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maio 09, 2005

Moloch e a Mão Invisível

Ou a Razão do Poder contra o Poder da Razão: – 1) o Mercado do Trabalho

A Teoria Económica diz que a taxa salarial deve ser igual à produtividade marginal do trabalho. É injusto, mas está demonstrado. A Angelina Jolie ganha muitos milhões de dólares por filme. Porque não eu? Sinto uma terrível e mesquinha inveja. Vingo-me, mentalmente, pensando que se Angelina Jolie se candidatasse a um lugar na minha empresa, ganharia dez vezes menos que eu. É a malvadez daquela relação iníqua criada pelos caprichos satânicos da Mão Invisível.

É óbvio que aquela relação só se aplica a situações concorrenciais: no sector privado, entre os actores de Hollywood, nos craques da bola, nos treinadores poliglotas, etc.. Há outros sectores que não trabalham em concorrência, como o sector público. Mas nesse caso, a diferença entre a taxa salarial e produtividade marginal do trabalho é paga por todos nós. A caprichosa Mão Invisível regula o equilíbrio de preços do factor trabalho no sector privado. O poderoso Moloch fixa o preço do trabalho no sector privado e obriga os seus súbditos a cotizarem-se para pagarem a diferença.

Mas o Moloch, na sua divina providência, também entendeu impor restrições ao preço e mobilidade do factor trabalho no sector privado. Para proteger os trabalhadores, conforme os seus sacerdotes proclamam nas suas prédicas.

O salário mínimo foi instituído como meio de preservação das condições mínimas de dignidade e de qualidade de vida dos trabalhadores. Todavia, nos segmentos menos qualificados, ou entre os jovens que procuram o primeiro emprego, se o salário mínimo fixado administrativamente for superior à produtividade marginal do trabalho esperada, a procura de emprego diminui e haverá um excesso de oferta face à procura, ou seja, dá-se o fenómeno do desemprego. O excesso de oferta de mão-de-obra resolve-se pelo emprego de alguns trabalhadores com o seu rendimento acrescido da diferença entre o salário mínimo e o salário de equilíbrio, à custa da exclusão dos outros candidatos do mercado de trabalho.

Os sacerdotes do Moloch prometeram proteger a qualidade de vida dos trabalhadores. Criaram em paralelo um custo social do desemprego. Os sacerdotes do Moloch não operaram qualquer redistribuição entre ricos e pobres: com o salário mínimo limitaram-se a conseguir uma redistribuição de rendimentos entre famílias pobres - umas ficaram ligeiramente menos pobres e outras sem nada (ou com subsídios de desemprego).

Por outro lado promoveram o florescimento do mercado negro. E assim surge o trabalho clandestino no qual a taxa salarial é mais próxima do nível de equilíbrio, mas quase sempre inferior a ele, visto que existe um prémio de risco para o engajador e para o empregador, que receiam cair nas malhas legais. A produtividade marginal do trabalho será igual à nova taxa salarial (mais baixa) adicionada ao prémio de risco.

Portanto, os sacerdotes do Moloch ao prometerem proteger a qualidade de vida dos trabalhadores, aumentaram o flagelo social do desemprego, reduziram a taxa salarial dos que se viram forçados ao trabalho clandestino e apenas promoveram uma redistribuição de rendimento entre os mais pobres, a um nível mais baixo, porquanto o rendimento global é menor.

O salário mínimo funciona portanto como uma barreira à entrada que assegura o salário dos “insiders” à custa dos candidatos que se mantêm em situações de desemprego prolongado.

Adicionalmente, nos sectores menos qualificados, se os trabalhadores são pagos acima da sua produtividade marginal, essa situação não se poderá manter a longo prazo numa economia concorrencial e, mais cedo ou mais tarde, a empresa que os emprega perde competitividade, e fecha ou deslocaliza-se. Ou seja, mesmo os que ficaram transitoriamente menos pobres, mais tarde ou mais cedo acabam no desemprego.

