« outubro 2005 | Entrada | dezembro 2005 »

novembro 30, 2005

O Pinho e a Ota

Caro jcd, estive a ler o Justa Causa e tenho alguns reparos a fazer. Em primeiro lugar queria avisá-lo que, no cenário 2, quer o Mário, quer o seu consultor especializado se enganaram. Com um investimento de 3 milhões e um cash-flow anual de 200 mil euros, a TIR desse investimento, admitindo uma vida útil de 20 anos, seria de 2,9% e não de 6%. Despeça igualmente esse consultor especializado, que julga que uma instalação industrial tem uma vida útil infinita e que a evolução tecnológica parou no tempo. Em segundo lugar, o meu querido amigo está a supor que não há concorrência (1º cenário). Essa situação nunca existe na prática, a menos que haja uma barreira à entrada institucional. Portanto, a comparação com a situação inicial, terá que ser considerando o cash-flow anual diferencial de 50 mil (admitindo a fábrica antiga a laborar à capacidade máxima). Nesse caso, com o investimento de 3 milhões e um cash-flow anual diferencial de 50 mil euros, face à situação anterior, a TIR, admitindo uma vida útil de 20 anos, seria de –8,8%. Ou seja, em qualquer dos casos seria um desastre.

Todavia, está-se a esquecer que a procura irá aumentar até atingir a capacidade nominal. Admitindo que esse aumento ocorre linearmente durante 20 anos, as TIR’s seriam respectivamente de 5% (projecto em si) e de –3,1% (projecto diferencial). Isto considerando os valores residuais nulos, o que só não é verdade na questão do valor do terreno. Todavia, como o desmantelamento de uma fábrica obsoleta também custa dinheiro, optei por anular o valor residual. Bastante mau em ambos os casos.

O seu consultor esqueceu-se ainda de várias outras coisas. Em primeiro lugar, e a menos que a dimensão da actual fábrica fosse a dimensão mínima óptima, uma fábrica com uma dimensão tripla teria custos unitários menores e portanto margens maiores. Eu poderia inventar um número para a nova margem, como o meu caro jcd fez, mas acho que basta enunciar este princípio, pois qualquer número que eu inventasse seria discutível (como os seus, aliás). Em segundo lugar, uma instalação industrial tem uma vida útil determinada, a partir da qual cai na obsolescência e fica com custos de exploração proibitivos. O seu consultor (se é que ainda não o despediu) esqueceu-se que não pode comparar, da forma como o fez, uma fábrica nova, com um certo horizonte de vida útil, com outra antiquada.

Depois, o seu consultor parece convencido que há para aí muitas fábricas dessas, que produzem 10 mil cadeiras ano, e isso pode não ser verdade. Qualquer industrial lhe dirá que, a menos que se trate de indústrias de baixo valor acrescentado incapazes de competir com os chineses, quando se constrói uma nova fábrica, é com a dimensão máxima possível, de acordo com o mercado existente e as perspectivas futuras, pois só assim se obtêm as sinergias resultantes de uma maior dimensão e de equipamentos mais actualizados e especializados. Se a dimensão do mercado que prevê não for suficiente (for bastante inferior à capacidade da dimensão mínima óptima), o melhor é não fazer nada nesse ramo e dedicar-se a outro nicho de mercado, pois nunca poderá concorrer com a produção estrangeira (isto é o que qualquer economista austríaco ou neoclássico lhe diria). Além do que, o seu administrador de empresas poderia só conseguir encontrar uma localização a 40 ou 50 kms e veja os problemas de logística que teria. Além do mais, também nesse cenário da fabriqueta adicional teriam que desmantelar parte da fábrica antiga (os equipamentos que faziam as cadeiras de pinho) e mudá-los para a nova. E os trabalhadores especializados no pinho (refiro-me à madeira e não ao ministro) teriam que ser deslocados para a nova fabriqueta, o que implicaria igualmente custos adicionais.

Jcd, eu não estou nada convencida com os estudos económicos relativos à Ota sejam fiáveis e tenho dúvidas sobre as projecções de tráfego em face dos efeitos colaterais induzidos pelo TGV e por uma eventual diminuição de procura turística, devida a uma maior distância, mas as minhas dúvidas e julgamentos estão resumidos no post anterior.

Todavia digo-lhe uma coisa: o seu administrador de empresas está com sérios problemas, pois quer o consultor quer o director de obras deixam muito a desejar.

Publicado por Joana às 06:51 PM | Comentários (44) | TrackBack

novembro 29, 2005

Fatalidades

Assisti ontem, embora não na totalidade, aos Prós & Contras e o que ouvi deixou-me apreensiva. Na minha opinião, as únicas opiniões que me pareceram sustentadas foram as do JM Viegas e do Fernando Pinto. Mário Lino tem aquela matreirice de político pouco credível, Carmona Rodrigues esteve menos mal, mas a razão política sobrepôs-se, muitas vezes, à solidez técnica e Ludgero Marques parecia que se tinha equivocado no debate em que estava. E a minha apreensão é que há uma fatalidade, fruto de erros de previsão anteriores e de escolhas pouco claras actuais. Em qualquer dos casos a minha opinião sobre esta questão mudou um pouco, desde a última vez que escrevi sobre ela.

A possibilidade de Portela + Outro parece-me de excluir, em face do que ouvi e do conhecimento que tenho destas matérias. Ou a localização teria que ser muito próxima (Alverca, por exemplo) e não existem locais com desafogo suficiente para a expansão necessária, ou se a localização fosse mais afastada haveria um aumento substancial de custos de exploração e uma má operacionalidade do conjunto dos dois aeroportos. Achei os pareceres, quer de JM Viegas, quer de Fernando Pinto, bastante sustentados sobre esta questão.

A possibilidade de fazer o novo aeroporto, mantendo a Portela, está fora de questão. A Ota nunca teria procura suficiente para se sustentar. Aliás, mesmo sem a Portela e retirando algum tráfego a Pedras Rubras, a sua sustentabilidade financeira está no limite, segundo os estudos apresentados que, se pecarem, será por optimismo. Portanto se se quiser construir um novo aeroporto no regime de concessão, a Portela terá que ser desmantelada, senão não encontram concorrentes e o concurso fica vazio.

A tese de que as previsões não são credíveis por eventuais alterações tecnológicas, crise petrolífera, etc., não passam de teses astrológicas de gente que, mesmo tendo formação científica, não se apercebe que as mudanças tecnológicas se fazem a um ritmo muito diverso do que julga e, frequentemente, em direcções muito diferentes das previstas. Até agora, todos os peritos em Astrologia Tecnológica falharam nas profecias. São presságios ... não são previsões. Há todavia uma coisa que me preocupa: em que medida a combinação TGV Lisboa-Porto e o aumento da distância “temporal” da ligação aérea Lisboa-Porto, induzido pela transferência para a Ota, irá afectar a procura pelos voos domésticos. Claro que quem elaborou as previsões deve ter pensado no assunto, mas não sei com que critérios.

Quanto à questão dos eventuais impactos negativos na procura turística de Lisboa por efeito da distância ao novo aeroporto terá sempre que ser resolvida por um sistema de transportes adequados. A falta de planeamento e ordenamento do território diminuiu o leque das soluções possíveis. Portanto, terá que ser um aeroporto único e será sempre a alguma distância do centro de Lisboa. A pergunta que me ponho é porque é que a opção Rio Frio (ou Montijo) foi descartada? A questão dos impactes ambientais não me parece suficiente, face ao que está em jogo.

A questão dos acessos Ota-Lisboa, que quer JM Viegas, quer Fernando Pinto acentuaram como decisiva, não me pareceu resolvida. A ligeireza com que Mário Lino disse que Vila Franca ficava a meia dúzia de quilómetros da Ota (no caso da ligação shuttle) quando na realidade está a cerca de 20 kms foi preocupante. E a dificuldade dos acessos rodoviários, com a A1 e a A8 sempre congestionadas às horas de ponta, pode revelar-se dramática para a viabilidade do projecto.

Finalmente há a questão dos custos da operação. O risco financeiro deste projecto é muito elevado, não apenas pela fiabilidade das previsões de tráfego, mas pelos imprevistos na construção. Portugal tem uma triste experiência nesta matéria e os governos não percebem as causas. Há anos, o Engº Cravinho fez sair legislação limitando a derrapagem de custos numa obra pública a uma certa percentagem. O Engº Cravinho não teve culpa, ele só engenheirou 1 ou 2 anos, tornando-se depois funcionário público (numa área que não tinha nada a ver com o curso dele) e a seguir um político profissional. Nem ele nem os assessores sonhavam as razões porque o custo das obras em Portugal derrapa vertiginosamente e que não podia ser estancado com um plafond administrativo, sob pena das obras ficarem inacabadas:

Indefinição das decisões: decide-se uma coisa e está-se permanentemente a mudar de opinião, quer por lobbies locais, quer por lobbies ambientalistas, quer porque mudou o ministro, quer porque descobriram que tinham feito um disparate, etc., etc.
Erros ou omissões nos projectos – porque se adjudica ao mais barato ou, quando nos critérios de adjudicação o preço aparece com um peso de 30% ou 40%, há dificuldade em valorizar devidamente os outros critérios (metodologia, currículos, etc.); porque o acompanhamento do projecto pelo adjudicante é deficiente ou nulo. Igualmente porque em Portugal não há a prática da responsabilização por danos emergentes, ou seja prejuízos em obra emergentes de erros ou omissões do projecto.
Fiscalização Deficiente – Por razões idênticas ao caso anterior, mas também por falta de apoio do adjudicante no dirimir de conflitos entre o empreiteiro e a fiscalização. As entidades públicas são muito sensíveis ao charme discreto do empreiteiro. Na quase totalidade dos casos não há suborno, apenas medo do empreiteiro, que tem uma equipa de técnicos e um contencioso que impõem respeito a técnicos da administração, profissionalmente frágeis.
Alterações durante a obra – É o sonho de qualquer grande empreiteiro. Há empreiteiros que concorrem a obras com preços globais baixos e séries de preços unitários elevados, porque conhecem a situação e calculam que vai haver muitas modificações. Além do mais há alterações que saem fora da lista de preços unitários apresentada, o que deixa o adjudicante vulnerável perante o empreiteiro. Também a falta de respeito pelos prazos nas respostas às questões postas pelo empreiteiro tem reflexos muito negativos no custo final.

Estamos perante uma fatalidade. A nossa ligeireza e falta de planeamento a longo prazo colocaram-nos num impasse em que todas as soluções são péssimas e corremos ainda o risco de estar escolher a pior.

Publicado por Joana às 07:38 PM | Comentários (90) | TrackBack

novembro 28, 2005

Borrasca à vista

Segundo parece, na reunião da próxima 5ª feira, o BCE deverá aumentar as taxas de juro para 2,25%, naquela que será a primeira subida dos últimos cinco anos. Actualmente essa taxa está em 2%, o nível mais baixo na Europa nos últimos 60 anos. O presidente do BCE fala em que haverá aumentos moderados, eventualmente progressivos. Todavia, consultores internacionais prevêem que as taxas de juro do Banco Central Europeu deverão atingir 3,5% no final de 2006. Se isso acontecer, poderá produzir-se uma situação muito difícil no nosso país: As prestações mensais relativas ao endividamento privado poderão subir cerca de 25%, o que pesará fortemente no orçamento doméstico já debilitado dos portugueses; as empresas que tenham um grande recurso a créditos de terceiros, terão mais dificuldades financeiras e algumas entrarão em falência; a Despesa Pública irá aumentar, devido ao aumento dos encargos com os juros da dívida pública. Tragédia suprema – com o vício que o Estado português tem em fazer pagar aos contribuintes as suas asneiras, seremos nós todos que nos quotizaremos, à força, para pagar o aumento da Despesa Pública.

Ou seja, seremos nós que pagaremos tudo, quer directamente, quer pela mediação do Estado, quer por mediação das empresas. A empresa é um elemento neutro – quem paga são as pessoas, primeiro os patrões, nos lucros e dividendos, depois os trabalhadores, nos salários (ou frequentemente o inverso).

A moeda única tem sido vantajosa para alguns países, principalmente os de economias mais débeis, como o nosso, mas revela-se de gestão difícil. Em rigor, a Eurolândia deveria ter uma política comum no que se refere à taxa de juro, à moeda e à política fiscal (ou de gestão do défice público), se quisesse influenciar o crescimento e o emprego. Ora o BCE só comanda a política relativa à taxa de juro. É certo que a procura de moeda depende da taxa de juro. Mas depende de outros factores que estão sob a alçada de cada Estado membro, como a expansão da dívida pública, que só parcialmente é controlada através do PEC semi-defunto, e as práticas de facilitação do crédito ao consumo (incluindo a habitação), que variam de país para país, e que geram, em ambos os casos, o aumento do stock de moeda na economia, provocando pressões inflacionistas.

Assim sendo, o BCE vê a sua acção reduzida ao controlo da inflação. As taxas de juro baixas dos últimos 5 anos não serviram para dinamizar a economia europeia globalmente, quer no produto, quer no emprego. Há alguns países, como a Irlanda, Espanha, Finlândia, etc., que têm tido bom um desempenho, mas as economias de maior dimensão estão praticamente estagnadas e Portugal está numa situação muito precária. Portanto o BCE resolveu, e do ponto de vista técnico terá toda a razão, usar a taxa de juro prioritariamente para controlar a inflação e a estabilidade dos preços dos bens e serviços, e deixar que cada Estado assuma os resultados das políticas desastradas que tem levado a cabo. E, neste aspecto, Portugal tem sido um péssimo exemplo, porque tem prosseguido, desde há uma década, uma política desastrosa, que não foi capaz de inverter em 2002 e de que não se vislumbra a possibilidade de a inverter agora, apesar das medidas mais incisivas, mas ainda muito insuficientes, tomadas ultimamente.

O parecer de alguns técnicos é que uma taxa entre 3% e 3,5% era a que asseguraria o carácter neutral da moeda. Abaixo desse nível deixa de haver um prémio pela renúncia à liquidez (actualmente a taxa de juro real é negativa) e podem ocorrer fenómenos perversos na economia, como a armadilha da liquidez, em que os agentes económicos preferem guardar os seus activos monetários, à espera de melhores oportunidades, e o dinheiro dirige-se preferencialmente para créditos ao consumo (e habitação) e não para o investimento produtivo. Ora a outorga de créditos é uma forma de aumentar o stock monetário numa economia, entrando-se num círculo vicioso, de onde só se sairá pela tomada de medidas drásticas.

Parece ser essa a via que o BCE irá tomar. Veremos o que o futuro nos reserva.


Adenda: Algures, por volta das 10 horas da manhã de 6ª feira passada, este blog recebeu a visita nº 500.000. É um número bonito. Isso não significa 500 mil visitantes, como um blog, entretanto desaparecido, apregoaria. Nos cerca de 800 dias que este blog tem, houve netívagos que o visitaram certamente mais de mil vezes, outros, umas boas centenas de vezes. Não é possível saber quantos visitantes diferentes este blog já teve, mas foram certamente alguns milhares. A todos queria endereçar os meus agradecimentos pelo interesse que têm tido em visitar-me, quer elogiando, quer reclamando, quer contrariando, quer apenas visitando, sem deixar qualquer comentário.

