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março 21, 2005
Fé, Esperança e Caridade
O programa do governo apresentado hoje no hemiciclo parlamentar tem 3 características principais e, subjacentes a elas, as virtudes teologais, ou sejam, as virtudes com nos põem em relação íntima com o Moloch estatal que divinizamos:
1 Mantém rigorosamente, na forma e no conteúdo, aquilo que, na campanha eleitoral, foi designado por metas indicativas. Tendo em conta a aceitação entusiástica do eleitorado, Sócrates decidiu nem mexer sequer uma vírgula;
2 As metas indicativas mais exaltantes e com maior contributo para o desenvolvimento do país, investimentos de mais de 20 mil milhões de euros até 2009, ficarão a cargo dos privados, ou seja, não são propriamente metas indicativas, mas metas aspirativas;
3 As metas indicativas mais concretas, ligadas ao aumento da despesa pública, como as SCUTs, colocar mil jovens formados em gestão e tecnologia nas PMEs, etc., serão do âmbito do governo, ou seja, são metas concretas.
Portanto não houve qualquer concretização das metas indicativas já constantes no manifesto eleitoral. Mas o governo tem fé que no próximo Programa de Estabilidade e Crescimento para 2005-2008 e no próximo Orçamento Rectificativo de 2005 haverá metas indicativas mais consistentes.
As coisas boas, as que têm impacte nas receitas e no nosso desenvolvimento, essas espera o governo que os privados as façam. São aspirações. O governo tem esperança que apareçam beneméritos da coisa pública que invistam 20 mil milhões de euros em projectos de modernização de redes de infra-estruturas energéticas, rodoferroviárias, portuárias, aeroportuárias, ambientais, de telecomunicações e de equipamentos turísticos
As metas que implicam aumento da despesa pública, essas podemos contar com o engenho do governo para as concretizar. Mas como as ressarcir? Aumento de impostos? Todavia, no que se refere a esse eventual aumento, Sócrates disse que ele «vai ser evitável justamente porque estamos cá para garantir que vamos conter a despesa, apostar no combate à fraude e evasão fiscal e no crescimento económico». E entretanto afirmou com uma clareza pitonísica que A chave do problema da consolidação das contas públicas está do lado da despesa, onde se verifica uma extrema rigidez estrutural que retira margem de manobra a qualquer Governo.
Vários charadistas já se estão a debruçar sobre esta última frase tentando adivinhar-lhe o sentido, ou melhor como é possível aceder a uma chave que está onde o governo não consegue manobrar, ou seja, aceder a algo que está não se sabe onde, nem se seremos capazes de aí aceder, se o soubermos. Uma possibilidade seria a de organizar entre a equipa governativa e assessores e, porque não, toda a população do país, o Rally Paper Rota da Chave para descobrir a localização de uma chave que, sem ela, deixa de ser evitável o aumento de impostos. Terá que ser uma tarefa nacional, porquanto se não a conseguirmos descobrir ficamos obviamente entregues à caridade.
Resumindo, o programa do governo assenta na fé que as metas indicativas do manifesto eleitoral socialista ganhem contornos mais precisos nos futuros programas que concretizem o que este continua a evitar fazer, na esperança na realização de investimentos vultuosos a efectuar por outros, que ingenuamente estão na doce ignorância do tremendo esforço financeiro que o governo (e todos nós!) espera deles, e na descoberta de uma chave, sem a qual ficamos entregues à caridade, pois vamos ter que pagar do nosso bolso o aumento da despesa pública, que foi o que de mais concreto saiu do debate.
Publicado por Joana às março 21, 2005 10:38 PM
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Comentários
O debate foi muito chocho. Sócrates está cinzento, o PSD não tem líder ... uma desgraça
Publicado por: David às março 22, 2005 12:30 AM
Os mais aguerridos ainda foram aqueles miúdos do CDS!
