« Alguém me explica? | Entrada | Estado e Desenvolvimento (2) »

maio 02, 2005

Estado e Desenvolvimento

Uma mentira repetida torna-se verdade, pensavam os chefes nazis. É um facto. Todavia torna-se verdade para um número cada vez mais reduzido de pessoas. Os comícios dos primeiros de Maio, onde os líderes sindicais repetem os mesmos chavões, receitas que levaram à bancarrota onde foram aplicadas, presenciados por cada vez menos assistentes cada vez menos entusiasmados, são prova inequívoca disso. Hoje vou dissecar a teoria de João Proença de que "a obsessão pelo défice do Orçamento de Estado" estava a arrastar o País "para um ciclo vicioso de crise económica e de desemprego", que ele havia enunciado há mais de um ano e que dava como provada pelo aumento do desemprego entretanto ocorrido. Esta relação causa-efeito faz lembrar o episódio do cientista e da rã.

Na realidade o problema põe-se inversamente. Foi a política de aumento continuado da despesa pública conduzida pelos governos anteriores, com especial ênfase nos governos de Guterres, que criou as condições "para um ciclo vicioso de crise económica e de desemprego". A “obsessão pelo défice do Orçamento de Estado" apenas tentou, embora convenhamos que de uma forma inábil, inverter aquele processo.

Três economistas reputados apresentaram, há cinco anos, um estudo (Nota 1) analisando o crescimento de 23 países da OCDE durante 37 anos, entre 1960 e 1996, ou seja 23x37=851 observações, estabelecendo uma regressão entre aquele valor, tomado como variável dependente, e o peso do Estado, expresso pela percentagem da despesa pública relativamente ao PIB(Nota 2).
DG_Table1.jpg

Nos quadros seguintes estão os resultados obtidos. O histograma do primeiro quadro é significativo. Quanto maior o peso da despesa pública num dado Estado, no início de uma dada década, menor o crescimento económico desse Estado, nessa década.

No segundo quadro apresenta-se a nuvem de pontos e a recta de regressão. A função estimada é:

(1) ΔY = 7,14 – 0,10xG

O R-quadrado igual a 0,42, indica que 42% do crescimento é explicado por aquela variável. A estatística t = 8,1 indica um elevado nível de significância do estimador do coeficiente de G (a variável é significativamente diferente de zero com probabilidade superior a 99%). Ou seja, podemos concluir com uma elevada segurança estatística que quando a despesa pública tem um aumento de 10% em termos do PIB, o crescimento económico diminui em 1%. E isto é um resultado que tem em conta o comportamento de 23 países ao longo de 37 anos. Não se refere apenas a um país ao longo de 37 anos, nem a 23 países num dado ano.
DG_Table2.jpg
E chamo a atenção para o facto de que quanto mais elevado é o peso do Estado, menor é a dispersão das observações face à recta de regressão. Basta olhar para o segundo quadro que se identifica essa situação. O aumento do peso do Estado torna-o uma causa cada vez mais significativa da diminuição do crescimento económico.

Outra adenda significativa. Como o estudo se refere a dados até 1996, estão excluídos os recentes desenvolvimentos provocados pela globalização e pela crise dos Estados sociais. Além disso, parte dos dados refere-se às 3 gloriosas décadas em que aqueles países tiveram elevados crescimentos e dominavam económica e comercialmente o mundo. Ou seja, se o estudo tivesse incluído as observações até 2004, provavelmente o estimador do coeficiente da variável G seria maior em valor absoluto. Por outro lado, ninguém pode argumentar contra a validade do estudo baseando-se no “ruído” destes últimos anos.

Aqueles autores adicionaram, em seguida, mais duas variáveis independentes – a variação percentual da despesa pública ocorrida em cada década (ΔG) e o investimento em percentagem do PIB (I). Os resultados estão no quadro seguinte (Table 4)

As equações são:

(2) ΔY = 7,724 – 0,11xG – 0,046x ΔG

(3) ΔY = 5,365 – 0,099xG – 0,055x ΔG + 0,087xI
DG_Table4.jpg
Houve uma ligeira melhoria do poder explicativo (notar que o R-quadrado foi ajustado ao aumento do número de variáveis) e os estimadores têm um nível de significado elevado, embora seja de admitir uma provável existência de multi-colinearidade (as variáveis independentes não são independentes entre si e pode haver erros na “repartição” dos coeficientes entre si) e auto-correlação (há séries temporais o que pode provocar correlação entre grupos de séries de observações ordenadas no tempo). Todavia estes efeitos não alterariam os resultados globais, quanto muito influenciariam ligeiramente os coeficientes dos estimadores e o seu peso relativo.

