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junho 30, 2005

Empresas na Hora, Débitos em Anos

O Conselho de Ministros, na celebração dos 100 dias, aprovou hoje um regime especial de constituição imediata de empresas, em apenas um dia. O serviço «empresa na hora» vai ser prestado em qualquer conservatória do registo comercial. Actualmente, com o regime jurídico vigente, o tempo médio de criação de empresas nunca é inferior a 20 dias. A partir de agora, depois de 20 dias na fila de espera da conservatória do registo comercial, a empresa cria-se num único dia!

A medida visa, segundo Alberto Costa, «contribuir para um maior dinamismo da economia». A desburocratização dos processos é sempre útil e bem-vinda. O prazo actual era incompatível com a urgência que havia, na maioria dos casos, em ter uma firma constituída e legalizada num prazo curto. Frequentemente levava meses.

Se esta medida é útil, ela representa apenas um aspecto parcelar da teia burocrática que envolve a vida de uma empresa. Por coincidência, ou talvez não, no mesmo dia em que era anunciada esta medida, o relatório da Intrum Justitia assinalava que as empresas portuguesas eram, na Europa, as que mais demoravam a pagar a fornecedores e credores mas, mesmo assim, conseguiam cumprir as suas responsabilidades financeiras de uma forma mais rápida do que o Estado português.

Segundo o Risk Index, em Portugal, os clientes particulares pagam, em média, com um prazo de 55 dias, as empresas em cerca de 80 dias e o sector público, no qual são concedidas condições de pagamento contratuais de 66 dias, protelam depois mais 89 dias para procederem ao pagamento, o que perfaz um total de 155 dias. Como comparação, o sector público da Finlândia liquida as suas contas após 25,4 dias, ou seja, com um atraso no pagamento de apenas 5,4 dias relativamente às condições de pagamento (20 dias). O Estado português demora a pagar aos seus fornecedores mais 4,5 meses do que o Estado finlandês.

Mas pior que os atrasos dos pagamentos é o “não pagamento”. O valor médio dos prejuízos resultantes devido ao não pagamento, em Portugal, são dos mais elevados da Europa. No final de 2004 foi de 2,7% e no final de 2003 tinha sido 3,2%. Em Portugal, as consequências dos prazos de pagamento longos e dos prejuízos resultantes do não pagamento faz com que 67% das empresas analisadas sofram de crise de liquidez, e muitas vejam mesmo a sua existência ameaçada.

O incumprimento das condições contratuais, facilitado e incentivado pela ineficácia da justiça, é um círculo vicioso que corrói todo o nosso tecido empresarial. Muitas empresas são obrigadas a dilatarem os seus prazos de pagamento porque a sua liquidez está em crise devido aos atrasos dos recebimentos. Os principais caloteiros são o Estado, administração central, institutos e, principalmente, autarquias.

Para a Intrum Justitia, o índice de risco em Portugal situava-se nos 184 pontos no final de 2004, ligeiramente inferior aos 191 pontos verificados em 2003. Este foi o valor mais elevado entre todos os 23 países analisados. Os riscos mais reduzidos são registados pela Finlândia (121), Suécia (129) e Noruega (130). Os riscos mais elevados – a seguir a Portugal – são registados pela República Checa (174), Grécia (173) e Chipre (167).

Entre os países analisados, apenas Portugal se encontrava no penúltimo escalão de risco (175-199), o escalão no qual, segundo a Intrum Justitia, é imperativo introduzir alterações. Todos sabemos isso. Essas alterações são mais importantes e com um impacte incomparavelmente maior no funcionamento da nossa economia, que o serviço «empresa na hora», isto sem desmerecer a medida anunciada. Sucede todavia que esta é uma medida mais fácil, é uma espécie de Loja do Cidadão para a criação de empresas, a outra mexe com a burocracia instalada, leis e procedimentos obsoletos, vícios criados, etc.. A justiça precisa de uma reforma profunda e o Estado precisa de pôr os seus pagamentos em dia e começar a agir como bom pagador e não como um caloteiro, dando um péssimo exemplo aos restantes agentes económicos.

Publicado por Joana às 11:54 PM | Comentários (39) | TrackBack

Produtividades

No DN de hoje, Sarsfield Cabral escreve que “no conjunto da economia, a produtividade horária em França é superior à que se regista nos Estados Unidos. Apenas acontece que os franceses trabalham menos horas do que os americanos”. Ora esta afirmação é simultaneamente verdadeira e falsa. Mas no que toca à avaliação mais objectiva da riqueza económica de cada um daqueles países, ela é falsa. Vejamos porquê e quais são os fenómenos que enviesam aquela medida:

Em primeiro lugar há o fenómeno do desemprego. O desemprego nos EUA é muito menor, não apenas pela flexibilidade do mercado, como pelo facto do regime de subsídios de desemprego incentivar a procura de novo emprego. Na Europa, o facto de os trabalhadores menos produtivos não estarem empregados melhora os valores da produtividade média do trabalho. Na Europa, é cada vez maior a percentagem de pobres no desemprego, enquanto EUA os pobres trabalham. Neste entendimento, os escalões salariais mais baixos da economia norte-americana fazem baixar a produtividade média do trabalho, mas aumentam a prosperidade da economia americana, porque são pessoas que produzem e não desempregados. Na Europa os menos qualificados estão, em elevada percentagem, no desemprego e não entram para o cálculo da produtividade do trabalho.

Todavia, o aumento do desemprego na Europa torna necessária uma redistribuição cada vez mais elevada através dos impostos e transferências sociais, por forma a manter níveis mínimos de rendimento. Esse ónus fiscal faz com que as famílias fiquem, comparativamente com os EUA, com menos rendimento disponível. Ou seja, o diferencial positivo de produtividade é retirado para redistribuir aos excluídos. A produtividade dos “insiders” é maior, mas o que lhes sobra, após impostos, é menor.

O segundo fenómeno é o do peso do sector público. Os EUA têm menos funcionários públicos, muitos dos quais auferem salários baixos. Em França a proporção dos funcionários públicos na economia é muito superior e auferem, em média, salários mais elevados. Como a produtividade é medida em termos de capitação do VAB (Valor Acrescentado Bruto) e este é medido pelos rendimentos distribuídos, qualquer aumento salarial do sector público aumenta a sua produtividade medida em termos macroeconómicos. Todavia este aumento seria artificial pois não corresponderia a um aumento da “produtividade física” da prestação de serviços. Na verdade, a produtividade do sector público, o seu efeito positivo ou negativo, deveria medir-se, de forma indirecta, pelo ónus que isso representa para o sector produtivo. Quanto mais ele custar, para o mesmo serviço que presta, mais dinheiro é cobrado, para o sustentar, às famílias e às empresas, o que faz aumentar os custos no sector produtivo, diminuir a sua competitividade perante o exterior e deteriorar a situação económica.

Portanto, a inclusão do sector público na medida da produtividade enviesa o resultado, pois os serviços que produz, exceptuando casos muito particulares, não são transaccionáveis no mercado internacional, ou seja, a sua produtividade não pode ser validada pela regulação do mercado.

A produtividade do trabalho é uma grandeza macroeconómica agregada que tem que ser vista com cautela. Por exemplo, Portugal tem conseguido manter alguma competitividade externa apesar de uma maior inflação e de outros factores negativos decorrentes do excesso de despesa pública. Se a produtividade do sector exportador tivesse aumentado ao ritmo da produtividade da economia portuguesa, já não tínhamos sector exportador. As empresas deste sector tinham falido e estávamos na ruína total. Isto significa que a produtividade do sector exportador aumentou muito mais que a média nacional.

Um país é rico, e com elevada produtividade, quando concorre no mercado internacional com competitividade nas áreas de elevada tecnologia e valor acrescentado. O que condiciona o valor da produtividade de um país é a produtividade dos sectores abertos ao exterior. Se em vez de sermos fortes em produtos de elevada tecnologia, formos fortes nos têxteis e calçado, a nossa produtividade alinhar-se-á pela produtividade comparada desses sectores. O resto da economia (os sectores mais ou menos abrigados) alinha sempre e necessariamente pela produtividade «macroeconómica» dos sectores abertos.

Este alinhamento sucede no sector público, mas também em restaurantes, cabeleireiros, etc. Os custos destes últimos serviços estão relacionados com o nível de rendimentos de um dado país, quer no preço da prestação, quer no custo do factor trabalho. O trabalho executado naqueles sectores é mais bem pago em Paris do que em Lisboa, porque tem a ver com o preço cobrado aos clientes. Sendo assim, a produtividade (macroeconómica) daqueles sectores será muito superior em França (o VAB é muito maior, pois os salários e as vendas per capita são muito mais elevados), apesar da produtividade, em termos físicos, ser, mais ou menos, semelhante à existente em Portugal.

Portanto, as afirmações de Sarsfield Cabral têm que ser lidas com muita cautela.

Publicado por Joana às 01:29 PM | Comentários (89) | TrackBack

Waterloo a Prazo

Governo assinala 100 dias em funções hoje. Cem dias é uma data fatídica. Quatro dias antes do fim dos “Cem-dias” Napoleão teve o seu Waterloo. Cerca de 4 dias antes dos seus “Cem-dias”, Sócrates teve a trapalhada monumental do OR que tinha como missão (falhada) o “sanear” o “embuste do OE2005” encenado pela rábula do défice medido às centésimas.

Mas isto é apenas divagação. Os “Cem-dias” de Napoleão foram apenas 94 dias. Só seriam 100, se se começasse a contar a partir do dia em que Ney, enviado por Luís XVIII, se passou para o lado de Napoleão. E o Waterloo de Sócrates provocado pelo engano de Campos e Cunha (há 190 anos foi Grouchy quem se enganou), não foi suficientemente desastroso para exigir abdicação.

Outros Waterloos se seguirão: semanalmente haverá Waterloos no emprego do sector privado: milhares de trabalhadores, que julgavam ter “direitos adquiridos”, verão as empresas falirem ou irem-se embora. A única medida preconizada pelos sindicalistas é acusarem os empresários de não terem o sentido de responsabilidade. E continuarão a repetir esta ladainha até ao último empresário.

O governo não tem política. Ou melhor ... tem a “política dos pequenos passos” que não conduzem a nada. O desemprego vai aumentar progressivamente no nosso país. Sempre. O governo tem duas soluções possíveis: 1) diminui substancialmente o peso do sector público, aumentando o desemprego nesse sector, diminuindo a despesa, aliviando as empresas e as famílias e aumentando a competitividade da economia; 2) fica à espera de um milagre, enquanto o desemprego no sector privado se acelera, a recessão económica se torna numa bola de neve, e o país arrisca-se a pôr parte significativa do sector privado no desemprego e ser obrigado, depois, a pôr uma parte do sector público igualmente no desemprego, por insolvabilidade do Estado.

A solução 1) foi a utilizada pela Irlanda. Após um aumento enorme no desemprego, iniciou-se a retoma e hoje a Irlanda está no pleno emprego e é o 2º país mais rico da Europa. A solução 2) tem sido utilizada por alguns países, que continuam estagnados economicamente e com o desemprego a aumentar. Mas esses países têm uma vantagem sobre nós – têm uma mão de obra altamente qualificada. Estão estagnados, mas com a relativa prosperidade que tinham à partida, embora esta situação não se possa considerar como adquirida. Nós ficaremos estagnados na miséria. Será um Waterloo a prazo e em episódios de Soap Opera, cada vez mais deprimentes.

Mas também teremos Waterloos na justiça. O país caminha para o fim do Estado de Direito pela inépcia da justiça. O Estado está a deixar de exercer as funções de garante da ordem, da legalidade, do respeito pela propriedade e pelo cumprimento das obrigações contratuais. O país está a transformar-se numa imensa floresta de Sherwood onde todos são roubados (menos os muito ricos, que sabem como resguardar os seus activos).

Continuaremos com o Waterloo da Saúde e com o Waterloo lento, mas exterminador, da educação.

Passados 90 dias, os mesmos que Napoleão, Sócrates encontrou portanto o seu Waterloo. Só que não durou um dia. É um Waterloo a prazo, de desgaste continuo, sem gritos heróicos da “Guarda morre, mas não se rende”, mas com a “palavra de Cambronne” milhares de vezes repetida nos próximos meses ou anos.

Publicado por Joana às 12:05 AM | Comentários (33) | TrackBack

junho 29, 2005

Justiças e Injustiçados

O relatório sobre a libertação dos suspeitos (Gang do Vale do Sousa) do homicídio do inspector da PJ João Melo, por esgotamento do prazo de prisão preventiva, concluiu que "não houve responsabilidade disciplinar de magistrados". Era esperado. Não apenas pela defesa de interesses corporativos, que certamente terá ajudado. Era esperado por termos uma justiça com procedimentos obsoletos, burocráticos, ronceiros e mais dirigida para assegurar os direitos dos alegados criminosos, do que para proteger os direitos das efectivas vítimas.

Publicado por Joana às 06:55 PM | Comentários (30) | TrackBack

Orçamento Auto-regenerável

Está a despertar grande interesse na comunidade científica e nos meios financeiros o novo sistema de orçamentação das contas públicas implementado pelo Governo de Sócrates. Este orçamento apresenta uma inovação: é auto-regenerável. Tem um dado de entrada – neste caso foi escolhido o défice – e pode mexer-se à vontade em quaisquer rubricas que todo o resto se regenera automaticamente de forma a dar o mesmo défice. Por exemplo, na primeira versão a despesa pública era 50,2% do PIB, agora é 49,3%, mas o défice está sempre lá, mais firme que o rochedo de Gibraltar.
Segundo consta, o entusiasmo é tal que se prevê uma avalanche de encomendas. 12 países latino-americanos e 14 africanos já manifestaram interesse no produto.

Publicado por Joana às 10:17 AM | Comentários (31) | TrackBack

junho 28, 2005

Sísifo e o Estado 3

Apresento seguidamente alguns valores relativos à UE 15, USA, Suiça e Noruega, retirados da base de dados do FMI e que abrangem o período 1980-2006. Um quadro em Excel com a evolução do PIB em termos de paridade de poder de compra (ppp), em US$, o gráfico correspondente, um quadro em Excel com a taxa média de crescimento do PIB (1980-2006) e um gráfico respectivo com as taxas de variações anuais do PIB a preços constantes.

No que respeita à evolução do PIB, há a destacar as elevadas taxas de crescimento da Irlanda e do Luxemburgo (que foi retirado do gráfico para diminuir a confusão).
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Se exceptuarmos a Noruega, por causa do enorme peso do petróleo, e da Finlândia, que teve uma recuperação notável após a queda entre 1990 e 1993 (ver linha azul clara, no gráfico, onde se constata que em 1991 teve um crescimento negativo de –6,4%), os restantes países escandinavos tiveram um crescimento modesto. O gráfico é um pouco confuso, por isso acrescentei um quadro Excel com as taxas médias.

Modestos foram também os crescimentos da França e da Alemanha. A Alemanha, a partir de 1991, teve sempre taxas de crescimento muito baixas. Isso teve a ver com a reunificação, mas também com o modelo adoptado.

Entre os grandes países, o UK era o que tinha o PIB mais baixo em 1980, mas ultrapassou-os a todos entretanto. A taxa de crescimento dos USA é claramente superior à média europeia. A Europa continua assim a divergir dos USA. O Japão tem uma prestação média ligeiramente superior à UE.