Há um ponto positivo. Um salário mínimo superior à produtividade marginal do trabalho num dado sector, pode orientar a oferta de trabalho para sectores mais qualificados. Mas essa reorientação é um fenómeno a médio ou longo prazo, porquanto pressupõe uma melhoria de qualificação do factor trabalho.


Ler a continuação:
Moloch e a Mão Invisível 2

E, sobre este tema:
Estado e Desenvolvimento

Estado e Desenvolvimento (2)

Publicado por Joana às maio 9, 2005 08:58 AM

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Comentários

O salário mínimo é, sem dúvida, um elemento estruturante para a qualidade de vida dos sindicatos.

Publicado por: Mário às maio 9, 2005 09:13 AM

"o Moloch entendeu impor restrições ao preço e mobilidade do factor trabalho"

Hmmm... suponhamos que essas restrições à mobilidade eram abolidas e a Joana se via confrontada com a concorrência de economistas mexicanos ou paquistaneses que se prontificavam a vir para cá fazer o trabalho dela... hmmm... que pensamento perverso...

Publicado por: Luís Lavoura às maio 9, 2005 10:04 AM

Ahhh, as «duas mãos invisíveis» de Angelina Jolie ...

Publicado por: asdrubal às maio 9, 2005 11:03 AM

As teorias económicas da Joana estão indubitavelmente corretas, mas levam a resultados politicamente inaceitáveis.

Seguindo as teorias económicas da Joana, o salário mínimo deveria ser abolido (ou posto a um nível tão baixo que seria irrelevante), e as fronteiras deveriam ser abertas aos trabalhadores estrangeiros. Os resultados de tal política, claros como água, são difíceis de fazer engolir a uma grande maioria da população.

Entre as perfeitas abstrações económicas da Joana, e o mundo real, há que traçar um meio termo.

E isso é que é difícil.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 9, 2005 12:23 PM

Quanto ganha um economista paquistanês?

Publicado por: Senaqueribe às maio 9, 2005 12:35 PM

É difícil fazer aceitar à maioria da população dos países desenvolvidos, já para a maioria da população mundial outro galo cantaria.

Os que vão para Porto Alegre apoiar os terceiro-mundistas e para Davos pedir protecção para a agricultura europeia e norte-americana de certeza que não se dão conta da ironia (já para não falar das contradições) da sua posição...

Publicado por: Pedro Oliveira às maio 9, 2005 12:48 PM

Aos apressados:
Eu escrevi:
1 - "se o salário mínimo fixado administrativamente for superior à produtividade marginal do trabalho esperada" ... "se" é uma conjunção que introduz oração subordinada "condicional".

2 - "Há um ponto positivo. Um salário mínimo superior à produtividade marginal do trabalho num dado sector, pode orientar a oferta de trabalho para sectores mais qualificados. Mas essa reorientação é um fenómeno a médio ou longo prazo, porquanto pressupõe uma melhoria de qualificação do factor trabalho".

Publicado por: Joana às maio 9, 2005 12:57 PM

Luís Lavoura às maio 9, 2005 10:04 AM:
Trabalho numa multinacional e o PDG nem sequer é português.
Não me arreceio dos "economistas mexicanos ou paquistaneses"

Publicado por: Joana às maio 9, 2005 01:00 PM

Você pode estar cheia de razão. O problema é que ninguém quer isso.
Pelo menos por enquanto e num futuro próximo

Publicado por: vitapis às maio 9, 2005 02:36 PM

Diz muito bem: "por enquanto".
Se isto continuar assim

Publicado por: Ant Curzio às maio 9, 2005 03:02 PM

O salário mínimo nacional não existe primariamente por imposição dos "sacerdotes do Moloch", mas sim porque nenhum partido político pretendeu até hoje aboli-lo. Ou seja, trata-se de uma instituição que, aparentemente, não sofre grande contestação da parte do povo português.

A questão não é, pois, entre a Joana e os "sacerdotes de Moloch", mas sim entre a Joana e o povo português, ou entre a Joana e as lideranças partidárias.