A equação (2) mostra que o crescimento não diminui apenas com o peso da despesa pública, mas também com a rapidez do crescimento dessa despesa. Esse fenómeno explica o agravamento da crise económica a seguir ao descontrolo da despesa pública guterrista. Não aconteceu por acaso, ou apenas pela conjuntura internacional. É um efeito normal de um erro financeiro e económico. A conjuntura internacional apenas agravou esse efeito.

Quanto ao investimento, equação (3), favorece o crescimento económico, como seria evidente. Todavia, tem um poder explicativo estatisticamente menor que o peso da despesa pública, e isto é importante, para compreender a análise subsequente.

Uma quarta regressão foi efectuada tomando I como variável dependente e G como variável independente. O resultado, que está na mesma tabela, conduziu à seguinte equação de regressão:

(4) I = 28,4 – 0,159xG

O R-quadrado igual a 0,22, indica que 22% do investimento é explicado por aquela variável. A estatística t tem um valor elevado (p>99%). Portanto quando a despesa pública tem um aumento de 10% em termos do PIB, o investimento diminui em 1,59%. O aumento da despesa pública desincentiva o investimento.

Se os líderes sindicais não vivessem no Parque Jurássico, deveriam debruçar-se sobre estes resultados. O aumento do peso do Estado desincentiva o investimento e sem investimento não há criação (ou mesmo manutenção) de empregos. E, por via disso, mas não só, o aumento do peso do Estado é um entrave ao crescimento económico e, obviamente, ao nível de emprego. Os líderes sindicais fazem reivindicações que contrariam os objectivos com que acenam aos trabalhadores.

Mas não são apenas os líderes sindicais a viverem no Parque Jurássico. Jorge Sampaio afirmou ontem na Figueira da Foz que «Não fazer as coisas porque não há dinheiro é atitude de país rico e nós não somos um país rico». Na sua linguagem de Pitonisa de Delfos, Sampaio disse uma verdade sem intenção: meter-se a fazer coisas sem dinheiro e sem avaliar o rácio benefício-custo desse empreendimento é uma aventura típica de um país subdesenvolvido que não percebe como há-de sair dessa situação de baixo desenvolvimento. Sampaio continua sem estar consciente da importância da diminuição do peso do Estado no desenvolvimento do país.


(1) The scope of government and the wealth of nations - James Gwartney, Randall Holcombe, and Robert Lawson, Cato Journal, Vol. 18, No. 2 (Fall 1998)

(2) No que respeita a este indicador transcrevo esta nota dos autores: «Throughout this paper, total government expenditures as a share of GDP are used to measure the size of government. Total government expenditures include spending on government consumption, transfers and subsidies, net interest on outstanding debt, and capital goods. Previous cross-country studies have generally used government consumption (or central government expenditures) as a share of GDP to measure the size of government. While those figures are easier to obtain and available for more countries, they are often highly misleading. The government consumption figures substantially understate the size of government for countries with either (a) large transfer and subsidy sectors or (b) a high level of government investment. Similarly, the central government figures will understate the size of government for countries (for example, United States and Switzerland) where substantial expenditures are undertaken at lower levels of government. Thus, the total government expenditure figure is both a more accurate and more comprehensive indicator of government size».

Publicado por Joana às maio 2, 2005 10:32 PM

Trackback pings

TrackBack URL para esta entrada:
http://semiramis.weblog.com.pt/privado/trac.cgi/85364

Comentários

Não se deve confundir estradista com estadista.

Publicado por: Senaqueribe às maio 2, 2005 10:45 PM

Não contesto a existencia de uma certa relação causa efeito entre percentagem de despesa pública e taxa de crescimento. No entanto contesto a percentagem apresentada (que penso que poderá ser explicada por outros factores ligados à epoca e não apenas pela taxa de despesa pública).

E verifico que os reputados economistas só conseguiram publicar este estudo no jornal do Cato Institute...

Publicado por: João Branco às maio 2, 2005 11:20 PM

Que época? Em 37 anos não podemos falar em razões conjunturais ou enviesamentos devido a uma dada época.

Publicado por: Joana às maio 2, 2005 11:29 PM

Análise interessante e bem fundamentada.

Publicado por: Novais de Paula às maio 3, 2005 01:16 AM

Mas aqueles que se querem iludir a eles próprios ou aos outros arranjam sempre argumentos por muito cretinos que sejam.
Mesmo a revista onde foi publicada. Essa é a prova de que deixou de haver argumentos.

Publicado por: Novais de Paula às maio 3, 2005 01:18 AM

Eu li o artigo original, e não a rescenção da Joana...

A) Em que época.