De realçar que os pequenos países (da UE) têm tido melhores resultados que os grandes.
O taxa de crescimento do PIB português não está mal situada, mas não reflecte a degradação do seu valor – 3,6% na década de 80, 3,3% na década de 90 e 1,3% na década de 2000 (até 2006) e isto porque o FMI estima uma taxa de 1,8% para 2005 (o que me parece difícil) e de 2,3% para 2006, o que me parece muito optimista.

Julgo que os quadros e gráficos são suficientemente elucidativos, dispensando mais comentários.


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Publicado por Joana às 11:24 PM | Comentários (59) | TrackBack

Sísifo e o Estado 2

Os Dois Paradigmas … ou o pedregulho diário encosta acima

Os dois paradigmas em presença na UE são: 1) a manutenção do peso do Estado na economia ou 2) a sua redução progressiva até que o seu papel seja, fundamentalmente, o de regulador. O paradigma 1), baseado no keynesianismo, foi dominante durante as 3 “gloriosas décadas” e mantém-se pela inércia de hábitos e mentalidades. O paradigma 2) baseia-se nas raízes da economia clássica (Adam Smith) e foi revitalizado pela Escola Austríaca de Hayek e Mises, os neoclássicos de Chicago e pelo liberalismo “mitigado” de Rawls.

O paradigma 1) baseia-se numa visão distorcida do keynesianismo. Ou melhor, está a aplicar a mesma receita para uma doença que é totalmente oposta. Na grande depressão houve uma crise do lado da procura e uma deflação. Estimular a procura pelo aumento do rendimento disponível nas famílias, através de obras públicas, como estradas, caminhos de ferro, ou mesmo “pirâmides”, aumentava o consumo e criava escoamento para a oferta excedentária das fábricas, o que provocaria uma dinamização do sector produtivo e a retoma do emprego privado. A guerra de 1939-45 não permitiu chegar a perceber se as prescrições de Keynes teriam ou não resultados sustentáveis. Economistas neoliberais garantem que não. Alguns afirmam mesmo que a retoma americana do tempo da New Deal não foi causada por aquela receita. Na sequência da guerra, as 3 “gloriosas décadas” impediram igualmente que se percebesse a validade ou não do modelo keynesiano. Ele manteve-se como uma verdade indiscutível, ensinada em todas as universidades. Keynes havia morrido em 1946 e nunca se saberá se ele manteria as suas teses numa conjuntura económica completamente diferente.

É preciso fazer justiça a Keynes. Ele foi um economista extraordinariamente lúcido. Em 1919 publicou um estudo sobre as consequências económicas da guerra (e dos tratados de paz) que se revelaram proféticas. As receitas que preconizou na década de 30 surtiram efeito na época. Ninguém sabe o que ele preconizaria na década de 80. Sabemos apenas que as receitas dos seus epígonos, que cristalizaram o seu pensamento, foram um desastre. Contestar o keynesianismo não é o mesmo que contestar Keynes.

O estudo a que fiz referência no texto anterior comparou a evolução da Bélgica (país dos autores do estudo) e da Irlanda. São dois países relativamente próximos em dimensão, ética laboral e níveis de qualificação e desenvolvimento. Mas são países que, a partir de certa altura, divergiram completamente nas suas políticas económicas e financeiras. A Irlanda tornou-se um dos exemplos do paradigma 2), enquanto a Bélgica se manteve como um dos muitos exemplos do paradigma 1).
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Até 1985 os dois países tinham trilhado caminhos idênticos em matéria de política económica e financeira e obtido um fraco crescimento económico, embora a Irlanda, que havia partido de uma situação mais desfavorável, tivesse um PIB cerca de 65% do PIB Belga e uma taxa de desemprego de 17% (10% na Bélgica). A partir de 1985 a Irlanda mudou completamente a política financeira. Em 3 anos a despesa pública foi diminuída de 20% e a carga fiscal aliviada radicalmente. A partir daí o crescimento irlandês situou-se, em média, nos 5,6% ao ano (entre 1985 e 2002), enquanto o crescimento belga se manteve nos 1,9% ao ano. Em 2003 a despesa pública constituía 51,4 do PIB Belga, enquanto na Irlanda tinha recuado para 35,2%.

A Bélgica tentou estimular a economia sem alterar o peso do Estado, com o método dos “pequenos passos”, agora reeditados por Sócrates e aclamados pela nossa comunicação social como medida de “elevada clarividência”. O resultado viu-se – um crescimento muito fraco e uma economia sem perspectivas.

O gráfico que se apresenta comparando a variação do peso do Estado e o crescimento entre os dois países ao longo do período 1980-2002 é muito sugestivo, pela diferença de ritmo de crescimento, a partir do ano em que houve inflexão da política irlandesa. A partir de 1985 o ritmo de crescimento da economia irlandesa foi impressionante, quando comparado com o crescimento belga (ou da UE em geral). Em 1985 a Irlanda era o 3º país mais pobre da UE15 e tornou-se o 2º mais rico (depois do Luxemburgo!).

Os gráficos em questão partem da base 100 em 1970. Nessa época a Bélgica era muito mais rica que a Irlanda. Nos dois gráficos seguintes apresento a evolução do PIB a preços correntes e do PIB a “paridade do poder de compra” (ppp) entre 1980 e 2004 para os dois países. De notar que o crescimento muito rápido do PIB a preços correntes, entre 2002 e 2004, deveu-se à desvalorização do dólar face ao euro. Foi um incremento nominal e não real. Os valores que apresento foram retirados das bases de dados do FMI.
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E no gráfico seguinte o PIB, em US$, em termos de paridade de poder de compra (ppp):
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Alguns dirão que houve influência dos investidores americanos, nomeadamente da comunidade irlandesa. Certamente que houve alguma influência. Mas o capitalismo não tem pátria. Se o proletariado se proclama internacionalista, só por hipocrisia se exigiria o inverso aos capitalistas. Muitos empresários portugueses têm transferido as sedes sociais de algumas das suas empresas para países com um sistema fiscal menos penalizador. E tudo indica, se a política actual prosseguir, que esse processo irá continuar. Portanto, a maioria dos investimentos americanos na Irlanda foi fruto da atractividade que esta oferecia e não aconteceu por motivos sentimentais ou patrióticos.
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Ainda mais esclarecedora é a diferença de performance das duas economias em matéria de criação de emprego, comparando essa criação com os encargos fiscais sobre o factor trabalho. Entre 1985 e 2001 a Irlanda diminuiu esses encargos fiscais sobre os salários de 37% para 19,3%, enquanto a Bélgica manteve aqueles encargos praticamente constantes (passou de 46% em 1985 para 47,9% em 2001). Os encargos fiscais sobre o factor trabalho desmotivam todos os agentes económicos envolvidos. Desmotivam os empresários que se retraem na oferta de emprego e desmotivam os trabalhadores a fazerem qualquer trabalho suplementar.

A disparidade foi abissal. A partir de 1985 a Irlanda criou 31,2% de novos empregos, enquanto que a “política de pequenos passos” belga e de subsídios à criação de empregos, apenas produziu mais 7,6% de empregos, muitos dos quais no sector público! Seria um excelente aviso para Sócrates e Campos e Cunha se estes estivessem capazes de raciocinar, atarefados como estão, a contar pelos dedos os números do OR, que nunca mais batem certo.

Em 1985 a taxa de desemprego na Irlanda era de 17% (10% na Bélgica); em 2003 era de 4,6% (8% na Bélgica). Uma taxa de 4% representa o chamado desemprego friccional, o desemprego associado à rotação do factor trabalho. Ou seja, a Irlanda atingiu o pleno emprego.

O mais paradoxal em todo este percurso, é que, actualmente, o Estado irlandês dispõe de mais recursos que o Estado belga e consegue distribuir, em valor absoluto, mais recursos pela sua população, visto que a Irlanda é 31% mais rica que a Bélgica!

Ou seja, ao reduzir o peso do Estado na economia, a Irlanda encetou um percurso que, em 20 anos, a levou a ser o 2º país mais rico da UE (ou 1º, se não entrarmos em conta com o Luxemburgo, que é demasiado pequeno para constituir termo significativo de comparação), com pleno emprego, e com uma capitação da despesa pública semelhante à belga, conseguida pelo aumento da sua riqueza e não pelo aumento do peso do Estado, que se mantém nos 35%.

Publicado por Joana às 07:31 PM | Comentários (50) | TrackBack

Sísifo e o Estado

Ou o Peso Insustentável do Estado

A questão do peso do Estado na economia tornou-se o tipo de querela circular, em que regressam sempre ao local de partida, o que faz de mim uma émula de Sísifo. Sísifo era um herói grego que empurrava sem descanso um rochedo até ao cume de uma montanha. Enquanto repousava, a pedra rolava de novo pela encosta abaixo, até ao sopé da montanha. Não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.

Porque, ao que parece, tratou-se de um castigo de Zeus. Mas não, eu não acredito que, Zeus, lá dos Campos Elísios de onde pontifica, teria razão alguma para me punir assim (e daí …). Foi no Hades que essa punição ocorreu. Mas se no Hades era a gravidade que fazia rolar o pedregulho, neste blogue são alguns comentaristas cuja iliteracia não lhes permite captar os conceitos ou, pior, que sofismam as questões para responderem ad latere. No dia seguinte, quando abro o Semiramis, encontro o pedregulho no sopé do blogue …

No início de Maio, apresentei, em «Estado e Desenvolvimento 1 e 2», um estudo que mostrava que o peso do Estado num dado momento, medido em percentagem do PIB, influencia negativamente o crescimento subsequente e que quanto maior é o ritmo do crescimento do peso do Estado, maior é a desaceleração do crescimento económico. Ou seja, o crescimento económico é entravado pelo peso do Estado e pela rapidez com que esse peso aumenta. E estes resultados eram confirmados por um outro resultado que mostrava que o investimento reage negativamente ao peso do Estado.

Aliás, todos os estudos que têm sido realizados mostram uma forte correlação negativa entre o crescimento e a carga fiscal. Esses estudos foram ganhando maior precisão a partir do início da década de 90, quando se começaram a dispor de séries temporais mais longas e foram possíveis estabelecer comparações entre um maior número de países, expurgadas de efeitos marginais. Hoje vou apresentar alguns resultados de um estudo apresentado pela WorkForAll, em Março de 2005.
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Esses resultados indicam que os dois factores principais que causam uma baixa taxa de crescimento são o excesso de despesa pública e uma estrutura fiscal excessiva sobre o trabalho – impostos e encargos sociais líquidos. Em 25 causas possíveis que o estudo referido examinou, aqueles dois factores foram os que tinham maior impacte. Muito mais importante que o nível de educação e que a estrutura etária da população. Outra das constatações foi que um aumento do défice público ou uma baixa das taxas de juro não tinham qualquer efeito sobre o crescimento. Este resultado é importante numa altura em que alguns políticos, embora cada vez menos, insistem nas virtudes do défice como motor do crescimento da economia.
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Estes dois gráficos que relacionam o crescimento com a despesa pública e o ónus fiscal sobre o trabalho são extraordinariamente elucidativos. A despesa pública explica, ceteris paribus, 53% do crescimento económico e o ónus fiscal sobre o trabalho explica, ceteris paribus, 72% do crescimento económico. Ambos pela negativa. Estes resultados são significativos e são similares a um estudo que o FMI havia realizado para a Áustria, em Julho de 2004, embora os sacerdotes do Moloch, que normalmente vivem à custa das vítimas deste, prefiram refugiar-se na sua fé, que lhes serve de álibi, os transporta ao Nirvana divino e os tranquiliza sobre as suas responsabilidades para com a comunidade e para com as vítimas espoliadas.

Amanhã, enquanto espero que o Campos e Cunha acerte as contas do OR monstruoso, que nos vai afundar mais na recessão económica, analisarei mais alguns aspectos que considero relevantes sobre esta questão.

Por falar em Campos e Cunha, se este orçamento tivesse sido apresentado pelo governo de Santana Lopes, quantas dezenas de economistas (com a Teodora à cabeça) e fazedores de opinião já teriam sido chamados a Belém? Quantas horas de emissão, de jornalistas estarrecidos com tanta trapalhada, teriam decorrido? Quantas centenas de milhares de caracteres insultuosos e trocistas se teriam derramado pelas páginas dos jornais?


Ler ainda:
Sísifo e o Estado 2
Sísifo e o Estado 3
Estado e Desenvolvimento 1
Estado e Desenvolvimento 2

Publicado por Joana às 12:08 AM | Comentários (55) | TrackBack

junho 27, 2005

Sinais dos Tempos

Hoje, um gerente bancário telefonou-me excitadíssimo, explicando-me que tinham um novo produto, fabuloso. Em face do meu cepticismo, enviou-me a papelada por fax. O produto ostenta «China» no nome e está indexado ao Hang Seng China Enterprises (HSCE) que é o índice ponderado pela capitalização bolsista de empresas detidas pelo Estado Chinês e ao Dow Jones (DJGT). Tem um mínimo de remuneração garantido e um máximo que depende da overperformance do HSCE relativamente ao DJGT. Ou seja, especula com o potencial de crescimento chinês face ao crescimento ocidental.

Entre loas sobre o dinamismo económico chinês e sobre a forte centralização da política nas mãos do PC Chinês que ao aderir à economia de mercado (!!)…., etc., que criou condições para …, etc., num dos folhetos é apresentado um gráfico comparativo da evolução do HSCE e do DJGT desde Dez-99 até Abr-05, mostrando que o primeiro teve, sobre o segundo, uma overperformance de 164,62%. As restantes meia dúzia de páginas são pautas de música para violinos espargirem notas melodiosas sobre a excelência do investimento.

O que é interessante no gráfico é que a overperformance do HSCE sobre o DJGT ocorreu, quase integralmente, entre Agosto-03 e Dez-03. A partir daí as duas curvas são, praticamente, paralelas. Aliás, o máximo do HSCE foi justamente em Dez-03. O banco em questão atrasou-se … deveria ter emitido este produto em Abril de 2003. Em todo o caso, nada está perdido, nem para os eventuais investidores, pois pode acontecer outro pico daqui a algum tempo, nem para o banco, porque os sons arrancados aos violinos são tão exaltantes que este produto terá certamente bastante procura.

Ao ler este folheto, apercebi-me que o velho Adam Smith tem sempre razão, pois «cada indivíduo … ao tentar satisfazer o seu próprio interesse promove, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretende fazer». Os agentes económicos (neste caso o departamento de marketing do banco) agem sob o incentivo dos seus interesses, mesmo entoando panegíricos a situações que violam as bases da sociedade que permite que os seus interesses e objectivos se manifestem livremente. Ou seja, para propagandear uma transacção típica de uma economia liberal, utilizam-se referências iliberais à forte centralização da política do PC Chinês. E com isso vão dinamizar o mercado das poupanças e, eventualmente, dar um pequeno empurrão à economia mundial (até porque este produto deve estar a ser comercializado noutros países). Como escrevia Mandeville, no início do século XVIII, «As qualidades mais vis, frequentemente as mais odiosas, são as mais necessárias para torná-lo apto a viver com o maior número. São elas que … mais contribuem para a felicidade e prosperidade das sociedades»

Ora é aquela forte centralização, que é sublinhada com entusiasmo, que me cria desconfianças. Não tenho a mínima confiança na intervenção de qualquer Estado na economia. Normalmente tem efeitos negativos ou mesmo calamitosos. Portanto, quando me falam na forte centralização da política nas mãos do PC Chinês que ao aderir à economia de mercado ..., eu fico na dúvida sobre se a próxima intervenção do PC Chinês não fará cair o HSCE a pique. Mas eu não tenho o perfil do investidor tipo a que estes prospectos se dirigem.