Na 6ª feira não referi esta efeméride porque estive fora.

Publicado por Joana às 10:57 PM | Comentários (47) | TrackBack

novembro 27, 2005

O Kitsch do Possível

Adenauer disse que “a política é a arte do possível”. Sócrates está a reescrever aquela frase. Há uma evidente impossibilidade (ou, mais propriamente, dificuldade) governativa. O Condicionamento Industrial e o Corporativismo acabaram, mas foram substituídas por outras instituições, de facto e já não de jure, como os diferentes grupos de interesses que se criaram no sector público, à sombra do laxismo governativo e das ilusões públicas. Manteve-se apenas uma instituição: a Constituição – antes coarctava a liberdade política e económica, agora coarcta apenas a liberdade económica. Em face destas dificuldades, o que Sócrates tem mostrado é que “a política é o kitsch do possível”. Ou em português vernáculo, “a política é a pirosice do possível”.

Sócrates, quando está a ver qualquer bandeira do seu programa a ser derribada pelo empecilho da realidade, dá o golpe de rins do “reality show”. Convida as forças vivas eventualmente interessadas na matéria em apreço e monta uma operação de charme. Há técnicos que produzem estudos mediante complexos e laboriosos mapas de Excel, repletos de rotinas em Visual Basic e socorrendo-se de gigantescas bases de dados em Access. Tudo isto acompanhado de um volumoso texto explicativo, processado em Word. Sócrates só conhece o Power Point.

O preâmbulo do Plano Tecnológico reconhece «que o mercado tem um papel fundamental como mecanismo dinamizador das actividades económicas. A maioria das inovações é fruto de trocas complexas de ideias, de produtos e de experiências, de projectos que dão frutos no tempo, de interacções entre agentes, num ambiente de concorrência que leva cada um a procurar a sua própria superação. A inovação envolve agentes variados, mas importa que chegue ao mercado e favoreça a modernização administrativa. Contudo, reconhece-se a existência de falhas de mercado, nomeadamente ao nível do investimento em capital humano e nas actividades de Inovação, Investigação e Desenvolvimento (II&D). Essas falhas, motivadas pelo facto de os benefícios associados aos investimentos em educação e às actividades de investigação, desenvolvimento e inovação serem insuficientes ou não serem totalmente apropriados pelos agentes que os executam, conduzem a um sub-investimento nessas áreas que, no entanto, são críticas para o crescimento económico. No nosso país, essas falhas são tão mais importantes quanto se reconhece que entre os maiores entraves ao crescimento económico estão precisamente a qualidade dos recursos humanos, a capacidade tecnológica e a permeabilidade à inovação

Ora o que o Governo continua a fingir ignorar é o nó górdio do nosso sub-desenvolvimento, como eu escrevi há dias: «o país precisa, prioritariamente, de uma justiça célere e eficiente, uma completa desburocratização da administração pública, uma fiscalidade eficiente (e simplificada) e tendencialmente menos pesada e uma progressiva privatização de actividades que o Estado desenvolve mas para as quais não tem vocação nem as realiza com um mínimo de eficiência.». Sem desatar esse nó, o Governo não consegue «que o mercado tenha um papel fundamental como mecanismo dinamizador das actividades económicas». Não há mercados que funcionem com eficiência quando uma justiça não obriga ao cumprimento dos contratos em tempo oportuno (e, às vezes, em tempo algum); não há «trocas complexas de ideias, de produtos e de experiências, de projectos que dão frutos no tempo, de interacções entre agentes, num ambiente de concorrência que leva cada um a procurar a sua própria superação» com uma máquina administrativa que emperra tudo, que não toma decisões em tempo útil, nunca toma decisões ou, pior ainda, toma as decisões erradas.

Sócrates julga (julgará?) que as «falhas de mercado, nomeadamente ao nível do investimento em capital humano e nas actividades de Inovação, Investigação e Desenvolvimento» se devem às razões que aponta. Nuns casos essas razões não colhem, noutros, as razões que indica têm, elas próprias, causas mais profundas. Portugal não tem, actualmente défice de licenciados e de doutorados. Portugal tem défice de empresas que utilizem os licenciados e doutorados actuais, para além do défice em utilizar licenciados e doutorados que temos a menos que os outros países da UE.

Há imensos licenciados em áreas científicas e tecnológicas que, ou estão desempregados, ou têm empregos precários como trabalhadores independentes. Há imensos doutorados que, ou estão desempregados, ou se arrastam pelo país e pelo estrangeiro, com bolsas sucessivas, fazendo investigação apenas para manter as bolsas, sem horizontes de emprego em Portugal e mesmo lá fora.

Nós, os contribuintes portugueses, andamos a pagar, há mais de uma década, bolseiros, doutorandos, etc., que, na situação em que o nosso tecido económico está actualmente, só servem para gastar o nosso dinheiro. Não têm qualquer utilidade.

Nós não precisamos de licenciados e de doutorados para compor as estatísticas. Precisamos deles para desenvolver o país. Mas para precisarmos deles, temos que ter empresas que precisem deles, e para termos essas empresas precisamos de lhes criar um ambiente favorável.

Há evidentemente algumas metas práticas que terão um eventual efeito dinamizador, se forem atingidas: desenvolvimento de um cluster eólico, a incrementação das novas centrais de biomassa, generalização da banda larga e acesso à Internet, banalização da informática nas escolas e serviços públicos, etc. Mas serão efeitos sempre muito limitados. Também é importante a criação de um conselho consultivo de fiscalização, que ficará responsável por fazer propostas e monitorizar a execução do Plano, integrando gente ligada ao mundo empresarial e um grupo de consultores liderado por Philippe Aghion, da Universidade de Harvard. Esperemos que esses consultores façam propostas pertinentes e não se fiquem apenas por tentar conciliar o grau de pertinência das propostas e a manutenção das avenças que recebem. Porque, como todos reconheceram, o que é importante é passar da teoria à prática.

Já por diversas vezes vi reportagens televisivas de departamentos públicos onde os entrevistados apontavam para as caixas de cartão e reclamavam: «compraram computadores que estão para aqui há muitos meses e ainda ninguém os veio cá ligar». Quando vejo essas entrevistas penso sempre «se nenhum de vocês, ao fim desses meses, teve curiosidade em abrir a caixa, tirar o computador para fora, ligá-lo à corrente, pô-lo a trabalhar e ver como funciona, é porque esses computadores não vos irão servir para nada». Este comportamento representa, felizmente apenas em parte, o estado do nosso país e da nossa mentalidade perante a inovação.

Sócrates citou uma frase da Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol. É sempre interessante ver um político a citar clássicos. Esperemos que ao citar eventos de um mundo virtual, não esteja a ter uma premonição subliminar. Quem será que está no País das Maravilhas? Alice ou Sócrates?

Publicado por Joana às 06:24 PM | Comentários (88) | TrackBack

novembro 24, 2005

Exibicionismos

Ou um post lascivapoliticamente incorrecto

Tem havido uma enorme restolhada sobre comportamentos públicos na sequência do beijo da Gaia. Rapidamente o banzé saiu fora do domínio da vida social e invadiu o domínio político e quiçá económico. Julgo que as escolas marxista, neoclássica e austríaca foram chamadas à colação. A questão ganhou tal pertinência que poderá dar origem à Escola Portuguesa que unificará, numa poderosa visão sincrética, a totalidade do pensamento e praxis política, económica e social, desde os mais recentes desenvolvimentos sobre a concorrência monopolística e a teoria dos jogos, até aos grafitis nos lavabos públicos, passando pelas vivências coloquiais e físicas nos estádios desportivos e no Intendente.

Eu, na minha ingenuidade, julgava que o comportamento público decorria das normas sociais, consensualmente aceites, embora variando no espaço e no tempo. Por exemplo, estar numa praia (obviamente afastada dos subúrbios de Lisboa) em topless, envergando unicamente um imperceptível fio dental, enquanto a cálida brisa marítima acaricia suavemente a epiderme generosamente exposta, não é minimamente constrangedor, nem para a protagonista, nem para os circunstantes.

Já seria diverso se, dias depois, a mesma entrasse assim vestida (ou despida) no Belcanto. Um escândalo absoluto e lamentável e a expulsão imediata (com alguma protecção corporal generosa e pudicamente oferecida pela gerência). Mas, o mais curioso, era que aquela clientela do Belcanto poderia ter estado entre os veraneantes da praia, que então se limitaria a deitar um ou outro olhar disfarçado e concupiscente. E tal não implicaria que, entre frequentadores e empregados do Belcanto (e da praia), estivessem, ou não, liberais, ultra-liberais, austríacos, comunistas, trotskistas, socialistas, conservadores ou, apenas, conversadores.

O escândalo seria porventura maior se o fenómeno ocorresse na praia de Pedrouços nos princípios do século XX. Todavia isto não significa que a evolução se faça num só sentido. Antes da vaga puritana do século XIX (e fins do século XVIII) o escândalo era certamente muito menor e sociedades e/ou épocas diferentes encarariam o caso com naturalidade.

O mesmo se dá com a exibição pública ostensiva e continuada de afecto (!?). É constrangedor para os circunstantes e apenas apreciada pelos voyeurs. É um exibicionismo desnecessário e indiciador de uma sexualidade frustrada. O que eu tenho verificado é que a exibição pública de afecto é inversamente proporcional à satisfação sexual de quem a faz. Pelo menos, todos os casais que eu conheço que passavam a vida aos beijos e a salivarem-se em público, divorciaram-se ao fim de pouco tempo. O exibicionismo público de desejo sexual é normalmente sinónimo de que esse desejo não encontra satisfação na intimidade.

O sexo tem uma característica: o que tem de mais belo, fascinante e de fantasia erótica, quando vivido na intimidade, é exactamente o que o torna mais porco e pornográfico, quando sujeito à devassa pública e ao voyeurismo.

Mas também isso depende da situação. Se dois ou mais casais concordarem numa farra conjunta com swing deixa de haver constrangimentos porque, para aquele grupo, isso passou a constituir a regra do jogo e, provavelmente, um dos fascínios do próprio jogo que é vivido na intimidade desse grupo, embora possa acontecer, mais tarde, sequelas negativas, pois a abertura de espírito “teórica” pode, em alguns casos, soçobrar perante a “prática”. Temos um lastro civilizacional mais pesado do que julgamos.

Quanto à homossexualidade discordo que seja apenas uma forma alternativa de sexualidade. É um desvio sexual congénito ou adquirido. Também há gente que tem o fascínio em ser chicoteada por mulheres atléticas de saltos altos e ameaçadoramente pontiagudos, envergando cabedais negros com penduricalhos metálicos, tilintando lascivamente, o que não é, igualmente, uma forma alternativa de sexualidade – é um desvio sexual. Os desvios sexuais, desde que não incidam sobre menores, não se façam violentando o outro parceiro, nem levem a situações que ponham em risco a integridade física, são comportamentos cuja existência devemos aceitar, e relativamente aos quais não é lícito fazer algo que possa levar à exclusão social desses desviantes, sob quaisquer formas.

Por outro lado praticar um acto homossexual não significa que se seja homossexual. Em diversas situações, heterossexuais foram levados pela curiosidade (na adolescência, por exemplo) ou pela necessidade (nas prisões, por exemplo) à prática de actos homossexuais. Mas também foram levados a práticas onanistas ou outras. O onanismo não é uma forma alternativa de sexualidade. É um desvio provocado por diversas razões, entre elas a solidão.

Lutar contra a discriminação dos homossexuais alegando que a homossexualidade é apenas uma forma alternativa de sexualidade, é um absurdo, cria anti-corpos no tecido social, farto da propaganda do lobby gay e dos adeptos das teorias ditas “fracturantes”, e abre a porta a que dezenas de outros desvios sexuais tenham todo o direito de exigirem idêntico tratamento de “forma alternativa de sexualidade”.

Todavia, o que expus é o que eu penso. Não estou a pretender fazer disto uma teoria absoluta, universal e totalizante. Se eu vivesse na época vitoriana, pensaria talvez de outro modo. Talvez também pensasse de outra maneira se vivesse na Corte francesa de Luís XIV, no serralho do Sultão de Constantinopla, num templo de Ísis na Roma antiga, ou em Lesbos, no círculo de Safo. Estou agora mesmo a debater-me com a dúvida sobre o que pensaria se vivesse actualmente em Cabul.

No meio disto tudo, esqueci-me de referir Marx, Marshall e Hayek. Mas pensando melhor, não discirno onde os inserir.

Publicado por Joana às 07:37 PM | Comentários (152) | TrackBack

novembro 23, 2005

Mais Otorreia que Otoscopia

Se a engenharia financeira montada para viabilizar o Aeroporto da Ota está muito nebulosa, a operação de charme montada para impressionar a plateia foi um êxito. Uns já estavam convencidos, outros foram convencidos porque queriam ser convencidos, outros foram convencidos com o argumento irrefutável de que era um mal necessário, outros continuam por convencer, mas como não têm todos os dados na mão, não conseguem argumentar com alternativas. Limitam-se a abanar a cabeça horrorizados, o que não é suficiente como argumento. O mais preocupante é que os agentes económicos mais próximos dos potenciais utentes do aeroporto são aqueles que mais se insurgem quanto à localização.

Em primeiro lugar ninguém mostrou com clareza que não há alternativas à Ota: Quer Portela associada outro aeroporto próximo, quer Rio Frio. JM Viegas, ontem na SIC Notícias, mostrava-se resignado à solução Ota, como um mal necessário. Mas embora eu ache JM Viegas um técnico competente e sensato, também reconheço que ter uma empresa de consultoria na área de transportes implica ter opiniões consensuais, principalmente quando sente a inevitabilidade das coisas: já que não os pode vencer, alia-te a eles... Portanto a mudança de opinião dele pode ser por estar convencido que não há alternativas para a Ota ou ... para ele.

Guilhermino Rodrigues, que tenho na conta de um sujeito honesto, embora os 15 anos de cargos de obediência política (assessor da CML, governo do Guterres, Metro e agora ANA e NAER) lhe possam enviesar alguns raciocínios, foi razoavelmente convincente no que respeita às insuficiências da Portela, às dificuldades de exploração conjunta de dois aeroportos distantes um do outro, pela duplicação de muitos serviços, mas circunscreveu-se aos assuntos que dominava, evitando resvalar para terrenos resvaladiços como o Montijo ou Rio Frio. Essa tarefa coube a Cravinho. Mas Cravinho é um homem que perdeu toda a credibilidade. A Cravinho dou o prejuízo da dúvida: a menos que uma entidade independente e competente certifique o que ele diz, parto do princípio que ou não é verdade, ou é uma meia-verdade enviesada no sentido oposto à verdade.