A correlação indicada é presente em dados realmente tirados durante cerca de 40 anos. No entanto mais do que a correlação estado/crescimento, é fácil ver que o crescimento DESCE ao longo desses 40 anos para todas as economias*. A percentagem do estado CRESCE durante o mesmo período para as mesmas. Existe uma relação causa-efeito peso do estado/crescimento? Eu creio que sim. Ela por si só explica o diferencial nas taxas de crescimento 10%:-1%? Penso que não.

b) O jornal: Se eu quiser publicar um estudo cientifico em Economia, vou publicá-lo num jornal cientifico independente com revisão por pares. Se quiser publicar um panfleto partidário, então posso publicá-lo no Jornal do Cato Institute, ou no Jornal do Bloco de Esquerda...

* Se bem me lembro, existe depois um crescimento verificado nos anos 80/90 em algumas economias... Que os autores atribuem à diminuição dos pesos dos estados nos países em que se verifica.

Publicado por: João Branco às maio 3, 2005 07:08 AM

Realmente acho peculiar que estudos de tal importância e supostamente de tal rigor apareçam publicados no jornal de um think tank, e não numa revista científica adequada.

No rigor do artigo, há variáveis importantes que os autores não tomam em conta. Por exemplo, o gau de desenvolvimento de um país. É normal que um país muito desenvolvido tenha um crescimento percentual reduzido - uma vez que a economia já é de si grande, e que gande parte das necessidades da população já se encontram satisfeitas - e tenha simultâneamente um Estado grande - na medida em que o grande desenvolvimento da economia exige um Estado mais complexo, em funções como a proteção dos consumidores, do meio ambiente, da segurança industrial, do apoio aos agricultores, etc. É normal que um Estado pouco desenvolvido tenha, ipso facto, pequeno peso do Estado, e gande desenvolvimento económico. Pôr no mesmo estudo a Suécia e Portugal - ambos membros da OECD - distorce o estudo.

O estudo também não tem em conta efeitos demográficos, que podem ser importantes. Um país em rápido desenvolvimento demográfico tem ipso facto rápido desenvolvimento económico, independentemente do peso do Estado. Pôr no mesmo estudo a Alemanha e Portugal, com demografias muito diferentes, distorce os resultados.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 3, 2005 10:05 AM

Portanto, quando o peso do Estado cresce, na década que segue o crescimento diminui. Isso acontece para todas as economias, diz o João Branco. Mas há casos em que há diminuição do peso do Estado e há a seguir aumento do crescimento. E o João Branco diz que os autores "atribuem" à diminuição dos pesos dos estados.
Não haverá antes uma relação de causa e efeito?

Publicado por: Novais de Paula às maio 3, 2005 10:15 AM

O Cato Institute é uma organização de mérito, com ligações a instituições científicas em diversos países.
Por essas teorias, a Universidade de Chicago deixava de ser relevante.

Publicado por: Novais de Paula às maio 3, 2005 10:20 AM

Luís Lavoura em maio 3, 2005 10:05 AM:
Eu sempre ouvi dizer e li que numa análise estatística sobre o comportamento de um conjunto de indivíduos, se devem tomar todos os elementos do conjunto e não apenas aqueles que achamos "a priori" como convenientes.
Você parece ter uma teoria oposta.

Publicado por: L M às maio 3, 2005 10:34 AM

Novais de Paula às maio 3, 2005 10:20 AM

Sem dúvida, mas cabe perguntar se a ciência económica está assim tão mal que três "economistas reputados" (como a Joana os descreve, não sei se o são) não tenham uma revista científica que lhes publique o seu estudo, e precisem de recorrer a um jornal de um think tank.

Quando importantes "descobertas" científicas são publicadas no New York Times, os cientistas desconfiam de que haja gato. Quando um "estudo científico" é publicado num jornal de um think tank, também é legítimo desconfiar.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 3, 2005 10:34 AM

L M às maio 3, 2005 10:34 AM

Sem dúvida, mas as análises estatísticas valem o que valem. E podem omitir fatores explicativos importantes, os quais só se tornam evidentes quando se restringe a estatística a uma parte da amostra.

Por exemplo, se se fizesse uma estatística aqui no edifício onde trabalho, facilmente se concluiria que as casas-de-banho do lado esquerdo são bastante mais utilizadas do que as do lado direito do edifício. Daí não seria legítimo concluir que umas são melhores (mais luxuosas, melhor mobiliadas...) do que as outras. Efetivamente, se se restringir o universo das utilizadores das casas-de-banho ao sexo feminino, obter-se-ia o resultado oposto...