Por outro lado, penso que o salário mínimo nacional, atualmente, só é auferido pelas porteiras de Lisboa e por mais alguns, relativamente poucos, trabalhadores. Mas posso estar enganado. Quando se pensa em aumentar o salário mínimo nacional, os grandes problemas não provêm em geral do patronato, mas sim do facto de boa parte dos rendimentos sociais - pagos pelo Estado - lhe estarem indexados.

Mas posso estar a ver mal a questão.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 9, 2005 03:12 PM

Quando enfrentamos, por exemplo, o desemprego dos trabalhadores das indústrias têxtil e do calçado, a questão não é o salário mínimo nacional ser muito elevado, mas sim o facto de na Roménia ou em Marrocos ou na China uma pessoa poder sobreviver com um salário muito substancialmente inferior ao nosso salário mínimo. Ou seja, para poder competir em termos puramente salariais, os nossos empresários precisariam de pagar salários que pura e simplesmente não dariam para os trabalhadores matar a fome.

Quando consideramos o (inevitável, como muito bem diz a Joana) desemprego no setor da construção civil, mais uma vez o problema não é o salário mínimo ser elevado, mas sim o facto de a procura já não poder mais ser sustentada.

Ou seja, não creio que o salário mínimo seja um problema sério nem para os trabalhadores nem para os patrões portugueses. Não é por causa dele que a nossa economia padece.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 9, 2005 03:33 PM

Poder-se-ia dizer que a Joana desenvolveu um bom argumento a favor do proteccionismo, uma vez que o proteccionismo - por via do aumento dos preços - faz aumentar a produtividade marginal do trabalho, em termos monetários...

Pessoalmente acho que a luta contra os efeitos perniciosos do desemprego se pode fazer, não pela via do salário mínimo (claro!), mas pela via de um programa de trabalho social remunerado, destinado a todos os desempregados que o desejassem. Existem inúmeras funções de grande utilidade social que não são desempenhadas porque não são economicamente exploráveis. Logo, não interessam ao sector privado. Tais como todas as tarefas de protecção do ambiente, todas as tarefas assistenciais, nomeadamente as dirigidas aos idosos, às minorias, às crianças. Acabe-se com o subsídio de desemprego e crie-se um departamento de trabalho social que canalize para as funções referidas todos os desempregados que o desejarem. As remunerações deste sector deviam ser inferiores às remunerações dos sectores produtivos, como forma de estímulo a procurar um emprego nesses sectores, mas deveriam ser suficientes para garantir a subsistência com dignidade. Não me surpreenderia se os custos de um tal programa fossem inferiores aos seus benefícios (inclusive as poupanças com o subsídio de desemprego, que só se manteria para os inválidos).

Publicado por: Albatroz às maio 9, 2005 03:40 PM

Joana no País da Maravihas. Estas tretas do salário igualar a produtividade marginal do trabalho apenas ocorrem na pureza dos modelos matemáticos da teoria económica clássica. Ela (a teoria) de facto, não explica porque é que a Angelina Jolie (ou o Figo) auferem rendimentos absurdamente elevados - trata-se, afinal, de uma tautologia: uma teoria com consistência interna, mas só isso.

Já conhecemos o remédio: se a realidade não corresponde à teoria, é preciso mudar a realidade - ou seja: acabar com os sindicatos e outros factores de rigidez salarial, acabar com as barreiras ao comércio ou à mobilidade de factores, etç. Ou seja: simplificar e purificar a realidade por forma a que os factos possam ocorrer de acordo com a teoriazinha.

