abril 25, 2005

O Princípio de Pedro

Quando ganhou a Câmara Municipal de Lisboa, muitos pensaram, e ele talvez mais que todos, que só o céu seria o limite. Todavia, quanto maior a nau, maior a tormenta. E a tormenta foi extrema: a nossa mesquinhez intelectual e a nossa ânsia pelo bota-abaixo uniram-se em bloco contra um personagem que tantos anti-corpos havia criado. E Santana Lopes revelou-se um timoneiro cada vez mais inábil à medida que a nau crescia e a tormenta aumentava.

Santana Lopes ganhou a CML com duas ideias emblemáticas. O Casino e o Túnel do Metro. O Casino do Parque Mayer, uma obra normal numa comunidade que não fosse intelectualmente bacoca e culturalmente provinciana , foi inviabilizada pelo facto de Santana Lopes estar em minoria na AML. Em contrapartida o Túnel, uma obra cara e não prioritária no balanço das carências de Lisboa, começou e tem progredido com altos e baixos, num torvelinho de paixões, onde tem sobejado a irreflexão e faltado o rigor técnico.

Santana Lopes não soube lidar com uma situação obviamente complexa. Mas é isso que se espera de um político com ambições. Carmona Rodrigues, que nunca havia sido um político e cujo perfil é fundamentalmente técnico, acabou por ter uma prestação mais aceitável que um político profissional para o qual só o céu parecia o limite.

Finalmente veio o Verão quente de 2004. Durão Barroso após dois anos de um governo penoso, sem vislumbres de imaginação, sem ousadia para tomar as medidas que o país precisava, rodeado de ministros cuja média de competências deixava a desejar e sem coragem para remodelar o gabinete, aproveitou a oportunidade dada pela escolha para Presidente da Comissão Europeia para abandonar um barco de que já não conseguia ser timoneiro. Pela ordem natural da normalidade democrática, seria Santana Lopes a suceder-lhe.

Todavia, Santana Lopes nunca deveria ter aceitado a indigitação. Como eu escrevi aqui, nessa altura, tal foi um presente envenenado. Sampaio indigitou-o apenas por duas razões: 1) não se atreveu a inviabilizar a ida de Durão Barroso para a Comissão Europeia; 2) o PS não tinha então líder capaz.

Santana Lopes formou governo numa situação de grande desvantagem. O PR arrastou a indigitação, sujeitando-o a uma espera interminável e absurda; condicionou a formação e a actuação do governo de uma forma humilhante e contrária aos hábitos constitucionais; declarou por diversas vezes que manteria o governo sob vigilância, o que era um convite aos clamores da oposição e da comunicação social por tudo o que o governo fizesse ou não fizesse e à instabilidade social que tal alarido permanente causaria; promoveu uma contínua instabilidade política, aproveitando todas as ocasiões para dramatizar a vida política – caso Marcelo, artigos de semanários, demissão de um ministro, etc..

Santana Lopes agiu durante esse tempo como um «patrocinado» do PR, um seu protegido, um seu cliente (no sentido romano do termo), sem perceber que Sampaio apenas o havia indigitado como solução interina enquanto o PS não fosse uma alternativa política credível. Era uma estratégia clara. Foi-o para mim, que estou muito longe destas andanças, e certamente seria mais óbvia para Santana Lopes, que calcorreava quase diariamente o caminho para Belém para ouvir mais uns remoques do PR. PSL ao aceitar aqueles meses de contínuas humilhações, numa postura que lhe não é habitual, perdeu toda a credibilidade política.

Durante esses meses, Santana Lopes não mostrou a coragem política que o seu passado sugeria ter. Capitulou perante o vampirismo da comunicação social e a hipocrisia das manobras presidenciais. Ficou uma sombra do enfant terrible que era anos atrás. Cada vez mais se produzia perante as câmaras em estado de compungida penitência, olhando os algozes com a humildade de quem teme pela punição dos pecados que terá, segundo o que o braço secular presume, cometido. A sua prestação tornou-se cada vez mais errática, de derrotado à partida, de vencido antes do jogo começar.

A estatura de um político revela-se nos momentos difíceis. A estatura dos políticos que ficaram na história revelou-se tanto maior quanto mais críticas foram as situações com que se confrontaram. Santana Lopes falhou lastimosamente, quando foi confrontado com condições adversas. E quanto mais adversas eram essas situações mais a sua prestação era humilde, submissa, errática.

Após o seu desgaste político no exercício do cargo de 1º ministro, a atitude mais razoável deveria ser a de fazer aquilo que se designa em política como a “travessia do deserto”, esperando que a imagem que criou (e lhe criaram) nesses 6 meses se desvanecesse e os eventuais erros do actual governo servissem de contraponto para uma reavaliação da sua capacidade governativa e da justeza ou não das críticas que lhe foram dirigidas. E aqui verificou-se que o problema de Santana Lopes não era apenas uma questão de imagem – era também uma questão de estatura política.

Santana deveria ter abandonado a presidência do PSD pela porta grande e evitar frases inúteis e pretensiosas, como “vou andar por aí”. Inúteis, porque com certeza que ele continuaria “por aí”, visto não abandonar o partido; pretensiosas porque não correspondiam à força política que ele efectivamente dispunha então. Saber estar calado, também é uma virtude política.

A última humilhação foi a questão da CML. O regresso à CML é discutível, mas pode ser interpretado como uma tentativa de mostrar que não quereria que se continuasse a dizer que ele nunca terminava nenhum mandato. O mesmo não se poderá dizer da candidatura à presidência da CML. Santana Lopes deveria ter sido o próprio a renunciar à recandidatura a Lisboa e nunca pôr isso nas mãos de Marques Mendes. Ao fazê-lo sujeitou-se a mais uma humilhação desnecessária e deu mais um sinal de fragilidade política.

Numa hierarquia empresarial tende-se a subir até atingir o seu nível de incompetência. É o Princípio de Peter. Na política, a situação é mais fluida. Sobe-se até se atingir o nível de incompetência e, se não houver prudência, continua-se o percurso, errático, até se atingir o nível do descrédito. Foi o que aconteceu com Pedro Santana Lopes. É o Princípio de Pedro.

Ler sobre o percurso de Santana:

A Desmagnetização de Santana
Estaturas Políticas
Belém pariu um rato
Um de nós mentes ...
O Tiro no Pé de Santana
O Túnel pela culatra
Patchwork mal cerzido
... E o óbvio aconteceu
Obviamente, Demito-me
Sampaio escreve direito por linhas tortas

E as ligações neste post relativas a textos sobre a crise da sucessão de Durão Barroso.

Publicado por Joana às 07:25 PM | Comentários (40) | TrackBack

março 17, 2005

A Desmagnetização de Santana

Em primeiro lugar, como providência cautelar, queria exprimir a minha opinião que julgo que teria sido preferível para o próprio e para os interesses do partido a que ainda preside, que Santana Lopes renunciasse a regressar à CML. O seu desgaste político no exercício do cargo de 1º ministro foi enorme. Ele pode alegar, com justiça, que foi objecto da mais abjecta e orquestrada campanha de maledicência movida pela comunicação social e pelo marulhar das “fontes de Belém” de que há memória na democracia portuguesa. Mas também deveria reconhecer que reagiu a essa campanha de forma canhestra, cada vez mais errático, e que acabou capitulando (ver aqui e aqui) perante ela, demonstrando uma frágil estatura política.

Em face desse desgaste a atitude mais razoável deveria ser a de fazer aquilo que se designa em política como a “travessia do deserto”, esperando que a imagem que criou (e lhe criaram) nestes 6 meses se desvanecesse e os eventuais erros do actual governo servissem de contraponto para uma reavaliação da sua capacidade governativa e da justeza ou não das críticas que lhe foram dirigidas. Todavia, Santana Lopes preferiu escolher a via mais perigosa e regressar à CML.

Num país politicamente saudável essa decisão deveria ser apenas discutida do ponto de vista da oportunidade e das (des)vantagens políticas, como JPP o fez, por exemplo. Porém, Portugal não é um país politicamente saudável. Assim sendo, a comunicação social entreteve-se duas semanas a tecer mais um rosário de trapalhadas, criando e desfazendo alegados factos políticos, construindo um sólido boato, para a seguir o demolir com fragor, e assim sucessivamente. Que Santana estava a fazer um “tabu” sobre o seu regresso; que Carmona Rodrigues iria recusar permanecer como vereador e abandonar o município; que com ele também Fontão de Carvalho cessaria funções; etc., etc. A posse do novo governo foi a 12 de Março, mas a 13, num domingo, os jornais escreviam que se ignorava na autarquia se ele ia, de facto, regressar, uma vez que o ex-primeiro-ministro nada havia dito sobre o assunto a Carmona Rodrigues (sempre me admirei da ubiquidade dos jornalistas, capazes de saberem de todas as conversas privadas que precisam para fazerem as notícias).

Como se ignorava na autarquia, se era domingo? Que se passaria por detrás daqueles sólidos portões de ferro, naquela tarde soalheira de domingo? Andariam os espectros dos vereadores e funcionários deambulando tresmalhados, desnorteados por aqueles corredores e aquela escadaria, interrogando-se angustiados sobre o regresso do PSL?

E esta situação calamitosa ocorrera porque não tendo renunciado ao cargo, Santana Lopes voltara a ser, formalmente, presidente da Câmara de Lisboa; mas como não delegara competências nos seus vereadores, as competências que neles tinha delegado Carmona Rodrigues já não se manteriam válidas, pelo facto de o ex-primeiro-ministro não ter renunciado ao cargo de presidente da autarquia. Portanto, segundo aquela teoria, naquele fatídico domingo à tarde os lisboetas teriam estado em completa anarquia, pois Santana Lopes tinha passado a ser o único eleito do município com poder para assinar despachos e outros documentos. O que, segundo a imprensa, significava que a CML estaria, naquele fatídico domingo à tarde, em autogestão. Em autogestão? Mas se não estava lá ninguém? E se houvesse uma emergência? Qual o problema, se o PSL poderia assinar eventuais despachos domingueiros? Fácil: Santana é por definição comunicacional, a anarquia absoluta.

Finalmente a cidade descansou quando as agências de informação informaram pressurosas que Pedro Santana Lopes e Carmona Rodrigues haviam entrado anteontem juntos na Câmara Municipal de Lisboa, pouco antes das 11h00. Questionado pelos jornalistas sobre se deve ser tratado como presidente da Câmara, Santana Lopes respondeu apenas: "Chamem-me o que quiserem". Semíramis, que também estava no local, registou que os jornalistas agradeceram e garantiram que se haviam antecipado e já utilizavam aquela autorização (a de Chamem-me o que quiserem) há alguns anos e que a tinham exercido abundantemente.

Mas há forças que velam, dada a tradição que têm de defesa das instituições democráticas. Considerando que a atitude de Santana Lopes representou "um desrespeito pela Constituição", o Bloco de Esquerda defende que "não se pode pôr em causa o funcionamento do Estado". Nesse sentido, o BE solicitou ao presidente da Assembleia Municipal de Lisboa a convocação de uma conferência de representantes dos grupos municipais com o objectivo de debater esta questão. E informaram ainda ter dado conhecimento ao PR, "do não funcionamento de um órgão constitucional, a Câmara Municipal de Lisboa".

Porque será que tudo o que se relaciona com Santana Lopes assume foros do ridículo mais desconchavado? Porque será que comunicação social, os partidos contrários e o próprio partido elaboram sobre ele as hipóteses mais absurdas e disparatadas? E finalmente, porque cai tudo, depois, sobre ele?

Só há uma explicação. O magnetismo pessoal de Santana Lopes aumentou exponencialmente, com tal vigor, que o seu campo magnético atrai todo o ferro velho e sucata política. Cai tudo sobre ele.

O homem deveria mesmo fazer a tal travessia do deserto e aproveitá-la para uma desmagnetização total.

Publicado por Joana às 08:57 AM | Comentários (16) | TrackBack

fevereiro 27, 2005

Estaturas Políticas

A estatura de um político revela-se nos momentos difíceis. A estatura dos políticos que ficaram na história revelou-se tanto maior quanto mais críticas foram as situações com que se confrontaram. Santana Lopes falhou lastimosamente, quando foi confrontado com condições adversas. O último e paradoxal episódio desse seu percurso errático foram as declarações que proferiu anteontem à saída do Palácio de Belém.