Publicado por: Luís Lavoura às maio 3, 2005 10:41 AM

Novais de Paula:

Eu digo sempre que os autores "atribuem" efeitos a causas, se existem diferentes causas que potencialmente explicam / contribuem para um efeito, e os autores só apresentam um.

Eu disse que muito provavelmente existe essa relação de causa-efeito. Disse apenas que ela não é o único factor a actuar, e provavelmente não conseguirá explicar a totalidade da variação apresentada.

De qualquer forma, ao contrário do que diz a Joana se acrescentarmos os dados dos anos de 97-2004, provavelmente veremos que as correlações ficam muito menos precisas. Nomeadamente os ultimos anos para além da "crise dos estados sociais" tem também levado a um crescimento da despesa do estado por exemplos nos EUA, onde as taxas de crescimento até tem sido bastante boas...
No crescimento dos anos 90 a quase totalidade é devida à "bolha" da "nova economia". Se sanitizarmos os dados e retirarmos esta influência, o "crescimento" quase desaparece.

Publicado por: João Branco às maio 3, 2005 10:52 AM

João Branco:
Em primeiro lugar eu não fiz uma recensão ao paper. Vi os valores de partida, o significado das variáveis (por isso transcrevi uma nota dos autores para que não houvesse dúvidas) e analisei os resultados de acordo com a minha leitura. Isto não é uma recensão. É a utilização de dados recolhidos num paper, certificando-me primeiro do rigor da obtenção desses mesmos dados. Para que não restassem dúvidas coloquei o link do paper.

Em segundo lugar não é apenas a influência do crescimento do Estado no desenvolvimento (aqui você poderia alegar se não seria um fenómeno inverso). Mais grave que isso é a influência negativa do crescimento do Estado no investimento. E aqui você não pode alegar que a variável independente poderia ser o G em vez do I, porque I tem a ver com decisões de milhões de agentes económicos.

Publicado por: Joana às maio 3, 2005 12:45 PM

O Cato Institute é uma instituição muito conhecida e respeitada. Basta fazerem uma pesquisa na net para verificarem isso.
Mas pior. Quem questiona os resultados por causa de ser o Cato Institute, está a utilizar o “argumentum ad hominem”, que é uma falácia lógica, onde não se questiona o argumento , mas sim quem o fez.

Publicado por: Joana às maio 3, 2005 12:48 PM

Outra coisa. Nem eu nem os autores escreveram que G explicava totalmente o crescimento. Estatisticamente explica 42%. Isso está escrito no texto.
Inclusivamente chamei a atenção para a “provável existência de multi-colinearidade e eventualmente de auto-correlação, no caso das regressões múltiplas. Isso mostra que não tomei os resultados acriticamente.

Publicado por: Joana às maio 3, 2005 12:53 PM

Luís Lavoura às maio 3, 2005 10:05 AM:
Quando se faz uma análise econométrica utilizam-se os valores de todo o conjunto de indivíduos e observações.
Depois há métodos, como a regressão Ridge, para eliminar valores marginais que podem afectar desnecessariamente os resultados.
Olhando a nuvem de pontos e a amostra dos dados, não me parece que houvesse necessidade disso

Publicado por: Joana às maio 3, 2005 12:57 PM

A mim, pelo que sei, parece-me que o estudo está apresentado com cuidado e é credível.Infelizmente as pessoas só acreditam no que querem

Publicado por: Hector às maio 3, 2005 01:38 PM

Vamos lá ver se eu percebo: Se o crescimento desce para todos os países da OCDE e o peso do Estado sobe e se, nos poucos casos em que o crescimento sobe, o peso do Estado desce, dá a impressão que há uma estrita relação entre os dois casos.
Por sua vez se o investimento desce quando o peso do Estado sobe para além de haver essa relação, indica que é o peso do Estado que influencia o resto.

Publicado por: David às maio 3, 2005 02:08 PM

Saber se é 35%, 42% ou 50% é discussão bizantina. O certo é que tem influência e nós andamos quase todos a olhar para o lado a fingir que não percebemos

Publicado por: David às maio 3, 2005 02:09 PM

Este trabalho é muito suspeito.

Não percebi porque é que escolheram décadas, porque não todas as observações de 1960 a 1996.

Os autores usam um tom altamente depreciativo em relação ao Estado, que só deve assumir "core functions" (e mesmo essas, segundo os autores, são já produzidas com sucesso pelo mercado), supostamente baseando-se em teoria económica.
Na página 8 mencionam o modelo de Solow, entre outros, para seguidamente os ignorarem. Sem uma base teórica consistente os resultados só podem ser considerados espúrios, há uma mera correlação estatística. A única excepção é a da relação inversa entre Estado e investimento, mas o "crowding out" não é nenhuma novidade.