Quanto à questão da engenharia financeira, só quem está por dentro pode saber ao certo os riscos que há subjacentes ao modelo apresentado. Segundo a apresentação, irá ser lançado um concurso público internacional para adjudicar qual o consórcio será o parceiro do Estado na parceria público-privada em regime de Project-fïnance. Tudo indica que a ANA será privatizada e os seus activos servirão como financiamento público do projecto. Os apresentadores afirmaram que desta forma se evita a utilização de recursos públicos. Não percebo como. A ANA é um recurso público. O que devem querer dizer é que este processo não terá reflexo no défice público. Na prática, o Estado vende a ANA e o resultado dessa venda é a entrada do Estado para o projecto.

Segundo foi afirmado, o prazo de recuperação é de 23 anos e a concessão será por 30 anos (neste tipo de negócios, findo o prazo da concessão, os bens revertem para o concedente, neste caso o Estado). O prazo de recuperação é muito longo o que indicia um elevado risco financeiro. Os cash-flows devem ter sido calculados na base de cenários que incluem a evolução do nº de passageiros/ano, a evolução dos negócios envolventes, etc.. Se este projecto tem implícito um elevado risco de insolvência, a pergunta que se coloca é quem o avaliza.

Uma solução, mas apenas no caso dos erros de previsão serem relativamente pequenos, é prolongar o período de concessão. Se as previsões falharem de uma forma mais substancial, alguém terá que pagar. E não será o consórcio adjudicatário que terá cláusulas contratuais que transferirão esse risco para o concedente (para nós ... em ultima ratio).

As previsões em que se basearam os estudos de viabilidade económica terão contado com uma eventual retracção turística resultante da morosidade de acesso a Lisboa? O estudo da Roland Berger não é muito elucidativo. A percentagem de desistentes é relativamente pequena, mas refere-se à primeira decisão. Imaginemos um turista que desembarcou na Ota, tomou o autocarro do operador turístico que lhe organizou a viagem, e fica 3 horas na fila entre Alverca e o Campo Grande. Voltará? Imaginemos os congressistas. Depois de uma experiência dessas, organizarão o próximo congresso em Lisboa? É um erro supor que o TGV resolve o problema, pois a maioria dos turistas desloca-se em autocarros fretados por operadores turísticos. Apenas os turistas individuais usarão o TGV.

O erro nas previsões resultante da questão dos acessos a Lisboa pode criar um grave problema de insolvência do projecto em si, e arrastar o turismo lisboeta para uma crise grave. Todos os operadores turísticos que foram entrevistados estavam horrorizados com a solução Ota. O próprio Fernando Pinto foi cauteloso «O que eu digo é que o novo aeroporto será mais longe de Lisboa do que o actual e quanto mais próximo melhor, mas dentro do possível. Se a Ota tiver uma ligação adequada e um sistema que seja viável em termos de transportes, é a solução indicada».

Ainda há uma outra questão que se refere a atrasos do projecto por culpa do concedente. O Estado tem-se comportado de forma desastrada em todos estes negócios. Não expropria os terrenos em tempo oportuno, não tem em conta as dilações decorrentes de complicações surgidas nos processos das aprovações ambientais, não dá respostas, nos prazos devidos, às dúvidas postas por projectistas e construtores, etc.. Ou seja, coloca-se sempre em posição vulnerável perante os parceiros do negócio e acaba por despender somas avultadas devido aos seus desleixos e erros. Todavia esta questão não tem a ver apenas com a Ota ... é o vício permanente da actuação do Estado nas empreitadas de obras públicas, qualquer que seja o regime em que elas se façam.

Resumindo:
1 - Não achei convincente que a Ota seja a única solução, embora reconheça que tem que haver uma solução, porque a Portela não assegura o tráfego aéreo para além do prazo de construção de um novo aeroporto. Ou seja, tem que rapidamente ser tomada uma decisão, apenas receio que esta não seja a melhor (ou a menos má).
2 – A engenharia financeira comporta muitos riscos (o elevado prazo de recuperação é um indicador seguro disso) e provavelmente o Estado irá cobrir os défices devidos a quaisquer desvios negativos das previsões. É certo que previsões são apenas previsões e ninguém tem o futuro na mão, mas é lícito questionar se elas têm a fiabilidade e a prudência necessárias.
3 – Um novo aeroporto não é uma obra faraónica, mas necessária. Todavia se for escolhida uma má solução poderemos iniciar o projecto de uma obra necessária e acabar tendo uma obra faraónica.

Adenda: Relativamente à questão da criação dos 28.000 postos de trabalho directos no aeroporto e de 28.000 postos de trabalho indirectos na envolvente, coloca-se uma dúvida. São postos de trabalho adicionais? Isto é, contam com a destruição de empregos (directos ou indirectos) decorrentes do fim da Portela? Um maior desafogo de espaço pode permitir a oferta de mais serviços aos turistas ou aos passageiros em trânsito, mas a grande distância a Lisboa tem também efeitos e adversos. Todavia acho muito emprego e julgo que aqueles valores não incluem o efeito na Portela e se referem à situação no fim da concessão, quando se atingir o nível de passageiros/ano para o qual o novo aeroporto foi estimado.

Publicado por Joana às 11:20 PM | Comentários (77) | TrackBack

Ein Volk, Ein Reich, Ein Führer

Mais ein presidente do BP, ein do TC, ein do INE, und so, und so, und so …

A síntese de conjuntura do Instituto Nacional de Estatística é um espanto. No que respeita ao mercado de trabalho, o INE identificou um ligeiro crescimento do emprego, apesar do agravamento da taxa de desemprego, que atingiu o máximo dos últimos anos, nos 7,7 por cento, devido ao "aumento da população activa". Isto é, a taxa aumentou mas o INE identificou um ligeiro crescimento do emprego devido ao aumento da população activa. O INE desconhece que, quando o desemprego aumenta, a taxa de desemprego aumenta proporcionalmente menos, porque há uma percentagem que desiste provisoriamente de procurar emprego e não se regista como desempregada. Igualmente, quando o emprego aumenta, a taxa diminui menos que seria de esperar, porque há gente que regressa à procura activa de emprego.

A caracterização deste fenómeno vem em todos os manuais de macroeconomia e é estranho que o INE o ignore. Ora este fenómeno tem uma incidência certamente bastante maior que um alegado crescimento da população activa num país em estagnação demográfica há mais de 2 décadas.

A síntese de conjuntura do INE refere igualmente que a economia portuguesa deu alguns sinais de recuperação no terceiro trimestre deste ano, suportada pelo desempenho das exportações! Ora o BP tinha, há dias, revisto em baixa as exportações para 2005. É claro que o relatório do INE é subtilmente vago, referindo uma «aparente» recuperação das exportações ... Ou seja, agora o INE não divulga números ... divulga feelings ... passou a ser o Instituto Nacional de Sensações (ou de Palpitações).

Esta frase é de antologia num serviço de estatística: «Durante o terceiro trimestre verificaram-se alguns sinais de recuperação da actividade, embora sem reflexos no andamento dos indicadores de clima e de actividade». Posta numa linguagem mais clara, o INE (ou o INS) tem uma sensação difusa e inexplicável que há «sinais de recuperação da actividade», embora os números não reflictam essas sensações e digam mesmo o contrário.

E o que se verifica, quanto a números, foi que o indicador de clima recuou dos 0,3 pontos negativos no segundo trimestre, para 0,8 pontos negativos no terceiro trimestre e o indicador de actividade económica desceu dos 1,5 para os 0,9. Mas o INE (ou o INS) abandonou o materialismo desumanizado dos números. O INE (ou o INS) enveredou pelo caminho da espiritualidade, onde as sensações e as visões prevalecem sobre o mesquinho mundo material.

Eu não excluo que haja no INE (INS) alguém com excepcionais capacidades divinatórias capaz de abarcar muito para além da frieza dos números. O futuro o dirá.

Todavia o açambarcamento pelo PS das chefias de organismos que deveriam ser independentes do poder político, mercê da delicadeza dos respectivos âmbitos de acção, retira bastante credibilidade a um relatório que apresenta números acompanhados de um parecer que contraria esses números.

Publicado por Joana às 12:03 AM | Comentários (77) | TrackBack

novembro 22, 2005

Pinho Tecnológico

Sete dos dez membros da Unidade de Coordenação do Plano Tecnológico, incluindo o coordenador José Tavares, apresentaram a demissão a Manuel Pinho. O Plano Tecnológico, tal como foi concebido pela equipa demissionária, e a avaliar pelas escassas informações disponíveis, é um brilhante exercício académico. Desenvolve uma Utopia sólida. Esquece a realidade do país. Já aqui escrevi diversas vezes que o país precisa, prioritariamente, de uma justiça célere e eficiente, uma completa desburocratização da administração pública, uma fiscalidade eficiente (e simplificada) e tendencialmente menos pesada e uma progressiva privatização de actividades que o Estado desenvolve mas para as quais não tem vocação nem as realiza com um mínimo de eficiência.

Este é o nó do problema. Paralelamente com o desatar deste nó górdio da nossa economia, são bem-vindas medidas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico, algumas delas contempladas nas listas hoje divulgadas no Público. Todavia o Governo tem que ter presente que o seu âmbito de acção é apenas esse: demolir toda a burocracia estúpida e asfixiante criada ao longo de séculos e criar incentivos para que apareçam clusters de elevada tecnologia que, num país pequeno como o nosso, podem constituir um motor de arranque da nossa economia. Não pode pretender ser ele a determinar as vias. Tem que deixar isso à imaginação dos agentes económicos portugueses ou estrangeiros, atraídos pelo bom ambiente criado ao exercício da sua actividade em Portugal.

E deve deixar isso à imaginação dos agentes económicos privados porque o Estado, nesta matéria, equivoca-se sempre. Quanto mais os mercados vivem da inovação e dos avanços tecnológicos, menos vocação tem o Estado para tutelar ou orientar a intervenção nesses mercados. A Investigação e Desenvolvimento não deve ser vista como um fim em si, mas como algo que é posto ao serviço da actividade económica. Caso contrário estamos a investir em massa cinzenta que logo que esteja convenientemente apetrechada demandará outras paragens em busca de melhores oportunidades de valorização profissional (e também remunerações mais elevadas).

Um investimento em I&D, visto como um fim em si, esgota-se no plano universitário. A imagem que o resume é a de um investigador biomédico a analisar a urina que acabou de verter na proveta.

O número de membros da UCPT e a catadupa de demissões faz lembrar um thriller, que deve estar a constituir um pesadelo para Manuel Pinho, e que pode ser resumido no poema infantil que serve de leit-motiv a um livro de Agatha Christie, Convite para a Morte:

Eram dez negrinhos que foram jantar,
Mas um engasgou-se; só ficaram
Nove.
Eram nove negrinhos que foram dormir.
Um não acordou; só restavam
Oito.
Eram oito negrinhos que foram passear.
Um não regressou; só ficaram
Sete.
Os sete negrinhos foram rachar lenha.
Um deles cortou-se; só restavam
Seis.
Os seis negrinhos mexeram num cortiço,
Um deles foi picado; só ficaram
Cinco.
Cinco negrinhos estudaram direito,
Um deles formou-se; só restavam
Quatro.
Os quatro negrinhos foram tomar banho
Mas um afogou-se; só ficaram
Três.
Eram três negrinhos que foram ao bosque,
Apareceu um urso e só ficaram
Dois.
Eram dois negrinhos, sentaram-se ao sol
Um ficou torrado. Só estava
Um.
O pobre negrinho achou-se sozinho
Foi enforcar-se e não sobrou
Nenhum.

Esperemos que não se chegue a tanto … ou que o filme acabe antes ...

Publicado por Joana às 07:09 PM | Comentários (33) | TrackBack

Qualidades

Há um ano que Durão Barroso chegou à Presidência da Comissão Europeia. Nesse cargo, como anteriormente como 1º ministro, nunca lhe reconheci grandes qualidades. A única qualidade sólida, poderosa, que eu admiro intensamente, é ele ser odiado por Chirac. Infelizmente é uma qualidade passiva, embora admita que ele tenha dado alguma ajuda.

Publicado por Joana às 02:09 PM | Comentários (37) | TrackBack

novembro 21, 2005

A Tragiconomia das Taxas de Juro

O presidente do BCE dá a entender que o BCE vai aumentar as taxas de juro, após o que o Conselho de Governadores decide que não há aumento, todavia, posteriormente, o BCE afirma-se preparado para, em breve, subir as taxas de juro, contudo, a seguir, o BCE recusa aumento das taxas de juro em série, etc., etc.. Uma telenovela dramática que tem como argumento de fundo a estagnação económica europeia. Sabe-se que, no curto prazo, um aumento da taxa de juro provoca a queda do produto e o aumento do desemprego. Cada vez que ouvem falar em aumentos das taxas de juro, os empresários mostram-se horrorizados e o BCE retrai-se.

Todavia, a UE está naquilo que julgo ser a armadilha da liquidez. A taxa de juro real é praticamente zero (a taxa de juro de referência está próxima da inflação, sendo mesmo inferior, em Portugal). O euro, depois de já ter andado pelos 1,30 dólares, desceu para 1,17 dólares (as taxas de juro nos EUA estão a 4%, o que ajuda à valorização do dólar face ao euro). Isso significa que, apesar das descidas recentes da cotação do crude, a Eurolândia não vai sentir essas descidas, podendo mesmo vir a pagá-lo mais caro. Aumentam assim as pressões inflacionistas. O BCE tem mantido as taxas de juro excepcionalmente baixas desde fins de 2002, mas sem quaisquer efeitos na dinamização da economia europeia.

A principal razão pela qual o BCE não se decide é porque todas as decisões (incluindo o não tomar qualquer decisão) são más. Embora haja alguns países na Eurolândia com economias sólidas e em crescimento, no seu conjunto a Área Euro está estagnada em virtude do mau desempenho das principais economias (Alemanha, França e Itália). Apesar deste cenário negro, fala-se num aumento da taxa de juro de 0,25%. Mas fala-se igualmente que haverá ajustamentos posteriores progressivos. Ver-se-á.

A situação em Portugal é duplamente má. O endividamento das famílias atingiu já 117% do rendimento disponível, percentagem que tem tendência para aumentar, pois o crédito à habitação, que representa cerca de 80% do endividamento, tem crescido a um ritmo de 10% ao ano. Além do mais, em Portugal praticamente todos os empréstimos à habitação estão indexados à Euribor, ligada à taxa de referência do BCE, e têm taxas variáveis a menos de um ano. Portanto qualquer aumento da Euribor vai reflectir-se imediatamente na prestação mensal referente à habitação. Vai reflectir-se imediatamente no orçamento familiar e no consumo privado.

Mas toda a economia portuguesa vai ser afectada: dívida pública, créditos às empresas, etc.. O aumento da taxa de juros também afectará negativamente o investimento. Ou seja, a probabilidade da economia portuguesa sair do pântano em que se encontra irá diminuir.