Santana afirmou "É isso que revela o resultado das eleições. Com certeza que o povo disse que o sr. Presidente tinha decidido bem.". Ora esta frase é completamente contraditória com a tese anterior que uma legislatura não deveria ser interrompida a meio, porquanto ela deve ser avaliada pelo seu todo e não pela primeira metade, onde normalmente são tomadas as medidas mais impopulares, destinadas a repor o equilíbrio dos parâmetros macroeconómicos. Neste entendimento, a dissolução da AR, a meio de uma legislatura, é a introdução de um factor de instabilidade e de incerteza, de consequências imprevisíveis para o futuro do país. Isto independentemente do juízo que se faça sobre a qualidade governativa e, no caso em apreço, as críticas dirigiam-se mais sobre fait-divers que propriamente sobre a qualidade das decisões governamentais, o que se tornou evidente com a decisão do PR sobre a aprovação do OE 2005.

Esta tese é independente do resultado das eleições. Aliás, a derrota de Santana Lopes poderia inclusivamente ser interpretada como uma confirmação dessa tese. Portanto, quando Santana Lopes afirma que a sua derrota é a confirmação da boa estratégia do PR, tal significa uma de duas coisas:

1 – Santana Lopes andou a defender, durante a campanha eleitoral, uma tese em que não acredita, pois afinal é favorável a intervenções presidenciais, postergando, para segundo plano, a estabilidade política e governativa que tanto gabou em campanha;

2 – Santana Lopes defende essa estabilidade, mas tem uma ideia de tal forma desfavorável da sua governação, a que tinha feito até à data, e a que se perspectivava, que entende que a sua continuidade seria muito mais instável que o factor de instabilidade introduzido pelo PR.

Portanto, não foi o povo que deu razão à decisão do PR ... foi o próprio Santana Lopes ao proferir aquelas palavras. Santana Lopes mostrou, com aquelas afirmações, que não estava à altura do cargo que exercia.

Em 2-12-2004, escrevi aqui (Patchwork mal cerzido):
Santana Lopes formou governo numa situação de grande desvantagem. O PR arrastou a indigitação, sujeitando-o a uma espera interminável e absurda; condicionou a formação e a actuação do governo de uma forma humilhante e contrária aos hábitos constitucionais da política portuguesa; declarou por diversas vezes que manteria o governo sob vigilância, o que era um convite aos clamores da oposição e da comunicação social por tudo o que o governo fizesse ou não fizesse e à instabilidade social que tal alarido permanente causaria; promoveu uma contínua instabilidade política, aproveitando todas as ocasiões para dramatizar a vida política – caso Marcelo, artigos de semanários, demissão de um ministro, etc.. Sampaio apenas indigitou Santana Lopes para o grelhar em fogo lento, à espera que o PS fosse uma alternativa política credível. ...
Santana Lopes tem agido nestes quatro meses como um «patrocinado» do PR, um seu protegido, um seu cliente (no sentido romano do termo). O PSL tem sido um peão nas mãos do PR, que decidiu agora dá-lo a comer, para conseguir uma estratégia vitoriosa para o PS. O gambito Sampaio destina-se a promover Sócrates a “Dama” (honi soit ...). Mas era uma estratégia clara. Foi-o para mim, que estou muito longe destas andanças, e certamente seria mais óbvia para Santana Lopes, que calcorreava quase diariamente o caminho para Belém para ouvir mais uns remoques do PR. PSL ao aceitar estes quatro meses de humilhações, numa postura que lhe não é habitual, certamente não vai recolher quaisquer dividendos políticos
.

Estas declarações de Santana mostram que ele continuou, à saída de Belém, a ser “um peão nas mãos do PR”, embora um peão já fora do tabuleiro, vítima do gambito Sampaio.

Santana Lopes mostrou assim que não tem estatura para assumir o confronto político em circunstâncias adversas, pois perante elas prefere o acomodamento e a capitulação. Julga porventura que o acomodamento lhe permite ressarcir os estragos. Se a sua ambição for apenas a de se manter à tona na política, talvez esteja certo. Se queria elevar-se acima da mediocridade, falhou redondamente.


Nota - sobre à apreciação ao resultado das legislativas, ler ainda:
Atavismos ...
O Futuro do CDS/PP
Estaturas Políticas
Indigência Política
Tempos Difíceis
Segredos da campanha eleitoral
A Desmagnetização de Santana

Publicado por Joana às 10:56 PM | Comentários (28) | TrackBack

janeiro 05, 2005

Santana Segundo Mateus

Ora, chegada a tarde, todos os principais sacerdotes e os anciãos do PSD entraram em conselho contra Santana Lopes, para o matarem;
E, maniatando-o e esfaqueando-o nas costas, levaram-no e o entregaram a Pôncio, o Prefeito do Porto;

Santana Lopes, pois, ficou em pé diante de Pôncio; e este lhe perguntou: És tu o Presidente do PSD? Respondeu-lhe Santana Lopes: É como dizes.
Perguntou-lhe então Pôncio: Não me disseste que assumirias a tua autoridade para me segurar no segundo lugar?

E Santana Lopes não lhe respondeu a uma pergunta sequer; de modo que o Pôncio muito se admirava.
E Pôncio acusou o Procônsul da Galileia, Rui Fluvius, de ter estado por detrás da sedição que o afastou da lista, sem nunca ter dado a cara;

E Santana, em vez da cara, lhe mostrou as costas cheias de golpes das facadas, e vendo que o tumulto aumentava, mandou trazer água, lavou as costas diante da Comunicação Social, dizendo: Sou inocente do despejo deste homem;
E Pôncio lhe disse "Quem não tem força para dominar o seu partido, com certeza que não tem força para dominar um Governo”

E Santana, caindo aos pés da estátua de Pompeu, soluçou: Tu Quoque, Pontius;
E entreabrindo as pregas nobres de uma toga pretexta, ensanguentada, declamou: Plaudite cives, comoedia finita est;

E Cavaco, que ajardinava o horto das oliveiras, disse: Abençoado palimpsesto da minha efígie no pergaminho do apelo dos cidadãos aos comícios centuriais, pois em verdade vos digo que me crucificariam nas consulares se me confundissem com este pervertedor da história.

Publicado por Joana às 08:02 PM | Comentários (21) | TrackBack

dezembro 14, 2004

Divórcio de Conveniência

Como já era público e notório, PSD e PP vão separados às eleições de Fevereiro de 2005. Ao terceiro dia rubricaram um acordo que será uma mistura de um pacto de não agressão durante a peleja eleitoral e uma promessa de que, após as eleições, a única coligação possível, para qualquer dos dois partidos, será entre eles. Foi um divórcio por mútuo consentimento e com a cláusula irrevogável que não se casarão com mais ninguém, a não ser entre si.

Os meios de comunicação gastaram solas, pneus, gasolina, saliva e a paciência, a leitores e a telespectadores, durante estes 3 dias, perseguindo os líderes de ambos os partidos e conjecturando as hipóteses mais imaginativas, para as derrubarem logo a seguir. A TVI contratou mesmo, em vez de uma analista política, uma especialista em leitura labial, a Constança Cunha e Sá, que nos trouxe as matérias discutidas no almoço entre Portas e Santana, com um pormenor tal, que não deixa margem para dúvidas sobre a sua proficiência naquela matéria. Só lhe falta clarividência política.

Foi uma espera que enervou imenso os jornalistas e a oposição, perfilada, em sentido, entediada, sempre perto de qualquer carro de exteriores, na ânsia de intervir no instante imediato. Os jantares que Sócrates tem feito pelo país nem têm caído nada bem, tal era o receio de aparecer a comentar de boca cheia, circunstância que, como é sabido, liquidou politicamente Cavaco Silva nas eleições presidenciais.

Para não se tornarem monótonos e manterem as audiências, os jornalistas foram arquitectando cenários. Como o que sabiam era nada, era esta a matéria que utilizaram para construir os sucessivos cenários. O nada é uma matéria leve, dúctil, mas muito volátil. Ao fim do 2º ou 3º cenário, os jornalistas tinham que arranjar um bode expiatório para consecutivos cenários tão díspares e hílares – a culpa era da inconstância daqueles líderes cujo silêncio ora induzia os jornalistas a pensarem uma coisa, ora os induzia a pensarem o inverso. Aqueles dois líderes conseguiam ser mais trapalhões calados que quando falavam!

Finalmente os líderes falaram e o país ficou em «serenidade emocional».

Três posts atrás, em Dois Registos, eu havia escrito sobre a óbvia ida às urnas em separado. Aliás, o ataque de Paulo Portas a Jorge Sampaio e à sua alegada capitulação perante o lobby bancário e segurador era sintomático de que os dois partidos nunca se apresentariam coligados. Foi um ataque que se destinava ao consumo do seu eleitorado, sem preocupações com o eleitorado potencial do PSD.

Por isso as criticas de João Salgueiro, Silva Lopes e Fernando Ulrich a Portas devem ter sido lidas por este com um sorriso escarninho. Ele fez aquelas acusações exactamente para isso. Um importante nicho de mercado de Paulo Portas é constituído pelos descamisados, onde só fica bem uma querela com poderosos banqueiros.

Enquanto isso, Santana Lopes não pode ter aquele tipo de discurso, nem provavelmente o desejaria ter. O PSD depende demasiado dos equilíbrios da sociedade portuguesa. Santana Lopes vai apostar no eleitorado do centro. Por sua vez, a escolha dos grandes agentes económicos radicará no grau de confiança que Santana Lopes souber transmitir a empresários e a banqueiros. Neste cenário não cabem discursos como o de Paulo Portas.

Portanto, era absolutamente despiciendo os meios de comunicação gastarem solas, pneus, gasolina e saliva durante estes 3 longos e penosos (para eles) dias. Constança Cunha e Sá terá que se matricular novamente num Curso de Leitura Labial, mas ... Constança ... por favor, outro curso por correspondência, não.

Bastava sentarem-se sossegados, raciocinarem sobre os factos ... e tirarem as conclusões. É simples.

Publicado por Joana às 10:54 PM | Comentários (30) | TrackBack

dezembro 12, 2004

Dois Registos

Ou como as Fontes de Belém (numeroso e poético pseudónimo sob o qual o PR envia recados à comunicação social) marulham selectivamente.

Tudo indica que PSD e PP concorram às eleições legislativas antecipadas com listas separadas. É notório que cada um dos partidos, em termos de percentagem eleitoral, vale mais concorrendo sozinho do que em coligação, embora não seja líquido que, em termos de deputados e dada a lei eleitoral, valham mais indo em separado. Por outro lado os discursos de cada um dos líderes colidem junto das franjas à direita e à esquerda de ambos os partidos. Essa diferença ressalta dos registos em que se situaram os discursos de Santana Lopes e de Paulo Portas no sábado à noite, na sequência do pedido de demissão do governo.

Santana Lopes limitou-se a extrair a conclusão lógica das severas críticas proferidas por Sampaio na noite anterior e apresentar a demissão do governo, recusando a esotérica figura que o PR havia proposto e que os constitucionalistas são unânimes em considerarem-na inexistente. Só por má fé, ou ignorância dos preceitos constitucionais, se pode considerar a decisão do executivo como uma birra ou um número de circo.

Por outro lado, Santana Lopes aproveitou a ausência de fundamentação e enumeração do juízo crítico emitido por Sampaio, para mostrar as razões pelas quais houve «continuidade nas políticas» e que foi o PR quem «considerou necessária a aprovação do OE», invalidando supostas divergências sobre a política orçamental; enumerou diversas medidas reformistas que o seu governo havia tomado e que o PR preteriu perante o que considerou «incidentes protocolares»; citou «gestos [do PR] que pouco favoreceram a harmonia institucional» e comparou os incidentes de que este governo foi acusado com incidentes muito mais graves ocorridos durante os governos de Guterres. Não extraiu destas comparações quaisquer conclusões – apenas perguntou «Porquê agora?».

A «central de comunicação social» que vigia em permanência as palavras e actos de Santana Lopes veio imediatamente a terreiro clamando que embora o PSD tivesse dito na noite anterior «respeitar» a decisão de Sampaio e que este «não é o adversário» nas eleições, a verdade é que as frases de Santana saíram como setas direitas a Belém. E a oposição criticou indignada os ataques ao PR. “Fontes de Belém” (numeroso e poético pseudónimo sob o qual se alberga o PR quando envia mensagens à comunicação social) afirmaram que a demissão foi recebida «com surpresa» e que aquela atitude «fragiliza o primeiro-ministro».

