abril 5, 2005 01:42 AM
E quem iria depois abastecer as lojas dos 300 e os restaurantes chineses?
E o café, o cacau, as especiarias, donde viriam?
E os diamantes, o marfim, a cocaína?...
Publicado por: Senaqueribe às abril 5, 2005 09:23 AM
Albatroz em abril 5, 2005 01:42 AM:
Não pode. A Europa construiu a sua +rosperidade no comércio e nas exportações. É vital que isso continui. Porque julga que a UE tem concordado com as aberturas sucessivas? Porque a alternativa era muito pior.
Publicado por: Joana às abril 5, 2005 10:22 AM
A ideia do isolacionismo é muito bonita. Estou já a pensar em vivermos todos em aldeias dentro das muralhas de um castelo, sempre prontos em agarrar-mos em enxadas e foices para lutar contra os invasores.
Publicado por: Mário às abril 5, 2005 10:42 AM
Joana às abril 5, 2005 10:22 AM
Em 2003 as exportações dos 25 representaram 15,8% do PIB conjunto, as importações representaram 16,6% do PIB, e o saldo da balança de transacções representou - 0,75% desse PIB. Se considerarmos que a Europa tem capacidade para substituir uma parte significativa das importações por produção própria (desviando para o interior uma parte das sua capacidade produtiva actualmente dirigida para a exportação), chegaremos à conclusão que o comércio externo não contribui grande coisa para a prosperidade europeia (como aliás se pode ver pelo saldo insignificante), e que poderia ser ignorado se isso contribuisse para manter niveis mais elevados de emprego. Não estou a defender essa política, estou a dizer que essa alternativa vai acabar por ser defendida por sectores crescentes da sociedade europeia. A partir do momento em que a globalização começa a beneficiar sobretudo países como a China, o entusiasmo pela globalização vai desaparecer.
Publicado por: Albatroz às abril 5, 2005 05:39 PM
A ideia de conjugar uma forte concorrência interna (liberalismo) com um forte protecionismo externo foi defendida para o caso dos EUA, no longínquo ano de 1993, pelo economista americano Ravi Batra. Foi no tempo em que as deslocalizações de fábricas dos EUA começavam a atingir níveis alarmantes. Batra opôs-se ao NAFTA e à OMC, dizendo que o que era preciso era aumentar o nível de concorrência na economia interna dos EUA, mantendo-a no entanto protegida da concorrência de países mais pobres.
Note-se que os EUA têm uma exposição externa semelhante à da Europa a 25: comércio externo da ordem dos 15% do PIB.
Publicado por: Luís Lavoura às abril 5, 2005 06:41 PM
Albatroz às abril 5, 2005 05:39 PM: Não pode ver isso em percentagens, mas em bens concretos. Você julga que se a Europa pensasse que seria preferível continuar na política altamente proteccionista, não o faria?
Publicado por: Joana às abril 6, 2005 09:35 AM
Tenho que pôr uma cadeado «à Público» para o JM Fernandes ...
É demais ... foi o Aron-Sartre, foi o iliberalismo da Direita (em folhetins) e hoje é e "Eurosclerose da França" (ele chamou-lhe gangrena ...)
Publicado por: Joana às abril 6, 2005 09:38 AM
Uma desvantagem (grave) do protecionismo é que ele tende a conduzir à guerra. Se o mundo ficar dividido em grandes blocos de comércio livre que praticam o protecionismo nas relações comerciais externas, então será mais que provável que, mais tarde ou mais cedo, esses blocos se guerreiem.
Além disso, a Europa tem uma grande desvantagem num mundo protecionista: não tem energia, não tem petróleo. Isso, sobretudo num mundo em guerra ou inseguro, é dramático. A Alemanha perdeu duas guerras por não ter petróleo. E o Japão perdeu uma.
Publicado por: Luís Lavoura às abril 6, 2005 09:50 AM
Joana: Se fosse a si, protestava junta da AACS.
Mas veja pela positiva. Em vez de pagar para ler o Público, lê-se a si própria.
Publicado por: L M às abril 6, 2005 10:12 AM
Luís Lavoura às abril 6, 2005 09:50 AM:
Não há perigo quanto a guerras. Quando a Europa pretende fazer uma, por pequena que seja, mendiga junto dos USA para a fazer por ela.
Se estes fazem uma guerra por conta própria, fica indignada.
Publicado por: L M às abril 6, 2005 10:14 AM
Luís Lavoura às abril 6, 2005 09:50 AM
Não é o proteccionismo que conduz à guerra, é o expansionismo político ou económico. Ora este é muito mais provável num ambiente de liberalismo económico entre desiguais do que num ambiente de isolacionismo. Quanto à questão da energia tem toda a razão. Por isso um neo-isolacionismo económico na Europa exigiria a passagem para o ciclo do hidrogénio e da fusão nuclear.