Como tenho suspeitas de relação espúria tenho, muitas dúvidas em relação à conclusão: nada garante que a diminuição do peso do Estado leva a um aumento da taxa de crescimento potencial. Ou seja, não há observações nesse sentido, empiricamente não se verifica, como tirar essas conclusões a partir de um estudo empírico?

Publicado por: Daniel às maio 3, 2005 02:48 PM

Pelas mesmas razões que a Guerra não pode ser entregue exclusivamente aos militares, a Economia, pelos argumentos aqui já expostos pelos economistas de serviço, não pode nem deve ser coutada exclusiva dos economistas.

Publicado por: Luís Filipe às maio 3, 2005 03:46 PM

Debate ideológico curioso.

Tão fácil é arranjar críticas para desvalorizar estudos que não apoiam o estatismo. Isto do cepticismo dá cá um "jeitão" em certas alturas...

Já o nível de cepticismo sobre os estudos sobre o aquecimento global é quase nulo. O mecanismo psicológico é exactametne o mesmo.

Publicado por: Mário às maio 3, 2005 04:27 PM

Não há qualquer problema em suspeitar do estudo.

Não se trata de uma questão qualquer, é mesmo das mais delicadas que podemos ter. O estudo mostra uma tendência clara, se os valores e os métodos utilizados causam reserva, porque não pedir mais e mais estudos, como se faz em outras áreas?

Contudo, os preconceitos ideológicos levam que a própria existência do estudo seja incómoda. Não tem interesse estudar o assunto profundamente, porque corre-se o risco de chegar a conclusões semelhantes. O que dava mesmo jeito é que estes dados nunca tivessem sido trabalhados. Mas não foi possível impedir, então há que descredibilizar a todo o custo.

Até na ciência, há aqueles que procuram a verdade (e claro que têm sempre de ser saudavelmente cépticos) e os que são meros peões governados pela vaidade, preconceitos ideológicos...

Publicado por: Mário às maio 3, 2005 04:38 PM

Confesso que li em diagonal, não há tempo para mais. Mas quanto à regressão linear com um R2=0.42 quer dizer que menos de 50% da variação da variável-resposta é explicada pela variável predictora. A regressão não é significativa no sentido em que não se vai rejeitar a hipótese nula R2=0. Entende, Joana? Aquela tendência vale quase nada.

Publicado por: pyrenaica às maio 3, 2005 05:05 PM

Daniel em maio 3, 2005 02:48 PM:
Você não deve ter lido bem. Os autores referiram o modelo de Solow e escreveram que a sequência do dos dados não estava de acordo com aquele modelo.
Transcrevo:
"A fundamental model of economic growth developed by Robert Solow (1956) suggests that while some economies may be wealthier than others, in the long run they should all grow at the same rate.
More recent work has suggested that not only do economies actually have substantially different growth rates over lengthy time periods (Quah 1996, Gwartney and Lawson 1997), there are also good theoretical reasons for believing that countries can maintain the different rates (Lucas 1988, Romer 1990)"

Publicado por: Hector às maio 3, 2005 05:16 PM

pyrenaica às maio 3, 2005 05:05 PM:
Isso não é verdade. O que vale para o nível de significado dos coeficientes é a Estatística t, que você pode consultar nos apêndices de qualquer manual de estatística.
O facto da regressão "só" explicar 42% não lhe retira valor explicativo. Apenas diz que há outros factores que influenciam

Publicado por: Hector às maio 3, 2005 05:19 PM

Hector às maio 3, 2005 05:19 PM

O teste de t para o declive da recta e o teste de f para o R2 estão intimamente relacionados de tal forma que se pode dizer que é equivalente testar b=0 ou R2=0, ou seja, em qualquer caso, a regressão não é significativa. Um R2 abaixo de 0.5 é mau. Quando muito pode dizer que existe uma tendência muito difusa.

Publicado por: pyrenaica às maio 3, 2005 05:49 PM

Hector às maio 3, 2005 05:16 PM

Confesso que fico surpreso com o trecho que você cita. Dá ideia de que os economistas desprezam totalmente a influência do crescimento demográfico sobre o crescimento económico.

Não é de esperar que todas as economias cresçam à mesma velocidade, dadas as diferentes dinâmicas demográficas. Por exemplo, estando a população alemã estável e com tendência para o envelhecimento, enquanto que a população americana é jovem e crescente, só por esse facto já é de esperar que o crescimento económico americano seja superior ao alemão.

Assim, o facto de duas economias apresentarem taxas de crescimento diferentes nada nos diz, por si só, sobre as virtudes ou defeitos de cada uma delas.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 3, 2005 06:27 PM

Tive de escrever à pressa e o meu post anterior não ficou grande coisa.