Ora uma coisa é respeitar uma decisão, outra é ser obrigado a aceitar essa decisão sem se poder justificar nem alegar a sua versão. Quem considerar que alguém pôr a circular a sua versão dos acontecimentos, despida de quaisquer juízos de valor, é fazer um ataque, não está apenas a criticar essa atitude, está obviamente a impedir um acto fundamental em democracia que é tão somente o poder exprimir uma opinião e ter o direito de defesa do seu nome e da sua honra. É uma crítica que está perigosamente viciada por uma visão totalitária do debate político.

Enquanto isto, o registo da intervenção de Paulo Portas foi substantivamente diferente. O discurso de Portas foi duro e incisivo. Tirou as conclusões das perguntas lançadas por Santana Lopes e acusou o PR de favorecer uma das partes (obviamente referia-se ao PS). Mais grave – concluiu da alegada aquiescência do PR às posições dos grandes empresários, que «foi a pressão de uma parte do sector financeiro, destinada a conseguir que permaneça um sistema fiscal injusto» que levou Sampaio a decidir-se pela dissolução da AR.

Acusar o Presidente da República de favorecer o principal partido da oposição e de ser permeável ao lobby bancário e segurador é muito grave, em si, e por se tratar de um presidente socialista com quem a esquerda fez agora as pazes. E é interessante ver que nem houve alarido da «central de comunicação social», nem qualquer poético marulhar das “Fontes de Belém”.

Portanto, o facto dos partidos se apresentarem ao eleitorado em separado permite que cada um deles se exprima, mais à vontade, no registo que é mais adequado ao segmento do eleitorado que corresponde à sua base social de apoio. Se Santana Lopes tivesse proferido as declarações de Paulo Portas teria caído o Carmo, a Trindade, a Rua da Emenda ... e o “Fontanário de Belém”. Mas como o eleitorado potencial de Paulo Portas não se revê, de forma alguma, no PR, acusarem Portas de atacar o PR, apenas o favorece.

Neste entendimento, os dois partidos podem fazer, cada um deles, uma campanha mais agressiva, mais adequada às suas bases eleitorais potenciais e sem se estorvarem mutuamente por receio de desagradarem à clientela eleitoral do outro partido. Provavelmente esta situação poderá dar muito mais dividendos eleitorais que uma coligação pré-eleitoral, obrigada a uma campanha mais cinzenta. Saber se estes eventuais dividendos eleitorais compensam as perdas resultantes do tipo de lei eleitoral que vigora, é uma questão que só o tempo o dirá.

Publicado por Joana às 11:22 PM | Comentários (50) | TrackBack

O Sismógrafo do Salsifré

Pedro Santana Lopes e o governo fizeram a única coisa sensata face às declarações do PR – apresentaram a demissão do governo. Não o fazer seria pactuar com a insólita situação de um governo numa alegada “plenitude de funções” mas com as “competências politicamente limitadas, com as consequências que isso impõe”. Situação insólita, aliás, com que Santana Lopes pactuou durante estes 4 meses de governo sob “vigilância presidencial”, que foram um incentivo ao que de mais baixo existe na sociedade portuguesa em termos da ânsia pelo reviralho governativo, da sordidez do debate político, privilegiando questões acessórias, protocolares ou de alegadas interferências governativas na comunicação social, em vez de discutir o essencial, as questões realmente substantivas para o futuro do país: as diversas reformas estruturais que este governo “vigiado” estava a tentar levar avante e cujos debates sobre a sua bondade e adequação passaram para segundo plano face ao acessório.

O consulado de Cavaco Silva havia modificado substancialmente a relação dos portugueses com a política e terminado com os vestígios do PREC e da inconsequência e da chicana políticas que haviam liquidado os anteriores regimes parlamentares – a monarquia constitucional e a 1ª república. Sampaio trouxe de volta toda essa sordidez ao dar o tiro de partida para o vampirismo político, com o seu discurso de indigitação do governo. E depois de 4 meses de um repasto suculento para os Nosferatus da flácida politologia caseira, pretendia, pelo seu discurso de dissolução da AR, prosseguir por essa via da chicana.

O governo tomou finalmente juízo e disse – basta!

Neste blog tentei sempre relativizar as questões acessórias, colocando-as no enquadramento que entendi ser o merecido, enquanto trouxe à colação as questões mais essenciais, como as reformas que o governo estava a implementar e sobre as quais, pela leitura dos respectivos textos, se pode verificar que, embora eu considerasse as reformas, naqueles domínios, essenciais e inadiáveis, os seus conteúdos não me mereciam total concordância.

Os blogs, tirando algumas excepções, são o receptáculo da pequena piada, da “conversa de botequim”, ligeira, maledicente e boateira. É um sinal estranho, e indiciador do estado a que o debate político chegou no nosso país, o “Semiramis” ter tido, nestes meses, uma maior preocupação pelo rigor e pela substância das coisas, do que a maioria da comunicação social e mesmo dos políticos. Isto, independentemente das teses aqui defendidas merecerem ou não a concordância dos leitores.

Sampaio, pela sua actuação leviana desde que se colocou a hipótese de Durão Barroso ir para Presidente da Comissão Europeia, introduziu na política portuguesa o conceito do Presidente-sismógrafo, que regista as mudanças de opinião pública e faz disparar os relés que comandam as dissoluções, demissões, indigitações, e outros actos políticos presidenciais.

Numa democracia adulta, os eleitores escolhem os seus representantes (os deputados à AR) porque têm (ou julgam ter) confiança no julgamento destes e na sua capacidade de o exercer, de acordo com o que esses deputados julgam ser os interesses mais imediatos do eleitorado, passados pelo crivo dos interesses, a longo prazo, do todo nacional. Isso significa, se for necessário, ter o dever de dirigir, informar, corrigir e, por vezes, ignorar a opinião pública de que foram eleitos representantes, conforme Kennedy afirmou uma vez.

Quando o percurso político português para a maioridade política parecia indicar que se caminhava para uma democracia adulta; quando o próprio PCP que, a seguir a qualquer eleição, passava a exigir a demissão imediata do governo, já tinha moderado essa ânsia do bota-abaixo; quando o salsifré folclórico e anti-sistema do BE apenas se dirigia aos adolescentes maximalistas na fase da pré-racionalidade política, económica e social; quando ... quando ... aparece um presidente, que sempre se havia pautado pela mais completa inanidade política, arvorado inesperadamente em sismógrafo do salsifré político.

Espero, para bem do país, que o espectáculo deprimente que o PR ofereceu nestes últimos meses não se repita futuramente, e que as decisões que tomou não se tornem o paradigma do comportamento presidencial. Espero que o próximo governo, qualquer que ele seja, governe com estabilidade sem estar sujeito aos humores de qualquer sismógrafo do salsifré político que se instale em Belém.

Publicado por Joana às 07:59 PM | Comentários (20) | TrackBack

dezembro 10, 2004

Belém pariu um rato

Para aqueles que estavam à espera que o PR expusesse finalmente as razões consistentes que o levaram à dissolução da AR só não estão desiludidos porque a maioria deles queria a dissolução com razões ou sem elas. O bota abaixo sempre foi um leit-motiv da conduta política da uma parte significativa da esquerda portuguesa.

Por isso a comunicação ao PR postergou as questões formais, que agora teriam ainda menos consistência que em Julho, e dispersou-se por uma análise política necessariamente fluida, para tentar que o seu discurso pudesse ser interpretado como sendo o de um PR e não o de um qualquer líder partidário da oposição. Julgo que falhou esse desiderato.

O Presidente da República deu a entender que o parlamento vai ser dissolvido porque ele pensa que a sua composição já não corresponde à vontade do eleitorado. Mas isso não é motivo para dissolução. Por essa razão, quase todos os governos da UE teriam sido demitidos após as eleições europeias. É normal que a meio de uma legislatura se situe o ponto mais baixo de popularidade dos governos. Se esta razão prevalecer como válida nos hábitos constitucionais portugueses, então qualquer próximo governo será obrigado a governar olhando permanentemente para as sondagens, até deixar o país na bancarrota.

O Presidente da República foi mais directo quando alegou como fundamento «uma sucessão de episódios que ensombrou decisivamente a credibilidade do Governo e capacidade de enfrentar a crise que o país vive». Mas esta é uma afirmação paradoxal para um PR que tutelou os episódios ridículos em que o governo de Guterres esteve envolvido, com ministros a saírem e a fazerem declarações insultuosas, convocando mesmo conferências de imprensa para o efeito.

Por outro lado, ao dizer isto, está a passar um atestado público de incompetência ao governo de Santana Lopes e seria exigível que sustentasse melhor e com mais rigor esse gravoso julgamento da competência do governo, pois ao deixá-lo no vago, ele pode ser interpretado como um mero discurso de abertura de campanha do Partido Socialista.

Por outro lado se o governo é tão incompetente e descoordenado, que justificação há para o ter pressionado a aprovar o Orçamento de Estado para 2005? Um Orçamento que é uma peça estrutural da governação em 2005, porquanto a margem de manobra dos orçamentos rectificativos não permite alterar as traves mestras do orçamento. A explicação que tal permitiu os aumentos de vencimentos na função pública, não colhe, visto serem os próprios sindicatos, embora contrafeitos por aquele motivo, a estarem contra a aprovação do orçamento.

Mas também não vale muito a pena conflituar sobre esta dissolução. Não passa de um epifenómeno de um período de 4 meses em que o PR indigitou o governo criando-lhe ab initio usque ad finem uma situação instável, perecível, ao sabor dos humores presidenciais, incentivando a sua permanente contestação por todas as forças com protagonismo mediático e tornando essa governação impossível. Não é a dissolução que é grave em si, o que foi grave foi toda a estratégia montada pelo PR desde a demissão de Durão Barroso, e que teve o seu culminar no anúncio da dissolução.

Por isso, ainda antes do anúncio da dissolução, no post Obviamente, Demito-me, eu havia afirmado, sem ambiguidades, que Santana Lopes não tinha condições para governar e escrevi então: «Se PSL não é capaz de resolver os problemas do país, que é que ganha em permanecer no governo, aplicando paliativos, fazendo meias reformas, e sendo grelhado em fogo lento por (quase) todos os corifeus da política e da comunicação social? Nada ... apenas uma derrota estrondosa nas próximas eleições ... O melhor é cortar o mal pela raiz, assumir a sua incapacidade, em face da actual situação social, em governar da forma que entende como a mais adequada ao país (se é que ele tem alguma ideia sobre qual a forma mais adequada ao país) e fazer as malas.». Não podia ter sido mais clara.

Aparentemente, a fazer fé nas palavras de Dias Loureiro, Santana Lopes já teria equacionado aquela solução, que era evidente face à estratégia de aranha que o PR estava a usar, com o apoio de parte substancial do poder mediático.


Nota - Ler ainda:
O Sismógrafo do Salsifré
Dois Registos

Publicado por Joana às 10:17 PM | Comentários (24) | TrackBack

dezembro 08, 2004

Um de nós mentes ...

Esta querela sobre o que foi dito entre o PR e o PM, nas reuniões de 29 e 30 de Novembro último, é o exemplo do grau zero de dignidade das instituições e da política a que chegou o país. Como é óbvio, consoante as paixões políticas de cada um dos que assistem a esta tragicomédia, assim cada um acredita naquilo que o coração lhe segreda ao ouvido. A razão está arredia destas conclusões. Aos emotivos pouco interessa quem está a falar verdade. E provavelmente nenhum estará a ser rigorosamente verdadeiro.

Enquanto isso Sampaio está remetido a um «silêncio protocolar», deixando o seu chefe da Casa Civil lançar algumas frases que ficarão certamente na história. Face às afirmações de Santana Lopes de que lhe tinha sido garantido, no dia 29, por três vezes, que não haveria dissolução, o chefe da Casa Civil da Presidência da República responde por um enigma: O Presidente da República não discute com o primeiro-ministro a decisão de dissolver a Assembleia da República. Este é um poder não partilhado. O chefe da Casa Civil aprendeu com o patrão, a Pitonisa de Belém, como eu o tenho apelidado desde o início deste blogue (*), a sentenciar por enigmas.