Num mercado, os agentes económicos têm comportamentos que podem ser estimados através de modelos explicativos que, normalmente, têm uma boa aderência à realidade, desde que introduzamos as variáveis com maior poder explicativo. Os Estados têm razões (não económicas) que a razão (económica) desconhece. Eu não consigo criar um modelo explicativo do comportamento político e económico do Estado Chinês nos próximos 6 anos (tempo de maturidade deste produto). Não consigo. Nem eu, nem ninguém.

Ou seja, o risco económico e financeiro de uma economia de mercado numa sociedade liberal pode ser avaliado dentro de limites com uma manga de precisão razoável. O risco económico e financeiro de uma economia de mercado dependente da forte centralização da política do PC Chinês é impossível de ser avaliado, a menos que eu pertencesse ao Politburo. E mesmo assim …

Publicado por Joana às 07:05 PM | Comentários (41) | TrackBack

junho 26, 2005

Portugal, a UE e Blair

Portugal tem com a UE uma relação perversa. Para a maioria, a UE é uma espécie de Pai Natal que põe prendas no "sapatinho": Auto-estradas, abastecimento de águas, redes de saneamento, cursos de formação que são uma forma sub-reptícia de mascarar o desemprego real, etc.. Para outros, poucos, é, principalmente, um Pai Real, de todos os dias, que impõe regras de despesa e que impede que o miúdo compre tudo o que vê nas montras, sem cuidar do dia seguinte. Uns esperam dela o “ouro do Brasil”, outros esperam que ela sirva de tutor a um povo indisciplinado e que vive de ilusões e de freio a políticos sem competência e sem rigor.

Foi o “gongue” do FMI que nos salvou do descalabro desencadeado pelo PREC e sustentado depois por políticos populistas e incapazes. A tutela externa fez com que fossem possíveis algumas medidas correctoras delineadas por Ernâni Lopes e assinadas por Mário Soares, na Portela, entre uma chegada e uma partida de avião. Foi o “gongue” da infracção das regras do PEC que nos salvou do KO guterrista e que, se não foi suficiente para se reformar o Estado português, pelo menos permitiu garrotar alguns custos e travar o delírio despesista.

Agora, mais uma vez fomos salvos pelo “gongue” do PEC, quando nos aprestávamos a viver no mundo de ilusões criado pela campanha eleitoral de Sócrates. Com o actual orçamento rectificativo, Sócrates não cumpriu duas promessas eleitorais: uma, a de não aumentar os impostos; outra, a de não falar do passado, porquanto perante um OR onde a despesa pública é superior a metade do PIB (50,2%), o seu argumento foi que o OE 2005 era “um embuste”.

Ora este OR é igualmente um embuste. A eficiência fiscal é uma operação de marketing de Paulo de Macedo. Muitas das liquidações adicionais que as Direcções de Finanças andam a enviar, atrabiliariamente, aos contribuintes, resultam de erros das bases de dados e dos sistemas informáticos dos serviços, ou apenas de incúria dos serviços. Daqui a 2 ou 3 anos ainda estarão a discutir a veracidade de muitas das notas de liquidação.

O repatriamento de capitais é uma ilusão. Portugal não é atractivo aos capitais por várias razões, sendo a principal o facto de o Estado não ser uma pessoa de bem. O Estado português habituou-nos a mudar constantemente as regras do jogo. Muda-as a meio do campeonato. Quem se arrisca a repatriar capitais, quando não sabe se daqui a algum tempo o governo não aparece com uma lei que os vai penalizar? Ninguém confia num batoteiro.

Privatizações e venda de imóveis estão fora de causa. Há espaço para mobilização de poupanças de pequenos accionistas, mas os investidores graúdos, na actual situação económica, só estarão interessados se os preços das acções forem muito convidativos, o que significa vender abaixo do valor real. Quanto ao imobiliário, as aparições desastradas de Eduardo Cabrita foram o golpe de misericórdia. Se estava estagnado, agora vai a pique.

No que respeita às receitas dos novos impostos, a quebra de consumo, a evasão (haverá, por exemplo, cada vez menos particulares a pedirem facturas por obras ou serviços) e o contrabando vão fazer com que os valores sejam mais baixos do que os expectáveis. A estagnação económica e o aumento lento, mas sustentado, do desemprego vão reflectir-se negativamente nas arrecadações fiscais e no aumento de transferências sociais.

O problema central em Portugal continua a ser o da dimensão do Estado, quer em efectivos quer, principalmente, no descontrolo dos custos. Ora, se exceptuarmos medidas de impacte mediático e de importância moralizadora, mas de reduzida influência na despesa pública, nada mais foi anunciado. Bruxelas igualmente considerou que não havendo medidas importantes no lado da despesa, as medidas do presente OR não conduzirão a um resultado sustentável. Todavia os nossos líderes políticos, e os fazedores de opinião que os apoiam, consideram que isso são manias de burocratas desligados das massas, incapazes de compreenderem os anseios populares.

Têm razão. Mas a sua razão é o seu desatino. Porque a existência desses eurocratas permitiu-lhes tomar medidas que nunca tomariam se não fossem as exigências desses eurocratas “desligados das massas”. Servem-lhes de desculpa. Todavia, a situação do país é de tal forma calamitosa e as medidas a tomar tão gravosas para muita gente, que o governo teme ir mais longe porque receia as consequências, mesmo desculpando-se com as exigências de Bruxelas e o “embuste” do OE2005.

E não é apenas uma questão de temer. É igualmente uma questão de competência. A reforma da administração pública não se faz com despedimentos cegos. Faz-se reestruturando os serviços e os procedimentos, avaliando, em função dessa reestruturação, quantos e quais os efectivos que necessita, quais os que pode ou deve transferir para outros serviços e quais os que estão realmente a mais. Se esta é uma tarefa complexa numa empresa com centenas ou poucos milhares de efectivos, o que será num sector com 750 mil efectivos.

É nesta conjuntura que muda a presidência da UE. No próximo semestre essa presidência cabe à Grã-Bretanha e a Tony Blair. Tony Blair saiu-se bem na questão do “cheque britânico”. Não disse que não, mas pediu como moeda de troca o fim progressivo da PAC. Se inicialmente estava isolado, Blair rapidamente congregou alguns apoios. E se os novos países do Leste não o apoiaram foi apenas porque o falhanço da cimeira protelou a resolução da questão da obtenção dos fundos estruturais de que eles necessitam urgentemente. Mas certamente que o apoiarão, visto a PAC ser obsoleta e servir fundamentalmente os interesses dos agricultores franceses, espojados nas “delícias de Cápua” dos subsídios.

O discurso de Blair foi claro e abriu uma porta numa Europa em crise de identidade. Salientou que é preciso investir mais na educação, na ciência, na investigação, no desenvolvimento e nas tecnologias, gerando novos empregos, e não numa agricultura que consome 40% dos recursos da UE. A alternativa, se tal não for feito, é a UE ser ultrapassada pela China e pela Índia dentro de 20 ou 30 anos. A UE deve modernizar o seu modelo, combinando uma elevada competitividade com a protecção social.

Tony Blair não tem a seu favor apenas as palavras que proferiu. Tem atrás de si o exemplo da economia britânica a crescer e o desemprego a diminuir, numa altura em que na maior parte dos Estados europeus as economias estagnam e o desemprego cresce sem cessar. Quando lhe falam encomiasticamente do Modelo Social Europeu, pergunta que modelo é esse que se traduziu entretanto em 20 milhões de desempregados?

O programa de Blair, admitindo que as palavras dele correspondam a uma intenção firme, vai em sentido contrário aos conceitos que nos moldaram, nos modelos estatizantes em que temos vivido. A Europa continental, principalmente a do sul, conceptualmente mais distante daquilo que Weber definiu como a “ética protestante”, não se sente confortável quando confrontada com um programa económico mais liberal. Prefere acomodar-se a um estatismo mais “tranquilo”. Todavia esta preferência deixou de ser uma alternativa viável com a economia global – a Europa, ou arrisca na inovação tecnológica e nas áreas em que a sua qualificação lhe confere vantagens comparativas, ou envereda por um projecto de empobrecimento contínuo e deixa-se ultrapassar por outros.

A presidência britânica pode ter efeitos positivos em Portugal. Blair e Sócrates pertencem à mesma família política. Sócrates pode ser seduzido pelo exemplo britânico e decidir arriscar mais. Certamente que se arriscar mais, o PS será pesadamente derrotado nas autárquicas e Cavaco terá o caminho livre nas presidenciais. Mas Cavaco, se Sócrates executar uma política de rigor na despesa pública, não lhe tirará o tapete debaixo dos pés, não reeditando o exemplo de Sampaio. Portanto, Sócrates terá toda a legislatura para reformar o país e recolher os primeiros dividendos dessa reforma.

Se não o fizer, é provável que as autárquicas corram melhor ao PS, mas a derrapagem económica é inevitável com esta política. Daqui a 4 anos estaremos pior do que agora, com mais desemprego, mais impostos, mais défice e mais longe da solução. Sócrates terá que escolher: ou uma pesada derrota autárquica, ou uma pesada derrota legislativa dentro de 4 anos ... ou antes, se a situação económica e política se degradar em demasia e o novo presidente julgar preferível eleições antecipadas.

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junho 25, 2005

O Tetravô do Modelo de Chirac

O modelo estatizante de Chirac não nasceu com ele. É uma das heranças do modelo jacobino francês que se foi refinando com o tempo. Eça, que conhecia bem a França, dizia que enquanto a Inglaterra exportava colonos para as colónias, a França exportava amanuenses. No número do Je Sais Tout de Junho de 1907, vem uma análise crítica ao excesso de funcionários públicos franceses ... 650 mil! (para uma população de 39 milhões), acompanhada de algumas gravuras saborosas, das quais escolhi duas. Advirto que a sua visão pode ferir algumas sensibilidades manga-de-alpaca.

Ambas as gravuras têm as respectivas legendas. A primeira representa dois funcionários “tipo”: o "rond-de-cuir", que em português se poderia traduzir pelo manga-de-alpaca que “não levanta o traseiro do lugar” e o Sr. Durand que deixa o lugar “marcado” mas que está sempre noutro sítio.

FP-franc.jpg


A segunda é sobre o desporto favorito dos funcionários do ministério, que seria a corrida de caracóis! Trata-se obviamente de uma piada cruel, mas a brincar ... a brincar ...

FP-frcaracol.jpg

Notar que aquele número equivaleria a cerca de 170 mil funcionários em Portugal, para a população actual. Nós temos 4,5 vezes mais. É óbvio que os serviços que o Estado francês prestava em 1907 não são equivalentes aos que o Estado português deveria prestar em 2005, se funcionasse em condições. Mas já havia educação básica gratuita, educação superior a preços moderados, assistência social para os mais desfavorecidos, etc. O Serviço Nacional de Saúde, tal como existe hoje, não existia então.

Contudo, já nessa época o Je Sais Tout se insurgia contra «La loi du rond-de-cuir», a teia burocrática que dificulta a vida do cidadão, em vez de o ajudar, quando o que se esperaria dela, justamente, era que o ajudasse.

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junho 24, 2005

Vacas de Todo o Mundo, Uni-vos

Blair defendeu que «a Europa deve investir em empregos e não em vacas». Esta sentença é demagógica e discriminatória e já está levantar ondas de protesto. Começou com Chirac, seguiu-se o discurso de despedida de Juncker, mortífero para Blair, pois colocou-o perante a incontornável posição do Luxemburgo.
Agora começam as manifestações. A cabeça da manifestação é imponente e possante. Dificilmente será detida:

vacascontraBlair.jpg

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junho 23, 2005

Cretácico Inferior

Já não bastava o fiasco do boicote aos exames. Agora o outro bastião do nosso sindicalismo Cretácico, os Transportes, também já não é o que era. Outra greve, outro fiasco. As greves dos transportes são greves de conteúdo altamente classista. Quanto mais desfavorecido economicamente for o utente, ou quanto mais baixo for o seu estatuto laboral, mais prejudicado é. Na greve dos transportes o utente não passa de um indefeso refém. Duas greves em que se pretendeu tomar o utente como refém, duas greves que falharam. Sector público e transportes eram os últimos redutos do nosso sindicalismo obsoleto. Também aqui a credibilidade sindical está em refluxo. Os trabalhadores não querem servir de tropa de choque de um sindicalismo falido.

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junho 22, 2005

A Descida do Maelstrom

Portugal está numa situação gravíssima, e não seriam necessárias as notícias de Bruxelas para o sabermos, se não fosse a nossa pecha para vivermos de ilusões. Ela é muito grave, pelo estado em que se encontram a nossa economia e as nossas finanças, mas é sobremaneira grave pela nossa postura face a essa situação. Estamos a descer ao abismo, mas debatemo-nos de forma tão canhestra, que nos afundamos sempre mais, agarrados uns aos outros, puxando uns pelos outros. Faz falta uma equipa de nadadores salvadores adestrada, que comece por distribuir tabefes por todos os náufragos, para estes caírem em si e agirem no sentido da sobrevivência e não do aniquilamento mútuo. Um dos náufragos, o PR, deu ontem um exemplo típico do caos mental que reina entre nós, da forma como nos debatemos arrastando os outros para o fundo e da nossa total incompetência institucional.

As declarações e pareceres de Bruxelas sobre o PEC apresentado pelo governo português vão no mesmo sentido do que aqui foi escrito por diversas vezes e das opiniões emitidas por diversos economistas independentes.

Em primeiro lugar as medidas são muito insuficientes. Como escrevi aqui diversas vezes, são emblemáticas no sentido de uma maior equidade social de direitos e deveres, mas não vão ao âmago da questão.

Em segundo lugar o aumento dos impostos é uma medida perversa: Diminui a competitividade da economia e o aumento da massa colectável é sempre inferior às expectativas, quer por travagem da actividade económica, quer pelo “Efeito Say” – Um imposto exagerado faz decrescer a base sobre que incide. Demasiado imposto mata o imposto. E foi Bruxelas quem chamou a atenção para esse facto. Quando eu aqui referi esse fenómeno houve comentaristas que consideraram que eu estava a pactuar com os infractores ...

Quanto aos resultados da intensificação à evasão fiscal, Bruxelas riu-se disso. Em primeiro lugar porque tal deve ser uma política normal de qualquer Estado civilizado e de Direito; em segundo lugar porque os efeitos desse combate são sempre muito inferiores às expectativas. Há estimativas sobre o valor da evasão fiscal entre nós e não se afastam da média da Europa do Sul. A “evasão fiscal” é uma arma que tem sido brandida pelos sindicatos para tentarem criar na opinião pública uma imagem que a sua eliminação é a panaceia para sustentar a hipertrofia estatal. Bruxelas tem a experiência das políticas dos Estados-membros e não vai em conversa fiada.

Finalmente Bruxelas insiste na tecla da diminuição da despesa pública e dá exemplos do excesso da despesa na Educação e na Saúde. Enquanto Portugal não apresentar um programa de diminuição sustentada da despesa pública, os PEC’s que o nosso governo apresentar em Bruxelas carecem de credibilidade. Esse é o âmago da questão e o terror do governo. Se com estas medidas tíbias, concita tanto protesto, o que será se enveredar por medidas mais consistentes? Mas tem que reconhecer que tem sorte – se fosse um governo de centro-direita a anunciar estas medidas seria uma tempestade muito maior, agravada pelo facto dos actuais proponentes das medidas estarem agora a protestar furiosamente contra elas.