O gráfico seguido (fonte “O Público”) mostra a variação da Euribor nos últimos anos.
TaxasBCE.jpg

Publicado por Joana às 10:21 PM | Comentários (66) | TrackBack

novembro 20, 2005

Humanismos e Trivialidades

Um dos sintomas do atraso da nossa sociedade é a aversão ao trabalho manual (e mesmo ao trabalho tout court). No universo da gente com acesso à instrução, esta aversão reflecte-se na arrogância com que os que se formaram (ou apenas tiveram a frequência) nas áreas ditas humanistas se tomam como depositários da cultura, em oposição aos graduados em áreas técnicas, culturalmente ignaros. Uma retórica recheada alusões filosóficas ou literárias é cultura; discorrer sobre questões técnicas ou científicas é entediante e sintoma de vazio cultural. Carnot é despiciendo perante Rousseau; Niels Bohr ou F. Hayek perante Proust ou Sartre. A retórica, política e publicitária, julga irrelevantes a técnica e a ciência. Os números, em vez de nos levarem à verdade das coisas, levam-nos a abstracções perigosas, como o défice público, que não passa de um economicismo que visa a degradação dos trabalhadores, que só podem ser salvos por uma eloquência despojada de números e de dados científicos e técnicos.

Todavia, nos dois grandes momentos de formação do nosso pensamento, na Grécia Clássica e no Renascimento, aquela antinomia não existia e a sua inexistência foi fecunda para o desenvolvimento da nossa civilização.

O nascimento da filosofia grega aparece solidária com duas grandes transformações mentais: um pensamento positivo e um pensamento abstracto, rejeitando a assimilação estabelecida pelo mito entre fenómenos físicos e agentes divinos. Alguns dos filósofos pré-socráticos eram mercadores (*) e o aparecimento da moeda e de uma economia mercantil, na qual os objectos se despojam da sua diversidade qualitativa (valor de uso) e só têm um significado abstracto de uma mercadoria semelhante a todas as outras (valor de troca) concorreu para a formação de um pensamento sincrético onde o amor à sabedoria (filosofia) tinha como indispensável o alicerçar-se na vivência prática e na técnica.

O nascimento das Universidades (e a posterior eclosão do Renascimento) veio suprir a necessidade de conhecimentos que habilitassem a burguesia emergente a gerir os seus haveres e a aumentar a sua cultura. Confluíram portanto nesse processo uma maior valorização da cultura e a necessidade de uma educação mais prática do que aquela que a teologia escolástica dava. As "humanidades", tal como estes estudos eram conhecidos, aliavam a teoria à prática (a teoria e a prática possíveis para a época). Os humanistas eram aqueles que ministravam estes programas e aqueles que se distinguiam pelo saber e capacidade profissional nessas matérias.

Abro um parêntese para um facto curioso e … sintomático. Os currículos estavam divididos no Trivium (Retórica, Dialética e Gramática), mais virado para a eloquência e vida mundana, e no Quadrivium (Geometria, Música, Astronomia e Aritmética), de carácter científico. Trivium, em latim, significa também cruzamento viário (literalmente 3 vias) e, por extensão, local mal frequentado, coisa reles, etc.. A nossa palavra trivial tem a mesma etimologia que a área de ensino que se dedicava à retórica e à eloquência.

Com o tempo o humanismo das universidades medievais degenerou num culto puramente retórico e formal do classicismo, voltado para uma erudição que carecia de vitalidade criadora. O iluminismo e a Revolução Industrial restabeleceram, num nível superior, o papel da ciência e da técnica na vida cultural e civilizacional. Todavia, na nossa sociedade, e no mundo latino em maior ou menor grau, essa erudição carecida de vitalidade criadora continua a ser a imagem de marca daqueles que pretensiosamente se atribuem o epíteto de “humanistas”. Combatem a racionalidade baseada na ciência e na técnica, alegando que esses fundamentos a desumanizaram, quando na realidade estão a fazer apelo ao irracionalismo e à eloquência frívola. Consideram-se “humanistas” quando, efectivamente, estão a castrar o humanismo da sua componente técnica e científica que esteve na base dos momentos decisivos da formação do nosso pensamento e da nossa civilização.

Não são humanistas, são apenas triviais.

O caso assume proporções mais despropositadas com a assunção de humanista por Mário Soares quando o que se conhece publicamente da sua vertente cultural, ou “humanista”, é ter uma boa biblioteca, ser visto com muita gente do mundo cultural e ter apetência por frequentar ou estar associado à promoção de eventos culturais. Todavia não é suficiente ter uma boa biblioteca para se ser culto: também é preciso ter lido os livros. Não é suficiente conhecer e frequentar muita gente dos meios culturais: a cultura não se absorve por osmose.

Ah! … e estar licenciado numa disciplina do Trivium …


(*) Por exemplo, Tales de Mileto, o fundador da Escola Jónica, mercador de azeite, prevendo uma farta colheita de azeitonas, alugou todos os lagares da região e subalugou-os depois a um preço muito mais elevado aos próprios donos!

Publicado por Joana às 07:58 PM | Comentários (154) | TrackBack

novembro 18, 2005

Palha ao Burro

É um insulto à inteligência dos portugueses o maço de estudos tornados públicos pelo ministério de Mário Lino . Mário Lino exerceu durante alguns anos a profissão de engenheiro consultor e sabe, pela experiência profissional, que a melhor forma de camuflar as fragilidades de um estudo é encher o cliente de papel. Um estudo com 5 ou 6 volumes encharneirados com centenas de páginas cada e com milhares de quadros Excel torna-se incontestável. Só tarde de mais o cliente se dá conta do buraco em que o consultor o meteu.

Estive a observar “à vol d’oiseau” os estudos que foram disponibilizados na net. Pus de lado os estudos ambientais que não considerei prioritários numa primeira abordagem. Relativamente aos restantes, não encontrei um único estudo de tráfego integrado, isto é, que analise as previsões de tráfego futuro, incluindo cenários “só Ota”, “Portela + outro(s)”, etc, e as implicações no tráfego global em cada um dos diferentes cenários, as matrizes origens-destinos relativas ao movimento dos passageiros entrados e saídos (e como variam face aos cenários em estudo) e as implicações desses cenários nos tráfegos dos voos domésticos Lisboa-Porto (e, eventualmente, noutras áreas).

Sem esses estudos de tráfego, não é possível extrair qualquer conclusão.

Havendo esses estudos de tráfego, seria necessário efectuar, a seguir, estudos de viabilidade económica e financeira para verificar a sustentabilidade dos diversos cenários. Nesses estudos teriam que ser considerados os custos (ou benefícios) decorrentes dos efeitos induzidos noutras áreas: eventual diminuição de tráfego Lisboa-Porto, efeitos indirectos (os directos estão implícitos nos estudos de tráfego acima referidos) provocados pela possível diminuição da procura turística de Lisboa induzida pelo estabelecimento do aeroporto na Ota, etc..

Também não encontrei qualquer documento sobre esta matéria.

Em contrapartida encontrei estudos de relevante merecimento e interesse histórico de 1972, 1982, 1997, etc.

Agradecia que se alguém encontrasse qualquer coisa sobre os pontos que eu considero fulcrais, numa primeira abordagem, me fizesse saber.

Publicado por Joana às 07:10 PM | Comentários (117) | TrackBack

novembro 17, 2005

Filáucias

Ou como é fácil em Portugal prever o contrário dos meios de comunicação ... e acertar

1 - Em 02-11-05 escrevi “Die Unordnung herrscht in Berlin” referindo que a decisão da direcção do SPD de eleger Andrea Nahles, uma dirigente da ala esquerdista do SPD, era um tiro no pé, que a vitória de Nahles era uma vitória à Pirro, que seria duvidoso que congresso do SPD de Karlsruhe ratificasse aquela decisão, que Matthias Platzeck seria eleito e que contrariamente ao DN que escrevia “a chanceler indigitada, Angela Merkel, sofre um duplo revés no espaço de 24 horas”, eu tinha a opinião exactamente oposta, que a posição de Angela Merkel sairia reforçada e que a coligação teria mais possibilidades de se fazer. Aliás, a posição do DN era a prevalecente então na imprensa portuguesa.

O congresso de Karlsruhe, que acabou anteontem, escolheu Platzeck com 99,4% dos votos!! No seu discurso de vitória, Platzeck falou no erro cometido pelo SPD e que a correcção desse erro tinha sido importante para o futuro do SPD. Nahles desapareceu de cena.

A “grande coligação” formou-se finalmente e Franz Müntefering do SPD será, como inicialmente previsto, vice-chanceler do governo.

É claro que uma coligação de 2 partidos com opiniões divergentes não será fácil. Como de costume há entendimentos diferentes. Schröder, de saída, fala da «marca social-democrata» do texto de acordo, enquanto Merkel refere a «marca da CDU»!!

A frase de Franz Müntefering «Ousemos em vez de nos suicidar com medo da morte» merece reflexão. Deveria ser tomada como lema dos nossos políticos que não têm coragem de tomar as decisões que se impõem face à nossa situação económica.

Isto parecia evidente em 2-11-05, mesmo para quem não tinha correspondentes na Alemanha, excepto para os meios de comunicação portugueses que preferem prever o que desejam e não o que é provável.

2 – Em 09-11-05 escrevi “Les Arroseurs Arrosés” referindo que “aquilo que começou por ser a grande oportunidade de liquidar Sarkozy como candidato às próximas presidenciais, virou-se contra os que quiseram agarrar essa oportunidade”. Isto numa altura em que todos os meios de comunicação portugueses embandeiravam em arco com a liquidação política de Sarkozy. Dois dias depois, no Eixo do Mal dos Nulos, segundo me contaram, pois eu não vejo essa mixórdia, os Nulos presentes festejaram o fim da carreira política de Sarkozy.

Ontem, numa sondagem para Le Point, Sarkozy aparecia com uma subida de popularidade de 11 pontos em relação a sondagens anteriores. Segundo esta sondagem, 68% dos inquiridos apoiavam a actuação de Sarkozy. Numa sondagem para as presidenciais de 2007, Sarkozy tinha 61% das preferências (entre eleitorado seguro e potencial), à frente de todos os outros candidatos (uma subida de 10% em relação a sondagens anteriores). Segundo uma sondagem, Sarkozy vai mesmo recolher 40% do eleitorado socialista.

Na altura escrevi «Em situações de grandes distúrbios sociais, as populações viram-se para quem mostra firmeza. As ladainhas que tentam desculpabilizar os desordeiros invocando postulados sociológicos não colhem – as populações não querem melopeias estéreis, querem acção, querem firmeza. Sempre foi assim. A seguir ao Maio de 1968, quando os lunáticos do pensamento sociológico pensavam que a França estava ganha para a esquerda, as eleições saldaram-se numa vitória estrondosa da direita».

Portanto tudo isto era previsível e há inúmeros exemplos que mostram que é assim que os acontecimentos se desenrolam. Paradoxalmente esses exemplos têm ainda outra constante: Os “mesmos” enganam-se sempre ... e sempre da mesma maneira!

É óbvio que até às presidenciais muita água irá correr debaixo das pontes e muitos eventos e decisões poderão ocorrer e alterar, eventualmente, a actual popularidade de Sarkozy. Mas isso é futurologia. O que está em causa são os efeitos dos acontecimentos destas últimas 3 semanas na popularidade dos políticos franceses.

Isto parecia evidente em 9-11-05, mesmo para quem não tinha correspondentes em França, excepto para os meios de comunicação portugueses que preferem prever o que desejam e não o que é provável.

Embora eu intitulasse este texto “Filáucias”, não é minha intenção qualquer vanglória. O meu objectivo é de chamar, mais uma vez, a atenção para os enganos que cometem os que tomam os desejos por realidades, os que fazem das suas causas factos incontornáveis.

Publicado por Joana às 07:49 PM | Comentários (112) | TrackBack

O Ministro dos Pinguins

O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social garantiu ontem que os centros de emprego vão fazer um esforço de aproximação às empresas, até ao final do ano, para ajudar a combater o desemprego. Faz-me pena ver tanta incompetência e ausência de pensamento estratégico de um governante, ainda por cima sobraçando a pasta de uma área sensível. Com estas afirmações, o ministro apenas mostrou que não tem qualquer ideia, está sem rumo e está confrontado com um problema que ultrapassa o seu entendimento.

As empresas não contratam pessoal porque sentem o conchego da proximidade dos centros de emprego. Contratam-no porque precisam. A questão actual é que as empresas não precisam de pessoal porque a economia está estagnada. E onde esse défice de emprego se nota mais é nos jovens licenciados, mesmo em cursos técnicos.

Por exemplo, as firmas de engenharia (estudos, projectos, project management e fiscalizações, etc.) eram um factor chave no recrutamento de jovens licenciados, principalmente engenheiros, mas também arquitectos, economistas e mesmo sociólogos. Eram centros importantes de know-how técnico, provavelmente os mais importantes do país. Com a desindustrialização do país, as firmas de projecto industrial foram falindo ou definhando (Profabril, Lusotecna, etc.). Restaram as firmas ligadas à área do ambiente suportadas pelo investimento público (muito apoiado pelos fundos comunitários). De há 4 ou 5 anos a esta parte, a indefinição na área ambiental e os cortes no investimento público (apesar deste constituir apenas 15% a 40% do investimento total, pois o resto é comparticipado a fundo perdido pela UE), estão a conduzir ao definhamento deste sector que está em retracção, com diversas firmas, outrora de grande projecção, à beira da falência.

As empresas investem e criam empregos quando sentem que existem oportunidades de sucesso. Quando sentem que existe um ambiente favorável à sua acção. Quando sentem que a justiça funciona; que o mercado laboral tem alguma flexibilidade; que a burocracia estatal não emperra o seu funcionamento; que o Estado é uma pessoa de bem e não está constantemente a mudar as regras do jogo a meio do campeonato; que o ónus fiscal não é asfixiante. Quando as condições favoráveis enunciadas atrás se conjugam todas pela negativa, como sucede no nosso país, não há volta a dar: as empresas não investem.

Entre 1998 e 2003 a participação dos rendimentos de trabalho (por conta de outrem) no PIB passou de 55% para 58,6%. Em 2003 passou de 57,8% para 58,6%. Ora os salários ou estavam congelados, ou cresciam a valores inferiores à taxa de inflação, portanto com crescimento real negativo. Se a sua participação no PIB aumentou foi porque os lucros e dividendos desceram em termos reais. Como o sector financeiro continua de boa saúde, isto significa que muitas empresas, nomeadamente as industriais, se estão a descapitalizar. Significa que continuaremos a ter mais falências, deslocalizações, encerramentos, etc.

E é isto que é grave na economia portuguesa e não se cura com aconchegamentos. ...

O ministro está a confundir o emprego e as empresas com as colónias de pinguins da Antártida que se aninham uns contra os outros, para melhor resistirem ao frio.

Publicado por Joana às 02:20 PM | Comentários (143) | TrackBack

novembro 16, 2005

Problemas dos meios pequenos

Nos meios pequenos, como o nosso, há controvérsias que ganham uma amplitude inesperada. O CAA colocou um post sobre a entrevista do Cavaco que eu, numa primeira visão em diagonal achei estranho e percebi mal. Pareceu-me que teria a ver com alguma análise à urina da CCS que teria dado resultados inquietantes. Depois, surgiram imprecações de todo o lado e em todas as direcções. Verme foi uma das palavras mais usadas. Foi aí que eu percebi que o copo conteria whiskey e que a imagem pretendia dizer que a CCS sacrificava a Baco.