A única frase incisiva foi para desmentir algo que Santana nunca tinha dito. O chefe da Casa Civil do PR garantiu que «Santana Lopes soube as razões da decisão do Presidente na “reunião de terça-feira”, dia 30 de Novembro». Ora PSL apenas afirmara que era o país que desconhecia as razões. A menos que Sampaio identifique Santana com o país, o que é um precedente perigoso e anti-democrático. Nem sequer Mota Amaral, Presidente da AR e segunda figura do Estado sabia. Aliás Mota Amaral só soube pelos jornais que a AR ia ser dissolvida, circunstância que Sampaio reconheceu ser um “lapso de cortesia” e Mota Amaral, ironicamente, um esquecimento.

Acho de uma elegância extrema designar aquela «trapalhada» de Sampaio por “lapso de cortesia”. Numa visita de cerimónia, quando a dona de casa entra na sala e o visitante não se levanta dá-se um “lapso de cortesia”. Quando entro num restaurante, chego à minha mesa e alguém, do pessoal masculino, se deixa ficar sentado, sinto um ligeiro incómodo ... há qualquer coisa que falhou ... é isso – houve um “lapso de cortesia”.

Com as instituições não há “lapsos de cortesia”. Há faltas de respeito e atentados à dignidade das instituições.

Pergunta-se quem está a mentir, ou talvez, quem mente mais? Não sei responder pois, pessoalmente, conheço-os mal.

Só estive uma vez com Santana Lopes e descrevi esse facto, neste blogue, em Santana Lopes: A pessoa e Uma Homenagem. Não me vou alongar mais sobre ele, pois não o conheço da política. Descrevi-o como pessoa, tal como se me apresentou, e não sei como ele se porta nos meandros da política. Ser uma pessoa educada e um gentleman na vida social não garante, infelizmente, que não seja um mentiroso na política.

Sobre Sampaio, tenho algo mais a dizer. Há cerca de 13 anos, na sequência da tentativa de golpe de Estado contra Gorbatchev, um amigo da família, vereador da CML, independente, mas eleito pela CDU, votou a moção de protesto proposta pelos socialistas e não a moção proposta pelo PCP, alegando que não considerava esta suficiente. Tal bastou para que fosse proscrito pelo PCP, objecto de insultos na imprensa do partido e que lhe fosse exigido que abandonasse o pelouro que detinha.

Por mais de uma vez nos deu conta do incómodo que lhe causava o silêncio de Sampaio, então presidente da CML, perante as exigências do PCP. Afinal de contas, a questão decorria de ele ter votado a moção socialista. João Soares apoiava-o, mas João Soares era apenas um mero vereador. Foi-lhe então sugerido que tomasse ele a iniciativa e pusesse o cargo à disposição de Sampaio. Isso colocaria Sampaio perante a obrigação de tomar uma posição. A sugestão foi seguida.

A conversa foi amigável: Sampaio achou que com certeza ... obviamente ... que o tinha na mais elevada consideração ... mas não teve quaisquer efeitos práticos. Sampaio estava solidário, dava-lhe palmadinhas nas costas ... mas tornou-se depois óbvio que gostaria que ele se pusesse a mexer. Apenas não tinha coragem política e moral para lho dizer na cara. Esse nosso amigo suportou aquela situação, estoicamente, mais alguns, poucos, meses e demitiu-se. Houve uma pequena festa de homenagem. Sampaio também fez uma alocução de despedida. Ainda me lembro dele a dirigir-se para a mesa de honra, baixo, corcunda e hipócrita. Detestei-o.

Foi o meu primeiro e um dos raros contactos com os meandros da política partidária, embora de forma indirecta, e odiei o que vi.

Conheço bastante gente ligada à política, mas apenas por razões familiares (a quase totalidade) ou profissional (poucos). Provavelmente detestaria revê-los nos respectivos aparelhos partidários. Aliás, muitos estão fora da militância activa.


(*) Ler, por exemplo:
O Oráculo de Belém
A Pitonisa de Belém em Argel
Alguém tem que ceder
Sem Pressas
Dispromisso Político
Á Espera de Godot Sampaio
Síntese Política da Semana
Sampaio escreve direito por linhas tortas
Santana entregue à vigilância presidencial

Publicado por Joana às 09:04 PM | Comentários (29) | TrackBack

dezembro 06, 2004

O Fim Anunciado da III República

Falar do Fim Anunciado da III República nestes dias conturbados talvez seja ainda despiciendo. Há muita gente inebriada pela satisfação da queda do governo de PSL; outros, como eu, que consideravam que, no ambiente que lhe fora criado, Santana Lopes e a sua equipa já não tinham condições para governar; uma minoria clubista que se mantinha ferrenha no apoio à continuidade governativa.

Todavia a decisão do PR, perfeitamente legal, veio mostrar que os governos, mesmo alicerçados em sólidas maiorias estão totalmente dependentes do beneplácito régio .... perdão, presidencial. Esta prepotência presidencial já existia, está fundamentada na Constituição e ainda não tinha sido exercida apenas por razões de oportunidade política.

Na realidade, e para além dos períodos em que legalmente não o pode fazer, quais as circunstâncias em que o PR não tem conveniência em dissolver a AR?

1 – O PR ter sido eleito pela mesma maioria que governa o país ... e estar de bem com os seus actuais líderes ...

2 – O PR ter receio que novas eleições conduzam a uma nova vitória da maioria e ainda mais folgada.

Mário Soares nunca dissolveu a AR durante os governos de Cavaco Silva (depois da primeira maioria absoluta deste) porque calculava que, se o fizesse, Cavaco Silva conquistaria uma maioria ainda mais sólida. Por isso adoptou a estratégia de ir utilizando a “magistratura de influência” para minar os alicerces do governo.

Jorge Sampaio nunca dissolveu a AR durante os governos de Guterres, apesar de terem acontecido coisas muito mais graves que no actual governo e desse governo ter conduzido o país à bancarrota financeira, porque Guterres pertencia à sua família política. Mesmo depois da demissão de Guterres ainda tentou a manutenção da AR, com a indigitação de um novo governo, mas os próprios socialistas reconheceram que não havia condições para tal.

Jorge Sampaio não dissolveu a AR após a saída de Durão Barroso, porque temia que o PS de Ferro Rodrigues sofresse uma derrota perante Santana Lopes. Preferiu dar tempo ao PS para encontrar um líder mais consensual para o eleitorado e menos fragilizado que FR e, em simultâneo, foi minando o actual governo, fragilizando-o logo no início com uma espera interminável, em que pediu conselhos a meio mundo, para decidir se dissolvia ou não a AR. Depois, condicionou a formação do Governo, obrigando o primeiro-ministro indigitado a ir sucessivas vezes a Belém mendigar a aprovação para os novos convites que ia fazendo. Em seguida ameaçou-o, na tomada de posse, que o iria colocar sob vigilância. Por diversas vezes, sempre que algum português, com um mínimo de mediatismo, tinha qualquer rixa, mesmo que imaginada, com alguém do governo, era chamado a Belém para ser consolado e dramatizar a situação. Desestabilizou em todas as circunstâncias a acção governativa. Paradoxalmente, dado ser um socialista, mostrou-se em extremo incomodado com as críticas dos grandes empresários ao OE 2005. Paradoxalmente, dado estar noutra área política, demitiu-o depois da publicação de um artigo em que Cavaco Silva colocava algum distanciamento face a PSL. Paradoxalmente, porquanto sucederam 4 episódios do mesmo género, mas mais graves, durante a governação de Guterres, anunciou a dissolução da AR após a demissão com pompa e alarido, do Ministro do Desporto.

E, tal era o seu desnorte, esqueceu-se de avisar o Presidente da AR e ainda exigiu à maioria responsabilidades pela aprovação do Orçamento de Estado que tanto o incomodara.

Com este figurino constitucional, e com a actual situação de crise orçamental e falta de competitividade perante o exterior que exigem soluções drásticas, o país não tem capacidade para resolver os seus problemas, independentemente dos maus políticos expulsarem os bons, ou vice-versa. Até agora, pensava-se que, com uma legislatura de 4 anos, o governo poderia utilizar a primeira metade da legislatura para fazer as reformas mais difíceis e conseguir algum fôlego para distribuir as benesses suficientes para concorrer às eleições seguintes com possibilidades de êxito. Verifica-se agora que esta solução depende da discricionaridade do PR.

Esta situação, traduzida em futebolês, para melhor compreensão, é idêntica a estarmos num jogo de futebol onde um árbitro pode, discricionariamente, acabar o jogo segundo a sua conveniência, na altura em que o seu clube está a ganhar. No calor do jogo, os adeptos do clube que é beneficiado pelo fim prematuro da peleja, poderão ficar satisfeitos. Mas quando estiverem a frio e começarem a raciocinar com discernimento, perceberão que se a actuação daquele árbitro for o paradigma da arbitragem, então algo terá que ser mudado, porque na semana seguinte poderá ser o nosso clube o penalizado por isso e, pior, com esse sistema qualquer jogo de futebol será uma espécie de roleta viciada pelo árbitro conforme conveniência.

Todavia a nossa Constituição, para ser revista, precisa de uma maioria de 2/3. Ora essa maioria exige que os dois maiores partidos estejam de acordo. Mas os dois maiores partidos só estão de acordo em questões menores, pois pensam que a manutenção de certas situações dúbias os pode favorecer um dia ...

Mas esta é apenas uma matéria entre muitas. Estou convicta que se algum dia um governo elaborar uma reforma a sério da função pública, esta será vetada por estar repleta de inconstitucionalidades.

Não são os maus políticos que expulsam os bons. Os bons políticos expulsam-se a si próprios por não pretenderem estar sujeitos a entraves permanentes e por não quererem ser objecto de devassa pública por uma comunicação social mesquinha e maldizente.

Sobejam os aparelhos partidários constituídos por gente que não tem habilitações para mais nada.

Nota - Ler ainda:
Um país à beira mar pasmado
Um de nós mentes ...

Publicado por Joana às 11:57 PM | Comentários (37) | TrackBack

Evangelho segundo São Paio

Aproximava-se o sessão dos pães ázimos, que se chama debate orçamental.
E os principais sacerdotes e os escribas andavam procurando um modo de o demitir; pois temiam o populismo.
Entrou então Satanás em Paio, que tinha por sobrenome Pitonisa de Belém, que era o PR;
E São Paio disse: Em verdade te digo, Pedro, que não abrirá hoje a bocarra da Manuela Moura Guedes sem que eu por três vezes não tenha negado que te demito.

Mas Pedro, em nova verdade te digo, Pedro, eis que Satanás me pediu para te cirandar como joio;
Porque, nesta verdade, o Filho do homem (eu, Paio!) vai segundo o que está determinado;
E eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, entres na vida secular;
E eu, pelo princípio da serenidade emocional, abrirei as veredas do Senhor para outro;
Pois está escrito que o J. Sócrates padecesse, e ao terceiro dia ressurgisse dentre os mortos;

Publicado por Joana às 12:05 AM | Comentários (13) | TrackBack

dezembro 05, 2004

O Tiro no Pé de Santana

Santana foi vítima da falta dos “princípios da ... boa fé e da lealdade institucional" de Jorge Sampaio, foi vítima dos tapetes que os seus correligionários, antecipadamente descrentes, lhe tiraram debaixo dos pés, foi vítima de um orçamento dirigido contra a sua base social de apoio (e contra as boas normas da economia e finanças públicas) para favorecer, mediocremente, camadas sociais que dificilmente votariam nele por razões ideológicas ou clubísticas, ou seja, contra todos.

Sucede que, em política há uma regra perversa e imutável: as vítimas são punidas por o serem – não merecem compaixão por tal. Os que por ingenuidade ou excesso de auto-estima se deixam trucidar em política, perdem irremediavelmente.

O pedido de Santana Lopes para a Comissão Política ser mandatada para iniciar negociações com o PP para estabelecer uma coligação eleitoral, condimentada pela possibilidade de integrar «várias forças políticas e movimentos cívicos independentes» é uma prova de fraqueza. Ou significa que Santana Lopes desistiu de conquistar votos no centro e centro-equerda, ou que pretende empurrar o ónus da responsabilidade da eventual inexistência de uma coligação eleitoral para o PP, ... ou ambas as coisas. Aliás há um aparente desnorte sobre esta matéria, com declarações contraditórias de vários dirigentes, e de cada um, conforme o dia.