Bruxelas passa ao largo dos disparates que os nossos políticos dizem em colóquios, conferências, comunicações televisivas, conversas de café e suspiros íntimos; não ouve as elucubrações de analistas no desemprego político e de políticos no desemprego analítico. Desconhece o caos mental de Metelo, o simplismo de Delgado e a untuosidade balofa de AJ Teixeira.

Felizmente que somos um país periférico, pois se Bruxelas andasse a par das tontices que são ditas por políticos que deviam agir com responsabilidade, e por analistas, que deviam comentar com discernimento, concluiria que éramos um caso perdido.


Sobre estas questões ler, p.ex., neste blog:
Entregues ao Altíssimo
Poeira ou Descontrolo?
O Manto diáfano da inacção

Publicado por Joana às 07:03 PM | Comentários (148) | TrackBack

Meninas!

Se os serviços do canalizador polaco corresponderem ao que se pode deduzir da imagem seguinte, há todos os motivos para apoiar, sem ambiguidades, a Directiva Bolkenstein da livre circulação de serviços.

CanalizadorPolaco.jpg
... a menos que ele seja um inepto a manejar as ferramentas que orgulhosamente ostenta.

Via GLQL

Publicado por Joana às 12:01 AM | Comentários (75) | TrackBack

junho 21, 2005

Sindicato contra a Classe

Os sindicatos dos professores, nomeadamente a FENPROF, têm dedicado as suas energias e “talentos” na ingente tarefa de degradar a imagem pública dos professores. Sabe-se o estado lastimoso da educação em Portugal – quanto nos custa e os serviços que nos presta – mas a avaliação das responsabilidades por essa situação, se não isenta os professores, também não os torna os únicos responsáveis. Todavia os sindicatos têm-se batido denodadamente para transmitirem para a opinião pública uma imagem de irresponsabilidade, de falta de brio, de incompetência e de laxismo dos professores. Desta feita falharam.

O objectivo desta greve era, sem sombra de qualquer dúvida, o boicote aos exames. Os sindicatos evidenciaram o mais completo desprezo pelos interesses dos alunos, para os quais estes exames serão uma etapa crucial que irá condicionar a sua vida activa e profissional, o seu futuro, enfim; pelas expectativas dos pais, que lhes haviam entregue os filhos para terem uma instrução e formação adequadas; e pela própria reputação dos professores, já de si posta pelas ruas da amargura, dado o estado lastimoso da educação.

Quando se aperceberam que o boicote não teria os resultados ambicionados, além de ser em extremo impopular, os sindicatos começaram a enfatizar a greve em si, afirmando que o boicote aos exames não era o objectivo principal … o facto das datas das greves coincidirem com as datas dos exames era uma mera e inesperada coincidência.

Os resultados estão à vista. Poucas dezenas de alunos, em várias centenas de milhares, foram afectados. Apesar da maioria dos professores estar descontente com as medidas anunciadas pelo governo, que transtorna as expectativas de muitos, os exames realizaram-se.

Relativamente aos números apontados pelos sindicatos sublinho dois factos. O primeiro, escolhido cirurgicamente pela SIC, na Escola Gil Vicente, cuja Presidente do CE é filha do Coronel Varela Gomes, que estava claramente transtornada pelo facto dos exames se terem realizado, deu umas explicações esfarrapadas e adiantou uma percentagem de grevistas de 84%!? O segundo, na escola da minha mãe, onde, em cerca de 140 professores, houve 15 que fizeram greve. Estes números são facilmente verificáveis, visto haver registo de comparências, desde que os Conselhos Executivos funcionem como devem. Ora não há razão para 2 escolas estabilizadas, da mesma cidade, apresentarem números tão díspares, embora a capacidade de um Conselho Executivo manobrar no sentido de incentivar à greve não seja de desprezar. O número avançado pela Geninha deve estar, portanto, completamente fora da realidade.

Portanto, os números de 70%, até agora avançados pelos sindicatos são completamente fantasistas. Isto apesar dos professores se considerarem muito prejudicados pelas medidas do governo, legítimas porque visam acabar com situações diferenciadas socialmente injustas, mas que goram expectativas alimentadas pela classe. Veremos como a situação evolui nos próximos dias, mas não me parece que haja diferenças muito significativas.

Ou seja, há material para um conflito social entre professores e governo. Os professores não terão razão em termos do todo social, mas têm as “suas razões”. Os sindicatos, ao precipitarem esta greve, com o intuito perverso de tomarem como reféns alunos e respectivos pais, fragilizaram a sua margem de manobra. Prestaram um mau serviço àqueles que dizem representar, fragilizando a sua posição negocial e tentando degradar a sua imagem pública.

Mas os sindicatos portugueses têm uma longa tradição de conduzirem os seus sindicalizados a situações de impasse.

Publicado por Joana às 11:35 PM | Comentários (24) | TrackBack

Refugiados

Em pleno sul do país, a meia dúzia de kms do sítio onde jcd tira belíssimas fotografias, desenrola-se diariamente esta tragédia. Milhares de refugiados tentam desesperadamente alcançar a costa, conforme se pode observar nas imagens dramáticas captadas pela fotografia abaixo. Estão cansados e famintos, pois é hora de almoço. Um refugiado procura, angustiado, contactar por telemóvel, o Serviço de Protecção Civil. Há resignação e lamentos. Crianças indefesas, apanhadas na voragem dos acontecimentos, choram. Uma tristeza. Um drama. Bem perto de nós.

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Publicado por Joana às 12:55 PM | Comentários (22) | TrackBack

Ministros Saudáveis

É bom termos, pelo menos, um ministro com uma saúde de ferro. Ele e toda a sua família. Um executivo saudável é do que precisamos neste momento difícil, em que o país tanto necessita de uma equipa governativa robusta.
Ou pelo menos com tratamento VIP e prioritário no SNS.

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junho 20, 2005

Futuro pelas Lentes do Presente

Em abril 07, 2005, escrevi aqui “O Erro dos Futurólogos”, fundamentalmente dedicado às futurologias em termos de tecnologia, produtividade e respectivas consequências económicas. Hoje, para amenizar, vou colocar aqui algumas gravuras de um artigo publicado por Santos-Dumont na revista Je Sais Tout, no número de Janeiro de 1905, há 100 anos, portanto. É extremamente interessante a visão que Santos-Dumont, um dos principais pioneiros da aviação, tem do futuro. Por duas razões: primeira, porque Santos-Dumont não é um “qualquer”; segundo porque se equivocou completamente.

Nesse meu texto acima referido eu havia escrito que: «A faceta mais interessante dos futurólogos é a de que nunca acertaram em nada. Júlio Verne foi-se tornando cada vez mais desinteressante, porque acertou sempre ao lado: o homem criou o transporte aéreo e submarino, mas nada que se parecesse com as soluções ficcionadas por ele; criou os veículos motorizados para uso particular, mas completamente opostos à Casa a Vapor; e assim sucessivamente. Uma coisa é imaginar que uma dada acção se torne possível no futuro; outra é prever de que forma e porque processo essa acção se irá concretizar. Imaginamos o futuro, mas sempre através da matriz presente

Outro dos erros da futurologia é o facto dos futurólogos usarem, sem se darem conta disso, a hipótese ceteris paribus (tudo o resto constante). Prevêem algo sobre o futuro, mas mantendo tudo o resto igual. Ora isso é impossível.
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A primeira imagem retrata a ingenuidade de Santos-Dumont sobre os “rápidos cruzadores aéreos a alturas inacessíveis”, esquecendo a sua vulnerabilidade e que seria tecnicamente mais rápida a produção de meios anti-aéros eficazes do que aqueles “cruzadores aéreos” lentos e vulneráveis
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A segunda imagem traz-nos o “aspecto pitoresco e inesperado” de uma estação no topo de Notre-Dame!! Estou a ver Sá Fernandes a interpor uma providência cautelar.
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A terceira imagem é a de um Metro Aéreo, no topo de um edifício, servido por ascensor. O transporte traz a indicação de que tem a lotação completa. Se pensarmos no actual helicóptero, verificamos que esta previsão talvez seja a que se afastou menos da realidade.
SantosDumont4r.jpg
A quarta imagem mostra um “yacht” aéreo atracando num 5º piso, recolhendo alguns elegantes à saída de um “sarau” parisiense. É de uma enorme ingenuidade. Os hábitos de 1905 com pseudo-tecnologia do futuro. Um equívoco completo, pois ao mudarmos as nossas tecnologias, também mudamos os nossos hábitos e mentalidades.

O que há de interessante nesta futurologia é que todas estas previsões do futuro se revelaram completamente impraticáveis. Os meios aéreos dão-nos possibilidades imensas, infinitamente maiores que as previstas por Santos-Dumont, mas as previsões dele não se revelaram exequíveis. A aviação evoluiu de uma forma totalmente diversa.

E as nossas mentalidades e hábitos mudaram igualmente.

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Preparada para ir à Cova da Moura

Os preparativos estão adiantados. Uma comitiva com 500 pessoas, metade das quais seguranças experimentados e o resto pessoal da Comunicação Social, a melhoria do revestimento betuminoso do trajecto, contactos com o embaixador Onésimo Silveira (*) para apurar se haverá algum risco na visita, vestuário e calçado adquirido nos chineses e uma pulseira de missanga sem brilho.
Não levo nem telemóvel (porque quero usufruir a visita sem distracções), nem relógio (porque não quero que o factor tempo abrevie a visita).
(*) Fiquei entretanto confusa, sem saber se é Embaixador de Cabo Verde ou da República ImPopular da Cova da Moura

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junho 19, 2005

O Novo Waterloo

Exactamente 190 anos depois, os franceses sofreram uma nova derrota decisiva. Foi nas imediações de Waterloo, 15 kms ao Norte, em Bruxelas. Há 190 anos eram comandados por Napoleão e tinham contra eles o pequeno exército de Wellington, que já incluía um corpo holandês, mas apoiado, nas imediações, pelos prussianos de Blücher e, mais longe, pelas restantes potências europeias que discutiam a paz em Viena. Agora eram comandados por Chirac e tinham um apoio impressionante – todas as potências que há 190 anos se opuseram a Napoleão (menos os holandeses, claro). A 18 de Junho de 2005, quem estava isolado era Tony Blair e quem desembocava na Estrada de Bruxelas não era Blücher, como em 18-06-1815, mas Schröder, que se vinha juntar a Chirac na “Belle Alliance”. Inútil … o quadrado de Blair era ainda mais coriáceo que o de Wellington.

Desta feita a manobra do flanqueamento e da ruptura das linhas mais vulneráveis do adversário foi conseguida, brilhantemente, por Blair. Tony Blair evitou, com habilidade, manter o velho hábito britânico de recusar discutir, liminarmente, o “cheque britânico”. De forma alguma ... o Reino Unido desiste desse reembolso, se a obsoleta PAC, que representa 40% dos fundos comunitários, e cujos beneficiários principais são os agricultores franceses, que votaram, em 70%, no Não, for eliminada e aqueles fundos forem desviados para a Europa do futuro: inovação, desenvolvimento tecnológico, investigação e desenvolvimento, etc..

Chirac chegou à cimeira como um vencedor antecipado. Saiu de lá como o defensor de uma Europa obsoleta, avessa à mudança e que apenas quer manter os “direitos adquiridos”. Perdeu, progressivamente, diversos apoios durante a cimeira – Suécia, Espanha, Finlândia, Itália e Dinamarca, para além da Holanda. Blair chegou à reunião isolado, mas soube conquistar aliados ao tornar-se o campeão da Europa da inovação, da aposta no conhecimento e na tecnologia e na recusa de continuar a sustentar os obsoletos agricultores franceses, que consomem a maior parte dos 40% do orçamento comunitário que se destina à PAC. O próprio Cohn-Bendit, o herói estudantil do Maio de 1968, declarou «Il n'y a aucune raison de remettre en cause le chèque britannique sans le faire pour la PAC»

E a derrota de Chirac e da França arcaizante poderá ser mais pesada se se confirmarem as previsões que indicam que Angela Merkel irá suceder a Schröder no próximo Outono. Na Estrada de Bruxelas o novo Blücher que se prefigura é a Dama de Ferro, Angela Merkel, e esse novo Blücher estará declaradamente do lado de Blair, ou pelo menos ao lado das propostas que Blair defendeu agora.

Quanto aos países que precisam desesperadamente de fundos, como Portugal, estiveram alheados destas questões metafísicas – o que eles queriam eram os fundos, quer pela anulação do “cheque britânico”, quer por outro qualquer meio. O resto eram bizarrias de gente rica. Basta ver as nossas TêVês que responsabilizaram ingleses e holandeses pela ausência de acordo, acusando-os de “egoístas” e fazendo coro com Chirac, Schröder e a presidência luxemburguesa, quando a realidade era muito mais complexa e contraditória com essa versão. Mas para os portugueses presentes a realidade era apenas o “vil metal” dos fundos. Estavam na cimeira como o pedinte à porta de um clube de milionários, à espera que eles saíssem contentes e lhe dessem uma esmola generosa. Como isso não aconteceu, ficaram aborrecidos com quem começou a zanga, sem se interessarem pelos fundamentos da questão. No fundo não passam de mendigos contumazes e irrelevantes.

O próprio Nicolas Sarkozy, com fortes possibilidades de suceder a Chirac e que tem, sobre este, a vantagem de ser geneticamente húngaro e economicamente liberal, está contra as políticas sociais defensivas, socialistas e chiraquianas, que falharam sucessivamente nas duas últimas décadas, que acumularam défices e que se traduziram num crescimento insignificante, declarou: «Le travail crée le travail. La vérité en France est que l'on manque de travail. Il faut arrêter de nous glorifier d'un modèle social qui fait que, depuis vingt ans, on a deux fois plus de chômeurs que les autres»

O que há de patético em tudo isto, é que esta manobra de Blair foi facilitada pelo Não francês (e holandês, igualmente). A maioria do Não francês, foi um Não arcaizante, de quem está contra qualquer mudança. Esqueceram-se que o mundo é feito de mudança. Os franceses, ao votarem Não, mandaram com tudo o que os incomodava ao ar. Estão a começar a apanhar com tudo em cima.

O Não francês foi o maior logro político dos últimos anos. Eu votaria Não no referendo, porque esta constituição favorecia as pretensões da França em cristalizar toda a política obsoleta da UE dos últimos anos. O meu Não equivaleria a um Sim francês, pois era um Não contra as pretensões hegemónicas da França. Eu votaria Não, entre outras razões, porque estou absolutamente contra os benefícios recebidos pelos agricultores franceses que, surpreendentemente, votaram 70% no Não.

Como eu escrevi em 30-05-2005, a França escreveu direito por linhas tortas. Ao exorcizarem, pelo Não, os seus temores face a um mundo em mutação, que não compreendiam, de que tinham medo e que não aceitavam, os franceses caíram na armadilha que julgavam montar à UE. A França fragilizou-se e permitiu que fossem postos em causa hábitos, com décadas, que a favoreciam. A França está a ser a primeira vítima do Não francês.

Publicado por Joana às 09:08 PM | Comentários (102) | TrackBack

Desespero Hílare

Não me levem a mal, mas a manifestação nacional da função pública deu-me um enorme gozo. Aqueles filas de funcionários públicos arrebanhados por todo o país, trazidos em camionetas e absolutamente furiosos por terem votado em Sócrates, convencidos que este tinha um remédio milagroso para mudar o país mantendo tudo na mesma, são o exemplo acabado do estado mental de uma parcela significativa do sector público e da mentalidade dos dinossauros do Parque Jurássico do sindicalismo.