Mário, o meu problema não é ideológico. O trabalho parte para o estudo empírico sem grandes considerações teóricas, não basta dizer umas poucas banalidades como a dos agentes económicos se entendem fora dos tribunais. Sem a base teórica podem estar a fazer regressões sem sentido (que é o que penso da apresentada).
Imaginemos que a a relação se verifica como foi descrita e explica só (?!) 42% do crescimento do PIB. Restam apenas 58% para os restantes factores tradicionais como a intensidade capitalística ou a inovação tecnológica. Será razoável assumir que a variável peso do estado seja mais relevante como, por exemplo, a inovação...
Por isso a relação deve ser espúria e a redução do peso do estado não é condição suficiente (ou até necessária) para uma maior taxa de crescimento.

Aqui o enviesamento ideológico é mais da parte dos autores do trabalho do que meu.

Publicado por: Daniel às maio 3, 2005 06:36 PM

Publicado por: Luís Lavoura às maio 3, 2005 06:27 PM

Lendo as suas palavras, você dá a entender que defende que a diferença no crescimento económico se deve apenas a crescimentos diversos.

Sendo assim, como explica que a China tenha tido um grande crescimento demográfico durante décadas e só quando o estado começou a abdicar do total controlo sobre a economia é que se deu uma explosão no crescimento economico.

Por outro lado, não devia causar grande espanto economistas deixarem de fora algumas variáveis (mas devem deixar isso claro). Não é o que se faz em todas as ciências para tentar apurar a contribuição de um dado factor?

Publicado por: Mário às maio 3, 2005 06:37 PM

Publicado por: Daniel às maio 3, 2005 06:36 PM

O pendor ideológico vê-se por vários factores. As pessoas nem se apercebem da quantidade de emoções que deixam transparecer no que escrevem, mas também no própria forma de pensar sobre determinadas questões.

Publicado por: Mário às maio 3, 2005 06:46 PM

Luís Lavoura às maio 3, 2005 10:05 AM

"...e que gande parte das necessidades da população já se encontram satisfeitas -..."

Isto quer dizer que as necessidades da população têm limites?
Quais são então esses limites?

Publicado por: Senaqueribe às maio 3, 2005 09:42 PM

Senaqueribe às maio 3, 2005 09:42 PM

As necessidades das populações podem não ter limites, mas em todo o caso a sua premência diminui à medida que as necessidades mais básicas vão sendo satisfeitas. A propensão para gastar dinheiro, para comprar, diminui.

É claro que isto varia de povo para povo, em função de valores antropológicos - há povos com mais tendência para o consumo supérfluo do que outros.

Isto é um motivo pelo qual a distribuição tendencialmente equitativa do dinheiro pode ser boa para o desenvolvimento económico: enquanto que os pobres gastam todo o dinheiro que tê, os ricos, por terem as suas necessidades básicas já satisfeitas, podem tender a aforrar em excesso e de forma improdutiva.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 4, 2005 09:47 AM

pyrenaica às maio 3, 2005 05:49 PM:
Em estudos econométricos um R2=0,42 já é bom. É pouco frequente que se consiga melhor. Repare que corresponde a uma correlação R=0,65.
Quanto à rejeição da hipótese nula, ela faz-se com a Estatística t e, se consultar as tabelas, rejeita-se com uma probabilidade superior a 99% na maioria dos estimadores.
Estatisticamente é suficiente.

Publicado por: Joana às maio 4, 2005 10:13 AM

"Isto é um motivo pelo qual a distribuição tendencialmente equitativa do dinheiro pode ser boa para o desenvolvimento económico: enquanto que os pobres gastam todo o dinheiro que tê, os ricos, por terem as suas necessidades básicas já satisfeitas, podem tender a aforrar em excesso e de forma improdutiva."
Luís Lavoura às maio 4, 2005 09:47 AM:
Deixe-me dizer-lhe que admiro o à vontade com que você escreve estas coisas.
A distribuição mais equitativa do dinheiro nunca é boa para o desenvolvimento económico exactamente porque os pobres gastam todo o dinheiro que têm (não poupam) e os ricos, que poupavam antes, deixam de poupar.
Ora a poupança é a base do investimento. Sem poupança não há investimento. Escusa de ir pedir ao Banco, pois se não houver poupanças, o Banco não tem dinheiro para emprestar.
A menos que você julgue que poupar é meter o dinheiro dentro do colchão! Assim é improdutivo.
Mas aplicar dinheiro em excesso no consumo importado, do ponto de vista da economia interna é não só improdutivo como ruinoso

Publicado por: Joana às maio 4, 2005 10:21 AM

"admiro o à vontade com que você escreve estas coisas"
Joana às maio 4, 2005 10:21 AM

O argumento que escrevi não é meu. Retirei-o de um livro de John Kenneth Galbraith, que é um economista bastante respeitado.