No rescaldo das eleições europeias, Santana Lopes havia dado a entender que uma coligação com o PP era, em termos eleitorais, redutora. No último congresso do PSD foi evidente a oposição maioritária dos congressistas a uma coligação eleitoral. O próprio PP antecipou-se e começou já a tratar das listas e do programa. Portanto, qualquer acordo PSD-PP só poderá significar duas coisas: capitulação do PSD perante o seu parceiro governativo e uma confissão antecipada de derrota na próxima pugna eleitoral.

Quando a coligação governativa foi estabelecida pela necessidade de estabilidade legislativa, o PP era o parente pobre – P Portas estava fragilizado pelo caso Moderna. Durão Barroso construiu uma imagem de Estado à custa da campanha anti-Portas, pois o seu governo foi medíocre. No seu activo credita-se o ter garrotado o delírio despesista da governação PS, mas sem uma estratégia económica adequada. Reformas estruturais ficaram na gaveta, se se exceptuar um anémico pacote laboral. A reforma da administração pública, medida estruturante indispensável para eliminar a crise crónica nas contas orçamentais e nas contas com o exterior, ficou para as calendas gregas.

O PSD que se coligou com o PP, foi o PSD do aparelho partidário, expurgado dos notáveis que evitaram misturar-se num projecto liderado por um político em quem não acreditavam, coligado com um partido de que desconfiavam. O eleitorado, farto de uma política de austeridade sem luz ao fundo do túnel, sem sentir uma estratégia coerente e consistente e seduzido pelas promessas falazes de uma oposição sem sentido das responsabilidades e das realidades, infligiu, nas europeias, uma derrota pesada à coligação. Durão Barroso foi punido por passar todo o tempo da sua governação “ameaçando” com medidas impopulares, que nunca teve coragem de tomar, e por ter sido obrigado a medidas orçamentais muito restritivas, sem ter sido capaz de passar uma mensagem convincente ao eleitorado.

As grandes fragilidades do governo de Santana Lopes eram exógenas e já as sumariei no post anterior. Em matéria de capacidade de decisão constituiu todavia uma rotura com o cinzentismo do governo de Barroso. Alguns dos novos ministros revelaram-se igualmente mais competentes e dinâmicos que os que saíram. Todavia as medidas que tomaram colidiam como muitos interesses e algumas eram de eficácia duvidosa.

Assim, a introdução de portagens reais nas SCUT’s existentes concitava contra o governo autarcas e populações do interior, com um benefício para as finanças públicas muito duvidoso, como já escrevi neste blogue diversas vezes. Duvido que o saldo líquido dessas portagens fosse superior a 20% ou 25% das rendas anuais a pagar às concessionárias. A herança guterrista das SCUT’s é um ónus pesado com que teremos que conviver e que só diminuirá, em termos relativos, com o desenvolvimento económico do país.

Uma Lei do Arrendamento Urbano é necessária, mas a lei aprovada é uma lei mal feita, que não vai resolver a maioria dos casos, porque os deixa de lado, e os que parece resolver arrisca um terramoto social. Por outro lado é socialmente perversa porque privilegia os comerciantes face à habitação. Também a critiquei aqui diversas vezes.

O Orçamento de Estado para 2005 constituiu uma amálgama incoerente de medidas de um populismo ingénuo, como o abaixamento das taxas do IRS, de medidas de uma eficácia económica duvidosa, como a eliminação dos benefícios fiscais em sede de IRS, de um fundamentalismo fiscal contraditório com um Estado de Direito, como a diminuição das garantias dos contribuintes – inversão do ónus da prova e pôr o sigilo bancário à mercê discricionária de qualquer funcionário do fisco. Dar à administração fiscal poder ilimitado não aumenta as receitas fiscais – aumenta a corrupção através da chantagem dos agentes do fisco sobre os contribuintes. E os contribuintes mais atingidos são os da classe média. Os pobres são insolventes e os grandes empresários têm força política e económica suficiente para passarem incólumes perante as investidas de um qualquer funcionário. Se a justiça é ineficiente ou lenta, encontrem-se processos ágeis, nunca eliminar as garantias de um Estado de Direito. Quanto à aplicação imediata da nova directiva da poupança poderá ter efeitos mais negativos que positivos.

O Orçamento de Estado para 2005 não agradou nem a gregos nem a troianos. As medidas populistas seriam sempre insuficientes face ao monstro insaciável que parasita a sociedade, a economia e as finanças públicas portuguesas, e o mundo empresarial ficou furioso com disposições que considerava mais próprias de um BE ou de um PCP, que de uma coligação de direita. Curiosamente, ou talvez não, foi o PS que atacou “pela direita” aquele orçamento.

A oposição implacável do mundo empresarial facilitou a liquidação do governo de Santana e o pretexto desejado pelo PR para o demitir. Há a rábula surrealista da sua aprovação por uma AR com a dissolução anunciada, mas apenas porque o PR não quer ficar com o ónus da função pública viver mais um semestre sem aumentos. Sabe-se lá quem depois o vai aplicar e como.

O percurso deste governo foi errático e incoerente. Tentou fazer muito em pouco tempo, o que é psicologicamente compreensível para um governo sob a ameaça contínua da demissão, mas politicamente desastroso, pois as decisões apressadas prestam-se a trapalhadas por falta de amadurecimento das matérias. Tentou medidas populistas, mas não tinha margem financeira nem institucional para tal ... nem tempo.

Santana foi vítima de si próprio. Tentou conjugar uma postura subserviente perante o PR com algum populismo canhestro. Falhou em ambos. Nunca ganharia nada em ser subserviente face ao PR, pois se a estratégia deste fosse a dissolução, então essa dissolução aconteceria fatalmente de acordo com o calendário político do PR. Qualquer pretexto serviria, pois todos os dias a comunicação social, solícita, fornecia munições ao PR. E Santana Lopes falhou politicamente ao não se ter apercebido disso.

Também não se soube relacionar com a comunicação social. A comunicação social esteve sempre contra ele, mas esse era um dado do problema. A melhor solução era ignorar as suas críticas e boatos e não entrar em conflito com ela. Obviamente que o conflito, em vez de esvaziar as críticas, alimentou-as. Nesta matéria não soube ter mão em alguns ministros cuja incontinência verbal foi desastrada, o que permite fundadas dúvidas sobre a sua capacidade de liderança firme de uma equipa governativa.

No dia anterior ao anúncio da demissão, no meu post Obviamente, Demito-me, eu havia escrito que «Se PSL não é capaz de resolver os problemas do país, que é que ganha em permanecer no governo, aplicando paliativos, fazendo meias reformas, e sendo grelhado em fogo lento por (quase) todos os corifeus da política e da comunicação social? Nada ... apenas uma derrota estrondosa nas próximas eleições e um país que, devido aos paliativos e mezinhas que aplicou, ficou com alguma pequena mas enganosa margem para mais umas ilusões despesistas.» Para mim era evidente que ele não tinha condições para governar. Alguma vez as teve? Hoje, a minha resposta é não, embora me pareça que se ele tivesse agido com mais continência, perspicácia e sagacidade, poderia ter complicado muitíssimo a estratégia presidencial e, eventualmente, preveni-la.

Até ao anúncio da dissolução, o PR grelhou-o em fogo brando. A partir de agora, e até às eleições, os seus adversários internos prosseguirão com a receita culinária encetada pelo PR. Sobreviverá politicamente? Só um milagre ...

Santana Lopes teve tudo e todos contra ele ... incluindo ele próprio.

Publicado por Joana às 10:22 PM | Comentários (19) | TrackBack

dezembro 02, 2004

Patchwork mal cerzido

O PSD deve ser o único partido da história parlamentar ocidental que tem condições para fazer funcionar, sozinho, uma democracia representativa, com o estatuto de partido único. O PSD não precisa de oposição externa para fazer soçobrar o seu próprio governo. Basta-lhe a oposição interna. O PSD solitário, sem mais partidos, completamente despiciendos para o efeito, reúne todas as condições para concretizar, apenas ele, uma democracia parlamentar fervilhante, agitada, cheia de demissões, chumbos de governos, diplomas reprovados, dissoluções, golpes palacianos, etc., etc.. O PSD tem os seus Barnabés próprios ... não precisa dos alheios.

No PSD, o que está a tornar cada vez mais complicado o trabalho de patchwork, a urdidura de uma manta de desenho harmonioso e unitário, é que os pequenos trapos dissolvem-se, encolhem, contraem-se, segundo eixos de inércia inesperados e confusos. O PSD não parece ter facções – tem personalidades. E essas personalidades funcionam como pólos de acumulação, ou de rejeição, das individualidades cuja soma aritmética é a totalidade de militantes ou simpatizantes do PSD, mas que, no seu conjunto, não representam uma entidade estável.

Às vezes a acumulação dessas individualidades parece fazer desabrochar uma super-nova, outras vezes o vazio que se gera parece implodir num buraco negro.

Desde as eleições de 2002, os contestatários mais consistentes encontraram-se dentro do próprio partido. O terrorismo parlamentar da dupla Ferro-A Costa ou o esboço de uma Aliança Povo-RTP eram apenas estertores de quem tem dificuldades em aceitar os resultados eleitorais. Não tinham, como não tiveram, futuro. Dissolveram-se no ar.

Primeiro foram as contestações internas sobre a coligação. Todavia não era possível um governo estável sem uma coligação. Mesmo um analista político estagiário perceberia isso. Era preferível ter o PP amarrado ao governo, que na oposição. Aliás, estes dois anos e meio provaram isso – o PP e os membros de governo que indicou mantiveram sempre uma postura de Estado e uma competência, salvo a excepção de Celeste Cardona, que teve atenuantes por questões de saúde, bastante superior à média do executivo. Refiro-me aos ministros, porque a nível de secretários de Estado houve algumas desgraças, como, por exemplo, o caso de Mariana Cascais na Educação.

Pacheco Pereira desde a primeira hora que criticou severamente o governo, embora inicialmente a sua militância anti-governamental incidisse no parceiro de coligação, nomeadamente Paulo Portas, atacado da forma mais soez pela oposição e comunicação social sob a alegação de estar implicado no Caso Moderna.

Mas Pacheco Pereira não passa de um intelectual blasé, cujo halo que ele orgulhosamente ostenta sobre a gaforina é apenas a auréola que a esquerda, que detém as «verdades veiculadas» pela comunicação social lhe faz reflectir por ele ser um intelectual de direita colonizado pelo marxismo-leninismo da adolescência. O efeito «Pacheco Pereira» apenas serviu para potenciar feridas mais graves que foram o pecado original do governo de Durão Barroso, personalidade fraca, sem carisma. O mais grave foi que Durão Barroso não conseguiu mobilizar para o governo as personalidades mais competentes da área do PSD. A ministra das Finanças poderia dar uma boa secretária de Estado do Orçamento, mas não tinha estatura para ministra. Foi uma controladora financeira sem estratégia económica consistente. E os resultados viram-se: fez cortes e mais cortes sem conseguir reduzir a despesa pública e o défice orçamental.

A Fronda dos notáveis do partido foi o primeiro revés para Durão Barroso e para o governo. Nenhum deles queria partilhar as canseiras e a exposição pública de um governo em que nenhum acreditava. Felizmente para Durão Barroso a oposição acabou entretanto – o escândalo Casa Pia fragilizou a direcção do PS e toda a estratégia de atirar lama ao adversário político, que tinha sido a arma contra P Portas, acabou por fazer ricochete e virar-se contra a clique ferrista.

Quando Durão Barroso decidiu ir para Bruxelas já não tinha qualquer estratégia para um governo cinzento, que se arrastava penosamente e que ele não tinha coragem de remodelar, ou não sabia como o fazer.