Os nazis queriam fazer o mesmo com a raça mas - que chatice - a suja da realidade não se vergou às leis da purificação sanguínea. E, parafraseando o soneto de David Mourão Ferreira:

não há dúvida, realidade, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

Publicado por: Joao A. às maio 9, 2005 05:02 PM

A ciência económica sempre foi assim, parece que não tem solução. Ontem li uma história que mostra bem isso. No séc XIX um economista inglês em visita à Alemanha e insistia em tentar persuadir os alemães que se deviam especializar nos produtos em que tinham vantagem comparativa, ou seja, bens agrícolas. Ele acreditava sinceramente no que dizia! Logicamente os alemães não lhe deram ouvidos e em pouco tempo passaram a ser eles os líderes mundiais em diversos sectores industriais - o historiador também teve de considerar a teoria económica tautológica.

Aqui passa-se o mesmo, embirrar com o salário mínimo (esse grande impedimento ao crescimento) é fazer o papel do economista inglês em visita à alemanha.

Publicado por: Daniel às maio 9, 2005 06:16 PM

Nessa conversa fomos nós, que nos especializámos na produção do "vinho de embarque" enquanto os ingleses ficavam com os "panos" e o comércio de ambos. Não obstante, o Adãozinho Smith não engraçou com o Tratado de Methween, pois a aspiração ao livre comércio era tanta que nem um tratado comercial bilateral admitia.

Publicado por: Joao A. às maio 9, 2005 07:45 PM

Alguém me disse um dia que a cada sistema político corresponde um determinado sistema económico (e/ou vice-versa).
Se assim é, então um sistema político que anda aos zig-zagues só pode produzir uma economia desorientada (e/ou vice-versa).

Publicado por: Senaqueribe às maio 9, 2005 09:21 PM

"No séc XIX um economista inglês em visita à Alemanha e insistia em tentar persuadir os alemães que se deviam especializar nos produtos em que tinham vantagem comparativa, ou seja, bens agrícolas."

Pois, os ingleses usaram essa receita com a Irlanda, e com isso levaram à grande fome que matou um terço da população da ilha.

No século 19 (e até à Segunda Guerra Mundial) a política alimentar da Inglaterra era liberal: comprar os alimentos no estrangeiro, que sai mais barato. Essa política também foi seguida pela França, que mandava vir a sua alimentação da Argélia.

A Irlanda exportava cereais para Inglaterra, os irlandeses comiam batatas. Em 1846, quando a colheita de batatas falhou, os irlandeses morreram aos milhões, mas a ilha continuava a exportar alimentos em grande.

Quando os liberais aconselham agora a Europa e os EUA a eliminar os seus subsídios à agricultura e a passarem a importar os seus alimentos do Terceiro Mundo, podem estar a conduzir a uma situação semelhante, mas em muito maior escala.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 10, 2005 09:39 AM

A propósito desse disparate da teoria económica clássica, quais eram os produtos em que o Japão, antes da Revolução Meiji, tinha vantagens comparativas? Nenhum. Enfim, talvez peixe, ou óleo de baleia...

Por outro lado, a teoria das vantagens comparativas cada vez se aplica melhor aos EUA. Hoje em dia, esse país cada vez exporta mais produtos agrícolas e florestais. Os produtos em que tem reais vantagens comparativas.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 10, 2005 10:25 AM

Num mercado perfeito, o salário mínimo não seria possível. Numa sociedade perfeita, não seria necessário.

Publicado por: Zé Luiz às maio 10, 2005 11:51 AM

"A propósito desse disparate da teoria económica clássica, quais eram os produtos em que o Japão, antes da Revolução Meiji, tinha vantagens comparativas? Nenhum. Enfim, talvez peixe, ou óleo de baleia..."

Luís Lavoura: vantagens comparativas não quer dizer fazer melhor que todos. Quer dizer fazer melhor isso do que fazer outra coisa. Ou seja, mesmo que eles fizessem A e B pior que outro país, se fizerem A melhor que B, devem fazer A e não B.

Publicado por: João Branco às maio 10, 2005 09:53 PM

Já agora, Semiramis, não aposte que se a Angelina Jolie trabalhasse na sua empresa receberia um décimo do seu ordenado...

Acha realmente que a gestão da sua empresa é assim tão racional? Acha que as empresas privadas conseguem internamente fazer uma alocação perfeita de recursos e apenas o estado não o consegue?