É claro que tem que haver um equilíbrio entre consumo e investimento. Se o consumo é excessivo, não sobra dinheiro para investir.

Mas a situação oposta também pode ocorrer, em que há um aforro excessivo e poucas oportunidades de o investir de forma lucrativa. O aforro excessivo vira-se então para a especulação (em obras de arte, imobiliário, filatelia, seja o que fôr), com efeitos por vezes predatórios. É o que se passa, em boa parte, com o mercado imobiliário atual (não somente em Portugal), o qual é abundantemente usado para a lavagem de dinheiro e para os "investimentos" especulativos de gente excessivamente rica. Com prejuízo dramático para todo o resto da sociedade.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 4, 2005 11:09 AM

Faço notar que a Joana parece andar muito irritada comigo, a tal ponto que já não lê com cuidado aquilo que eu escrevo. Eu escrevi que

"a distribuição tendencialmente equitativa do dinheiro pode ser boa para o desenvolvimento económico"

tendo o cuidado de utilizar o advérbio "tendencialmente" e o verbo "pode". A Joana retorque que

"A distribuição mais equitativa do dinheiro nunca é boa"

... como se eu tivesse argumentado tal coisa!

Joana, acalme-se, leia bem o que escrevo, e critique só quando eu fôr pouco cuidadoso.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 4, 2005 11:19 AM

Luís Lavoura às maio 4, 2005 11:19 AM:
Quem escreveu aquela frase fui eu e não você.
Num país desenvolvido, em que a classe média é preponderante, a tentação do igualitarismo (A distribuição mais equitativa do dinheiro) nunca é boa, pelas razões que apontei.
Nos países atrasados, mesmo os sul-americanos, onde a classe média tem pouca força ou é inexistente, tem que haver medidas políticas que visem um reforço progressivo daquela classe, que é a base do consenso social, da democracia sustentada e da prosperidade económica.
Essas medidas passam pelo combate às situações de monopólio e de discriminação económica impostas pelos magnates locais, não excluindo expropriações de bens adquiridos de forma pouco transparente.
Mas eu não me estava a referir a esses países.

Publicado por: Joana às maio 4, 2005 01:29 PM

Aqui está um trabalho que incide sobre o mesmo assunto.

http://www.oenb.at/de/img/paper_tanzi_tcm14-16012.pdf

O trabalho parece-me bom e não tenho críticas desfavoráveis a fazer-lhe. Defende uma posição cautelosa e mais bem fundamentada, sem deixar de ser liberal.

Publicado por: Daniel às maio 4, 2005 01:34 PM

John Kenneth Galbraith fez a sua época, porque atacou a teoria clássica "de dentro" o que foi muito utilizado pela esquerda da época, nomeadamente a marxista. O seu conceito de tecno-estrutura fez furor nesses meios.
O maior erro de Galbraith, donde deriva depois os erros de análise que fez, é negar que o consumidor tenha vontade própria e seja capaz de determinar os seus próprios interesses e agir sobre eles. Isso não é verdade. Na época era "fino" pensar-se que a publicidade convencia o consumidor de tudo o que quisesse.

Publicado por: Joana às maio 4, 2005 01:38 PM

Por outro lado a sua teoria da firma não tem qualquer sustentação. A ideia de Galbraith era que, com o domínio da tecno-estrutura, o principal objectivo da firma era o crescimento, pois isso trazia poder aos gestores (isto de uma forma simplificada).
Ora isto é um equívoco. A firma deve tentar maximizar os lucros, não direi no curto prazo, mas pelo menos no longo prazo, pois senão corre o risco de um "ataque" bolsista que a faça mudar de principais accionistas, dado que o valor das acções tem a ver com os dividendos distribuídos.

E depois os novos donos despediam a tecno-estrutura do Galbraith. ...

Publicado por: Joana às maio 4, 2005 01:45 PM

"A distribuição mais equitativa do dinheiro nunca é boa para o desenvolvimento económico exactamente porque os pobres gastam todo o dinheiro que têm (não poupam) e os ricos, que poupavam antes, deixam de poupar. Ora a poupança é a base do investimento. Sem poupança não há investimento. Escusa de ir pedir ao Banco, pois se não houver poupanças, o Banco não tem dinheiro para emprestar."

Os pobres não poupam porque não têm mais. Os ricos não poupam, acumulam.