Diversos Blasfemos acotovelaram-se em pedidos de desculpas à Srª Drª Constança Cunha e Sá tentando exorcizar o pecado do CAA e exigindo a retratação de António Ribeiro Ferreira, o criador dos vermes. Blogosféricos ilustres e Blogostéricos vulgares andaram numa roda viva debatendo este tormentoso e gravíssimo problema.

Eu acho que foi apenas uma brincadeira de gosto talvez duvidoso que, comparada com o hooliganismo de CAA quando fala do FCP, é o mesmo que comparar um sacerdote, bebendo vinho a pretexto da Eucaristia, com Atila invadindo as Gálias. Continuo a não perceber a razão do cataclismo cosmosférico que isto provocou. Tanto ruído para nada!

Por falar em Atila ... eu tinha outra impressão (e muito mais favorável) de António Ribeiro Ferreira antes de o terem deixado à solta num blogue. Mas pode ter sido uma crise passageira.

Vamos esperar que a poeira assente, porque isto não passou de poeira.


Publicado por Joana às 11:55 PM | Comentários (24) | TrackBack

Plinonasmos

Mário Lino afirmou na AR, sobre a questão do Metro do Porto, que se pretendia apenas fazer uma “reestruturação da estrutura empresarial da empresa”. É notável como numa singela frase com apenas 3 desventurados substantivos e 1 despiciendo adjectivo, o ministro tenha produzido 2 pleonasmos. Bastava-lhe ter dito uma “reestruturação da empresa”. Há um persistente desgoverno em Mário Lino na afectação perdulária dos recursos. Tem muitas palavras: desperdiça-as em pleonasmos; tem muitos euros: desbarata-os em obras faraónicas.

Publicado por Joana às 11:00 PM | Comentários (22) | TrackBack

Desemprego no 3º Trimestre

Segundo o INE, a taxa de desemprego em Portugal voltou a subir no terceiro trimestre deste ano e atingiu os 7,7%, o valor mais alto dos últimos sete anos, um aumento de 0,5% relativamente ao trimestre passado. No mesmo período do ano passado a taxa de desemprego era de 6,8%. Em Agosto, quando o Governo estava eufórico pela descida da taxa de desemprego, escrevi aqui “Atrás da Cortina das Chamas” que: “O desemprego no 2º trimestre situou-se em 7,2% (6,3%, no período homólogo de 2004) recuando ligeiramente (era 7,5% no 1º trimestre de 2005), mas esse recuo é um fenómeno sazonal. No final do 3º trimestre atingirá, provavelmente, os 7,6% ou 7,7%”. Tiro e queda.

O Governo tinha o INE, os gabinetes de estudos dos ministérios, assessores, a Ana Sousa Dias (que avisou solenemente MRS que o desemprego estava a descer, quando ele ia balbuciar algo sobre o assunto), etc. Eu estava de férias, a 350 km do epicentro dos acontecimentos, possuindo apenas o disco rígido do meu PC e os meus neurónios. Tinha todavia uma vantagem decisiva: os meus neurónios não tinham os circuitos entupidos pelas teias partidárias, políticas e ideológicas. Limitei-me a olhar os números e pensar sem preconceitos.

Todavia este aumento esconde uma realidade pior. Haverá um diferencial, talvez 0,1% ou 0,2%, que corresponde a desempregados que ou não se registaram como tal, ou regressaram aos seus países de origem, o que é vulgar entre trabalhadores do Leste europeu. Quanto ao futuro, em face das novas previsões sobre o PIB para 2005, não custa a admitir que, no fim deste ano, haverá 8% a 8,1% de desempregados.

A CGTP imediatamente referiu que “É a demonstração das consequências desastrosas da política seguida. O país sem sector produtivo não tem futuro”. Estou inteiramente de acordo. Há todavia um pormenor importante: a política seguida tem sido um compromisso entre a vontade dos sucessivos governos e as pressões sindicais. E se os governos tivessem capitulado mais perante os sindicatos, o desastre ainda teria sido maior. Os sindicatos pressionam numa política que leva, indirectamente, à liquidação do sector produtivo. Aliás, a sua audiência no sector produtivo é actualmente quase nula. Os trabalhadores desse sector já se aperceberam do abismo para onde os dirigentes sindicais os queriam conduzir. Infelizmente para esses trabalhadores a acção sindical no sector público tem um efeito pernicioso na sustentação do sector privado, que está a ser lentamente estrangulado.

No OE 2006, o Governo havia estimado uma taxa média de desemprego para 2005 de 7,4%. Terá que a rever para 7,5% ou, mais provavelmente, para 7,6%. Se conseguir cumprir os objectivos que traçou no OE 2006 quanto às grandes variáveis macroeconómicas (PIB, exportações, etc.), o país chegará ao fim de 2006 com uma taxa de desemprego de 8,6% e uma taxa média anual de 8,1% ou 8,2%, contrariamente à que o OE 2006 prevê (7,7%).

Sócrates tinha prometido 150 mil empregos. No primeiro ano de governação, o desemprego crescerá em cerca de 50.000 unidades. Em 2006 aumentará, no mínimo, de 30.000 unidades, se as previsões optimistas do Governo se confirmarem. No final de 2006, Sócrates terá, no cenário mais optimista, um saldo negativo de 230.000 (150.000 + 50.000 + 30.000) empregos relativamente às suas promessas eleitorais.

Vai precisar de muito talento e esforço nos 2 últimos anos de legislatura.


Publicado por Joana às 09:18 PM | Comentários (46) | TrackBack

novembro 15, 2005

Pessimismo duplo

O Banco de Portugal reviu em baixa as suas estimativas para a economia portuguesa durante este ano, prevendo agora um crescimento de 0,3% face aos 0,5% previstos em Julho. O mais grave é que a previsão sobre as exportações registem um aumento de 0,7%, enquanto em Julho se previa um crescimento de 2,7%. Ou seja, as nossas exportações estagnaram, o que acarreta uma degradação agravada da balança externa portuguesa. Em 19-10-05 em tinha escrito aqui, em Fragilidades do OE 2006 que uma das principais fragilidades do OE 2006 era basear-se numa previsão de aumento das exportações de 5,7%, o que me parecia ilusório. Este relatório do BP vem, infelizmente, dar razão ao meu pessimismo. Com esta derrapagem, as metas do Governo tornaram-se mais difíceis de atingir.

A estagnação das exportações tem um efeito negativo sobre a variação do PIB. Um crescimento baixo do PIB induz um aumento do desemprego. Há uma relação entre a variação da taxa de desemprego (TD) e a variação do produto:

TD(t) – TD(t-1) = - β .( ΔPIB(t_t-1) – K)

Os valores usualmente admitidos são K=3% e β = 40%. A percentagem β < 1 significa que as empresas tendencialmente preferem manter os funcionários em vez de demiti-los quando o produto cai e, quando o emprego aumenta, nem todas as novas vagas potenciais são preenchidas. Esta percentagem depende da estrutura do mercado de emprego e da saúde da economia. No curto prazo, uma maior rigidez do mercado laboral, traduz-se num β menor. Todavia, a degradação da actividade económica pode levar à aceleração de falências e deslocalizações o que contorna aquela rigidez. Portanto, na actual situação da economia portuguesa, a rigidez do mercado laboral acaba por não ser relevante para a estimação do β.

O OE 2006 previa um aumento do PIB de 1,1% em 2006. Portanto com esse aumento do PIB seria previsível que a taxa de desemprego aumentasse em 0,8%. Se a previsão sobre as exportações falhar, como as importações terão uma variação mais rígida, o impacte dessas previsões sobre o PIB conduzem a resultados muito pessimistas, inclusivamente a uma variação negativa do PIB.

Entretanto, foi anunciado que o Governo propôs um aumento nominal do salário mínimo nacional de 3%, o que é superior à evolução prevista para a inflação. Não há unanimidade entre os economistas sobre os efeitos do salário mínimo. Em teoria, se for superior ao salário de equilíbrio para uma dada actividade, a procura diminui, aumenta o desemprego e há uma perda de eficiência económica (peso morto). Acontece todavia que a maioria dos sectores pratica salários superiores ao salário mínimo, excepto, em alguns casos, para os estagiários. Por outro lado tem-se verificado que em sectores fechados ao exterior (restauração, pequeno comércio) os efeitos são despiciendos.

Todavia a economia portuguesa tem sectores exportadores, de baixo valor acrescentado, que subsistem devido aos baixos salários neles praticados. Há muita mão-de-obra envolvida nessas indústrias, principalmente na região norte do país. Nestes casos, um aumento salarial acima da inflação, numa situação de grande fragilidade competitiva, pode acelerar o processo de falências e deslocalizações de empresas a que temos assistido.

É certo que Portugal terá de desembaraçar-se, a prazo, dessas indústrias onde não é possível competir com os novos países emergentes. Todavia esse processo deveria ser controlado de forma a dar tempo à criação de alternativas. A liquidação prematura desses sectores significa um rápido agravamento da balança comercial, um aumento do desemprego, menos receitas fiscais, aumento do défice e dificuldade crescente em sustentar o sector público, mesmo com medidas mais profundas de contenção de despesa.

Adicionalmente, a decisão do Governo pode criar expectativas nos meios laborais de aumentos salariais maiores dos que os previstos até aqui. A taxa de aumento do salário mínimo serve de indexação para diversas taxas e de referência para outros eventuais aumentos.

Portanto, a conjugação das previsões do Banco de Portugal com as fragilidades previsionais do OE 2006 e com a decisão do Governo sobre o salário mínimo corre sério risco de ter efeitos nefastos sobre a situação económica portuguesa em 2006.

Ou seja, ao pessimismo do relatório do Banco de Portugal adiciona-se o pessimismo induzido por uma medida governativa que poderá fragilizar ainda mais a nossa depauperada situação económica.

Publicado por Joana às 08:11 PM | Comentários (117) | TrackBack

novembro 14, 2005

Back to the Future

Cavaco Silva afirmava que só lhe interessava o futuro; Constança Cunha e Sá só se preocupava com o passado. Quanto mais Cavaco se distanciava na preocupação pelo futuro, mais Constança se embrenhava no passado remoto. Quando acabaram, estavam meio século afastados um do outro. Constança Cunha e Sá deve estar indisponível para próximas entrevistas ou comentários, a menos que Robert Zemeckis a traga Back to the Future.

Publicado por Joana às 09:44 PM | Comentários (93) | TrackBack

A Inviabilidade Excelente

João Cravinho declarou no parlamento que: «As SCUT dão lucro ao Orçamento. Se o Ministério das Finanças fosse também um Banco de Investimento faria um excelente negócio no balanço das suas despesas e receitas» e concluiu que os efeitos sobre o PIB são mais de 6 vezes superiores aos encargos financeiros do Estado. É com pena que assisto ao ocaso de um político que, para defender o indefensável, diz os maiores dislates, sem qualquer sentido do ridículo.

Cravinho está a confundir uma avaliação financeira com uma análise na óptica custo-benefício (admitindo que esta análise tenha sido feita e conduzido aos resultados que apregoa). Todavia o que está em jogo actualmente é a solvabilidade financeira do Estado.

Imaginemos que Cravinho era membro de um agregado familiar, de 5 pessoas, onde ele e a esposa ganhavam 20 mil euros por ano. Imaginemos que Cravinho pretendia comprar um carro. Estimou em 4 milhões de euros o valor da vida de cada membro do seu agregado familiar. Consultou tabelas de risco e verificou que se comprasse um jipe, que custava 65 mil euros, reduzia o risco de morte por acidente durante os 5 anos de vida útil do veículo em 1%. Suponhamos que esta taxa simulava todos os custos atribuíveis a morte, invalidez, tratamentos, prejuízos morais decorrentes dos prejuízos físicos, etc. Ou seja, se comprasse o jipe, tinha um benefício de 200 mil euros (5 x 4.000.000 x 1%). Isto excluindo outros benefícios ligados ao conforto, tempo poupado nas viagens, etc..

O custo total do jipe, pago durante 5 anos, orçaria por cerca de 75 mil euros (15.000€/ano). Durante esses 5 anos, as receitas financeiras brutas do agregado familiar de Cravinho seriam 100 mil euros. Todavia o benefício total retirado daquela aquisição (ou investimento), somado às receitas brutas do agregado Cravinho, seria de 300 mil euros. Quatro vezes o valor do jipe!

Quando Cravinho dissesse em casa que tinha tomado a decisão de comprar um jipe, baseado naquele estudo, alguém do seu agregado familiar telefonaria imediatamente para um psiquiatra para lhe marcar uma consulta com carácter de urgência. E todavia o estudo estava certo: o benefício para a família obtido pela compra do jipe era muito superior ao custo de aquisição. Havia apenas um pequeno problema ... não tinham dinheiro para o comprar!

O problema das SCUTs é esse. Do ponto de vista de benefícios sociais para a colectividade (menor número de acidentes, menos despesas de saúde, menos mortes, maior rapidez de tráfego, etc., etc. e a contabilização da estimativa destes benefícios em termos de efeito no PIB), as SCUTs são, provavelmente, viáveis. O problema é que, financeiramente, o Estado não tinha dinheiro para as pagar. E isto é uma questão que Cravinho continua a não perceber.

A avaliação que entre em conta com os benefícios sociais líquidos de um dado investimento só faz sentido se houver dinheiro disponível para o pagar. Senão ele só é exequível se for viável num óptica financeira, isto é, se houver retorno suficiente para cobrir o investimento inicial.

Publicado por Joana às 06:34 PM | Comentários (101) | TrackBack

novembro 13, 2005

E as consequências?

Muito se tem escrito sobre os tumultos em França. As alegadas causas são esquadrinhadas ao milímetro. Os sociólogos da auto-culpabilização não têm dúvidas: a casa nova que afinal não era senão um penhor de culpa; o roubo do sonho de uma nova identidade social; um mal geral que se desencadeou em França porque “na Europa, é o país mais politizado, mais participativo e mais mobilizado”; uma lógica de automutilação devido à quebra da anterior "sociabilidade e a solidariedade do bairro de barracas", etc. Outros, mais modestos, referem a desigualdade económica, desemprego crónico, falhas de estratégia policial, fracasso nas políticas de integração, falta de perspectivas dos jovens revoltados. Ninguém arrisca falar nas consequências.

É a própria inventariação de causas que inviabiliza soluções. Refiro-me a soluções e não a paliativos que apenas adiem uma nova e porventura mais grave explosão.

Se uma casa nova não é senão um penhor de culpa, uma esmola que “ao invés de colmatar a exclusão a confirma”, então não servirá de nada fazer novas urbanizações mais humanizadas. As urbanizações não têm alma. Quem as humaniza ou desumaniza, é quem as habita.