Santana Lopes formou governo numa situação de grande desvantagem. O PR arrastou a indigitação, sujeitando-o a uma espera interminável e absurda; condicionou a formação e a actuação do governo de uma forma humilhante e contrária aos hábitos constitucionais da política portuguesa; declarou por diversas vezes que manteria o governo sob vigilância, o que era um convite aos clamores da oposição e da comunicação social por tudo o que o governo fizesse ou não fizesse e à instabilidade social que tal alarido permanente causaria; promoveu uma contínua instabilidade política, aproveitando todas as ocasiões para dramatizar a vida política – caso Marcelo, artigos de semanários, demissão de um ministro, etc.. Sampaio apenas indigitou Santana Lopes para o grelhar em fogo lento, à espera que o PS fosse uma alternativa política credível.

Enquanto isso acontecia, continuava a Fronda dos notáveis do partido – Marcelo, Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite (que apesar da gestão medíocre nas Finanças foi recuperada e promovida ... por não apoiar PSL), etc., etc., e ainda um tal Miguel Veiga, que eu nunca percebi porque é que era um “notável”, mas cuja notoriedade é aparecer sempre, nestas alturas, a tirar o tapete debaixo dos pés de alguém ... do PSD. E o que era mais paradoxal é que este governo, apesar de muitas fragilidades e de todas estas contrariedades, meteu ombros a reformas que o governo de Barroso não tinha dado andamento.

Santana Lopes tem agido nestes quatro meses como um «patrocinado» do PR, um seu protegido, um seu cliente (no sentido romano do termo). O PSL tem sido um peão nas mãos do PR, que decidiu agora dá-lo a comer, para conseguir uma estratégia vitoriosa para o PS. O gambito Sampaio destina-se a promover Sócrates a “Dama” (honi soit ...). Mas era uma estratégia clara. Foi-o para mim, que estou muito longe destas andanças, e certamente seria mais óbvia para Santana Lopes, que calcorreava quase diariamente o caminho para Belém para ouvir mais uns remoques do PR. PSL ao aceitar estes quatro meses de humilhações, numa postura que lhe não é habitual, certamente não vai recolher quaisquer dividendos políticos.

Agora o martírio de Santana segundo Sampaio atingiu o acume. Após 4 meses de flagelação é obrigado a carregar a cruz do Orçamento de Estado para 2005, pela calçada de S. Bento, até ao alto do Gólgota, até à sede da representação nacional (que ainda nem sequer foi informada da sua dissolução!) – o PR, já depois de o ter demitido (apenas em efígie, por enquanto), ainda lhe exigiu a aprovação do Orçamento de Estado para 2005, considerando que terá que assumir a responsabilidade por essa aprovação. ... quem boa cruz fizer, nela se irá pregar ...

Não me parece que Santana Lopes, pese embora as muitas qualidades que tem nas competições eleitorais, tenha condições para um resultado airoso nas próximas eleições. Também não vejo ninguém no PSD capaz de se aventurar numa pugna eleitoral muito difícil. Santana Lopes assegura que pôs o lugar à disposição ... mas a troca de galhardetes entre ele e Macário Correia mostra que aquela oferta não deve ser levada muito ao pé da letra.

Os retalhos do PSD estão espalhados pelo soalho político. Não será fácil reuni-los e cerzi-los numa entidade homogénea. Nem eles se deixam cerzir facilmente, dada a sua volatilidade!

Mas as previsões em Portugal são falíveis. O país está numa situação económica catastrófica. A calamidade das finanças públicas é apenas um sintoma dessa doença profunda. Remediar esta situação só se consegue com medidas altamente impopulares. Não me parece que o PS, se ganhar as eleições, tenha condições políticas para as levar à prática, pois será eleito como contestação às políticas de austeridade dos governos desta coligação. Isto para além de não ter gente competente para o efeito. Portanto, nas próximas eleições, Portugal estará certamente mais um passo à beira do abismo e o PS desgastado por uma «política de direita» mal executada. E pode suceder que o poder caia inesperadamente no colo de algum líder do PSD ... a exemplo do que sucedeu com Durão Barroso.


Nota - Ler ainda:
A Aprovação do OE para 2005 é um exercício masoquista

Publicado por Joana às 11:06 PM | Comentários (57) | TrackBack

dezembro 01, 2004

A Aprovação do OE para 2005 é um exercício masoquista

Sampaio e os seus assessores têm-se multiplicado em afirmações, mensagens, dicas, sussurros, etc., de que querem ver o Orçamento de Estado para 2005 aprovado pela AR. Tanta pertinácia na aprovação de um orçamento que os sindicatos não querem, os empresários não querem, o deputado João Cravinho e os pré-socráticos não querem, o PCP e o BE não querem, e o PS socrático diz que não quer, deixa-me perplexa.

Mais perplexa fico por tudo indicar que seria por razão deste orçamento não se inserir na linha de austeridade, tal como o PR havia balizado quando indigitou Santana Lopes, que a AR vai ser dissolvida.

É certo que o PR ainda não explicou as razões porque decidiu a dissolução da AR. Mas não foi certamente pelas declarações do ex-ministro Henrique Chaves. Nesse caso teria demitido 3 ou 4 vezes o governo de Guterres – lembremo-nos da conferência de imprensa de Manuela Arcanjo, das declarações de Cravinho, dos dichotes de Sousa Franco, dos insultos de Fernando Gomes, etc..

Não foi certamente por alegadas interferências na comunicação social. Nesse caso teria demitido diversas vezes o governo de Guterres. Basta ler Arons de Carvalho e reparar nas inúmeras mudanças ocorridas na RTP e o estado em que ela foi deixada. Não foi por criticar comentários de Marcelo Rebelo de Sousa. Nesse caso, Jorge Sampaio teria demitido o próprio PR, quando fez idênticas críticas.

Não foi certamente pelas críticas à coligação de alguns congressistas do PSD em Barcelos. O congresso do PSD era um assunto interno do PSD e apenas os seus resultados interessavam, não as opiniões de alguns congressistas. E o PR não deve estar mandatado por nenhuma das facções presentes naquele congresso.

Tem sido evidente que a permanência de Santana à frente do governo, nas presentes circunstâncias, com toda a comunicação social e quase toda a classe política com as baterias assestadas contra ele, já só poderia ser entendida por alguma algolania misteriosa resultante de maus costumes adquiridos por frequência inusitada de bares e discotecas. Ele tinha que se livrar daquele cargo, nas condições em que o exercia. Mas esse era um problema dele. Aparentemente o PR também colaborava naquela sessão contínua de flagelação e sadismo políticos.

A única razão substancial que vejo para a decisão do PR é este orçamento não ser de austeridade, austeridade que é vital para o país; um orçamento que privilegia um aumento de consumo, mesmo modesto, em detrimento da poupança; um orçamento que privilegia a despesa em vez de privilegiar a competitividade das empresas.

O PR retirou a confiança a este governo e, portanto, a esta maioria. Logo a actual maioria não devia impor ao PR um orçamento cuja falta de rigor económico foi uma das causas da dissolução. Seria enxovalhar Jorge Sampaio. E o que é mais absurdo, masoquista mesmo, é Jorge Sampaio querer ser enxovalhado. Será que o masoquismo de Santana, nestes 4 meses de 1º ministro, contaminou Sampaio?

Obviamente que a maioria não deve votar contra o orçamento, visto tê-lo elaborado. Portanto, se a conferência de líderes parlamentares, convocada para amanhã, se decidir pela sessão sobre a votação na especialidade do Orçamento de Estado, marcada para terça-feira, a maioria, para ser coerente, deveria abster-se. Isso significaria que, embora estivesse de acordo com o orçamento, não quer que ele se torne um estorvo para quem vier a seguir e que respeita os fundamentos da decisão do PR.

Se ninguém gosta do orçamento, excepto uma maioria que, alegadamente, já não representa o país, para quê aprová-lo? Os aumentos das pensões estão assegurados, pois não dependem do orçamento, os aumentos dos funcionários públicos podem sempre ser pagos retroactivamente e um governo de gestão não tem autonomia para lançar grandes obras, para quê um orçamento, que só serve de empecilho a um futuro governo?

Só uma postura masoquista poderia levar a actual maioria a aprovar este orçamento. Para masoquista, já basta a pertinácia do PR em querer o orçamento aprovado.

Publicado por Joana às 10:55 PM | Comentários (36) | TrackBack

novembro 30, 2004

... E o óbvio aconteceu

Não tenho nenhum dedo que advinha, mas a realidade é que a situação existente era insustentável. Historiemos os acontecimentos:

Durante cerca de 2 semanas, entre Junho e Julho deste ano, Sampaio transformou uma decisão, politicamente simples e constitucionalmente escorreita, numa decisão complexa, «a mais complexa dos seus mandatos», transfigurando-a numa crise política, dramatizada até ao paroxismo.

Mas, como escrevi em 11 de Julho, após a indigitação de Santana Lopes «Santana entregue à vigilância presidencial», «ao escolher aquela decisão, incluiu nesse pacote decisor uma garantia, pessoal e presidencial, de permanente vigilância do novo governo. Presume-se que seja uma vigilância especialmente acrescida relativamente àquela que decorre das obrigações normais do seu cargo. Ora este «aviso» é um convite público a todos os kamikazes da comunicação social e a todos os falhados da política para, cada vez que Santana mexer um músculo, tremer uma pálpebra, balbuciar uma sílaba, esboçar um sorriso, embaciar um olho, porem o dedo no ar e gritarem indignados para o presidente: «stôr», este menino está a portar-se mal! «stôr», este menino é mau! «stôr», ponha este menino na rua e marque-lhe falta de castigo! E mesmo se o menino Santana permanecer fixo, marmóreo, aqueles meninos não desarmarão: «stôr», este menino está esfíngico! «stôr», este menino está a tramar alguma! «stôr», ponha este menino na rua e marque-lhe falta de castigo, com participação e Conselho Disciplinar! Será que o «stôr» vai conseguir manter a «estabilidade» na sala de aula?» ... «Portanto o PR pretende estabilidade no país e cria condições para a instabilidade na comunicação social e nos areópagos políticos. Não se percebe como o país vai ficar imune à instabilidade na comunicação social.»

Ora estes 4 meses mostram à evidência como as minhas previsões estavam certas. E quando ontem escrevi o post anterior, o meu feeling era que este governo não tinha quaisquer condições para governar. Não é possível governar tendo permanentemente a espada de Damocles da dissolução sobre a cabeça. Tudo o que o governo fazia, ou não fazia, tudo o que se propalava que o governo ia fazer, ou não fazer, tudo o que se inventava sobre o que o governo faria, ou não faria, era objecto das baterias da comunicação social assestadas sobre ele.

É evidente que o governo tem tomado diversas decisões medíocres. A Lei do Arrendamento Urbano é uma decisão corajosa, mas peca pelas insuficiências e erros que já apontei neste blogue. Também teci severas críticas ao Orçamento de Estado para 2005. Mas não fui hipócrita nessas críticas, porquanto o critiquei pelas razões de austeridade económica que venho defendendo há anos, enquanto outros o atacaram por mero oportunismo político.

Também me parece que a coordenação governativa não funcionou como devia, pese embora que muitas das contradições apontadas pela comunicação social resultasse de leituras enviesadas que fez. O ministro Gomes da Silva teve uma actuação desastrada – um membro do governo tem que agir com continência verbal. Etc., etc..

Não sei se a decisão da demissão foi unicamente devida a Sampaio, ou se foi Santana Lopes que criou as condições para não dar outra alternativa ao PR. Em qualquer dos casos, é preferível para Santana surgir como um 1º ministro demitido num quadro constitucionalmente estável, pelo motivo insignificante da demissão de um ministro, que ser ele próprio a demitir-se.

Sendo demitido, nas circunstâncias em que o foi, pode protagonizar de uma forma menos ambígua e mais evidente o papel de vítima.

Publicado por Joana às 08:05 PM | Comentários (40) | TrackBack

... E o óbvio aconteceu

Não tenho nenhum dedo que advinha, mas a realidade é que a situação existente era insustentável. Historiemos os acontecimentos:

Durante cerca de 2 semanas, entre Junho e Julho deste ano, Sampaio transformou uma decisão, politicamente simples e constitucionalmente escorreita, numa decisão complexa, «a mais complexa dos seus mandatos», transfigurando-a numa crise política, dramatizada até ao paroxismo.