Publicado por: João Branco às maio 10, 2005 09:56 PM

Talvez não. Como recepcionista, escoltar os financeiros à sala de reuniões, servir cafés e biscoitos, trajando um "catsuit" de cabedal negro a evidenciar as formas e envolvendo-os num sorriso atrevido ...
Era capaz de ter um bónus ... permanente

Publicado por: Joana às maio 10, 2005 11:44 PM

Albatroz às maio 9, 2005 03:40 PM:
"uma vez que o proteccionismo - por via do aumento dos preços - faz aumentar a produtividade marginal do trabalho, em termos monetários"
As grandezas económicas medem-se e comparam-se sempre em termos reais, e nunca em termos nominais.
A menos que estejamos a avaliar os efeitos da inflação.

Publicado por: Joana às maio 10, 2005 11:49 PM

Nota: Há vantagens comparativas num dado sector industrial, quando esse sector consegue ter ou melhor qualidade ou um custo mais baixo que concorrentes exteriores, por razões específicas: acesso privilegiado a matérias primas, know-how sedimentado de longa data, etc.
Por exemplo, a indústria corticeira portuguesa tem vantagens comparativas; a indústria têxtil portuguesa "tinha" vantagens comparativas antes da abertura dos mercados orientais, etc.

Publicado por: Joana às maio 10, 2005 11:56 PM

Quando houver dessas reuniões, se contratarem a Angelina Jolie, não se esqueça de me convidar.

Publicado por: AJ Nunes às maio 11, 2005 12:30 AM

Joana às maio 10, 2005 11:49 PM

"As grandezas económicas medem-se e comparam-se sempre em termos reais, e nunca em termos nominais"

Está enganada no que diz respeito à medição. O PIB, por exemplo, calcula-se a preços de mercado. Se o preço de um dado tipo de bens - computadores, por exemplo - baixa, essa redução vai afectar, no sentido da baixa, o PIB. No entanto a utilidade, o valor de uso, desses bens não diminuiu. E mesmo quanto à comparação não é em termos reais que se faz, mas a preços constantes, o que não é a mesma coisa. O preço é sempre um valor convencional, um valor de transacção, não é a medida de um valor real. No entanto, com o meu anterior post eu estava apenas a brincar consigo e a relativizar o valor das fórmulas teóricas.

Publicado por: Albatroz às maio 11, 2005 09:13 AM

Albatroz: Não percebeu o que eu quis dizer. Todas as grandezas utilizadas nas funções de produção, de utilidade, de custo, etc. são sempre em termos reais.
O PIB (e outras medidas agregadas da actividade económica) pela sua natureza, naturalmente que é calculado em termos nominais. Simplesmente, para ser utilizado em comparações, etc., terá que ser reduzido a termos reais.
Aliás, no caso do PIB, também é reduzido a PIB ppp (power purchase parity) no caso de comparações internacionais

Publicado por: Joana às maio 11, 2005 09:36 AM

"Nota: Há vantagens comparativas num dado sector industrial, quando esse sector consegue ter ou melhor qualidade ou um custo mais baixo que concorrentes exteriores, por razões específicas: acesso privilegiado a matérias primas, know-how sedimentado de longa data, etc."

Esta não é a noção de Ricardo de "vantagem comparativa" (é a versão senso comum do mesmo termo).

Segundo Ricardo, mesmo se um país não tiver um qualquer sector melhor que o exterior, ganha em especializar-se naquilo que faz melhor e trocar com o exterior, porque este também ganha em especializar-se naquilo que faz melhor e portanto ficam os dois melhores... É aquela velha noção de que o melhor cozinheiro do mundo se for também o melhor pintor do mundo e ganhar mais dinheiro a pintar do que a cozinhar, fica melhor se se especializar em pintar e contratar um (possivelmente 2º melhor) cozinheiro para lhe fazer o almoço.

Publicado por: João Branco às maio 11, 2005 10:02 AM

Aquilo que um país faz melhor é aquilo que ele escolhe fazer melhor.