Publicado por: Coruja às março 22, 2005 12:44 AM
O nível deste Parlamento ainda é inferior ao anterior. Vamos de mal a pior
Publicado por: VSousa às março 22, 2005 01:23 AM
O governo mantém-se calado sobre o que vai fazer, se é que faz alguma ideia do que vai fazer. A oposição está abúlica, quer de um lado quer do outro.
Publicado por: VSousa às março 22, 2005 01:25 AM
Mas eu continuo a dizer que aqueles putos do CDS foram os que mais destoaram do cinzentismo
Publicado por: Coruja às março 22, 2005 01:26 AM
O Louçã, sem as grosserias que costuma dizer, já não tem piada. E como ele está a dar ao Sócrates um período de graça, foi o mais cinzento de todos.
Publicado por: Coruja às março 22, 2005 01:28 AM
Hehehehe!
Parece-me que cinzenta ficou a direitralha por constatar a diferença abismal entre socrates e os dois incompetentes que por lá passaram antes dele.
.
Socrates é o ministro que a direita sempre desejou, mas que por muito bom tempo não poderá aspirar a ter. Em troca tem dois incompetentes, e um enorme vazio da tal esperança.
Habituem-se!!! Daqui a oito anitos conversamos...Hehehe
Publicado por: never mind às março 22, 2005 02:55 AM
Fé e esperança tinham os governos anteriores quando fizeram orçamentos em que previam sempre um crescimento da economia superior ao que depois se verificava, e um preço do petróleo inferior.
Em particular o governo Santana Lopes, de tristíssima memória, que nos legou um orçamento em que considerava que o petróleo custaria... 38 dólares por barril. Um disparate completo.
(E não me venham dizer que os orçamentos de outros países cometeram o mesmo disparate. As asneiras dos outros não justificam as nossas.)
Os governos hoje em dia, em qualquer país do mundo, têm muito pouco poder. Portanto fazem "voodoo economics": dizem que as coisas vão melhorar, na esperança de que melhorem de facto. Exibem, assim, fé e esperança. E isto tanto vale para o governo português como para o governo dos EUA.
Publicado por: Luís Lavoura às março 22, 2005 10:00 AM
De resto, Sócrates tem completa razão com a sua frase sobre "a chave do problema". E a Joana sabe isso tão bem como eu. A chave do problema é que a função pública está presa por uma série de leis, como sejam o caráter vitalício dos contratos de trabalho e o regime de promoções automáticas em função da antiguidade, que a tornam muito difícil de manipular por qualquer governo. É claro que essas leis podem - e devem - ser abolidas ou modificadas, mas isso seria fortissimamente impopular e tremendamente difícil, pois poria em causa as expetativas na base das quais centenas de milhar de portugueses construíram as suas vidas.
José Sócrates sabe isso, a Joana também sabe, toda a gente sabe.
Não é preciso fazer rally-paper nenhum para encontrar a chave. O que é preciso é ter coragem e força para enfiar a chave na fechadura, e rodá-la.
Publicado por: Luís Lavoura às março 22, 2005 10:06 AM
O OE 2005 seria sempre para esquecer. Escrevi-o na altura (ver arquivo de Dezembro). Foi o PR que pressionou o governo para o fazer e o PSL, que andava de cabeça perdida, aceitou liderar esse exercício masoquista.
E o PR promulgou-o apesar de todos os defeitos e de ser um OE feito por um governo para outro realizar.
Quanto à chave ... todos sabemos isso. Ficou-me, pelas palavras de Sócrates, que ele não terá "coragem e força para enfiar a chave na fechadura, e rodá-la."
A ver vamos
Publicado por: Joana às março 22, 2005 10:16 AM
Desistam.
Com este velho Renault Scénic II entrei e encontrei A Chave.
Era fácil.
Sócrates vai entregar aos privados toda a dinâmica, toda a terra, toda a água e breve todo o céu.
Vai ser tudo privatizado, tudo bom, tudo ecológico e tudo caro.