Mas, como escrevi em 11 de Julho, após a indigitação de Santana Lopes «Santana entregue à vigilância presidencial», «ao escolher aquela decisão, incluiu nesse pacote decisor uma garantia, pessoal e presidencial, de permanente vigilância do novo governo. Presume-se que seja uma vigilância especialmente acrescida relativamente àquela que decorre das obrigações normais do seu cargo. Ora este «aviso» é um convite público a todos os kamikazes da comunicação social e a todos os falhados da política para, cada vez que Santana mexer um músculo, tremer uma pálpebra, balbuciar uma sílaba, esboçar um sorriso, embaciar um olho, porem o dedo no ar e gritarem indignados para o presidente: «stôr», este menino está a portar-se mal! «stôr», este menino é mau! «stôr», ponha este menino na rua e marque-lhe falta de castigo! E mesmo se o menino Santana permanecer fixo, marmóreo, aqueles meninos não desarmarão: «stôr», este menino está esfíngico! «stôr», este menino está a tramar alguma! «stôr», ponha este menino na rua e marque-lhe falta de castigo, com participação e Conselho Disciplinar! Será que o «stôr» vai conseguir manter a «estabilidade» na sala de aula?» ... «Portanto o PR pretende estabilidade no país e cria condições para a instabilidade na comunicação social e nos areópagos políticos. Não se percebe como o país vai ficar imune à instabilidade na comunicação social.»

Ora estes 4 meses mostram à evidência como as minhas previsões estavam certas. E quando ontem escrevi o post anterior, o meu feeling era que este governo não tinha quaisquer condições para governar. Não é possível governar tendo permanentemente a espada de Damocles da dissolução sobre a cabeça. Tudo o que o governo fazia, ou não fazia, tudo o que se propalava que o governo ia fazer, ou não fazer, tudo o que se inventava sobre o que o governo faria, ou não faria, era objecto das baterias da comunicação social assestadas sobre ele.

É evidente que o governo tem tomado diversas decisões medíocres. A Lei do Arrendamento Urbano é uma decisão corajosa, mas peca pelas insuficiências e erros que já apontei neste blogue. Também teci severas críticas ao Orçamento de Estado para 2005. Mas não fui hipócrita nessas críticas, porquanto o critiquei pelas razões de austeridade económica que venho defendendo há anos, enquanto outros o atacaram por mero oportunismo político.

Também me parece que a coordenação governativa não funcionou como devia, pese embora que muitas das contradições apontadas pela comunicação social resultasse de leituras enviesadas que fez. O ministro Gomes da Silva teve uma actuação desastrada – um membro do governo tem que agir com continência verbal. Etc., etc..

Não sei se a decisão da demissão foi unicamente devida a Sampaio, ou se foi Santana Lopes que criou as condições para não dar outra alternativa ao PR. Em qualquer dos casos, é preferível para Santana surgir como um 1º ministro demitido num quadro constitucionalmente estável, pelo motivo insignificante da demissão de um ministro, que ser ele próprio a demitir-se.

Sendo demitido, nas circunstâncias em que o foi, pode protagonizar de uma forma menos ambígua e mais evidente o papel de vítima.

Publicado por Joana às 08:05 PM | Comentários (40) | TrackBack

novembro 29, 2004

Obviamente, Demito-me

Penso que Santana Lopes se deveria demitir e sugerir ao PR a realização imediata de novas eleições. Todos (ou quase) as querem: a maioria do PSD, o PCP, o BE, os pré-socráticos do PS, o milhão de portugueses que subscreve o Barnabé, etc.. Apenas o PP e Sócrates (e os socráticos) não querem eleições antecipadas. Mas estão claramente em minoria.

O país só sobreviverá com reformas profundas. Foi-se aguentando numa ilusão bem sebastianista de um milagre salvador. Mas atingiu um estado em que a competitividade do sector privado, nomeadamente do sector exportador, já não consegue aguentar a situação. A emergência das novas economias asiáticas foi o canto do cisne da nossa economia obsoleta e pouco qualificada. O país vive muito acima das suas posses e não se convence desse facto.

Para fazer essas reformas, que irão bulir com muitos (maus) hábitos instalados, será preciso um governo com elevada credibilidade e uma extensa base consensual de apoio popular. E essa extensa base consensual popular e a neutralização da comunicação social pacóvia que tem aviltado e iludido o nosso país só se conseguem quando o país estiver num estado desesperado, visível, bem evidente e absolutamente convincente para uma maioria esmagadora da população.

Sócrates não quer eleições antecipadas porque prefere que o governo de PSL faça algumas reformas, impopulares, que ele nunca teria coragem de as fazer, mas que gostaria que fossem feitas. Quando Leonor Coutinho clama, desgrenhada, que quando o PS for governo revoga a Lei do Arrendamento está a brincar com o eleitorado. Então, em face dos novos contratos entretanto firmados, que vai o PS fazer? Revoga com efeitos retroactivos? Nada disto é sério.

O governo de Santana Lopes, pelo que mostrou até agora, não tem capacidade de fazer reformas de fundo. O Orçamento para 2005 é uma mistura de populismo contraproducente (a baixa das taxas do IRS, que ninguém vai sentir), medidas anti-económicas (aumento excessivo, para as contas públicas, do rendimento disponível e diminuição dos incentivos às poupanças das famílias e das empresas), condimentado com ameaças de um despotismo fiscal incompatível com um Estado de direito. É necessária uma lei que reveja os contratos de arrendamento anteriores a 1990, mas esta lei está mal feita, é mais severa com a habitação (que é uma função social) que com o comércio (onde a renda é um custo de produção) para satisfazer o lobby dos comerciantes, e vai provocar um terramoto social sem resolver a questão de fundo (Leia-se sobre este assunto os diversos artigos que escrevi neste blogue sobre o arrendamento urbano).

A reforma da administração pública é vital e nada se faz ... porque é difícil. A Saúde e o Ensino custam fortunas ao erário público com resultados deploráveis. Sem estas reformas não há dinheiro que chegue para aplacar este monstro. Aliás, se a crise da competitividade exterior da zona euro se agravar, duvido que num futuro, talvez mais próximo do que se imagina, haja dinheiro para pagar a função pública, as transferências sociais, etc., a menos que haja cortes substanciais naquelas despesas. E quanto mais se vai buscar às empresas mais a competitividade destas diminui, mais o défice das transacções com o exterior se agrava e menos dinheiro há, por insolvência das empresas e das famílias.

A economia portuguesa não se cura com os emplastros que o governo de PSL aplica, embora se tenha que reconhecer que sempre é melhor aplicar emplastros que afundar-se nos desvarios despesistas da era Guterres, que comprometeu o país para os 25 anos seguintes. Nenhum governo português, nestes últimos 2 séculos, havia deixado uma herança tão sinistramente pesada.

Se PSL não é capaz de resolver os problemas do país, que é que ganha em permanecer no governo, aplicando paliativos, fazendo meias reformas, e sendo grelhado em fogo lento por (quase) todos os corifeus da política e da comunicação social? Nada ... apenas uma derrota estrondosa nas próximas eleições e um país que, devido aos paliativos e mezinhas que aplicou, ficou com alguma pequena mas enganosa margem para mais umas ilusões despesistas.

O melhor é cortar o mal pela raiz, assumir a sua incapacidade, em face da actual situação social, em governar da forma que entende como a mais adequada ao país (se é que ele tem alguma ideia sobre qual a forma mais adequada ao país) e fazer as malas.

E quem vier atrás que feche a porta, se for capaz ... ou se o deixarem ...


Nota: A demissão de Henrique Chaves é uma prova da forma repugnante como a política está a ser vivida actualmente. Um ministro não se demite na praça pública, sem previamente avisar o 1º Ministro, e deve deixar correr um período razoável de nojo, antes de se produzir na comunicação social. Aliás, Henrique Chaves já devia sofrer de uma profunda instabilidade psíquica, visível quando recebeu os dirigentes do SL Benfica. Quer se goste ou não, nunca deveria afirmar publicamente que só por delicadeza não atirou pela janela fora um DVD que os dirigentes do Benfica haviam lá deixado. Só um ministro em estado de completa incontinência verbal produz afirmações públicas como aquela. Era mais sensato ter deitado o DVD no ecoponto mais próximo e ter ficado calado.


Nota 2 - Ler a seguir:
... E o óbvio aconteceu

Publicado por Joana às 07:59 PM | Comentários (27) | TrackBack

outubro 28, 2004

A Vingança do Perdedor Eterno

Marcelo (por parte do pai) Rebelo de Sousa (por parte do padrinho) [ou vice-versa] andou meses a protagonizar Panurgo. Semana aqui, semana ali, lá ia mais um carneiro pela borda fora, sempre à espera que o rebanho o seguisse. Mas nada. Era exasperante. Nem alguns carneiros tresmalhados se interessavam pelas profundezas do oceano. Mas Panurgo-Marcelo é alguém cheio de expedientes. Expedientes que, para sua desdita, nunca evitaram que ele fosse um perdedor nato, mas apenas serviram para lançar lama sobre os outros. Dirigiu-se ao porão, pegou numa picareta deixada pela imprevidência de alguém, e zás! Golpeou o casco com uma violência potenciada pelos ódios acumulados e recalcados e com o engenho que sempre o celebrizou e que ele tem utilizado, com toda a dedicação, numa nobre e devotada causa – a sua.

Se o rebanho não ia ao fundo, então afundaria barco, tripulação, passageiros, todos! Todos ... menos ele. Fluctuat nec mergitur. Marcelo sempre se especializou em flutuar nos mares mais temerosos. Havia-se mesmo treinado, durante décadas, a flutuar em mares de vagas alterosas, fustigadas por ventos que ele próprio soprara. E sempre haveria barcos no horizonte que, embora em tempos queixosos dos expedientes de Panurgo-Marcelo, nesta hora não deixariam de o recolher, nem que fosse como recompensa de ter feito soçobrar o próprio barco.

Os perdedores natos, com manha suficiente para causarem danos e obterem fugazes instantes de glória, mas sem estatura política para obterem as vitórias que engrandecem, são perigosos. Quando não há estatura e sobeja a manha extremada pela ciumeira, as consequências podem ser catastróficas.

Mas deixemos a história trágico-marítima (ou cómico-terrícola). A primeira questão que coloco é se alguém acredita que Marcelo Rebelo de Sousa é pressionável ou influenciável. O próprio MRS afirmou que continuaria com o Jornal Nacional à sua disposição, e o Jornal Nacional, não se esqueça, é produzido em directo. Apenas, segundo as suas próprias afirmações, lhe teria sido pedido que fosse repensando o formato dos seus comentários.

É incompreensível que Marcelo Rebelo de Sousa abandonasse a TVI imediatamente, mantendo-se silencioso porque havia um “pacto de silêncio”, para, após semanas de especulações, fazer uma exposição repleta dos pormenores mais minuciosos e incriminativos, alegando que essa violação do “pacto” se devia a que Paes do Amaral já teria violado o pacto e atingido a sua honra, o que era falso, conforme descrevi no post anterior.

Simultaneamente houve o folhetim relativo à direcção do DN. Fernando Lima, que havia sido nomeado para o cargo, sob um coro de protestos da oposição, por ser um comissário do governo, demite-se, igualmente sob um coro de protestos da oposição(!!); fala-se na nomeação de Clara Ferreira Alves que, ao se aperceber que já circulava na comunicação social que iria ser a nova comissária política, recusa convite alegando “falta de condições”, enquanto o CR do DN considerava que «Clara Ferreira Alves não seria uma boa solução, tanto mais que desertara assim que surgiram as primeiras notícias a seu respeito». Agora foi nomeado um director interino, à espera de se sair deste imbróglio.

Não me parece por acaso estas duas ocorrência simultâneas. Vejamos o percurso de Marcelo Rebelo de Sousa nos últimos dois anos.

Marcelo Rebelo de Sousa fazia parte da facção do PSD que era contra a coligação. Todavia acabou por aceitá-la como um mal menor. Mas ao longo dos seus comentários dominicais manteve sempre uma postura muito crítica relativamente ao parceiro da coligação e ao seu líder.

A subida ao poder de Santana Lopes foi o detonador. Marcelo Rebelo de Sousa e outros membros do PSD, que haviam aceite a coligação a contra-gosto, uniram-se na crítica sistemática ao novo executivo. A coluna dominical de Marcelo Rebelo de Sousa passou a ser a principal referência crítica ao governo de Santana Lopes. Havia, é certo, críticas formalmente mais ferozes (a bocarra da Manuela Moura Guedes, por exemplo, e o terrorismo verbal de MST, também na TVI), todavia as de Marcelo Rebelo de Sousa eram mais eficazes, por serem mais bem estruturadas e por se basearem, normalmente, em factos em que a actuação do governo era discutível, ou mesmo claramente errada.