Todas as armas das justas lutas dos trabalhadores foram utilizadas a preceito. A greve foi marcada para uma 6ª feira e tomaram como reféns aquilo que nos é mais querido: os nossos filhos, para os quais estes exames eram um dos momentos supremos que decidem a sua vida profissional futura. Tomar como reféns miúdos que passaram um ano de trabalho e stress para conseguirem o melhor possível para o seu futuro, e os pais que sofreram durante um ano para que tal pudesse acontecer, é uma arma senão tão sanguinolenta como as usadas pelos terroristas da Al-Qaeda, pelo menos de efeito psicológico não menos devastador. O salazarismo caracterizou-se mais pelo temor psicológico que pelos efeitos sangrentos que foram praticamente irrelevantes. Os nossos sindicalistas pertencem à mesma geração e aprenderam com aqueles mestres.

A comunicação social, sempre adepta das generosas lutas dos trabalhadores, politicamente correctas por convenção, prestou-se a dar o seu apoio mediático. Para aconselharem os professores sobre a legalidade da requisição e o bom fundamento da tomada de reféns de menoridade, a comunicação social consultou juristas eminentes e neutrais como Garcia Pereira. Para as análises económicas, mostrando que a capacidade da bolsa do contribuinte português, individual ou colectivo, é matematicamente inesgotável, a comunicação social desenterrou um economista de reconhecido mérito científico e neutralidade política – Eugénio Rosa. As avaliações dos estimadores de manifestantes das autoridades policiais foram proporcionais à insatisfação provocada naquela corporação pelo anúncio recente das medidas governativas.

Tudo isto seria muito triste, se o ridículo não ultrapassasse, em muito, essa tristeza. A hilaridade sobrepôs-se ao nojo. Só tontos, ignorantes ou desesperados por se drogarem na ilusão, poderiam supor que Sócrates estava a falar verdade durante a campanha eleitoral. A situação económica e financeira e as obrigações internacionais do país impediam que a política dele fosse muito diferente da que está a ser. Várias vezes referi essa evidência neste blog, antes das eleições, perante aqueles que julgavam que “dali para a frente, tudo seria diferente”. Os dois governos anteriores conseguiram suster o descontrolo de custos do guterrismo, mas não tiveram coragem de implementar as medidas indispensáveis para começar o saneamento da economia e das finanças portuguesas. Não o conseguiram, parte por incompetência própria e parte porque sofreram uma guerrilha permanente da oposição (incluindo o PS que agora as começou timidamente a aplicar) e dos sindicatos, apoiados pela comunicação social.

As medidas até agora anunciadas por Sócrates são mais emblemáticas que eficazes. São mais de saneamento moral, que de saneamento económico e financeiro. São importantes, na medida em que não é possível aprofundar o saneamento económico e financeiro, sem um prévio saneamento moral, mas são uma gota no oceano do que há a fazer. E não há outra saída para o país. Se o governo actua do lado da receita com mais rigor, agrava a crise económica e diminui as receitas efectivas, portanto terá que actuar do lado da despesa, ou seja, no sector público.

Os manifestantes de 6ª feira estavam furiosos porque se sentiram traídos. A maioria dos cartazes alcunhava Sócrates de mentiroso. Na verdade Sócrates mentiu. Mas todos aqueles desesperados que se manifestavam acreditaram porque queriam acreditar, porque precisavam de acreditar, porque queriam continuar a viver de ilusões. Eles queriam que lhes mentissem. Sócrates apenas lhes fez a vontade.

Uma manifestante declarava, furiosa, que o governo fosse buscar dinheiro onde pudesse, que aumentasse impostos, mas que não mexesse nos seus “direitos adquiridos”.

Que hipocrisia! Os trabalhadores da têxtil, do calçado, da construção civil, etc., que diariamente vão para o desemprego não tinham “direitos adquiridos”? Os seus “direitos adquiridos” não teriam tanto merecimento quanto os “direitos adquiridos” do serviço público? E no entanto estão no desemprego. E estão no desemprego porque os governos andaram uma década a criar “direitos adquiridos” no sector público à custa da progressiva perda de competitividade do sector privado. À custa da perda dos “direitos adquiridos” desses trabalhadores.

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junho 17, 2005

A Espanha tão perto e tão longe

A Espanha tem cerca de 2.350 mil funcionários públicos, o que representa 5,7% da população do país. Essa percentagem, em Portugal, é de 7,5%, mais 31% que em Espanha. O governo socialista espanhol está a estudar um plano para reformas antecipadas do funcionalismo público visando uma diminuição dos seus efectivos e o seu rejuvenescimento. Enquanto isso, um “Comité de expertos para la reforma del Estatuto Básico del Empleado Público” está a ultimar um anteprojecto para desenvolver um sistema retributivo vinculado ao rendimento do trabalho.

O texto deste anteprojecto do “Estatuto del Empleo Público” diz que "Es esencial que se consiga superar definitivamente la vieja idea de que la Administración paga lo mismo a sus funcionarios con independencia de cómo realicen su trabajo. Las retribuciones en las Administraciones públicas no pueden desligarse de la evaluación del desempeño o rendimiento de los empleados públicos" O estudo recomenda uma avaliação periódica da produtividade do funcionalismo, seguida, sempre e quando esta seja negativa, de mudanças de posto de trabalho, despromoções e perda do complemento de produtividade.

Estes dois parágrafos mostram a distância que separa os dois países e que, tudo o indica, continuará a aprofundar-se. O Estado espanhol é mais eficiente que o nosso, pelo menos faz melhor (na educação e na justiça, pois no resto não sei), com menos gente. Mas não está satisfeito com isso. Em Portugal, onde a situação é muito pior, tímidas reformas são diabolizadas pelos sindicatos. É certo que o anteprojecto espanhol não está a ser visto com bons olhos pelos sindicatos e o ministro já fez algumas declarações contraditórias, mas o grau de contestação não se compara com o português, embora me pareça que os sindicatos portugueses irão ter muito menos apoio do que julgam.

No que respeita às reformas há algo que gostaria de acrescentar. Em primeiro lugar o regime do sector público tem que ser igual ao do sector privado. São uma injustiça as actuais diferenças. Em segundo lugar sou contra o aumento da idade da reforma para além dos 65 anos. Acho que quem quiser continuar a trabalhar deverá poder fazê-lo (se a entidade empregadora estiver pelos ajustes) e ter incentivos financeiros para tal. Todavia, o que se verifica no sector privado entre as empresas mais competitivas, é que há uma permanente necessidade de refrescamento dos quadros intermédios e de topo.

Dependendo dos casos, os técnicos a partir dos 55 a 60 anos já não estão, normalmente, adequados ao esforço anímico que a competição requer. A política que se utiliza é a de os colocar em cargos onde o seu know-how e a sua experiência são muito úteis, sem perda de regalias ou de vencimentos, mas distantes da selva agreste das corridas contra o tempo que se exige às chefias intermédias ou de topo. Isso acontece em todos os grupos economicamente agressivos e competitivos e que tenham suficiente dimensão para fazerem essa política. E é muito frequente, há décadas, nos países mais desenvolvidos.

Esta política permite igualmente abrir espaço para a progressão dos quadros mais jovens e dar esperança, a essa camada, de ter uma carreira à frente que só depende do seu dinamismo e criatividade e que não está tapada por chefias cristalizadas e inamovíveis.

É assim que uma empresa que pensa no seu futuro gere os seus recursos humanos e não manter os funcionários, de uma forma cega, agarrada aos seus postos de trabalho.

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junho 16, 2005

A UE entrou na Europausa

Tinha que acontecer. A idade não perdoa. A UE perdeu toda a capacidade criativa, está artrítica e invejosa dos êxitos dos outros, mas na impotência de estes lhe servirem de estímulo para a motivar, para a levarem à “concepção” de um projecto de regeneração. Entrou na fase da negação, da recusa do que sai fora dos cânones que estabeleceu in illo tempore. Já se percebera que a Europa começara a sofrer de afrontamentos, insónias, irritabilidade e crises depressivas. Agora é seguro e é título do DN: A UE entrou na Europausa.

A seguir é a perda da massa óssea e a atrofia progressiva.

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junho 15, 2005

A Perversão da Iconolatria

A classe política, a comunicação social, os meios intelectuais e mesmo a M M Guedes acotovelaram-se numa comovida homenagem pela morte do político cuja faceta de «obreiro do triunfo da liberdade sobre a ditadura», conforme sentida evocação de Sampaio, o levara a declarar, numa entrevista a uma jornalista italiana, em pleno PREC, que “jamais haveria uma democracia parlamentar em Portugal”, e cuja acutilante capacidade de previsão política ficara consubstanciada na frase: “é preciso viver muito pouco para não assistir à instauração do socialismo em Portugal”, pronunciada então durante as exéquias de um camarada de partido.

Aqui e ali, muitos adiantam alegações para encontrar explicação para a situação bizarra da democracia portuguesa decretar luto nacional por alguém que tentara, por todos os meios que teve, que ela não visse a luz do dia. É simples – os intelectuais (políticos, jornalistas e agentes culturais) sempre tiveram um fascínio intenso pelo totalitarismo ideológico, principalmente o de esquerda. Os intelectuais desconfiam da «ordem espontânea» dos regimes liberais e compreendem melhor uma ordem «construída». Uma teoria social tipo “chave na mão” fundamentada num corpo “sólido” e atractivo de doutrina sobre a necessidade e o determinismo históricos. Tudo muito bem explicado, com as peças bem encaixadas umas nas outras, e que sirva de modelo explicativo que nos tranquilize sobre o passado e nos arrebate sobre o futuro.

Os intelectuais menosprezam a «ordem espontânea» do mercado, porque esta oferece ao público o que este deseja, enquanto que eles pregam ao público o que ele deve e não deve desejar. O mercado opera dentro de um sistema de preferências e de juízos de valor desinteressante para o intelectual. Por isso, não custa muito compreender que muitos intelectuais confiem mais no Estado do que no mercado. O Estado não funciona por uma «ordem espontânea», mas primordialmente sob a influência de lobbies políticos e sociais, e aqui, os intelectuais (políticos, jornalistas e agentes culturais), e mesmo a MM Guedes, movimentam-se bem e têm uma enorme capacidade de angariar subsídios e favores.

Tudo isto concorreu para que, a partir da primeira década do século XX, os intelectuais se colocassem ao serviço do reverenciamento dos regimes estatizantes e totalitários, das paixões políticas, e se tornassem intelectuais de convicção. O século XX foi o século da organização intelectual dos ódios políticos, porque o totalitarismo ideológico subsiste pelo ódio aos que não partilham das suas convicções. Principalmente na esquerda (ler, por exemplo, as barbaridades que intelectuais com a estatura de Aragon e de Sartre escreveram, e o fascínio que o comunismo causou em gente como Martin du Gard, Gide, Malraux e outros), mas também na direita (por exemplo, Heidegger, Leni Riefenstahl e, entre nós, António Ferro).

O fascínio permaneceu e mesmo que os factos mostrassem, à evidência, os erros e os massacres cometidos por esses regimes estatizantes e totalitários e a perversão a que as respectivas doutrinas conduziram, essa estiva pútrida não foi erradicada do subconsciente colectivo e emerge, sempre que tem oportunidade, sob as mais variadas formas. E tem moldado o pensamento politicamente correcto que tem contagiado toda a nossa comunicação, social ou privada.

Foi essa subserviência perante o fascínio do totalitarismo de esquerda e o pensamento politicamente correcto que levou Sampaio a dizer barbaridades, tais como, «É um grande comandante(!!) que desaparece», «uma grande figura do século XX português», etc.

E são os mesmos que ficam preocupados quando alguns dirigentes russos elogiam Estaline ou alguns portugueses elogiam Salazar. Esquecem-se que não pode haver dois pesos e duas medidas.

Como escrevi há tempos, «a religião é o ópio do povo e a iconolatria ideológica é o ópio dos intelectuais».

Ler ainda sobre este tema:
O Traspasse de um Mito

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junho 14, 2005

O Traspasse de um Mito

Considerar a coerência como uma virtude, independentemente do âmbito em que essa coerência se exerce, é uma perversão só justificável pela hipocrisia dos políticos. A coerência na intolerância, a coerência no totalitarismo político e ideológico, a coerência do relativismo moral, a coerência no assassinato do carácter dos opositores não podem ser virtudes, a menos que se tenha perdido o sentido dos valores morais. Elogiar Álvaro Cunhal, gabando-lhe a coerência, só por hipocrisia se pode tomar como elogio.

Tive a possibilidade de assistir à desagregação do PCP numa posição privilegiada, mantendo relações de amizade com um leque muito variado dos protagonistas desse drama. E como eram relações de amizade, despidas de qualquer adesão política, testemunhei, directa, ou indirectamente por via familiar, a forma como as relações entre esses protagonistas evoluíram durante esse período, o que foram dizendo uns dos outros à medida que as posições mútuas iam variando, os processos de intenção que foram movidos e o funcionamento da maledicência tornada em arma política.

Os ódios mais irracionais são os que se geram entre gente da mesma facção política, mas onde as vicissitudes políticas introduziram diferenças de opinião. Álvaro Cunhal criou um partido estilo pós-leninista, ou seja um partido onde o centralismo democrático conduziria fatalmente ao fim do direito de tendência, do direito à opinião diferenciada, do direito a pensar pela própria cabeça e ao dever de ser apenas um eco dos pontos políticos vindos “de cima”. Lenine não viveu tempo suficiente para assistir à perversão total a que o modelo que havia idealizado conduziu, mas tem a responsabilidade histórica de haver criado esse monstro.

Todavia quer em Lenine, quer mesmo em Marx, já havia o gérmen de tudo o que aconteceu depois. O historicismo marxista, ao ter relativizado os princípios e valores morais referindo-os a cada contexto histórico, esvaziou a moral de qualquer conteúdo autónomo, subordinando-a aos interesses da classe que tinha por missão histórica conquistar o poder. Libertado de todo o escrúpulo moral absoluto e intemporal, o marxismo de Marx e Engels deu origem ao leninismo e ao “Socialismo real” de Estaline, Mao, Pol Pot, Kim Il Sung, etc., às ditaduras sangrentas que massacraram dezenas de milhões de seres humanos, com o desiderato de construir o “homem novo”. Um humanismo perverso posto ao serviço da liquidação em massa.

Se Lenine tem a desculpa de não haver assistido ao eclodir do monstro que havia gerado, Cunhal não tem qualquer desculpa. Muitos atribuíram a disciplina espartana e o fechamento ideológico do PCP durante o Salazarismo às necessidades impostas pela clandestinidade. Foi um equívoco, pois o PCP permaneceu igual ao modelo que Álvaro Cunhal tinha instituído, apesar de se ter estabelecido entretanto um regime democrático, da progressiva decadência e posterior implosão dos regimes do Leste, e do contínuo esvaziamento político e eleitoral do PCP.

As armas para manter a ortodoxia de um partido politica e bacteriologicamente puro foram sempre as mesmas: processos de intenção e maledicência. Nada que tivesse conteúdo político ou ideológico, porque o PCP não tem qualquer suporte teórico: Marx é apenas um velhinho de barbas brancas que lhe serve de ícone, diferente do Pai Natal apenas porque não traz brinquedos e nem na quadra do Natal exerce qualquer influência. As influências de Marx são longínquas, indirectas e resultam da regurgitação soviética do marxismo.