A Alemanha era no princípio do século 19 um país agrícola. Aquilo que melhor sabia fazer, era agricultura. 100 anos mais tarde, eram os campeões mundiais da indústria química.

O Japão era em 1850 um país medieval. Em 1940 os EUA tiveram que fechar os seus mercados aos produtos japoneses, porque já não aguentavam a sua concorrência.

Essa teoria das vantagens comparativas é uma treta que, aliás, é deturpada or relações de poder sempre que tal convem. Como a Inglaterra fez com a Bengala no caso dos têxteis. A Bengala tinha um know-how sedimentado e um acesso direto a excelentes matérias primas, tendo como resultado que produzia têxteis melhores e mais baratos do que os ingleses. Os quais se apressaram a destruir essa vantagem comparativa.

O Irão tem uma vantagem comparativa para servir de porta de exportação ao petróleo do mar Cáspio. Essa vantagem comparativa é diligentemente sabotada pelos EUA.

Como no caso do economista inglês a aconselhar os alemães a dedicarem-se à agricultura, e de David Ricardo a aconselhar o mesmo a Portugal: primeiro tenta-se vencer o adversário endoutrinando-o com teorias económicas, depois, se não funciona dessa forma, utiliza-se o poder do Estado.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 11, 2005 10:35 AM

Tenho lido por aqui que a Alemanha (Prússia, Baviera, Saxe, etc.) era um país agrícola no início do século XIX. Isso não é bem verdade. Era um país predominantemente agrícola, como também o era a França e a Austria.
O único país razoavelmente industrializado então era a Grã Bretanha, cuja potência mecânica instalada era 13 vezes superior à da França, para uma população inferior (em 1830). Os países alemães vinham atrás, mas havia zonas industrializadas: a Renânia e a Silésia, na Prússia, as cidades livres de Hamburgo, Bremen e Lubeque, etc.

Publicado por: Joana às maio 11, 2005 01:32 PM

Joana às maio 11, 2005 01:32 PM

"Saxe" não, Saxónia. Em alemão, Sachsen, que se lê "Zácsan". Também foi industrializada bastante cedo. tal como a adjacente região da Boémia (no país dos checos).

Publicado por: Luís Lavoura às maio 11, 2005 03:01 PM

Joana às maio 11, 2005 01:32 PM

Já agora, a zona industrializada da Alemanha não era a Renânia (em alemão Rheinland), mas sim a bacia do Ruhr (em alemão Ruhrgebiet). O Ruhr é um pequeno (cerca de 100 km) afluente na margem direita do Reno. A sua bacia tem importantes depósitos de carvão (hulha, um carvão denso e rico), que já eram explorados desde a Idade Média, pois nessa altura estavam mesmo à superfície. Hoje em dia o carvão do Ruhr está a grandes profundidades, e fica muito mais caro para os alemães explorá-lo do que... importar carvão da China, do Canadá ou da África do Sul.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 11, 2005 03:19 PM

"Bengala tinha um know-how sedimentado e um acesso direto a excelentes matérias primas"

Num mundo em industrialização o know-how desse território tornou-se obsoleto e deixou de ter capacidade para competir com os ingleses.
Os japoneses sempre tiveram mais atenção ao exterior, aos conhecimentos que podiam adquirir dos outros povos, apesar de medieval o Japão já tinha os alicerces para lançar a industrialização, a SUA industrialização. Não foi como é actualmente a China ou Índia, dependentes dos fluxos de investimento estrangeiro.

Os economistas não têm nenhuma conspiração organizada. David Ricardo defendeu a especialização da Inglaterra e, enquanto político, empenhou-se na liberalização das importações de bens alimentares, sofrendo no entanto forte oposição da generalidade dos políticos ingleses (bastante evidente tendo em conta a origem dos rendimentos dos Lords). Não era uma cabala para enganar os outros povos.