A afirmação que estes tumultos se desencadearam em França porque “na Europa, é o país mais politizado, mais participativo e mais mobilizado”, é apenas uma utilização canhestra do mecanicismo histórico: os jovens desordeiros não são herdeiros da civilização francesa (aliás, recusam-na), a única participação cívica que se lhes conhece é a de receber subsídios estatais e não evidenciaram quaisquer pretensões políticas.

A razão mais sólida, mas pouco enunciada porque a França continua a ser um modelo de virtudes para a nossa intelectualidade da “ética republicana”, é a da discriminação. Colegas de um mesmo liceu vão a uma discoteca, mas um ou dois ficam à porta porque os seguranças aperceberam-se que são de ascendência árabe. Quando respondem a um anúncio de emprego, se enviam um CV onde, pelo nome, se detecta que são de ascendência árabe, o mais certo é nunca serem sequer entrevistados. A actual geração de franco-magrebinos tem muito mais dificuldade em encontrar empregos que os seus progenitores, porque a actual taxa de desemprego é muito elevada e a concorrência no mercado de emprego é muito forte. Se o empregador tem muito por onde escolher, descarta preferencialmente os árabes.

Ou seja, se parte dessa discriminação é intrínseca à sociedade francesa, a do mercado de trabalho resulta principalmente da falta de empregos. Afinal de contas a primeira geração encontrou emprego, apesar de ser magrebina. A actual geração não os encontra porque há poucos e os poucos que existem dirigem-se preferencialmente aos não-árabes.

Portanto estamos naquilo que me parece ser o cerne da questão, e que tem a ver com o desenvolvimento económico e o nível de emprego. A essência do Estado Providência europeu consiste na sua omnipresença social, regulando de forma rígida o mercado de trabalho, protagonizando uma função assistencialista generalizada e suportado por uma carga fiscal pesada. Todavia, quando há crescimento económico, a rigidez do mercado laboral desincentiva os empresários a admitirem os efectivos que admitiriam se não houvesse essa rigidez, por temerem ficar com pessoal excedentário, se o crescimento não for sustentável. Isto é, a rigidez do mercado laboral promove o malthusianismo económico.

Simultaneamente, a pesada carga fiscal é um entrave ao crescimento, porque aumenta os custos de produção e retira competitividade à economia, face a um mundo cada vez mais globalizado.

Finalmente, a função assistencialista generalizada tem um efeito nocivo em toda a sociedade. Cria nela a síndrome de dependência do Estado, a aversão ao risco, a ilusão de que as regalias que goza são “direitos adquiridos” ad aeternum, a mentalidade de que o Estado tem soluções para tudo e que cabe a ele resolver todos os problemas. E, pior que tudo, a permanente insatisfação pelos bens que o Estado proporciona: não era aquela a casa que desejavam, os subsídios que recebem não são os suficientes, etc. É a psicologia do mendigo que insulta quem dá uma esmola que ele considera insuficiente.

Talvez seja esta mentalidade perniciosa o efeito mais perverso do Estado Providência, com as suas características de omnipresença e omnipotência, tal como se verifica actualmente em França e em alguns outros países europeus. A capacidade de escolha, de decidir o rumo da sua vida, de assumir o risco de uma decisão, de ter audácia e espírito inovador são as características de uma sociedade de homens livres. Foi isso que fez a grandeza da Europa e do Novo Mundo. Tudo isso tem sido, pouco a pouco, castrado pelo Estado Providência. O Estado Providência está a transformar uma sociedade de homens livres num rebanho de subsídio-dependentes.

A anona e as distribuições gratuitas de alimentos e distracções a um número cada vez maior da cidadãos romanos, que passaram a viver na ociosidade, corromperam as virtudes cívicas e as qualidades que haviam feito a grandeza da República Romana e conduziram à sua decadência e queda. O Estado Providência europeu está, mutatis mutandis, a seguir um percurso semelhante no que respeita ao envilecimento dos valores e virtudes cívicas dos cidadãos europeus.

O que está de errado em tudo esta questão é a omnipresença e omnipotência do Estado Providência, a extensão desmesurada que a função assistencialista adquiriu e os efeitos perversos a que tudo isso conduziu: estagnação económica, aumento do desemprego, exclusão das camadas mais jovens do mercado de trabalho, a síndrome de dependência do Estado e o aviltamento dos valores.

É isso que tem que ser corrigido.

Publicado por Joana às 10:51 PM | Comentários (89) | TrackBack

novembro 11, 2005

Aí vai ele como se fosse um extremo

O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral, disse hoje que já existem sinais de retoma na economia portuguesa, mas rejeitou a ideia de que a retoma já está aí. É importante ser o ministro dos Negócios Estrangeiros a produzir estas afirmações financeiras e económicas. Os ministros das Finanças e da Economia estão muito marcados, nunca sabem o que hão-de fazer à bola, apesar da falta de jeito dos defesas da oposição, e a irrupção na grande área política de um defesa lateral, ou mesmo colateral, por muito desajeitada que seja, causa sempre perturbação na equipa adversária.

Embora o lance fosse uma surpresa, o passe foi muito denunciado, pois desde há muito que aquela jogada tem sido ensaiada com resultados cada vez menos credíveis. Retoma e aumento do emprego são matérias que passaram para as calendas gregas. Todavia foi uma novidade na equipa governativa, depois do desastre que tem sido um dos avançados onde se depositavam mais esperanças, o ponta de lança Mário Lino, andar a marcar golos na própria baliza. O próprio Manuel Pinho não acerta uma: ou chuta no vazio, ou atira a bola para o pinhal. Já consultaram os melhores ortopedistas, porque se julga que ele tenha os pés tortos.

Foi a táctica possível por um Sócrates em desespero, porquanto Freitas do Amaral só actua em zonas inesperadas do relvado. No seu sector demarca-se completamente e nenhuma bola o encontra. Ainda ontem disse que não tinha nada a ver com as afirmações do seu secretário de Estado, Cravinho filho, sobre a UNITA.

Enfim ... o fim de semana vem aí e com ele o futebol ...

Publicado por Joana às 07:32 PM | Comentários (171) | TrackBack

novembro 10, 2005

A Múmia, a Esfinge e a Sopeira

Admiro intensamente a evolução política e cultural de Mário Soares. Há meia dúzia de anos, quando concorreu contra Nicole Fontaine para a presidência do Parlamento Europeu, qualificou-a como dona-de-casa, dando a entender que o lugar adequado para a advogada francesa seria o lar, a passajar as peúgas e a fazer cassoulet para o jantar do marido e do filho. Continuo sem perceber como foi possível o PE, perante as duas candidaturas, a do eminente humanista e a da despicienda sopeira, ter optado pela sopeira. São escolhas destas que envergonham as instituições, fragilizam as famílias e lançam a filharada na delinquência, a incendiar carros nos subúrbios de Paris.

Mário Soares entretanto evoluiu. Agora já não está na fase da divisão de trabalho no seio da célula familiar – evoluiu para sociologias mais vastas, ligadas às civilizações dos grandes rios. Passou de troglodita a felá – Qualificou Cavaco como uma Esfinge.

Mário Soares está obcecado pela rigidez marmórea de Cavaco, lá longe no deserto, esfíngico, insensível ao simum que o varre de acerados grãos de areia, indiferente à cáfila que se alonga no horizonte, os camelos bamboleando-se ao som das melopeias dos guias especializados em retórica cameliana.

Essa obsessão é perfeitamente legítima. Segundo o patriarca da nossa democracia, e das sopeiras que cursaram Direito e se sentam no PE, aquela mudez granítica e injusta está a "privar da palavra" os outros candidatos. Ora os candidatos, principalmente o nosso Matusalém, precisam com urgência de matéria sobre que se pronunciarem. Sem isso ficam imerecidamente privados de assunto, vazios de ideias. Ora o único assunto, a única ideia, a única causa, é Cavaco. Com Cavaco petrificado lá longe nas areias do deserto, escasseiam os assuntos, as ideias e as causas. Se esta imobilidade perniciosa persistir, é a própria democracia que está em perigo. Corremos o risco de, em futuros debates televisivos, vermos os candidatos, falhos de assunto, aguardando desalentados por algum pronunciamento de Cavaco, iludirem entretanto a espera com uma partida de bridge, Jerónimo de Sousa sempre a Este e Mário Soares a fazer de morto.

Esgotadas as vozes sobre os poderes presidenciais, a profissionalização, etc., restam as vozes mais prosaicas, mas mais lúdicas, de 2 Sem Trunfo, 4 Espadas, Passo, Dobro... . Oeste bate a carta de saída, Mário dispõe as cartas na mesa e afunda-se docemente no reino na República de Morfeu.

Publicado por Joana às 11:31 PM | Comentários (123) | TrackBack

Tiro no Pé

Falemos claro: o OE 2006 é um orçamento que assenta em hipóteses frágeis que dificilmente se irão realizar, como, por exemplo, nas previsões sobre a variação das exportações (+ 5,7%), quando em 2005 a variação das exportações foi de + 1,2%. Não aproveita a possibilidade de haver uma forte corrente na opinião pública favorável a cortes na Despesa e de os sindicatos do sector público estarem isolados perante a sociedade civil. E continua a ter a vertigem da receita, aumentando o ónus fiscal e diminuindo a nossa competitividade por via disso. Finalmente o Governo não promete reduzir o défice de 6,2% para 4,8%, mas sim de 6,2% para 5,9%, porquanto as privatizações concorrem com 1,1% do PIB.

Falemos ainda mais claro: se neste OE a contracção na Despesa é mínima, nos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes ela não existiu. Esses governos congelavam vencimentos e cortavam na Despesa e esta subia sempre. E para manterem o défice no patamar fatídico dos 3% recorreram a aumentos de impostos e às receitas extraordinárias. Portanto, Marques Mendes pisava um terreno muito pouco sólido quando atacou o OE 2006 pela via do aumento de impostos e da baixa contenção da Despesa. Pois se o governo de que Marques Mendes fazia parte teve que aumentar os impostos e nem sequer conseguiu conter a Despesa Pública de uma forma sustentável!

Por isso, Sócrates estava à vontade para afirmar que "Pela primeira vez nos últimos anos a despesa desce", o que constituía uma crítica à actuação dos anteriores governos e, igualmente, de Marques Mendes.

O que Marques Mendes deveria ter dito era: Meus senhores, vocês têm uma situação mais favorável que aquela com que nos confrontámos; como vocês não estão na oposição, a capacidade de protesto social é quase nula; a UE deu-vos uma moratória a que nós não tivemos direito, portanto seria de exigir que vocês fizessem melhor que nós. Ora isto é insuficiente. E deveria assinalar as fragilidades do OE que podem comprometer os valores dos principais parâmetros.

Em vez disso envolveu-se em questões menores e arriscadas para ele, trouxe à colação a questão das SCUT’s que é uma questão insolúvel, como eu aqui já frisei diversas vezes, enganou-se nos números (o que poderá ser um bom prenúncio para ele, atendendo ao precedente Guterres), falou da OTA e do TGV(*) como projectos faraónicos inventados por este governo, quando são projectos que todos os últimos governos têm trazido ao colo e inscrito as respectivas verbas nos seus orçamentos, etc.

Finalmente, o PSD não pode, numa primeira leitura, declarar que o OE 2006 é "globalmente positivo" para agora, durante o debate final, o considerar "globalmente negativo" e votar contra. Houve alguma coisa referente ao OE 2006 que mudou entretanto? Que eu saiba não. Marques Mendes prestou-se, desnecessariamente ao remoque de Sócrates "Os senhores é que são globalmente inconstantes". Enfim … um desastre.


(*) Insisto novamente em que a questão OTA é totalmente diferente da do TGV. A OTA é uma solução que atenta contra as preferências dos utentes, que não vai ter a procura que esperam, e onde há soluções alternativas mais económicas e mais satisfatórias para os utentes. O TGV (refiro-me à ligação Lisboa-Badajoz) desde que seja projectado como deve ser, pode ser um factor estruturante muito importante para o nosso país. O TGV Lisboa-Porto é desnecessário porque se o Alfa funcionasse como deveria, a diferença de tempos de percurso seria cerca de meia hora, o que não tem significado.

Sobre estas questões, ler:
Consenso Orçamental

Fragilidades do OE 2006

Benefício ou Prejuízo da Dúvida

A Vertigem da Receita

Ou consultar, no arquivo ao lado a secção Economia Portuguesa

Publicado por Joana às 06:45 PM | Comentários (89) | TrackBack

novembro 09, 2005

Les Arroseurs Arrosés

A esquerda é vítima da armadilha das suas próprias convicções. Como se baseia nas suas convicções e nunca nos factos, toma sempre a nuvem por Juno. Embora com tendência mais pragmática, os conservadores também cometem com frequência erros semelhantes. A sequência dos acontecimentos em França é exemplar desse ponto de vista. Com os primeiros tumultos (27Out) e a frase de Sarkozy onde prometia “varrer a canalha (racaille)”, Chirac e Villepin esperaram, quietos e calados, que Sarkozy fosse cozinhado em fogo lento, com a oposição a pedir a sua cabeça e os desordeiros a declararem à comunicação social, entre cada dois incêndios de viaturas, que a culpa era do Sarkozy.

Esta situação não se aguentou uma semana. Por várias razões. Os tumultos e as depredações de viaturas e bens públicos exasperaram as populações. Os bombeiros ficaram desesperados por servirem de alvos dos desordeiros e incendiários. A comunicação social bem podia transmitir um magrebino a declarar que «Il joue au fort, il fait venir les cars de CRS, il parle de racaille, c'est lui qui crée la tension.», que a população olhava com desdém a tese dos ateadores dos fogos e virava-se para Sarkozy, a única figura agente e movente naquele caos. Villepin, primeiro, e Chirac, depois, compreenderam que tinham que apoiar publicamente o seu ministro do Interior. Em situações de desordens e de caos, as populações não se deixam embalar por teorias sociológicas desculpabilizadoras. Viram-se para quem faz frente à desordem.

A partir do início de Novembro, Villepin resolveu assumir um papel com maior protagonismo, mas insistindo preferencialmente nos apelos à calma e na cena ridícula de receber um grupo de jovens (com idades entre os 18 e os 25 anos) residentes nos bairros problemáticos dos arredores de Paris, que apenas se representavam a si próprios, mas que Villepin pretendia que simbolizassem as comunidades de imigrantes, desempregados, beneficiários dos subsídios mínimos de subsistência, etc. – Enquanto isso, os desordeiros ignoravam os apelos ao diálogo e continuavam a desafiar a polícia, atacando e incendiando bens públicos (entre eles escolas), lojas e veículos.

Perante a evolução dos acontecimentos e da opinião pública, Chirac e Villepin compreenderam que tinham que fazer frente comum com o seu ministro do Interior, Sarkozy. A tentativa de o cozinhar nos incêndios dos subúrbios franceses fracassara. Apenas a oposição continuava a pedir a cabeça de Sarkozy, mas já sem o apoio dos maires de esquerda das zonas afectadas. Os próprios Chirac e Villepin compreenderam que a demissão de Sarkozy, naquela altura, seria muito pior para eles próprios que para Sarkozy, além do que fragilizaria o Governo face aos incendiários.