Se a eliminação física estava fora do alcance, restava o assassinato do carácter através da maledicência: deixar cair frases sugerindo que o “camarada” X não cumpria as suas tarefas e não tinha qualquer valimento político, aliás nunca tinha tido, visto serem outros camaradas que afinal lhe tinham feito o trabalho até então; que estava a tomar atitudes anti-partido e a ligar-se com gente que pretendia o enfraquecimento e a liquidação do partido; dar a entender que haveria faltas graves no trabalho político do “camarada” X; também surtia efeito, enquanto tal ainda fez sentido, dar a entender que o “camarada” X falara na PIDE. Sempre acusações nebulosas, cheias de subentendidos, mas vazias de factos concretos. O visado só começava a sentir os efeitos quando notava que os “camaradas” se afastavam dele como da peste.

É a táctica do salame – o partido corta fatia a fatia e, em cada corte, todo o restante salame está aliado contra a fatia que sai; a fatia seguinte sofre um tratamento idêntico àquele com que tinha colaborado quando ainda fazia parte do salame, e assim sucessivamente. A mesma táctica que foi utilizada por Estaline para se ver livre de todos os que lhe faziam sombra. No fim, quase toda a velha guarda bolchevique havia sido eliminada.

O mesmo sucedeu com o PCP. Tudo o que se assemelhasse a espírito crítico, a criatividade, a capacidade de ter ideias próprias, foi eliminado num processo que vem desde a década de 40, que tinha estabilizado após Cunhal se tornar líder incontestado do PCP, mas que teve uma última fase após o advento de Gorbatchev e a convicção que internamente começou a ganhar corpo de que o partido estava num impasse político. Os que ousaram contestar a ortodoxia foram sendo eliminados: Zita, o grupo dos 6, José Magalhães e o seu grupo, etc., etc., Carlos Brito (inicialmente apenas marginalizado) e, dois ou três anos depois, João Amaral e os chamados renovadores. Com a progressiva depuração dos protagonistas principais da corrente heterodoxa, foram abandonando o PCP muitos milhares de militantes anónimos que se reconheciam cada vez menos na liderança dos incondicionais. Sobejou uma massa informe, cinzenta, que agora ficou órfã do seu guia político e espiritual.

Aquelas personalidades tiveram sorte, pois o PCP não estava no poder. Não foram exterminadas fisicamente e o assassinato de carácter apenas teve efeitos internos. E as zangas entre cada “fatia” dos depurados (afinal as “fatias” posteriores haviam antes colaborado, por acção ou omissão, na maledicência) foram sendo sucessivamente sanadas.

Ter assistido a esse processo marcou, de algum modo, a minha entrada na idade adulta e a minha mundividência social e política. Vi, embora em miniatura incruenta, a verdadeira face do “Socialismo Real”. A verdade está na realidade dos factos e não na teoria das utopias, e ter convivido com essa realidade foi um poderoso factor de orientação e uma fonte de inspiração no emaranhado das teorias políticas, sociais e económicas.

No fundo todos devemos algo a Álvaro Cunhal – eu, por ter verificado ser imprescindível cotejar e a aferir as teorias políticas e económicas pelas suas consequências práticas; Portugal, porque o centralismo cunhalista transformou um partido incipiente num grande partido de massas e vice-versa; os restantes partidos políticos, porque se deixaram de preocupar com o PCP; etc.. Em contrapartida ele ficou-nos a dever muito, pois ainda pesa sobre nós a herança política, social e económica do PREC – um capitalismo nacional fragilizado; uma Constituição blindada e castradora; o reverenciamento do papel do Estado; uma sociedade onde só reivindicamos os nos inalienáveis direitos, esquecendo que também temos deveres.

E neste balanço, o legado de Álvaro Cunhal é manifestamente negativo.

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junho 12, 2005

37º 08’N 07º 36’W

Ou Reflexões pré-estivais

1 – Bizantinices:
O debate escrito entre Bagão Félix e Vítor Constâncio foi uma bizantinice. Em primeiro lugar, ambos têm razão; em segundo lugar, já ninguém se interessa pela autópsia de défices passados. Há alguns, poucos, que apenas estão interessados em resolver os défices futuros, e outros, muitos, que apenas estão interessados em tentar que os défices não lhes digam respeito e lhes passem ao largo.

É evidente que Bagão Félix tem razão em tudo o que escreve sobre as condições em que foi elaborado o OE2005, não apenas pelo desfasamento temporal (Setembro e Outubro de 2004 contra Abril de 2005), como quanto à política de cativação de verbas (táctica que tem sido usada como pressão sobre os ministérios “despesistas”), como ainda quanto ao desfasamento político (o OE 2005 foi feito tendo subjacente uma dada política, e a sua reavaliação foi feita tendo em conta outras opções políticas em alguns itens).

Também é óbvio que Vítor Constâncio tem razão: a reavaliação do OE2005 foi feita de forma tecnicamente correcta (embora o ter ido às centésimas se prestar ao ridículo) e será o que aconteceria, com as actuais previsões (corrigidas face ao que eram 6 meses antes) e opções políticas, se nada se fizer para corrigir. Aliás Vítor Constâncio teve o cuidado de sublinhar que a sua previsão “não era incondicional” e “será seguramente invalidada”.

O que envenenou a questão foi a reavaliação do OE2005 ter sido apresentada no meio de um encenação monumental, destinada a permitir a Sócrates dramatizar a situação financeira (que conhecia), derrogar as suas promessas eleitorais (feitas com conhecimento da situação financeira) e atirar as culpas para os outros. Sócrates utilizou o adereço fornecido por Constâncio na sua rábula. O adereço prestava-se a isso, mas Vítor Constâncio teve o cuidado de o condimentar com algumas frases, tecnicamente inatacáveis, que lhe permitiriam alegar a mais completa neutralidade perante o aproveitamento político posterior. Assim, Vítor Constâncio continuaria a ser o técnico acima de qualquer suspeita, deixando as rábulas para os políticos “abaixo de qualquer suspeita”, como Cravinho, que acorreu com uma conferência de imprensa que julgava ser incendiária, mas que resultou absolutamente inútil face ao rigor mortis adiantado da questão, e que foi relegada para 4º ou 5º plano pela comunicação social.

Mas tendo embora Bagão Félix e Vítor Constâncio razão, saem ambos feridos desta questão: Bagão Félix é o responsável por um OE que passará à História como não credível e Vítor Constâncio é responsável por ter participado (por acção ou omissão) numa rábula que teve muito de política e nada de técnica. E ambos por esta polémica inútil.

2 – Morreu o “Companheiro” Vasco.
É normal que um vulto que desempenhou um importante papel na História fique amarrado às convicções que estiveram na base desse desempenho. Não é pois de estranhar que Vasco Gonçalves continuasse amarrado às suas convicções e a pensar que as decisões que tomou em 1974/75 eram as que melhor serviam os portugueses e a sua prosperidade. Mas o problema maior de Vasco Gonçalves não foi o de não perceber que a política que implementou das “nacionalizações aos repelões”, a proteger por uma Constituição blindada feita sob a tutela do MFA, levaria Portugal à ruína em vez de o levar aos “amanhãs que cantam”; o problema maior foi o de nunca ter percebido que não tinha base social (e militar) de apoio, e a dramatizar uma Teoria da Conspiração para descrever o seu crescente isolamento, clamando contra a “baixa política” do “Documento dos nove”, contra a informação, que se estaria a tornar “fascizante”, apesar de ela estar então maioritariamente controlada pelo PC, e contra a oposição às suas ideias, pois essa oposição tinha semelhanças com as “situações pré-fascistas” da Europa entre as duas guerras. A dramatização do chavão “não há 3ª via entre o socialismo (leia-se comunismo) e o fascismo” não é compaginável com o epíteto de lutador pela liberdade que lhe é dado por alguma esquerda.

Há todavia algo que se lhe deve reconhecer para além da coerência ideológica: era um homem intrinsecamente honesto. Nomeadamente quando comparado com os outros protagonistas da época: Otelo, Cunhal, Soares, etc. Todavia a honestidade, quando acompanhada por uma certeza inabalável nas convicções políticas, pode servir de caução aos maiores desmandos perpetrados por sequazes. Felizmente para o país, Vasco Gonçalves foi destituído antes que tal pudesse acontecer.

Viveu exilado no seu azedume; as críticas à sua política eram apenas mentiras e calúnias; os seus colegas de armas, que se lhe opuseram, traíram-no vítimas de vacilações pequeno-burguesas. Morreu zangado com a História.

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junho 10, 2005

A Bula Sousa Tavares partibus Publicus

A mentalidade impregnada de reminiscências religiosas só permite que o espírito crítico se exerça, após se ter precavido das bulas e indulgências suficientes para a dimensão do pecado que se vai cometer. A devoção na penitência cautelar é às vezes tão desmedida que ficamos na dúvida sobre qual é mais grandioso: a devoção ou o pecado. Foi o que aconteceu a Miguel Sousa Tavares.

Hoje, no Público, MST produz-se num artigo “Quem paga a conta?” onde num longo preâmbulo faz uma devota profissão de fé nas virtudes do serviço público, contrapondo-o ao “mundo sinistro do capital sem pátria, sem regras e sem responsabilidades sociais”, um prestimoso serviço que é o “último obstáculo a um capitalismo desumanizado e esquecido de preocupações éticas”, afirmando, com uma devoção que comove até às lágrimas, que conhece “muitos exemplos de empresas ou serviços que outrora eram públicos e agora são privados, funcionando pior e mais caro que anteriormente”.

Após este preâmbulo não restaram quaisquer dúvidas: quem tem que pagar a conta é o “mundo sinistro do capital sem pátria” (bem … se não tem pátria, duvido que o obriguem a pagar qualquer conta, nesta pátria …), o “capitalismo desumanizado”. Não serão certamente as empresas que eram públicas e agora são privadas, pois se passaram a funcionar pior e mais caro, estarão certamente num processo de falência e entregues a uma comissão liquidatária.

Todavia, salvaguardado com esta profissão de fé, MST arremete em seguida contra o sector público, não deixando pedra sobre pedra desse último baluarte contra o “mundo sinistro do capital sem pátria, sem regras e sem responsabilidades sociais”, desse desesperado reduto e “último obstáculo a um capitalismo desumanizado e esquecido de preocupações éticas”. MST esteve os primeiros parágrafos a construir uma muralha inexpugnável contra o “mundo sinistro do capital sem pátria” e utilizou os restantes para a destruir com uma ferocidade e uma pertinácia só comparáveis às das legiões romanas perante Cartago, na última guerra púnica.

Afinal, os funcionários públicos gozam de prerrogativas que cá fora ninguém mais goza: têm horários geralmente mais reduzidos, metem mais baixas do que os outros trabalhadores, recebem muito mais por baixa do que os outros, metem licença quando querem, são promovidos automaticamente sempre com a classificação de excelente, passados 3 ou 4 anos na mesma categoria, reformam-se mais cedo e têm pensões percentualmente maiores … e alguns sectores gozam ainda de regimes de excepção e estatutos especiais dentro deste regime privilegiado, etc., e conclui: Esqueçam, portanto tudo o que imaginavam sobre vocações, dedicação ao trabalho, orgulho profissional. Parece que quem trabalha para o Estado, a violência é tamanha … que o único desejo legítimo é passar à reforma quanto mais cedo melhor.

Este artigo deixou-me profundamente abalada. Como é que com gente sem “vocações, dedicação ao trabalho, orgulho profissional”, cuja única aspiração é “passar à reforma quanto mais cedo melhor” vamos resistir ao “mundo sinistro do capital sem pátria, sem regras e sem responsabilidades sociais”?

Hoje, MST deixou-nos a todos indefesos perante o “mundo sinistro do capital sem pátria”. Construiu um arrimo paterno no preâmbulo e depois fez-nos desesperadamente órfãos.

MST excedeu-se na bula “cautelar”, excedeu-se no pecado, ou excedeu-se me ambos.

É o que acontece quando exercemos a nossa análise crítica, racional, sobre algo relativamente ao qual temos uma fé ancestral e um temor bíblico.

Publicado por Joana às 04:57 PM | Comentários (68) | TrackBack

junho 09, 2005

A Teoria da Conspiração

E a Prática da Conspiração

Um dos modelos explicativos mais acarinhados pelas ideologias totalitárias e pelos intelectuais que se deixaram seduzir por elas é o da Teoria da Conspiração. A sociedade é dividida em dois grupos antagónicos – os dominadores (ou os poderosos) e os dominados – e os poderosos estão em permanente conspiração para levarem os dominados à miséria e ao aviltamento. Esta “posição” social não tem nada a ver com a correlação de forças do poder político: A Nomenklatura que exerceu um poder totalitário nos regimes comunistas, pertencia aos “dominados”, dizia-se uma permanente vítima da conspiração dos “poderosos” e criou os Gulags para condenar à morte lenta os “poderosos” conspiradores. E os intelectuais dos países ocidentais certificavam essa conspiração em movimentos de opinião, comunicações emocionadas ou em teorias de absoluto rigor conceptual em jornais, revistas e livros.

Essa conspiração é tanto mais credível quanto menos visível. Por exemplo, o patronato está em permanente conspiração para levar os trabalhadores à miséria. Quando o patronato não emite opiniões, está em conspiração silenciosa; quando um dirigente empresarial emite alguma opinião sobre as relações laborais, é o clamor público: Nós bem avisámos … mais uma ofensiva brutal inserida na insidiosa conspiração dirigida contra os trabalhadores.

No caso da comunicação social há uma conspiração permanente para lhe cercear as liberdades. Os jornalistas podem inventar factos, mentir descaradamente ou distorcer a realidade, mas quando alguém contesta o seu direito à recriação da realidade, é o alvoroço público: lá estão a conspirar contra as liberdades democráticas! Curiosamente, quando essa contestação é feita ao nível da arruaça, os jornalistas ficam semi-afónicos e correm a pedir a protecção do PR, a fazer queixinhas. A Teoria da Conspiração baseia-se na não evidência de alegados factos. Quando confrontada com o real vernáculo, a Teoria da Conspiração fica desarmada.

Se a Teoria da Conspiração foi inventada pelos regimes totalitários e todos os aspirantes ao totalitarismo e à ditadura: guerras da religião, guerra civil inglesa, Revolução Francesa (onde os jacobinos a levaram à malvadez mais requintada), movimentos sindicais, revolução e regime bolchevique, nazismo alemão e todos os regimes fascistas e comunistas em geral, onde essa teoria serviu para massacres e genocídios, etc., etc., há uma permanente prática conspirativa que, ela sim, tem sido em extremo danosa para a prosperidade da sociedade.

Essa Prática da conspiração é quotidianamente exercida por todos os lobbies que põem os seus “interesses corporativos” à frente do interesse de todos e que só aceitam reformas e medidas estruturantes, desde que apenas sejam aplicáveis aos outros. É quotidianamente divulgada por todos os meios de comunicação e tem direito a horário nobre.

É essa prática conspirativa que tornou o SNS num sorvedouro de dinheiro e num prestador de serviços cada vez mais ineficiente. São os lobbies dos médicos e os lobbies dos enfermeiros contra a sociedade e uns contra os outros. E os lobbies são tanto mais poderosos quanto menos visibilidade qualificativa têm. Por exemplo, o caos organizativo e a nova derrapagem das listas de espera devem ser levados mais a crédito das corporações dos enfermeiros que das dos médicos.

É a prática conspirativa que tornou o Sistema Público de Educação o mais caro da Europa e o mais ineficiente. Nela têm desenvolvido os seus talentos os funcionários do ME, os professores, na docência ou destacados no ME e dependências, e todos os auxiliares de educação. Todos têm concorrido para levar o nosso sistema de ensino ao estado lamentável em que ele se encontra.