Joana às abril 6, 2005 09:35 AM
Com excepção do petróleo e de produtos tropicais, não me parece que a Europa seja dependente do exterior quanto a quaisquer outros produtos. Com a Polónia e, eventualmente, com a Ucrânia a utilizar técnicas produtivas agrícolas mais sofisticadas, até seremos autosuficientes em bens alimentares. Podemos é encontrar fora da Europa alguns bens mais baratos do que os produzidos na Europa. Por isso afirmei que uma política de isolamento económico poderia ter alguns reflexos negativos no poder de compra dos europeus. Mas se a prioridade for o pleno emprego e a manutenção do chamado modelo social europeu, então vale a pena esse sacrifício.
Publicado por: Albatroz às abril 6, 2005 01:09 PM
"Com excepção do petróleo e de produtos tropicais, não me parece que a Europa seja dependente do exterior quanto a quaisquer outros produtos"
Intel, Microsoft, Apple, etc...
Publicado por: Daniel às abril 6, 2005 01:45 PM
Daniel às abril 6, 2005 01:45 PM
Infineon Technologies, Philips Semiconductors and STMicroelectronics
Publicado por: Albatroz às abril 6, 2005 04:52 PM
Parecem que querem voltar para as concepções anteriores ao Ricardo
Publicado por: Silva às abril 6, 2005 04:56 PM
Além de Ricardo há Friedrich List, um economista alemão que no século 19 defendeu o protecionismo. Há muitos outros teóricos e práticos do protecionismo. Ricardo defendeu o mercado "livre" apenas lá onde ele interessava aos ingleses (os quais entretanto cuidavam de destruir quaisquer possibilidades de concorrência da parte da indústria bengali). List defendeu o mercado protegido porque isso interessava ao desenvolvimento da indústria alemã.
Cada um defende aquilo que lhe interessa (ou que interessa a quem lhe paga), com os melhores argumentos que consegue arranjar.
Quanto ao protecionismo europeu, penso que, enquanto a Europa fôr energeticamente dependente, ele é impensável. A qualquer momento, os EUA punham um bloqueio naval aos nevios que trazem o petróleo do Golfo Pérsico, e a Europa ficava de rastos. Só uma Europa energeticmente independente pode sonhar em seguir uma via "orgulhosamente só".
Publicado por: Luís Lavoura às abril 6, 2005 05:08 PM
Há cada vez mais gente que pensa que o futuro não está na globalização mas no "regionalismo", ou seja, na construção de blocos económicos de base regional: Europa, América do Norte, América Latina, África, Ásia, etc. Dentro da cada bloco funcionaria o liberalismo, mas cada bloco tenderia para a autosuficiência económica. É claro que isso implica resolver o problema da energia - mas, como já referi, o ciclo do hidrogénio (independente dos hidrocarbonetos) e a fusão nuclear podem vir a ser a solução -, mas é a única via para o desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas. Sem esse regionalismo nunca mais a África se poderá desenvolver. Em economia, como em tantas outras coisas, não convém ficar escravo dos preconceitos ou das ideias feitas.
Publicado por: Albatroz às abril 6, 2005 05:27 PM
Se os franceses têm o coração "virado contra a União" é porque algo vai muito mal no conceito de Europa que tem vingado nos últimos anos.
Talvez seja tempo de parar para pensar e ver o que está a falhar.
Se a França chumbar o referendo bem podem deitar par a o Lixo esta constituição...
Publicado por: Rui Martins às abril 6, 2005 08:47 PM
A Alemanha e o Japão perderam a guerra por causa da falta de petróleo?!
Podes dizer que afectou algumas operaçõas no final, nada mais, mas não teve razão nenhuma no desfecho da Guerra.
Japão
-Capacidade industrial
-No sistema de treino de pilotos elitista
-No falhanço da guerra submarina e anti submarina Japonesa.
O Japão produziu cerca de uma dezena de Porta Aviões (desde os pequenos de escolta até aos maiores) durante a guerra, os EUA produziram mais de 100. Muitos dos novos Porta Aviões Japoneses nunca operaram porque o sistema elitista de treino de pilotos não fazia sair numero suficiente apesar de haver aviões e navios.
Protecionismos...Há um miudo qualquer em Bombaim que tem uma ideia brilhante com proteccionismo chegaria 10 anos depois á Europa.Já acontece com
equipamento de vídeo que é sempre lançado 6 meses antes na Asia e EUA. Isto tem consequências ao nível da produtividade.
O atraso Europeu é real (se exceptuarmos as industrias que nasceram no secXX ligadas ao automóvel, as mais estatizadas como construção naval sobrevivem mais ligadas a nichos de know how específico como iates ou militar ou a marcas de luxo)
Resumindo o coração da Europa ainda são as industrias do inicio do século 20.
"Sem esse regionalismo nunca mais a África se poderá desenvolver."
Deves estar a gozar. Com regionalismo a Africa fica condenada ao atraso. Onde eles vão vender os seus produtos? a outros similarmente pobres ou a quem dá mais por eles?
Porque é que julgas que os Governos africanos lutam contra as tarifas Europeias e dos EUA?