Mariano Gago está mesmo a estudar um pequeno imposto sobre os blogs que será medido pelo número de intervenções que os assinantes façam.
Vai ser giro o Daniel Oliveira pela primeira vez a pagar imposto.
Publicado por: carlos alberto às março 22, 2005 10:22 AM
Mas há alguma coisa a comentar sobre o orçamento?
Só tenho visto críticas à estética da apresentaçaõ e nada sobre o conteúdo. Eu não vi a apresentação mas sei que durou horas. Não houve propostas concretas durante esse tempo todo. Foi só uma encenação de um novo reinado? O PS está apenas a tentar ganhar tempo até perceber o que quer e pode fazer?
Há, por fim, algo a comentar?
Publicado por: Mário às março 22, 2005 11:16 AM
Não há, evidentemente, nada a comentar, Mário.
É impossível um governo, recém-empossado, produzir um verdadeiro programa no prazo de dez dias, como a consituição prevê.
Só muito mais lá para diante, quando os dossiers estiverem estudados a fundo, é que o governo pode decidir (ou abster-se de decidir...) o que vai fazer.
O programa de governo e a sua discussão é apenas um pró-forma. O partido que apoia o governo votará a favor, os outros votarão contra, independentemente daquilo que está escrito no programa. O governo fará ou deixará de fazer aquilo que entender, também independentemente do programa.
Publicado por: Luís Lavoura às março 22, 2005 11:57 AM
É, de qualquer forma, preferível fazer um programa eleitoral e um programa de governo nos quais não se diz nada de muito concreto, do que fazer-se como Durão Barroso fez: programar uma diminuição do IRC e depois, mal se chega ao governo, não diminuir o IRC e, em vez disso, aumentar o IVA. E, ainda pior, passar os dois anos seguintes no governo sem fazer absolutamente nada de relevante.
Como diz a Joana: "a ver vamos".
Publicado por: Luís Lavoura às março 22, 2005 12:14 PM
Luís Lavoura,
Não percebo como um governo que foi apelidado de fascista, que levantou constestação social (muito promovida por sindicatos, jornalistas e outros inúteis) como há anos não se via, pode ter passado dois anos sem fazer nada de relevante. Alguma coisa deve ter feito.
Publicado por: Mário às março 22, 2005 01:07 PM
Mas em relação ao resto, penso que o que disse tem toda a razão de ser.
Publicado por: Mário às março 22, 2005 01:08 PM
Luís Lavoura não sei se ainda anda por aqui... Voltando à conversa do Alqueva, essa história de ter de fazer subir a água 200m é mesmo assim? Mas seja como for isso terá de ser feito ou fica comprometido um dos objectivos estratégicos do Alqueva: o regadio.
já para já não haverá maneira solar ou eólica de por a água a subir esses 200 m, nem que seja a evaporar e condensar? Deve haver alguma maneira concerteza.
Depois em relação ao bioetanol ainda há problemas a jusante para contrariar a hipótese simplista de enormes plantações industriais, sem atender à compartimentação da paisagem e à preservação da biodiversidade. Mas também para isso haverá gente atenta.
Eu acho que podíamos fazer algo nesse campo. O Alentejo tem muito sol por ano, há que tentar convertê-lo noutras formas de energia.
Publicado por: pyrenaica às março 22, 2005 09:08 PM
"O Alentejo tem muito sol por ano, há que tentar convertê-lo noutras formas de energia."
Imagine-se por exemplo que, em vez de se cobrir aquilo de água, se cobria com paineis solares tudo aquilo que agora é a albufeira do Alqueva. 2.500 quilómetos quadrados, à potência de 50 watts por metro quadrado, faz 125 GW. Com 2.000 horas de insolação por ano, faz 250 TW.hora. Julgo que isso é muitíssimo superior ao consumo de eletricidade atual em Portugal.