Uma sondagem aparecida em 6Nov, mas realizada 3 dias antes, quando Sarkozy estava praticamente sozinho a enfrentar a tormenta, mostrava que 57% dos franceses tinham boa imagem dele, apesar de tudo aquilo que se fazia ouvir na comunicação social a pedir a demissão dele. E como é difícil um francês ter boa imagem de alguém que não tem ascendência francesa ... mas húngara!

Finalmente o Governo passou a tomar medidas mais musculadas, como a possibilidade do recolher obrigatório sempre que fosse necessário, e a mostrar uma frente comum, unida, para fazer face aos tumultos. O próprio chefe do grupo parlamentar do PS aceitou ontem um pacto de não-agressão com o centro e a direita para combater as desordens. Sarkozy foi firme, chamando as coisas pelos seus nomes «Il faut appeler un chat un chat. Derrière les grands frères des cités se cachent souvent des caïds. Quand on emploie le mot jeune, ce sont à l'occasion des voyous. Et les tournantes, ce sont en réalité des viols.», lembrando à esquerda a sua actuação enquanto Governo, : «Entre 1998 et 2001, il y a eu vingt-trois jours d'émeutes, et aucune interpellation. Nous, au bout de treize jours, nous en sommes à 1 250 arrestations».

Concluindo, aquilo que começou por ser a grande oportunidade de liquidar Sarkozy como candidato às próximas presidenciais, virou-se contra os que quiseram agarrar essa oportunidade. Em situações de grandes distúrbios sociais, as populações viram-se para quem mostra firmeza. As ladainhas que tentam desculpabilizar os desordeiros invocando postulados sociológicos não colhem – as populações não querem melopeias estéreis, querem acção, querem firmeza. Sempre foi assim. A seguir ao Maio de 1968, quando os lunáticos do pensamento sociológico pensavam que a França estava ganha para a esquerda, as eleições saldaram-se numa vitória estrondosa da direita.

Provavelmente estes distúrbios acabarão pelo cansaço de quem os provoca. São “rebeldes sem causa”. É uma violência sem objectivo racional. Não é possível negociar com grupos cujo único objectivo é a depredação dos bens alheios, sem uma causa definida, sem racionalidade. Dominique de Villepin promete 100 milhões de euros suplementares, mais dezenas de milhares de bolsas de mérito (para quem? – os que incendeiam as escolas nunca terão habilitações para terem direito a elas), etc., etc. Não se resolve o problema de um modelo social que está periclitante por excesso de despesa e de subvenções sociais, gastando ainda mais com ele. É o próprio funcionamento do Estado social francês que terá que ser revisto, aligeirando-o para permitir que se criem mais oportunidades de emprego. São precisos empregos e não esmolas.

Publicado por Joana às 10:19 PM | Comentários (161) | TrackBack

novembro 08, 2005

Desemprego e Exclusão

Verifico que muita gente não se apercebe da importância do nível de emprego no bem-estar social de uma sociedade e na sua sustentabilidade. Argumentar que a percentagem dos que trabalham e estão abaixo do limiar de pobreza é superior nos EUA à da UE, não colhe. Por um lado, como se viu no post anterior, a relação entre a pobreza nos EUA e na UE muda radicalmente quando se passa da análise da pobreza relativa (em percentagem dos respectivos PIB’s) para a pobreza absoluta. Por outro lado, uma taxa elevada de desemprego (haverá sempre um desemprego friccional) corrói toda a estrutura económica e social de um país

O subsídio de desemprego é uma forma economicamente nociva de substituir um emprego, mesmo que seja menos bem remunerado. Enquanto um trabalhador empregado produz riqueza, um desempregado subsidiado consome riqueza. Aumentar as transferências sociais para pagar o aumento dos subsídios só pode ser feita, quer diminuindo os restantes gastos do Estado, quer aumentando as receitas fiscais – em qualquer dos casos, aumentando o ónus fiscal. O aumento das receitas fiscais faz diminuir a poupança privada e, portanto, o investimento produtivo. Ou seja, substituir um emprego menos bem remunerado pelo subsídio de desemprego reduz as possibilidades de criação de novos empregos, diminui a competitividade da economia e trava o crescimento.

A existência de um volume elevado de desemprego aumenta a concorrência entre os trabalhadores na busca de um emprego, nomeadamente nas profissões menos qualificadas. A probabilidade que um trabalhador venha a perder o emprego é mais elevada e a probabilidade de um desempregado encontrar um emprego é menor. Ou seja, a tendência é para um aumento cada vez maior da duração do desemprego. Quando a taxa de desemprego é baixa, um trabalhador tem capacidade de obter uma maior remuneração. Se a taxa é elevada, a sua capacidade negocial é nula. Uma elevada taxa de desemprego prejudica todos os trabalhadores, porque lhes diminui as perspectivas.

A UE criou um modelo social que incentiva os seus cidadãos a trabalharem menos, ao facilitar a redistribuição da riqueza através de subsídios, em vez de os incentivar a contribuírem com o seu trabalho para a criação de riqueza. A consequência desta política social é que é retirado tanto aos pobres como aos ricos o incentivo para trabalhar, ou para trabalhar mais. Os pobres porque preferem os subsídios e o lazer ao trabalho; os ricos porque deixam de ter incentivo a investirem e a produzir riqueza e mais empregos.

Todavia, este modelo social está condenado. Cedo ou tarde, as contribuições para a segurança social e os impostos deixarão de conseguir mantê-lo. O sistema de segurança social da UE tornar-se-á insustentável e arrastará toda a economia para a descida do Maelstrom, à medida que a subida dos encargos com quotizações e impostos for impelindo os agentes económicos para fora da base contributiva (para a economia paralela, para o desemprego ou para a emigração).

A diferenciação salarial é menor na Europa. Mas isso traduz-se no facto dos trabalhadores menos qualificados serem mais bem pagos do que seriam sem essa diferenciação salarial menor. Este caso é especialmente evidente no sector público português. O problema é que este nível aparentemente mais elevado de equidade social é conseguido à custa dos que ficam sem emprego e da perda do dinamismo económico.

Os factores acima enunciados são meramente económicos. Para além destes há os factores sociais. O desemprego de longa duração (preponderante na Europa) conduz ao aviltamento das capacidades de trabalho e à perda progressiva da qualificação, por muito exígua que seja. As relações sociais degradam-se. Sobrevém a marginalização e a exclusão social. Um trabalhador, por muito pouco qualificado que seja o seu emprego, pode sempre acalentar a esperança que o seu desempenho o faça progredir ou encontrar uma alternativa melhor. Um desempregado está excluído dessa possibilidade de ascensão social. Nomeadamente se nunca teve sequer acesso ao primeiro emprego e vive de subsídios para sobreviver. Pode subsistir, mas é uma subsistência sem esperança.

O darwinismo social americano tem-se revelado economicamente mais dinâmico e menos castrador das capacidades humanas que o Estado social europeu. A Europa construiu um modelo social que protegesse e desse segurança ao emprego – promoveu o desemprego. A Europa construiu um modelo social para promover a equidade – promoveu a exclusão social. Não são paradoxos – é excesso de regulamentação. A economia é avessa ao excesso de regulamentações e retalia contra os que a espartilham. Sempre foi assim. Sempre será assim.

Publicado por Joana às 11:58 PM | Comentários (82) | TrackBack

novembro 07, 2005

Alguns Números (Act.)

Como a França mostrou mais à evidência, o Estado Social só funciona para os insiders. É tão iníquo como o mercado que premeia os mais aptos (não necessariamente os mais fortes ou mais inteligentes). Pior que iníquo - trava o crescimento. O défice de equidade de uma economia de mercado terá que ser colmatado com transferências sociais, mas cujo único objectivo apenas poderá ser esse – evitar a exclusão social – e nunca uma alternativa que o pretira ao emprego nem implique custos de tal forma avultados que retire competitividade à economia e faça aumentar o desemprego. O desemprego é a forma mais grave de exclusão social e o Estado social europeu está a promover essa exclusão.

Fala-se em que os salários dos mais desfavorecidos são mais baixos nos países onde a flexibilização laboral é maior. Talvez, embora nesses países também exista o salário mínimo. Todavia quando se compara a pobreza, comparam-se coisas diferentes. O limiar da pobreza é definido em percentagem do PIB. Se o PIB (em termos de paridade de poder de compra) dos EUA for superior em 50% ao dos principais países europeus, uma percentagem apreciável dos pobres americanos não seria considerada pobre, quando comparado o seu poder de compra com o dos seus congéneres europeus.

Por exemplo, 41% dos pobres americanos têm casa própria; 69,7% têm, pelo menos, um carro; 27,3% têm 2 ou mais carros; 99,3% têm frigorífico; 60,7% têm máquina de lavar; 66,3% têm ar condicionado em casa; 13,1% têm computador pessoal (embora 97,3% tenham uma ou mais TV a cores); etc., etc. Quando se fala em pobreza americana, tem que se saber sobre o que se fala.

Por isso, sempre que se fala em comparações internacionais, Estados sociais, bem estar, etc., são lançados os mais diversos palpites, de títulos ou leituras mal digeridas, e constroem-se teses magníficas sobre desejos e não sobre factos. Por isso deixo aqui 3 gráficos. Um sobre a evolução do PIB (em termos de paridade de poder de compra); outro sobre a evolução da taxa de desemprego e outro sobre a evolução do défice público.

Neles podem verificar-se algumas coisas. A França e a Alemanha têm perdido terreno em termos de rendimento nacional. A estimativa para o ano de 2005 foi antes da última revisão em baixa (os números são das bases de dados do FMI). Portanto a evolução entre 2004 e 2005 será mais modesta que a indicada no gráfico. Em 1980 o UK estava abaixo daqueles dois países e presentemente está acima. O défice americano é apenas um pouco maior que o da França e da Alemanha e reflecte os acontecimentos posteriores ao 11 de Setembro. O desemprego na França e na Alemanha tem-se vindo progressivamente a agravar e é claramente superior ao dos outros países da amostra.

Uma constatação interessante é que o desemprego nos EUA flutua mais e está claramente ligado às políticas macroeconómicas das sucessivas administrações. O efeito Reagan saldou-se num imediato aumento do desemprego (como é normal numa primeira fase de aplicação de medidas liberalizadoras) mas proporcionou uma melhoria progressiva, que só foi interrompida pela actuação da administração Bush pai. A época Clinton foi uma época de contínua expansão. Quando a administração Bush filho subiu ao poder já se notava a desaceleração do crescimento. Desaceleração que se acentuou com o 11 de Setembro e o aumento dos gastos militares. No último ano houve uma recuperação e as estimativas para 2005 foram agora revistas em alta.

PIBppc5.jpg

Tx_Desemprego.jpg

Defice5.jpg

Nota: No gráfico está referido Défice, mas mais correcto seria Saldo. Neste entendimento os défices correspondem aos valores negativos e os superavits aos valores positivos.

Adenda: Em face de algumas questões levantadas, junto um quadro com indicadores sobre a pobreza americana e respectivas fontes. De notar que as estatísticas referentes a alguns equipamentos são muito antigas, estando por isso desactualizadas (como os computadores pessoais.

EUA_Pobreza.jpg

Publicado por Joana às 11:50 PM | Comentários (131) | TrackBack

novembro 06, 2005

A Hipocrisia do Modelo Social

O modelo social francês (e de outros países do continente europeu) tem sido apresentado como um sistema necessário que assegura a equidade, a justiça e o consenso social. Era apresentado como contraponto aos modelos anglo-saxónicos, nomeadamente o americano, mais liberais, menos capazes de gerar coesão social e mais propícios a tumultos anti-sistema. Esta ideia era de uma total ingenuidade ou de uma ignorância perversa … ou ambas as coisas.

Um modelo social que assenta na rigidez laboral e nos direitos adquiridos dos insiders exclui necessariamente os que ainda não tiveram acesso à vida activa. Exclui porque é um entrave ao desenvolvimento económico e, portanto, à criação de mais empregos, ou mesmo à manutenção dos existentes, e exclui porque dificulta o acesso, aos empregos existentes, dos jovens do país ou da 2ª geração de imigrantes. O modelo social, tal como existe na Europa continental, é um modelo de exclusão social. E de exclusão a longo prazo, porque o desemprego na Europa continental é, principalmente, de longa duração. Protege obsessivamente os insiders e exclui os restantes.

O que se verifica em França, como em Portugal e noutros países europeus, é que o desemprego afecta sobretudo os jovens (embora também comece a afectar os trabalhadores pouco qualificados que vão caindo no desemprego por fecho ou deslocalização de empresas). Os jovens são excluídos deste modelo social que é o orgulho desta Europa artrítica. Os jovens e sobretudo os jovens filhos de imigrantes. Em França, com uma taxa de desemprego de mais de 10%, o desemprego entre os jovens é cerca de 20% e entre os jovens filhos de imigrantes chega a atingir os 40%.

Aqueles que defendem os modelos sociais existentes esquecem-se dos seus efeitos colaterais que neste espaço já foram por diversas vezes inventariados. E o efeito colateral mais grave é o do desemprego. Todavia, como os insiders estão protegidos por lei, esse desemprego incide, com uma percentagem muito elevada, nos jovens que tentam entrar na vida activa. São estes as principais vítimas do modelo social que tanto prezamos.

Nós não construímos um modelo social. Construímos uma fortaleza para defender aqueles que têm empregos com contratos efectivos, deixando de fora uma parcela substancial das gerações que nos seguem. E entoamos loas a um modelo social que é um entrave ao nosso desenvolvimento económico, que fomenta o desemprego, principalmente entre os jovens, mas que nos dá, aos insiders, uma protecção ilusória.

E ilusória porque, ao contrário do que muitos julgam, os direitos adquiridos não são eternos. Muitos operários dos têxteis e do calçado já sentem na pele a precaridade dos “inalienáveis direitos adquiridos”. Muitos jovens já perceberam que nunca terão direitos adquiridos. Muitos terão mesmo dificuldade em perceber se conseguirão alguma vez encontrar um emprego.

Tudo o que é sólido se dissolve no ar. Nenhuma fortaleza, por mais altaneira e soberba que se erguesse, evitou ser derruída

Publicado por Joana às 11:11 PM | Comentários (152) | TrackBack

novembro 05, 2005

Turismo homeless

Ou turismo para sem abrigo endinheirados

“Jorge Sampaio aconselhou hoje os autarcas a preocuparem-se mais com as receitas geradas nos municípios valorizando o turismo em vez da especulação imobiliária
Portanto, os autarcas devem incentivar a vinda de turistas, mas repudiar a “especulação imobiliária” ou seja, a construção de imóveis. Os turistas terão assim a oportunidade única de apreciar as paisagens rurais e urbanas em permanência, dia e noite. Usufruirão as calmas noites lusitanas nos bancos dos jardins, amodorrados pelo murmúrio da folhagem, debaixo das pontes, embalados pelo sussurrar chilreante das águas, ou nas areias da praia, corpos percorridos pela aragem cálida e orgástica da maresia, enquanto mais distante, o marulhar acariciador das ondas se desvanece lentamente. Uma delícia.