É a prática conspirativa que tornou o nosso sistema judicial um caso paradigmático de obsolescência. Tem sido uma actividade onde todos os agentes envolvidos se têm empenhado, mas os legisladores, os arquitectos dos procedimentos de funcionamento da nossa justiça, merecem um lembrete especial. Foi devido à sua argúcia conspirativa que o sistema ficou completamente entupido e Portugal se tornou um país de caloteiros inimputáveis.

E essa prática conspirativa alarga-se a todo o aparelho do Estado, registos, notariado, fisco, segurança social, autarquias, etc..

Mas essas práticas conspirativas são accionadas e apoiadas exactamente pelos mentores das Teorias da Conspiração: a Esquerda “à esquerda” e os Sindicatos. São os teóricos da Conspiração os principais agentes e mentores da Prática da Conspiração que levou o nosso país à beira do abismo.

Aqueles que passam a vida a falar da Teoria da Conspiração, estão simplesmente a lançar uma nuvem de fumo sobre a sua permanente prática conspirativa. Fabricam conspirações dos outros, enquanto conspiram às claras contra a nossa sociedade, a sua prosperidade e o seu futuro. Contra a prosperidade e o futuro daqueles que dizem representar.

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junho 07, 2005

O Visconde Colado ao Meio

Ou o estranho caso do Freitas Séptico

Conta-se que numa horrenda batalha das inúmeras guerras balcânicas austro-turcas, um visconde foi fulminado por uma bala de canhão que o cindiu em duas metades rigorosamente iguais e simétricas. Ambas sobreviveram, mas tratadas em sítios diferentes e ignorando-se uma à outra. O visconde era um homem dotado de qualidades e defeitos, de uma mundividência multidimensional. Cada metade, porém, capturou uma parte unidimensional do visconde. Foi como o cátodo e o ânodo de uma experiência electroquímica. Freitas do Amaral, durante os anos de 1974/75 foi fulminado pelo PREC, que o fendeu em duas metades fisicamente simétricas e ideologicamente opostas. Contrariamente ao visconde, cujas metades se ignoraram mutuamente durante anos, ninguém notou nada no aspecto físico de Freitas, pois as duas metades foram imediatamente coladas. Infelizmente a informação deixou de circular entre elas, e cada metade passou a ter uma vida espiritual própria e oposta à outra, embora fisicamente ninguém se apercebesse do funesto acidente.

Uma das metades de Freitas entrou no governo de Balsemão como seu indomável suporte; a outra metade tirou o tapete debaixo dos pés de Balsemão e fez com que o partido, que a primeira metade chefiava, viesse aos trambolhões por aí abaixo, até se transformar no Partido do Táxi.

Uma das metades de Freitas andou em manifs radicais, acompanhando cartazes onde escorria sangue dos dentes de Bush, um émulo de Hitler, Salazar, Franco e Pinochet. A outra metade sucumbiu perante um arrepanhar de lábios de Gioconda Rice e foi a correr a Washington prostrar-se perante o “émulo de Hitler, Salazar, Franco e Pinochet”. A comunicação social bem agitava a nomeação do falcão Paul Wolfowitz para a presidência do Banco Mundial, por indicação de Bush , bem açulavam Freitas por causa da proposta de nomeação de John Bolton como embaixador junto das Nações Unidas … mas nada … era a outra metade e não havia comunicação entre as duas.

Relativamente ao Referendo europeu, a posição de Freitas (metade nº1) é clara e intransigente: «O referendo em Outubro é para manter». Todavia, quase em simultâneo, Freitas (metade nº2), numa conferência de imprensa conjunta com Joschka Fischer, garante: «Este tratado não funciona, vamos fazer outro».

O Visconde Cortado ao Meio rendeu celebridade a Italo Calvino. Freitas cindido e Colado ao Meio, o Freitas Séptico, está a deixar perplexos Portugal e o Mundo. Doravante, quem o ouve, ou quem se lhe dirige, ficará sempre na angustiante dúvida sobre qual a metade que é a sua interlocutora.

Sócrates terá que tomar uma decisão difícil. Mesmo tendo que recorrer a próteses ortopédicas, deverá evitar que as duas metades de Freitas andem pelos mesmos sítios dizendo coisas contraditórias entre si. Assim, de acordo com a sua estratégia política do dia, Sócrates deverá enviar apenas uma das metades de Freitas, com a respectiva prótese para o manter em equilíbrio estático e dinâmico, mantendo a outra a recato e convenientemente amordaçada. Se no dia seguinte a sua política for diferente (a política de Sócrates é de geometria variável) então enviará a outra metade, com a prótese simétrica, deixando a primeira manietada e amordaçada.

O Freitas, tal como se apresenta, com uma inesperada e falaz unidade física, é impraticável. As suas duas metades anulam-se mutuamente e criam situações embaraçosas … para os outros. Para o Freitas não, porque as duas metades, embora unidas fisicamente, têm um septo interno que não permite que a informação circule entre elas.

É o Freitas Séptico.


Nota: Ler sobre Freitas «Questão Inútil»

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junho 06, 2005

A Cigarra e o Coelhone

Ou como a Cigarra e a Formiga se pode transmudar na Fuga das Galinhas

A Cigarra era um animal imprevidente. Durante a época de abundância, enquanto os outros trabalhavam e poupavam na previsão da época de escassez, a Cigarra cantava despreocupadamente. Nem tentou sequer arranjar um agente artístico que a lançasse no mercado discográfico. A despreocupação mais absoluta. Quando chegou o Inverno foi ao armazém da formiga, repleto de víveres aromáticos e suculentos, e pediu sustento. A formiga, fatigada por meses infindáveis de labuta, com um horário laboral de sol a sol, mandou-a bugiar. Mas o Coelhone, o outro protagonista desta história, é diferente da Cigarra.

A diferença entre o Coelhone e a Cigarra na época da abundância já é significativa. A Cigarra cantou e o Coelhone presidiu à distribuição de dezenas de milhares de empregos públicos e de sinecuras no topo da administração pública e institutos e empresas públicas. A Cigarra cantava a solo, mas Coelhone organizou cantatas com dezenas de milhares de figurantes à custa do erário público. A Cigarra apenas cantou, despreocupadamente, sem se aperceber que deveria constituir uma reserva para a época de escassez. Coelhone, além de não constituir reservas, delapidou parte das reservas de toda a restante e desditosa fauna.

Mas onde a diferença é abissal é no comportamento na época de escassez. A Cigarra bateu humildemente à porta da formiga e fez um apelo pungente à sua caridade. Não exigiu … implorou. E levou com a porta na cara, para servir de exemplo, ao longo dos séculos, sobre a importância de se ser previdente e de se gastar de acordo com as próprias disponibilidades, actuais e futuras.

A Galinha dos Ovos de Ouro, o outro animalzinho desta história triste e pouco exemplar, andou tempos a fio a organizar-se e a estruturar os seus recursos humanos de modo a ter uma oferta adequada ao mais baixo custo possível. Teve que o fazer, porque mesmo em épocas de abundância, se não trabalhar arduamente nesta matéria, não há abundância que lhe valha. E foi assim que uma galinha anémica conseguiu, após vários anos de esforço, começar a ter uma postura, regular, de ovos de ouro.

Coelhone, depois de ter ajudado a desorganizar o Estado, a transformá-lo num monstro cada vez mais insaciável, falho de víveres e sem vontade de pôr o Estado, os seus boys e ele próprio, a uma dieta merecida, olhou em volta e viu, entre outros animais, a Galinha dos Ovos de Ouro que, na sua perspectiva, tinha uma postura de Ovos de Ouro insuficiente para o seu apetite. E então juntou a fauna gulosa que ele arregimentou para parasitar o país e declarou: «há um sector em Portugal que tem que dar um contributo maior. É o financeiro, da banca e das companhias de seguros».

A Cigarra implorou, porque julgava, na sua candura, que a Formiga não tinha quaisquer obrigações para com ela. Coelhone não implora … exige.

Ao que se sabe, a Cigarra, se não aprendeu com a sua imprevidência, forneceu matéria para várias gerações aprenderem com ela. Todavia Coelhone é refractário à aprendizagem. Depois de ter concorrido para pôr o Estado à beira da falência, pretende agora fazer o mesmo à Galinha dos Ovos de Ouro. Mas aqui fia mais fino. A Galinha dos Ovos de Ouro não se vai deixar depenar com facilidade. Coelhone pode ser refractário à aprendizagem, mas a Galinha dos Ovos de Ouro não é. Além do que viu a Fuga das Galinhas e aprendeu como se lida com gente incapaz, estéril, ávida e invejosa.

E em vez de um remake da Cigarra e a Formiga, poderemos ter um remake, a cores e com efeitos especiais, da Fuga das Galinhas.

Publicado por Joana às 06:23 PM | Comentários (62) | TrackBack

junho 05, 2005

Entregues ao Altíssimo

Campos e Cunha confirmou na AR um quadro recessivo para os próximos tempos. E disse à AR, e a todos nós, que a saída das dificuldades presentes só é possível com o crescimento da economia. E afirmou ainda que os tais 150 mil postos de trabalho perdidos nos últimos três anos, e cuja recuperação era uma das promessas eleitorais do PS, não vão poder ser recuperados no espaço desta legislatura. Todavia as medidas que propôs – muito insuficientes do lado da despesa e danosas para a economia do lado da receita – significam que o ministro não apresentou um programa político. O ministro entregou-se, e entregou-nos, à misericórdia divina.

A única forma sustentável de combater o défice é fazer diminuir a despesa pública. Combatê-lo pela via do aumento de impostos tem efeito matematicamente positivo no curto prazo, mas a médio prazo é contraproducente. Diminui a competitividade da economia, aumenta o desemprego, faz diminuir a base de incidência fiscal e acaba anulando os efeitos inicialmente positivos, deixando as finanças e a economia do país numa situação pior que a anterior. Foi o que aconteceu nos 3 últimos anos: aumento do IVA, congelamentos salariais na função pública, afirmações ad terrorem da ministra das Finanças, etc., não surtiram efeito. Apenas desaceleraram o aumento do défice.

O congelamento dos vencimentos da FP também não é suficiente, e provavelmente é contraproducente, pois não permite distinguir o mérito do demérito e incentivar a dedicação e o desembaraço. A maioria dos gastos deve-se à desorganização e burocracia dos serviços. Além disso há um excesso de efectivos. É um escândalo o ministério da Agricultura ter 1 funcionário por cada 4 agricultores. A Educação terá 30% a 40% de funcionários a mais, entre professores e pessoal auxiliar. As estatísticas dizem que temos, em termos relativos, mais juízes, magistrados e funcionários judiciais que qualquer outro país europeu. Os gastos excessivos da saúde comparados com os serviços que presta indiciam uma enorme desorganização dos serviços e a incapacidade de manter na ordem alguns lobbies internos deste sector.

Esta situação é insustentável, pois se baseia no aumento progressivo das taxas de impostos que leva, com a degradação da economia, a uma progressiva diminuição das receitas fiscais. Campos e Cunha não pode comparecer no hemiciclo, fazendo apelos ao crescimento da economia, propondo todavia medidas que constituem, parcialmente, um obstáculo a esse crescimento. O apelo de Campos e Cunha é matéria de fé, não é matéria da razão.

Há um cenário eventualmente possível a médio prazo. A manutenção do sector estatal, com a sua actual dimensão, com os seus custos de funcionamento e com o péssimo serviço que presta é, como se viu, um empecilho ao desenvolvimento. Já que tanto mentiu em campanha e como não se tem saído mal com isso, Sócrates terá condições para se apresentar, daqui a alguns meses, com todo o descaro, para afirmar perante todos nós que a defesa do “Estado Social de Bem-Estar”, que jurou nunca mexer, passa por alguns emagrecimentos, aqui e ali. É claro que o emagrecimento do Estado só será possível com uma reorganização simultânea dos serviços e dos procedimentos. Apenas despedir, só conduziria ao caos. E a diminuição dos efectivos deve ser feita de modo a que saiam os que devem sair, e não aqueles que quereriam aproveitar essa possibilidade para saírem, normalmente os mais aptos e diligentes.

Há uma forma de fazer esta operação que talvez tivesse o aval da UE. Um empréstimo público a longo prazo que pudesse custear a rescisão dos contratos poderia ser negociado com a EU como uma despesa estruturante, que não entrasse na contabilização do défice e que pudesse ser, eventualmente, comparticipada. Todavia há um óbice – esta medida exige uma elevada competência, não apenas dos membros do governo e dos seus gabinetes, como dos diversos níveis hierárquicos das chefias, a começar pelo topo. Esta elevada competência não é compaginável com a enxurrada de boys, à média de 10 por dia, que este governo tem promovido. Não é compaginável com as nomeações que este governo tem feito para os CA das empresas que tutela. Não é compaginável com nódoas políticas, com porta-vozes desqualificados, com aparitchicks mafiosos, com coelhones, etc..

E a ironia maior é que a individualidade mais competente do governo está sob fogo da populaça por questões “éticas”. E essa ironia é mais curiosa porque a devassa a que está a ser sujeito era um dos pilares que ele estava a erigir para combater a evasão fiscal através da delação pública, do voyeurismo invejoso dos rendimentos de outrem. Campos e Cunha, economista competente, deve ter agora aprendido que a cidadania e o sentimento do social não se exercitam com apelos à delação, mas pela pedagogia, principalmente pela pedagogia política de um Estado que se deve comportar para com os seus cidadãos como pessoa de bem. Demora décadas, mas é assim que se faz. E como demora décadas, deve-se começar já.

Um Estado péssimo pagador, que dá pouco em troca de muito, é um mau pedagogo político. E se convidar à delação é um pedagogo ainda menos convincente.


Ler também:
OE2006 e OE2007
A Cigarra e o Coelhone

Waterloo a Prazo
Orçamento Auto-regenerável

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Bom Senso e Bom Não

A extensa aliança negativa pelo Não (e esta frase não é um pleonasmo) pode resvalar, se não houver bom senso, para situações muito perversas, não apenas no que respeita à Europa como entidade política mas, sobretudo, no que concerne à prosperidade económica dos países europeus. Os burocratas de Bruxelas sofrem do pecado original de não terem sido directamente eleitos. Mas esse é igualmente o pecado dos governadores dos Bancos Centrais. Essa sua não dependência eleitoral ou das sondagens, permitiu-lhes todavia estabelecer critérios de rigor financeiro, que os que vivem directamente confrontados com os lobbies locais, sindicatos, eleitores, etc., não têm coragem de o fazer, porque sacrificam o bem-estar futuro à eleição presente.

Portugal, se não fosse o PEC, continuaria a assistir impávido aos desvarios guterristas, e hoje estaríamos numa situação semelhante àquela que a Argentina, durante décadas o país mais próspero da América Latina, viveu há poucos anos. Se não fossem as directivas de Bruxelas, Sócrates estaria agora pacificamente a desbaratar dinheiro, de acordo com as promessas eleitorais que andou a fazer, em vez de discursos de austeridade, aumentos de impostos e ténues medidas (mais mediáticas que consistentes) de combate à despesa.

Se não forem as imposições de Bruxelas, Sócrates, ou quem vier a seguir, não tomará medidas sustentáveis de emagrecimento do Estado, quando verificar que as medidas actuais foram apenas droga que injectou no corpo do enfermo e que não constituíram qualquer curativo da sua doença, mas apenas um paliativo passageiro.

As recentes declarações do ministro do Trabalho italiano exprimem uma posição demagógica de culpar o euro pelo laxismo e incapacidade política dos governantes italianos em porem ordem nas finanças e economia. Regressar à moeda antiga por causa da competitividade da economia, é empobrecer o país para o tornar mais competitivo. Em vez de adequar a despesa pública aos interesses do país, sacrificam-se os interesses do país no leito de Procusta da despesa pública sacralizada e descontrolada.