Ricardo acreditava que quem ficava a perder com o proteccionismo era o consumidor, que a abertura ao exterior aumentaria a massa de bens disponíveis promovendo o bem estar da população, o que não é totalmente falso. Simplesmente é uma análise demasiado simplista da realidade, algo que a ciência económica tem dificuldade em assumir devido à sua ambição de objectividade e universalidade.

Publicado por: Daniel às maio 11, 2005 04:16 PM

Daniel às maio 11, 2005 04:16 PM

A destruição da indústria têxtil da Bengala foi efetuada de forma consciente (como o demonstram documentos escritos da época) pelos ingleses, através da imposição de tarifas e barreiras aduaneiras que efetivamente impediam os artesãos bengalis de exportar os seus produtos.

"Take India. When the British first moved into Bengal, it was one of the richest places in the world. The first British merchant warriors described it as a paradise. [...] There were rich agicultural areas producing unusually fine cotton. They had also advanced manufacturing, by the standards of the day. For example, an Indian firm built one of the flagships for an English admiral during the Napoleonic wars. It wasn't built in British factories - it was the Indians' own manufacture. You can read about what happened in Adam Smith [...]. He deplored the deprivations that the British were carrying out in Bengal. As he puts it, they first destroyed the agricultural economy and then turned "dearth into a famine". One way they did this was by taking the agricultural lands and turning them into poppy production (since opium was the only thing Britain could sell to China). Then there was mass starvation in Bengal. The British also tried to destroy the existing manufacturing system in the parts of India they controlled. Starting from about 1700, Britain imposed harsh tariff regulations to prevent Indian manufacturers from competing with british textiles. They had to undercut and destroy Indian textiles because India had a comparative advantage. They were using better cotton and their manufacturing system was in many respects comparable to, if not better thanm the British system. The British succeeded, India deindustrialized, it ruralized. [...] It wasn't until 1846, when their competitors had been destroyed and they were way ahead, that Britain suddenly discovered the merits of free trade. Read the British liberal historians, the big advocates of free trade - they were very well aware of it. "Look, what we're doing to India isn't pretty, but there's no other way for the mills of Manchester to survive. We have to destroy the competitions." "

Noam Chomsky, "The propsperous few and the restless many", Odonian Press, Berkeley CA (1993),
pp. 54-56.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 11, 2005 04:51 PM

O que os defensores das vantagens comparativas sempre se esqueceram é de que, a longo prazo, essas vantagens relativas só se traduzem em prosperidade se os fluxos comerciais externos forem equilibrados. De outra forma esse binário especialização-liberalização acaba por arruinar um dos parceiros (o menos competitivo) e enriquecer apenas o outro (mais competitivo). Depois, quando o parceiro mais competitivo se chama China e o produto são os têxteis, rapidamente se esquecem as doutrinas de Ricardo... Liberalismo, globalização, etc., não passam de tretas para justificar o domínio de uns países por outros.

Há anos que defendo uma ideia pouco ortodoxa: o comércio internacional só deve ser livre desde que se salvaguarde o direito dos países a preservarem o equilíbrio das suas balanças de transacções correntes. Ou seja, um país com um deficite (global, não bilateral) nessa balança deveria ter o direito de travar as importações até que a balança estivesse de novo equilibrada, sem que os seus parceiros pudessem retaliar na mesma moeda. Nesse contexto teríamos países mais ricos e países mais pobres, mas não teríamos países explorados.

Publicado por: Albatroz às maio 11, 2005 05:39 PM

Albatroz às maio 11, 2005 05:39 PM

A sua ideia seria muito útil a Portugal neste momento. Não tanto por causa dos têxteis chineses, que são um mero caso de uma indústria mais competitiva do que a nossa, mas sim por causa dos automóveis, computadores, micro-ondas etc que as nossas classes mais abastadas compram ao estrangeiro. Seria muito útil ao Estado português poder ter em conta a situação desequilibradíssima da nossa balança de pagamentos e decretar um racionamento à importação de certos bens.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 12, 2005 09:58 AM

"Seria muito útil ao Estado português poder ter em conta a situação desequilibradíssima da nossa balança de pagamentos e decretar um racionamento à importação de certos bens."