Publicado por Joana às 10:16 PM | Comentários (88) | TrackBack

novembro 04, 2005

A Intifada Francesa

A França tem as características que a tornavam no país europeu onde este fenómeno teria a máxima probabilidade de ocorrer e com maior virulência. Congrega duas características extremas: 1) é o país onde o complexo de superioridade e a arrogância perante os estrangeiros atingiu os limiares do insuportável; 2) é o país onde a intelectualidade politicamente correcta mais se empenhou na ajuda à vitimização rácica dos imigrantes não europeus e em desculpar os respectivos desmandos comportamentais, alegando a defesa de culturas permanentemente discriminadas e vítimas da opressão da cultura ocidental.

Individualmente, enquanto pessoas, os imigrantes são desprezados pelos franceses; colectivamente, enquanto entidade abstracta, os imigrantes não europeus são reverenciados e vêem ser-lhes atribuído o estatuto permanente de vítimas da malevolência do Ocidente, mesmo que cometida há 3 ou 4 séculos, Ocidente que é culpado ad aeternum sem possibilidade de redenção para além das hipóteses fugazes de penitências através da participação nas ladainhas de auto-flagelação. O francês olha desdenhosamente para o negro que varre a rua, mas assina comovido petições inflamadas em favor dos sans papiers. O francês trata arrogantemente o empregado magrebino que lhe serve o croissant, enquanto escreve um veemente artigo, de elevado rigor intelectual e sólido humanismo, verberando as injustiças e a exclusão social que vitimam os magrebinos, explicando as razões lógicas e poderosas que justificam a revolta actual, a destruição e os incêndios que, só na noite passada e na região parisiense, destruíram mais de 500 veículos.

Estão a ajudar duplamente a intifada francesa: pessoalmente, acicatam-lhe o ódio; colectivamente, absolvem-na das violências e destruições.

Jornalistas em busca do certificado de intelectuais bem pensantes asseguram que tal se deve ao facto do Estado francês ter acabado com os bairros da lata e alojado os seus habitantes em bairros de rendas sociais nos subúrbios, com infra-estruturas deficientes – transportes, creches, terrenos desportivos, dispensários, jardins, etc. É uma jornalista portuguesa que escreve isto! Por esta visão 80% da população que habita os subúrbios de Lisboa e Porto estaria duplamente revoltada e a incendiar um número proporcionalmente maior e devastador de viaturas e edifícios: além de habitar bairros com aquelas características, despendeu, ou está a despender, avultadas quantias para habitar esses apartamentos geradores de revoltas.

Um paradigma desta hipocrisia: o maire de Clichy apressou-se a ir ao funeral dos jovens insurrectos electrocutados quando fugiam à polícia, enquanto ignorou o francês que foi assassinado por gangs de delinquentes.

Nota: Ver no Blasfémias “SOBRE A "INTIFADA" FRANCESA” que é uma caricatura da via politicamente correcta para apaziguar a “revolta popular”.
Ver igualmente uma série de posts do Insurgente sobre esta matéria.

Publicado por Joana às 05:56 PM | Comentários (171) | TrackBack

novembro 03, 2005

O (Mau) Estado do País

1 – O caso Jorge Coelho é o exemplo da justiça quarto-mundista que temos. Em primeiro lugar, a busca feita em casa de Jorge Coelho nunca deveria ter chegado ao domínio público. A presunção de inocência obriga a que estas questões sejam tratadas com discrição. Em segundo lugar é completamente despropositado o comunicado da Procuradoria-Geral da República garantindo que o dirigente socialista não é suspeito. Se não havia suspeitas o que foi a PJ fazer a casa de Jorge Coelho? Se lá foi é porque tinha um mandato de busca e se esse mandato foi emitido é porque havia suspeitas, fundadas ou não. Ou seja, o estado desgraçado da justiça obriga-a a cometer erros sucessivos, cada um tentando servir de camuflagem ao erro anterior.

Se o caso não tivesse transitado para o domínio público, a PGR não se veria obrigada, dado o protagonismo político do visado, a emitir um comunicado despropositado e que a compromete com os resultados de uma investigação que ainda está em curso.

2 – O secretário de Estado da Administração Pública, João Figueiredo, afirmou ontem, em entrevista ao Jornal de Negócios, que os funcionários públicos com mais de 60 anos vão ter mais dias de férias e que esta medida seria uma forma de compensar o aumento da idade de reforma para os 65 anos. Esta medida, a ir avante, vai ao arrepio de todas as intenções anunciadas pelo governo e que têm servido de base às políticas seguidas. O governo anunciou a convergência dos diversos sistemas como medida de justiça social. Então agora vai introduzir diferenciações entre público e privado quanto a dias de férias? E sob a alegação que se trata de uma compensação?

Se o fizer dá à sociedade civil uma indicação que a convergência dos sistemas não era uma medida de justiça social, com coerência, mas apenas uma medida avulsa destinada a poupar dinheiro.

Se o governo queria fazer cedências, que o fizesse no número de anos que dura o período de convergência ou em qualquer outra área das medidas que tomou. Nunca introduzindo novas diferenciações entre público e privado.

Não ter em conta os efeitos colaterais das medidas que tomam é o pecado mortal dos nossos governos. A tentação para a asneira é irrevogável e fatal.

3 – Já aqui escrevi diversas vezes que o aumento dos impostos é uma medida perversa: Diminui a competitividade da economia e o aumento da massa colectável é sempre inferior às expectativas, quer por travagem da actividade económica (perda social - o peso morto), quer pelo “Efeito Say” – Um imposto exagerado faz decrescer a base sobre que incide. Demasiado imposto mata o imposto. O aumento do imposto é como um balde com um buraco no fundo. Enchem-no, mas quando chega aos cofres do Estado, parte já se escoou irremediavelmente. As autoridades descobriram agora que a subida do preço do tabaco está a provocar um aumento da criminalidade associada ao transporte de maços de cigarros. Ainda não descobriram, mas lá chegarão, que o contrabando do tabaco deve ter igualmente subido. Ou seja, o aumento de imposto aumenta sempre a fuga ao imposto, pelos mais variados processos, porque o aumento da carga fiscal torna mais atractivo correr o risco de infringir a lei. Os prevaricadores não farão estudos de viabilidade económica segundo as boas regras da arte, mas têm o feeling suficiente para avaliar o rácio benefício-custo de enveredarem por uma actividade fraudulenta.

Para além do aumento da fuga ao imposto, há o aumento de despesa para aperfeiçoar a fiscalização, combater o aumento da criminalidade, etc. Ou seja, as receitas são inferiores às expectáveis e há despesas adicionais geradas pela medida.

Portanto, mesmo quando se aumenta a carga fiscal sobre bens sobre os quais há um relativo consenso social, como o caso do tabaco, há efeitos perversos que contrariam a vontade do legislador. O nível fiscal sobre o tabaco não depende de critérios de saúde pública, mas do equilíbrio entre arrecadação de receitas, de um dos lados da balança, e evasão fiscal e aumento do custo do combate à criminalidade, no outro prato da balança.

4 – Como havia previsto, a cimeira de Hampton Court não deu em nada. Blair adoptou a divisa: já que não os podes convencer, deixa tudo na mesma. A Europa continental mais desenvolvida (e não só … basta ver Portugal) está enredada nos mitos que construiu durante meio século, percebe que algo terá que mudar, mas receia mexer no que quer que seja. Números agora divulgados pelo departamento do Trabalho dos EUA mostram que produtividade dos trabalhadores norte-americanos aumentou 4,1% no terceiro trimestre deste ano, superando as previsões dos analistas, enquanto os custos de trabalho caíram 0,5%. O aumento dos custos de energia levou as empresas americanas a apostarem em medidas de aumento de eficiência na utilização dos recursos. Enquanto isso a economia europeia crescerá 1% este ano, a britânica crescerá acima dos 2%, a americana superará provavelmente os 4% e a chinesa atingirá os 7,5%. Quanto ao desemprego a situação é semelhante. O desemprego na Zona Euro é o dobro do desemprego no Reino Unido e bastante superior ao desemprego nos EUA. E a diferença é abissal no que toca à duração médio do desemprego. Este é um cenário que se repete há vários anos. A Europa artrítica do eixo franco-alemão mais a Itália e outros sócios menores não é sensível a este cenário tenebroso. Prefere zelar pelos direitos adquiridos. Esquece-se que os direitos adquiridos não são eternos. Duram enquanto houver dinheiro para os pagar. Aliás, muitos já não têm direitos adquiridos – estão no desemprego. Um Estado que se diz social e que gera mais desemprego, é uma contradição.

Publicado por Joana às 08:59 PM | Comentários (34) | TrackBack

novembro 02, 2005

Die Unordnung herrscht in Berlin

A crise que se desencadeou na Alemanha com a decisão da direcção do SPD de eleger Andrea Nahles, uma dirigente da ala esquerdista do SPD, como secretária geral do partido ainda vai nos prolegómenos. Imediatamente, por efeito dominó, Franz Müntefering, o presidente do SPD, indigitado vice-chanceler e ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais, renunciou a fazer parte do governo de coligação CDU/SPD e demitiu-se de presidente do SPD. A seguir, Edmund Stoiber, líder da CSU bávara, renunciou a ser ministro da Economia e da Tecnologia do futuro governo. A razão que indicou foi a da saída de Müntefering, com quem mantinha boas relações e cuja presença considerava imprescindível, para garantir que o SPD encarava com seriedade a sua presença no governo de coligação. Como de costume cada analista comentou estas ocorrências consoante os seus desejos.

Por exemplo, o DN comenta que “a chanceler indigitada, Angela Merkel, sofre um duplo revés no espaço de 24 horas”. O tempo o dirá. Nas circunstâncias actuais discordo frontalmente e por várias razões.

Em primeiro lugar, o SPD, assim que se viu despojado da responsabilidade integral pela governação, teve uma recaída (ainda que ligeira, segundo parece) na sua reverenciação pelo Moloch estatal e pela política de distribuir o que não existe. Uma síndrome que está inscrita no seu código genético. Ao eleger Andrea Nahles a direcção do SPD fragilizou o partido. Mais do que a coligação. A vitória de Andrea Nahles foi uma vitória inconsequente. Perante o sismo político que essa eleição provocou, Andrea Nahles já admitiu renunciar ao cargo para que foi eleita. Aliás, após Müntefering ter batido com a porta e as ondas de choque que tal gerou, será duvidoso que o próximo congresso do SPD, a realizar de 14 a 16 deste mês, ratifique aquela decisão. Segundo consta a direcção do SPD estaria a esta hora cheia de “arrependidos”. Se esta indicação é certa, não abona muito o terem ficado “arrependidos” apenas depois de verem o efeito que a sua decisão havia causado.

Em segundo lugar, o nome proposto para substituir Müntefering, Matthias Platzeck, tem feito parte de governos de coligação com a CDU no estado do Brandeburgo. Está portanto habituado a consensos com a CDU. Também foi um forte apoiante das reformas de liberalização económica de Schröder, contra a opinião da ala esquerda. Ou seja, o sismo provocado na comunicação social, fazedores de opinião, dentro do SPD e na opinião pública em geral, é capaz de levar o SPD a uma clarificação e a apostar sem ambiguidades num governo de coligação. Esperemos para ver os resultados do próximo congresso de Karlsruhe.

Em terceiro lugar, a partida de Stoiber e a sua previsível substituição por Michael Gross será um alívio para a indigitada chanceler, Angela Merkel, cujas relações com Stoiber eram péssimas. Stoiber também era o chefe da ala mais conservadora e iliberal da CDU/CSU.

Ou seja, 3 dias depois da "vitória" de Andrea Nahles, tudo indica que a situação esteja a evoluir favoravelmente à grande coligação e a um reforço da posição de Angela Merkel no futuro governo federal. A jogada da direcção do SPD foi, aparentemente, um tiro no pé.

Resta saber se estas previsões se confirmam. O congresso de Karlsruhe será decisivo. Se estas previsões não se confirmarem a Alemanha fica num impasse. A economia alemã está fragilizada, pois desde o anúncio das eleições que deixou, praticamente, de haver governo. Uma coligação em que um dos partidos tem um pé no governo e outro na oposição não é viável a médio prazo. Ou seja, se aquelas previsões não se confirmarem, o resultado mais provável será a realização de novas eleições no primeiro semestre do ano que vem.

Publicado por Joana às 10:30 PM | Comentários (57) | TrackBack

Censura ou Coragem Política?

A posição tomada por Rui Rio relativamente às relações do executivo camarário com a comunicação social criou algum burburinho. Ora, pelo que li, Rui Rio não fechou a porta ao fornecimento de informações e de respostas aos jornalistas. Apenas pretendeu estabelecer regras que assegurassem que as informações ou as respostas veiculadas pela autarquia fossem aquelas que efectivamente apareceriam na comunicação social. Para atestar essa conformidade haveria suportes escritos ou em vídeo e nunca interpretações jornalísticas, por vezes mais que duvidosas.

O que Rui Rio afirmou, segundo a imprensa, foi que "recorrerá, preferencialmente, a mensagens escritas através da publicação no site oficial da Câmara e de difusão pelos media"; que as entrevistas serão "acordadas" com a Imprensa, mas apenas por escrito, "com regras previamente definidas". Isto porque, segundo Rui Rio, "os entrevistadores são donos das perguntas e os entrevistados são donos das respostas".

A comunicação social tem-se inebriado por protagonizar o que designou por 4º poder. Os políticos tiveram muita culpa na génese desta situação, pois usaram a comunicação social para criarem factos políticos frequentemente baseados em falsidades ou em meias verdades. Acabaram por ser vítimas da sua própria insídia. A sua relação perversa com a comunicação social e a sua progressiva incompetência tornou-os vulneráveis à comunicação social e acobardou-os perante o monstro que haviam ajudado a gerar.

É verdade que uma notícia que tenha um suporte escrito documentável não evita a manipulação da informação através de títulos que são contraditórios com o corpo da notícia. É uma técnica vulgarmente utilizada, não necessariamente por motivos partidários ou ideológicos, mas as mais das vezes pela simples ambição de aumentar as audiências através de títulos sensacionalistas.

Reportando-me à parte factual da notícia, sem entrar em motivações obscuras ou em teorias da conspiração, considero corajoso um político dizer não ao poder de manipulação dos factos em que a comunicação social se especializou. E de o dizer claramente e não através de pressões camufladas que podem ter o objectivo de salvaguardar o rigor mas outrossim o de falsificar os factos.

Todos teríamos a ganhar com esta acção pedagógica aberta e transparente. Principalmente a comunicação social que pretende ser de referência. Escusava de cair, como acontece às vezes, no pecado da gula ... da falsificação das notícias para atrair leitores ou telespectadores.

Publicado por Joana às 02:33 PM | Comentários (55) | TrackBack