Publicado por: lucklucky às abril 7, 2005 05:46 PM
Vivi em África durante alguns anos. Em capitais, como Libreville (Gabão) e Abidjan (Costa do Marfim), com excepção da cerveja todos os bens vendidos nos supermercados eram importados. E ainda se pergunta onde é que os africanos iriam vender os seus produtos? Pois em África! Onde havia de ser? Se África impusesse uma regra muito simples - "Quem quiser vender em África terá de produzir em África" - veriam como a África se desenvolveria. É esse o sentido do "regionalismo" que referi. Mas, é claro, o que alguns pretendem é continuar a esbulhar África dos seus recursos naturais e irem lá vender tudo aquilo que os africanos poderiam eles próprios produzir, não fossem os "benefícios" da globalização...
Publicado por: Albatroz às abril 8, 2005 08:55 AM
A propósito não é verdade que os teus queridos amigos protestam contra o embargo americano a Cuba. Regionalismo parece que acaba aí... Hehe...
Eu percebi que é esse o sentido.
Perguntas para responderes:
"com excepção da cerveja todos os bens vendidos nos supermercados eram importados."
Porquê?
Não será porque a instabilidade politica que implica falta de respeito pela propriedade privada o que quer dizer para o comum dos africanos as espectativas de enriquecer com esforço e trabalho acomulado ao longo de uma vida são diminutas e por isso não vale o esforço de investir para ganhar mais tarde.
Explica-me como a produção em Africa não explodiu e os terriveis capitalistas não foram a correr explorar o pobre trabalhador africano e vão explorar o chinês.O continente mais pobre e por conseguinte com mais baixos salários que poderia competir sem problemas com a China...
"Quem quiser vender em África terá de produzir em África"
Haha não sei em que planeta vives
da União Soviética á Italia Fascista já exprimentaram semelhante esperteza.
Então qualquer chafarica portuguesa tinha de produzir em Africa, brilhante !!
Não há recursos o que implica que poucos lá meteriam os pés.
Na prática em enormes regiões de Àfrica é essa regra que vigora, não há empresas porque a regra que tu queres intituir vigora na prática não por causa de um decreto mas por causa das condições no terreno...
Publicado por: lucklucky às abril 8, 2005 05:09 PM
Lucky Luke, em relação ao papel da escassez de petróleo como causa da derrota alemã e japonesa na Segunda Grande Guerra:
1. Uma das principais razões que levaram o Japão a declarar Guerra às potencias ocidentais foi precisamente a inexistência de petróleo nos territórios por ele controlados.
2. A escassez de petróleo-gasolina foi uma das causas da paragem da ofensiva alemã das Ardenas em 1944.
3. A perca dos campos petrolíferos de Ploesti na Roménia foi o último golpe fatal na máquina bélica alemã, sendo que a gasolina sintética alemã nunca foi produzida em números suficientes para alimentar as divisões blindadas alemãs.
4. A obsessão alemã em conquistar o Caúcaso na Barbarossa devia-se principalmente aos campos de petróleo do Azerbeijão.
Publicado por: Rui Martins às abril 8, 2005 05:26 PM
1. Falso. É verdade o que dizes . Mas não foi a causa da derrota.
2. Falso. É verdade o que dizes mais uma vez :) . Várias unidades pararam por causa de falta de combustível nessa ofensiva mas essas unidades já não eram unidades com capacidade de combater com todo o exército Anglo-americano. O 6ºExército parou quando o Kampfgruppe Peiper foi destruído a sul de Spa e o 5 Exército quando a 2 divisão Panzer foi destruída perto de Dinant.
Com o Exército de Patton a vir do Sul se não tivesse havido falta de combustível
os americanos provavelmente cercariam os alemães uma vez que as unidades que cobriam os flancos eram muito fracas (nenhuma blindada). Foi delirio de Hitler, um esforço futil sem hipóteses. Nem conseguiram chegar ao Rio Mosa a meio do caminho para Antuérpia.
3. Falso. É verdade mas se Ploesti tivesse continuado a extrair petróleo os alemães não teriam sido derrotados? As divisões blindadas alemãs foram destruídas em combate. Quando ocorreu o Dia D, a invasão da Italia, Norte de Africa ou as derrotas nas estepes da Russia não havia falta de combustível por isso esse elemento não pode tomar uma grande preponderância.
4.Correcto
Publicado por: lucklucky às abril 8, 2005 09:38 PM
lucklucky às abril 8, 2005 05:09 PM
Perante tanto conhecimento de África e dos africanos resta-me bater rapidamente em retirada...
Publicado por: Albatroz às abril 9, 2005 01:51 AM
Ainda bem que existe um País no Mundo que se chama França, e que hoje além de ser o garante da Liberdade, também nos garante que "aquilo" que designam por Liberalismo e que mais não é que uma nova forma de escravatura, não vingará na Europa, terra de Liberdade, Igualdade e Fraternidade !
Publicado por: Templário às abril 14, 2005 09:26 PM