Como não existem barreiras alfandegárias não seria fácil "racionar" esses bens. É esse género de importações que arruína a nossa balança de pagamentos, geralmente são bens com elasticidade procura rendimento maior do que um e quando o rendimento das famílias cresce o consumo desses bens cresce relativamente mais (já com as nossas exportações acontece o contrário).

Só com uma alteração profunda do nosso tecido produtivo seria possível resolver o problema, que passa por um aumento de exportações e substituição de algumas importações. A destruição criativa teria aqui um papel a desempenhar, mas como em Portugal o ambiente não é favorável aos negócios e os custos de entrada no mercado para bens de alta tecnologia são muito elevados (esqueçam as pequenas e médias empresas) não estão reunidas as condições para que da destruição surja algo. Ou seja, tão cedo a situação da nossa balança comercial não se alterará, até porque com o € a questão das reservas de divisas (uma séria restrição) não se põe.

Publicado por: Daniel às maio 12, 2005 03:42 PM

Ou a Razão do Poder contra o Poder da Razão: –

Até que enfim... irra .. que isto custa a perceber... mas agora já podemos perceber melhor, como é que um Ministro Português, com um salário líquido de Apenas 3000 euros ou seja 600 contitos por mês, consegue:

- Ter carro de 20.000 contos.
- Carros para sua esposa e filhos.
- Empregada de limpesa e empregada de cozinha.
- Jardineiro
- Casinha simples, com piscina, jakuziis, e outras merdas, avaliadas em 150 mil contos.
- Filhos a Estudarem no Estrangeiro.
- Etc etc etc etc.

Afinal, estamos a falar de rentabilidade, ou seja, com uma assinatura num projecto de viabilização, poderemos ganhar uns milhões !

Publicado por: Templário às maio 15, 2005 05:38 PM

Não me arreceio dos "economistas mexicanos ou paquistaneses"

Claro... esses ainda não conseguiram ganhar para pagarem a viagem, e a UE ainda não os deixa entrar.

Além disso, cantar de galo, quando a situação ainda não escalda é tipicamente Tuga.

Vejamos os dentistas tugas:

Não temos medo nenhum dos dentistas Brasileiros, aliás eles nem diplomados são, no Brasil compra-se o diploma, trá lá lá, me engana que eu adoro !

Quando chegaram aqui... foi uma vergonha Nacional, não havia cão nem gato que não se esgatanhassem todos para os deitarem abaixo.

Vejamos os Médicos... Já começam a miar com os Espanhois e Não miam mais, porque a ERRADA politica da medicina deu em que agora não tenhamos médicos.

De tangas e de teorias baratas estamos nós já fartinhos, e como não sabemos pensar, a UE terá que tratar disto, caso não tratem, no Problem, Guerra, e como sabemos com uma Guerra, todas as teorias económicas são válidas, pois haverá tudo para reconstruir e os milhões que morrerem, terão que ser substituídos.

Esta é a saída - Guerra !

Ah e esta que é da sabedoria Milenária :

20 000 mulheres dos Países de Leste (Roménia, Ucrânia e outros) vieram apanhar morangos a Huelva, fizeram um contratozito de 3 meses para a época. Coisa simples.

Pero las Hijas Espanholas de Huelva... constituíram logo uma Associação de defesa dos Maridos delas !

Elas a dizerem:
Já nem podemos sair à rua com os nossos maridos, que elas olham para eles de uma maneira.. temos que estar vigilantes...etc..etc.

Por aqui se vê, o Instinto Humano da Sobrevivência.

Logo... a Joana apenas poderá é recear as Damas de Leste, Pois são belas e formosas... e gostam dos Latinos !


Publicado por: Templário às maio 16, 2005 12:36 AM

Excelente

Publicado por: Benamor às junho 12, 2005 02:08 AM

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