Quanto aos 200 metros de subida da água: parece-me também a mim incrível, mas foi o que li. As terras boas (ou, mais geralmente, de média qualidade) que se pretende irrigar estão, no mínimo, 170 metros acima do nível da albufeira; em média, estão 200 metros acima. Acontece que o vale do Guadiana é mais profundo do que muita gente julga... e é constituído por terras de muito fraca qualidade, que rapidamente se erodiriam se sujeitas a agricultura mais intensiva.
Publicado por: Luís Lavoura às março 23, 2005 10:08 AM
Agora é só esperar que os paineis solares estejam ao preço da chuva.
Publicado por: Mário às março 24, 2005 01:10 PM
Daqui a 10, 15 anos, estarão. Por duas razões:
1) O petróleo estará muito caro, muito mais do que agora.
2) A evolução da tecnologia fotovoltaica está a tornar os paineis progressivamente mais baratos, e eficientes.
Publicado por: Luís Lavoura às março 24, 2005 02:21 PM
Ora...cumpre-se a Tradição !!!
Sendo este um Jardim Templário, só a Fé nos pode dar a Esperança !
Publicado por: Templário às março 25, 2005 01:45 AM
Quando os painéis solares estiverem baratos e o petróleo ainda mais caro, poderemos:
1. Usar os painéis solares para extrair hidrogénio, por electrólise, da água do mar.
2. Usar uma parte desse hidrogénio como combustível para centrais térmicas de produção de energia eléctrica, ou para outras indústrias, situadas a montante das albufeiras.
3. Despejar nas albufeiras a água pura resultante da combustão do hidrogénio.
Desvantagem: a produção indirecta de electricidade levaria a enormes perdas (a segunda lei da Termodinâmica não perdoa).
Vantagens: a energia eléctrica produzida seria armazenável; uma central térmica, contrariamente a um automóvel, não tem graves limitações à dimensão dos seus depósitos de combustível; o período de maior produção de energia solar corresponderia ao período de menor produção hidro-eléctrica; o ar ficaria menos poluído; os rios ficariam menos poluídos, ou pelo menos a poluição ficaria menos concentrada; ficaríamos menos dependentes, no que toca o petróleo e o gás natural, dos países que os produzem e dos EUA, que pretendem controlar o seu transporte; e ficaríamos menos dependentes, no que toca os recursos hídricos, da Espanha.
Publicado por: Zé Luiz às março 25, 2005 11:48 AM
As células de combustível não são um processo térmico, mas químico. Logo não se aplica o 2º princípio da termodinâmica.
Publicado por: L M às março 26, 2005 08:15 PM
A armazenagem de água em albufeira já se faz. Nos períodos em que o consumo é menor que a produção eléctrica e esta não pode baixar por causa da diminuição do rendimento, bombeia-se água para as grandes albufeiras. Faz-se ao contrário do que é normal. É o único processo de "guardar" electricidade em grandes quantidades.
Publicado por: Silva às março 26, 2005 10:00 PM
LM:
A minha formação não é nas ciências exactas, mas pensava que NADA no Universo escapava à lei da entropia. Você está a dizer que os processos químicos lhe escapam?
Publicado por: Zé Luiz às março 27, 2005 03:07 PM
Zé Luiz em março 27, 2005 03:07 PM: A lei da entropia aplica-se às transformações térmicas. O rendimento teórico de uma transformação térmica em electricidade, por exemplo, será (Q2-Q1)/Q2, onde Q2 é a temperatura da fonte quente, a caldeira, p.ex., e Q1 a da fonte fria, o condensador, p.ex.. Os Q's são medidos em ºKelvin (0ºC = 273ºK).
A seguir a este rendimento teórico há os rendimentos normais, das perdas por atrito, pela resistência (no caso da electricidade, que é uma forma própria de "atrito"), etc.
A reacção nas células de combustível é química e exactamente a oposta da electrólise.
Publicado por: L M às março 28, 2005 03:07 PM