Porque haveria alguém de ir ao Banco pedir dinheiro, se este foi equitativamente distribuído para a satisfação das suas necessidades? :)

Publicado por: oinsurgente às maio 4, 2005 02:09 PM

Joana às maio 4, 2005 01:45 PM

A Joana tem que ter em conta que as realidades mudam com o tempo e que, portanto, a ciência económica também tem que mudar. Se o objeto da ciência muda, as teses dessa ciência também devem mudar.

No tempo em que Galbraith formulou a sua teoria da tecno-estrutura - nos anos 70, julgo - não havia "takeovers" hostis de empresas. Não havia ataques bolsistas. As empresas geriam-se, efetivamente, pela teoria de Galbraith - procuravam principalmente crescer, o lucro era secundário.

Hoje em dia a realidade é diferente. A teoria galbraithiana da tecno-estrutura perdeu a sua validade.

Trata-se de uma teoria que, como tantas outras em economia, explica a realidade do seu tempo, mas não tem validade eterna.

Tal como a teoria de Keynes, que a Joana tanto vilipendia.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 4, 2005 02:15 PM

Daniel em maio 4, 2005 01:34 PM:
O paper que você sugeriu é excelente:
http://www.oenb.at/de/img/paper_tanzi_tcm14-16012.pdf
Vai no mesmo sentido daquele que eu utilizei, inclusivamente a função que estimou para I=f(G) é praticamente idêntica, embora o período em análise seja diferente e mais recente.
A discussão sobre os efeitos dos impostos e a vantagem da flat tax também tem o meu total apoio.
A diferença é que aborda a mesma questão de diversos ângulos, o que o torna mais sugestivo, mas como tem menos observações, é econometricamente mais discutível, embora eu seja de opinião que os resultados têm sustentação e são de aceitar.

Publicado por: Joana às maio 4, 2005 07:13 PM

Luís Lavoura às maio 4, 2005 02:15 PM:
Não compare Keynes e Galbraith.
Keynes encontrou um antidoto para uma enfermidade que a economia americana e europeia sofria na década de 30. A aplicação da mesma receita em enfermidades diferentes revelou-se um erro, como a década de 70 mostrou. Keynes morreu, se bem me lembro, em 46. Não tem culpa que andassem a servir-se das suas teorias para fazerem disparates.
Se tiver tempo hei-de voltar a este assunto.
Galbraith encontrou um nicho de mercado: dizer que já não havia iniciativa individual porque as empresas estavam dominadas pela tecno-estrutura cujos objectivos eram diferentes do empresário da Economia Clássica.
Isto foi um maná para a esquerda e para os marxistas. Deixara de haver estímulo individual e portanto todos os conceitos da economia de mercado, Adam Smith, Marshalll, etc., iam para o lixo. O Socialismo Real podia substituir o capitalismo.
Galbraith vendeu dezenas de milhões de exemplares de diversos livros que escreveu com este mote.
Não foi o facto do mercado bolsista estar hoje mais ágil que liquidou Galbraith. Galbraith foi também uma das vítimas da queda do muro de Berlim. Ele esteve sempre errado.

Publicado por: Joana às maio 4, 2005 07:26 PM

De facto Keynes continua muito falado, uns a dizerem muito mal, outros muito bem. Galbraith nunca mais ninguém falou. Desapareceu completamente

Publicado por: David às maio 4, 2005 08:56 PM

"A diferença é que aborda a mesma questão de diversos ângulos, o que o torna mais sugestivo, mas como tem menos observações, é econometricamente mais discutível, embora eu seja de opinião que os resultados têm sustentação e são de aceitar."

Como eu sou muito céptico relativamente à regressão em causa, considero mais discutível a conclusão exagerada a que a regressão pode levar. Não é conveniente dar a uma variável um peso que só de forma muito remota pode ter (daí que considere que se trata de uma relação espúria). A análise econométrica que apresentou ignora demasiados factores de crescimento, para não dizer todos.

No caso português uma mudança das práticas de gestão no sector público tem um maior impacto no crescimento do que a variação da dimensão deste face à economia. Com melhores práticas de gestão o peso do estado diminuirá de um modo natural, os recursos de que dispõe neste momento permitem-lhe produzir muito mais. Mantendo a dimensão absoluta a dimensão relativa vai ser progressivamente menor, apesar de o principal benefício não vir da dimensão mas sim da actividade do estado (burocrática) não entorpecer as acções dos outros agentes económicos. Na minha opinião a relação do estado com o crescimento é uma questão mais qualitativa do que quantitativa.

Publicado por: Daniel às maio 5, 2005 02:04 PM

Comente




Recordar-me?

(pode usar HTML tags)