A perversidade é que esse projecto de empobrecimento é contínuo. Como a causa da falta de competitividade é o peso excessivo do Estado, esse empobrecimento (pela desvalorização cambial) continuará sempre até que alguém ponha cobro a isso, ou se atinja uma situação de regresso à economia natural, como sucedeu na Argentina. A desvalorização não é solução. É um paliativo que poderá ser tomado em doses sucessivas, até chegarmos ao nível dos países em vias de subdesenvolvimento.

Dizer Não à criação de uma Europa federal, com uma Constituição megalítica, construída pelos líderes políticos à revelia dos povos é dar um poderoso sinal de alerta à inconsciência desses políticos e à perigosidade desse processo.

Dizer Não na expectativa de que temos via aberta para regressar ao laxismo, de que poderemos manter um Estado monstruoso e ineficiente, de que poderemos continuar a sacralizar as “conquistas irreversíveis” é criar ilusões perversas que conduzem ao empobrecimento progressivo do país.

O primeiro Não é dizer sim a uma Europa moderna, que se pretende competitiva e iconoclasta relativamente aos mitos que criou e acalentou nas últimas décadas.

O segundo Não é dizer sim a uma Europa enferma, nostálgica de glórias passadas, estéril no seu misto de arrogância e inveja bacoca dos americanos, uma Europa sem futuro.

Publicado por Joana às 06:19 PM | Comentários (92) | TrackBack

junho 03, 2005

Novo Governo

Sócrates-o-Antigo substitui José Sócrates.

Sampaio está confrontado com o desastroso estado do Estado e com os povos a exigirem dos governantes o exemplo. Um povo que vive da inveja e da avaliação mesquinha do próximo só pode aceitar sacrifícios propostos por gente que viva abaixo do limiar mínimo de pobreza. Campos e Cunha foi vítima do voyeurismo dos rendimentos pessoais, que tinha erigido como base da sua política. Foi a justiça imanente. A Pitonisa de Belém resolveu assim demitir José Sócrates e chamar Sócrates-o-Antigo para constituir um novo governo. O novo governo será constituído por personalidades acima de qualquer suspeita e abaixo de qualquer rendimento. São dados como certos:

Diogenes.jpgDiógenes de Sinope e Antístenes do partido dos Cínicos. Ao primeiro, habituado a vestir um traje mais sumário que a tanga e conhecido pelo seu horror aos filósofos e literatos que agem contrariamente às teorias que debitam, será, segundo consta, atribuída a pasta da Cultura e Educação. Portugal espera muito da frugalidade deste novo ministro. Os agentes culturais estão desesperados. Como se notabilizou por praticar sexo em público, julga-se que as matérias de Educação Sexual vão passar a ter uma maior abertura e transparência. Onesícrito e Crates de Tebas também foram sondados. Pode ver-se ao lado, Diógenes, em traje de cerimónia, nas escadarias de S. Bento, a ler a nova Reforma Educativa. Há muita expectativa e esperança acerca desta reforma, visto só ter uma página e, ao que parece, 2 parágrafos.

Integrarão igualmente este governo Francisco de Assis e Clara de Assis, do Partido dos Mendicantes Franciscanos. Os Mendicantes Carmelitas estarão representados por Simão Stock. Os Franciscanos insulares também terão pastas. Guilherme de Ockham e Duns Escoto estão confirmados. O primeiro, que sobraçará a pasta das Finanças, virá com a sua famosa navalha de Ockham, para talhar a fundo as adiposidades do Monstro estatal. É a Lei da Parcimónia, finalmente aplicada em Portugal, no sector público.

Domingos de Gusmão, dos Mendicantes dominicanos, terá a seu cargo a Justiça e a Administração Interna. Os Dominicanos revelaram-se sempre muito expeditos e pragmáticos nestas áreas.

Bento de Núrcia ficará com as Obras Públicas e Comunicações. Como fez voto de estabilidade na congreggovernação, e dado o seu horror em transferir-se do local em que é colocado, espera-se que dedique um especial cuidado às comunicações.

Próspero do Espírito Santo chegou a ser dado como certo no governo, mas o seu nome liquidou-o: ser Próspero e, ainda por cima, ligado ao Espírito Santo. Nem o ter-se apresentado descalço e com a barba de 6 anos o certificou.

Espera-se muito desta coligação de Cínicos e Mendicantes, com um Beneditino de rija cepa.

No caso de haver roturas de tesouraria, tem-se como certo o apoio do pai de Diógenes, especialista em questões monetárias do lado da oferta.

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Ministro Italiano Aumenta a Competitividade Europeia

O ministro do Trabalho italiano, Roberto Maroni, afirmou que a Itália devia considerar a reintrodução temporária da lira como moeda oficial porque o euro teria, segundo ele, originado problemas à economia italiana. Esta medida seria considerada completamente irresponsável por qualquer economista que se prezasse. Todavia está-se a revelar frutuosa. Não a medida em si (completamente louca ... só de um ministro do Trabalho ...), mas o seu anúncio – Depois daquela declaração o euro reagiu em queda, recuando 0,25%

Publicado por Joana às 03:22 PM | Comentários (25) | TrackBack

junho 02, 2005

As Fauces do Moloch - Notas

Os posts sobre as Fauces do Moloch (aqui e aqui) destinavam-se a mostrar a punção fiscal que pesa sobre a população portuguesa, nomeadamente sobre a classe média que é o suporte da democracia e do equilíbrio social. Mostrei que a punção fiscal sobre essa classe é enorme, mas que só uma parte é sentida directamente. A outra, não menos despicienda, é feita de uma forma que não tem visibilidade para o cidadão comum. A soma das duas é enorme e isso aterrorizou o cidadão vulgar e indignou aqueles que são os devotos incondicionais do Estado.

A indignação dos devotos incondicionais do Estado não resultou do imposto excessivo, explícito ou implícito, que pagamos. Resultou que isso viesse a público. Ninguém contestou os números, exceptuando o Discovery do “executivo rico”, ou o custo da habitação, sugerindo que aqueles quadros técnicos fossem viver para bairros problemáticos. Mas é interessante verificar que um técnico ganhando mais de 800 contos mensais, não chega ao Discovery.

Outros sugeriram que, se a carga fiscal é muito menor nos EUA, os serviços públicos são aí deficientes, ou omissos, e que a classe média americana gasta o remanescente recorrendo aos privados. Infelizmente em Portugal sucede o mesmo, apesar de uma punção fiscal incomparavelmente maior. Embora muitas vezes, na Saúde, os privados não tenham os mesmos equipamentos, prestam imediatamente cuidados ao doente e não o sujeitam a listas de espera de um ou mais anos. Portanto em Portugal a carga fiscal é muito mais elevada e as contrapartidas insuficientes e de pior qualidade.

Os valores que eu apresentei são consistentes com o tipo de consumo normal em quadros técnicos com aquele estatuto. Mas o essencial reside no facto de, logo à partida, antes de levarem o dinheiro para casa, entre 43% e 50% do valor do seu trabalho ser objecto de punção fiscal. Essa é a parte mais substantiva. A partir daí depende do cabaz de consumo. Se será 60%, no mínimo dos mínimos, ou 72%, a diferença tem algum valor, mas o significado é claro – pagamos impostos excessivos.

Queria acrescentar uma nota. Não podemos deduzir destes exemplos que a sociedade, no seu todo, pague percentagens tão elevadas. Por exemplo, quando aqueles quadros técnicos compram bens sobre os quais incide o IVA de 21%, este imposto está, na realidade, implícito naqueles bens. Todavia, eles só são directamente responsáveis pelo pagamento de 21% sobre o valor acrescentado pelo vendedor. E este por 21% do valor acrescentado pelo grossista, e assim sucessivamente. Se somarmos 21% sobre cada uma das transacções intermédias, duplicamos o valor do IVA para o conjunto destes agentes económicos. É óbvio que o consumidor final vai arcar com todo o imposto, mas na contabilidade nacional não podemos somar todos os IVA’s sucessivos, sob pena de duplicar o valor.

O mesmo sucede com a carga fiscal na aquisição da habitação. Aquele valor incorpora 45% de impostos. Mas estes impostos já foram pagos pelos diversos intervenientes da cadeia de produção. É um facto incontornável que essa carga fiscal onera, com aquela percentagem, o custo da habitação para um cidadão. Todavia não podemos somar, para o conjunto da actividade económica, aqueles impostos, porque os estamos a duplicar.

Uma outra nota foi sobre uma observação de um comentarista acerca do facto de parte do custo da mensalidade do empréstimo conter os juros bancários. O resultado não é afectado, ao contrário do que o comentarista supõe. É como se o quadro técnico do exemplo contraísse dois empréstimos: um para pagar o custo da habitação sem impostos, e outro para pagar os impostos incorporados no custo da habitação. Pensem nestes juros, como juros de mora pelo pagamento de um imposto a 30 anos. Apenas as comissões bancárias (deduzidas da respectiva carga fiscal) deveriam ser excluídas.

E há mais vida, para além daqueles quadros técnicos ... seria melhor para todos se o Estado fosse menos dispendioso, menos burocratizado, mais ágil nos procedimentos administrativos e na aplicação da justiça, porque assim melhoraria em muito o ambiente económico em que laboram as empresas: menos impostos, menos atrasos dispendiosos causados pela burocracia paralisante, cobrança atempada de dívidas devida a uma justiça mais rápida, etc.. É esse ambiente que gera emprego e desenvolvimento.

Finalmente, não foi minha intenção preconizar o desmantelamento do Estado, como alguns sugeriram. Foi apenas mostrar que temos uma carga fiscal excessiva, que o que recebemos em troca é pouco e de má qualidade e que não é possível que o país continue assim. Todos nós, como escrevi, viveríamos melhor se o Estado fosse mais eficiente, prestasse melhor serviço, e emagrecesse. Todos os rácios internacionais indicam que, face à UE, temos um Estado com efectivos a mais e que, apesar disso, presta serviços piores.

Quando se argumenta esta verdade reconhecida internacionalmente, gritam que queremos desmantelar o Estado. Não é um argumento, é apenas uma tentativa canhestra, mas demagógica, de intimidar o interlocutor e arregimentar para as suas hostes todos os potenciais membros do “Partido do Estado”, como lhe chamou Medina Carreira.

Todavia o que está em jogo não são esses gritos estultos. O que está em jogo é saber se o Estado começa a ser “emagrecido” agora, daqui a 5 anos, daqui a 10 anos, etc.. Quanto mais tarde, maior será o sofrimento. Mas é inevitável, por muito que gritem.

Publicado por Joana às 09:10 AM | Comentários (42) | TrackBack

junho 01, 2005

Os Familiares do Santo Fisco

Sócrates anunciou na AR, no passado dia 25 de Maio, a intenção do Governo de legislar no sentido de tornar públicas as declarações de rendimentos dos contribuintes. Em recente entrevista, o ministro Campos e Cunha reiterou essa intenção, mas tentou suavizá-la no que toca à quantidade de informação a disponibilizar para o público. A ideia é possibilitar que cada português se possa tornar um informador fiscal. A ideia é regressar à época (1540-1761) que criou os portugueses que hoje temos: invejosos, mesquinhos e maldizentes. A ideia é promover os invejosos a Familiares do Santo OfícioFisco.

A Inquisição não fez muitas vítimas em Portugal. Os que foram relaxados em autos-da-fé entre 1540 e 1761 seriam menos de 1.200 (Inquisições de Lisboa, Coimbra, Évora e Goa). Muito menos que as vítimas das revoluções inglesas do século XVII que liquidaram o absolutismo e o equivalente a um mês do Terror Robespierrano, quando os jacobinos tentavam impor a Liberdade, Igualdade e Fraternidade a golpes indiscriminados de cutelo da guilhotina. Cerca de 30 mil pessoas passaram pelos cárceres do Santo Ofício e, penitenciados, viram os seus bens confiscados, sendo muitos condenados à prisão perpétua ou ao degredo. Mas mesmo este número é uma ridicularia, quando comparado com as carnificinas ocorridas durante o Terror, ou durante a época de Cromwell.

O efeito mais grave da actuação do Santo Ofício foi tornar Portugal um país de delatores e invejosos. E foi esse efeito a causa da nossa decadência que ainda não conseguimos erradicar. A Inquisição não abrangia apenas o judaísmo. Tinha igualmente como objecto o protestantismo, outras doutrinas heréticas (como o materialismo averroísta), feitiçaria, astrologia, leitura de livros proibidos, bigamia, sodomia, etc.. Este âmbito possibilitava um campo de delação inesgotável.

As vítimas não eram a arraia-miúda. Eram a burguesia comercial e artesanal – Mercadores, sapateiros, alfaiates, ferreiros, curtidores, ourives, armeiros, encadernadores, douradores, etc.. Eram os que tinham êxito nos negócios, eram os que despertavam inveja. Os delatores recrutavam-se entre a arraia-miúda e informavam a rede de familiares existente em todo o Reino. Muitas das denúncias ficavam apenas em arquivo e não tinham andamento, mas outras colhiam, nomeadamente quando já havia denúncias anteriores, ou a vítima era apetecível pelos valores confiscáveis.

O que a Inquisição conseguiu foi a destruição do nosso tecido empresarial, a emigração da gente mais empreendedora para fora do país e promover a inveja e a mesquinhez, a virtudes nacionais. Os portugueses de então, ao tentarem satisfazer a sua inveja e mesquinhez promoveram de uma maneira mais eficaz a pauperização da sociedade, do que se realmente o pretendessem fazer. É a Mão Invisível de Adam Smith substituindo a satisfação do seu próprio interesse pela satisfação da sua inveja e mesquinhez. É substituir os neo-liberais por neo-absolutistas. Provavelmente não estaria nas suas intenções, mesmo nas dos mais invejosos obter a estagnação social e económica e o progressivo nivelamento pela miséria geral, mas conseguiram-no. É nisso que poderemos a transformar a sociedade portuguesa. Aliás, ela própria tem caminhado nessa direcção, mesmo sem esta prestimosa ajuda governativa.

A missão da Inquisição portuguesa não era destruir os heréticos, mas fabricá-los. Um simples decreto pombalino eliminou toda a estrutura repressiva do Santo Ofício e a convicção, então generalizada, de que Portugal estava minado de heréticos, cristãos-novos e judeus. Tudo se esfumou no ar, como por encanto.

Os adoradores do Moloch têm posto a correr que o país é um paraíso para a evasão fiscal. Estimativas internacionais indicam que, estando embora acima da média europeia, não estamos todavia piores que alguns países da UE em matéria de evasão fiscal e de economia paralela. O que é um resultado excelente, atendendo à completa ineficiência da máquina do Estado. Se a educação, a justiça e a Saúde funcionam pessimamente e são as piores da UE, só por manifesta falta de equidade para com o cidadão a máquina fiscal funcionaria melhor.

Mas os adoradores do Moloch precisam dessas justificações. A alternativa era pôr em dúvida a dimensão descomunal do Monstro e exigir o seu emagrecimento. E eles vivem dessa gordura excessiva que todos nós alimentamos.

Portanto corremos o risco de se repetir, noutro cenário, aquele espectáculo repugnante que durou 220 anos. E a nova missão do Santo OfícioFisco não será destruir os relapsos fiscais, mas fabricá-los. Como outrora.

Publicado por Joana às 10:20 PM | Comentários (78) | TrackBack