Todavia, o excesso de crítica demolidora acaba por banalizar a crítica. Essa banalização da crítica acompanhou um processo que já se arrastava há muitos meses: o espaço de comentários de MRS alongava-se excessivamente, penosamente mesmo, o que em televisão é mortífero, por muito bom comunicador que ele fosse. A homilia dominical estava a perder impacte. Por exemplo, o último comentário dominical acabou apressadamente para dar lugar à “Quinta das Celebridades”, apodada então por Marcelo, sarcasticamente, como “Quinta das Tias”. Julgo que foi a última frase que ele proferiu no seu último comentário

Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou assim as declarações ineptas de RGS, a conversa que teve com Paes do Amaral e as observações que ele lhe terá então feito, para transformar tudo numa cocktail mortífero que iria arremessar sobre o executivo de PSL e relançar o seu mediatismo. Passou displicentemente por cima do facto de se tratar de uma conversa entre amigos de há mais de 20 anos, cunhados, conversas onde não costuma haver formalismos e onde se discorre com o à vontade próprio de quem deposita confiança entre si. A questão é que Marcelo Rebelo de Sousa só tem respeito por uma pessoa: ele próprio; só tem uma ética: o seu interesse pessoal; só cumpre as promessas que faz a uma pessoa: a ele mesmo.

Portanto o que estamos a assistir é a golpes e contra-golpes palacianos dentro do PSD: os santanistas contra os anti-santanistas e vice-versa. É a luta entre a velha guarda do partido e os jovens ambiciosos que se perfilam atrás de PSL. O folhetim Marcelo, o folhetim DN, as controvérsias sobre o próximo congresso, etc., não passam de episódios "sangrentos" dessa luta.

É óbvio que não há censura. A forma como este assunto tem sido debatido, é prova disso. Quanto aos perigos com que nos acenam, eles resultam da presunção cândida de que o indústria da comunicação social é diferente das outras indústrias. Alguns ingénuos julgam que este negócio está imune ao funcionamento da economia e do mercado. Esses ingénuos julgam que os jornalistas em auto-gestão (que muitos confundem com isenção, cidadania e liberdade de expressão) deveriam prevalecer sobre os indicadores de rendibilidade. E depois, quem lhes paga os salários? Quando levarem o seu órgão comunicativo à falência, onde vão exercer a sua alegada liberdade de expressão?

Por isso nunca existiu, quer em Portugal, quer provavelmente com mais incidência, no restante mundo ocidental, jornais e canais de televisão que permaneçam independentes do poder financeiro dos grandes grupos económicos. E certamente todos já cederam às influências editoriais dos patrões. Portanto, a comunicação social vive num precário equilíbrio entre a “isenção e liberdade de expressão” e as influências que contra elas se movem: interesses económicos, interesses partidários ou os interesses dos próprios jornalistas que dificilmente podem ser caracterizados como exemplos de “isenção, cidadania e liberdade de expressão”.

E é esse equilíbrio que assegura a isenção e liberdade de expressão. Certamente estas seriam letra morta se os jornalistas fossem deixados à solta, se os interesses económicos não encontrassem obstáculos e se os interesses partidários não se neutralizassem mutuamente. É do equilíbrio entre os interesses destes três candidatos à censura que resulta a liberdade de expressão.

O resto são fait-divers ... são jogos de poder. Marcelo é apenas um dos protagonistas destes jogos. Apenas o mais manhoso. Um protagonista que pôs a oposição a correr atrás do osso que lhe mostrou e que vai agitando porque isso lhe serve os seus actuais interesses.

Publicado por Joana às 11:39 PM | Comentários (19) | TrackBack

outubro 26, 2004

Sensibilidades e Paranóias

Das proveniência mais insólitas surgem inesperadamente as afirmações mais sensatas. Refiro-me às declarações de José António Saraiva, Director do Expresso, hoje, à saída da audição na AACS e no texto que publicou no Expresso Online.

A actuação do actual governo, ou de alguns dos seus membros, no que se refere às relações com a comunicação social, tem-se pautado por uma hipersensibilidade que não é compaginável com o calo que um dirigente político deve possuir no exercício das suas funções. É certo que, como José António Saraiva sublinha, a «paranóia por que enveredaram alguns meios de comunicação» e «esta barragem de ataques, processos de intenção e tentativas de destruição do Governo [que] está a lançar o país no caos» têm um forte potencial de enervamento.

Todavia o Governo tem legitimidade constitucional (independentemente daqueles que, à míngua de outra argumentação, o classificam de ilegítimo, semi-ilegítmo, ou ilegítimo e semi) e tem um horizonte estável de governação de cerca de 2 anos. Pois se o próprio Presidente da República já veio assegurar que não faz sentido convocar eleições antecipadas, «a não ser que haja alguém que esteja interessado em provocar incidentes». A tarefa do Governo é governar. Os ministros devem concentrar-se nessa tarefa e executá-la o melhor que souberem, dentro das estratégias programáticas que defendem. A boa ou má prestação do Governo só depende dele, das medidas que tomar para resolver os problemas dos portugueses e não de fait-divers.

Neste entendimento, o Governo deve deixar a gestão da sua imagem para os seus assessores de imagem e da comunicação social. Aliás, é o que acontece nas democracias “avançadas”: Os recados, as pressões e as solicitações são sempre feitos pelos assessores, por especialistas contratados para o efeito. São estes que criam os “factos políticos” que servem de contraponto às manobras dos adversários, ou da própria comunicação social, quando esta é hostil.

É um equívoco pensar que o eleitorado julga apenas, ou principalmente, pelo que a comunicação social diz. Cavaco teve maiorias absolutas contra a hostilidade da comunicação social. Reagan tinha contra ele parte significativa da comunicação social e ganhou dois mandatos. G. W. Bush está perante uma mobilização maciça da comunicação e dos meios artísticos mais sonantes e tem fortes hipóteses de ser reeleito. Até Sharon Stone veio proclamar a sua adesão a Kerry (não sei, neste caso, se o uso imoderado do picador de gelo no sexo não terá efeitos contraproducentes em algumas mentes menos inovadoras na arte de amar...) ... und so ... und so ... und so.

O ministro Gomes da Silva foi de uma inabilidade extrema. Era óbvio que as suas queixas se inseriam numa luta interna do PSD. Se ele quisesse mandar recados à TVI começaria pela Manuela Moura Guedes que zomba, com acinte e permanentemente, de tudo o que o Governo decide, diz, pensa ou ela prevê que ele venha a dizer ou a pensar. Só a boca dela é um insulto ao público. O próprio sex-symbol da Lapa, MST, estaria bem à frente do Marcelo na fila dos credores de queixas do ministro. Todavia, o gambito Marcelo, que sacrificou a sua homilia dominical pelo papel de vítima do sistema, tornou as queixas do inábil ministro num assunto nacional que dominou, e ainda domina, as atenções da comunicação.

E conseguiu arranjar um modo de vida para a AACS. Essa venerável e precocemente decrépita instituição encontrava-se no desemprego oculto. Os Alto-autoritários entreolhavam-se entediados, enquanto esperavam o despedimento colectivo. Agora arranjaram matéria prima para laborarem até às calendas gregas. Nestas audições, cada vez que um nome ou uma instituição são citados, agendam-se logo reuniões para ouvir cada um dos mencionados. Gomes da Silva cometeu o lapso de falar no Público e no Expresso. Foram, acto contínuo, agendadas reuniões com os respectivos directores. JMF balbuciou a PT: foi imediatamente agendada uma reunião com o Presidente da PT. Se este se descair e referir que foi a mulher a dias que lhe entregou a comunicação da AACS, lá será agendada uma reunião com a mulher a dias do Presidente da PT ... e assim sucessivamente. É uma teia de Penélope que nem necessita de desfiar de noite.

Se o ministro Gomes da Silva estivesse calado e se as suas queixas tivessem seguido outros trâmites, certamente os resultados seriam muito mais positivos para os seus objectivos. Ao menos poderia ter-se instruído previamente, lendo o livro do Arons de Carvalho ...

Os meios de comunicação, nomeadamente os de referência, estão enfeudados ao «politicamente correcto» dos valores que lhes colonizaram as mentes. Mas têm algumas características “aproveitáveis”: sabem muito menos do julgam saber, são muito mais incultos do que julgam ser e regem-se mais pelo efeito que pretendem produzir (nomeadamente as TV’s) do que pelo rigor da informação. Isto é um húmus magnífico para nutrir e criar tudo o que a imaginação apenas alcança. Especialistas de marketing político encontram aqui abundante matéria prima para produzirem factos políticos, económicos e sociais que não servirão não só de antídoto, como de catalizador de adesões. O jornalista português, na sua desdenhosa sobranceria, é, por isso mesmo, manipulável, com toda a facilidade, por qualquer bom especialista de imagem. A sobranceria e o desdém é a mãe e o pai de todos os logros.

Mas para tal é preciso o Governo governar bem, com firmeza e coerência e deixar aos especialistas da matéria a estratégia da comunicação. Senão, as decisões acertadas que o Governo possa tomar - e já se viu que, nalgumas áreas, este Executivo não pretende ficar pela mera gestão corrente de dossiers impopulares e que se arrastavam há décadas - ficam sempre prejudicadas num ambiente perturbado por incidentes gerados artificialmente, que o desgastam sem necessidade, por razões que não têm directamente a ver com a governação.

Aliás, os ensinamentos dos adversários são por vezes úteis. Marcelo Rebelo de Sousa passou dois anos a criticar Durão Barroso pela ausência de uma estratégia de comunicação que lhe permitisse tirar partido das medidas que o Governo tomava, ao mesmo tempo que chamava a atenção para a existência de dirigentes do PSD com máquina montada para lhes cuidar da imagem - referindo então o exemplo de Santana Lopes ou de Luís Filipe Meneses. Onde se prova que MRS era um grande teórico das análises, mas um péssimo analista das práticas: Santana Lopes está a revelar que, ou não tem máquina montada, ou esta está gripada.

Ou então, em vez de entregar tarefas a especialistas, entregou sinecuras a boys.

Publicado por Joana às 11:23 PM | Comentários (13) | TrackBack

outubro 18, 2004

Os Negativos dos Políticos

Ou um país às avessas

O Orçamento de Estado para 2005 e o seu debate promete, a avaliar pelos prenúncios, novos e estimulantes avanços em matéria de política e de economia. A Direita apresenta um orçamento que acusaria de ser despesista e de esquerda, se estivesse na oposição, e a Esquerda ataca o orçamento com os argumentos que a direita usaria se estivesse no seu lugar. Muitos mestres da ciência política têm afirmado que estão esbatidas as diferenças entre esquerda e direita. A experiência portuguesa obrigá-los-á a aprofundar essa tese. Há uma importante diferença, mas essa diferença já não é apenas o local onde se sentam no hemiciclo. A diferença é se apenas se sentam no hemiciclo, ou se se distribuem entre o hemiciclo e os assentos governamentais. O lugar no hemiciclo apenas afecta algumas figuras de retórica. A diferença não é entre ser de esquerda ou ser de direita. É entre ser-se governo ou ser-se oposição.

Ou melhor, estamos a ver as imagens dos políticos não reveladas: não vemos os positivos, a revelação, mas apenas os seus negativos.

Este orçamento estimula o consumo em lugar da poupança. A redução, embora ligeira, da carga fiscal dos escalões mais baixos irá incentivar o consumo, enquanto a eliminação dos benefícios fiscais diminui os incentivos à poupança, embora se reconheça que alguns daqueles produtos tinham perdido qualidade e apenas eram subscritos na miragem de uma diminuição à colecta que dificilmente compensaria os parcos benefícios que traziam. Ora o aumento do consumo das famílias num país com elevada propensão marginal às importações agrava o défice das contas com o exterior.

Quanto à questão da taxa de IRC não me parece que a sua manutenção tenha um efeito importante. Durão Barroso havia prometido um choque fiscal. Todavia há factores que pesam muito mais na decisão de investir ou não em Portugal que uma descida das taxas de IRC: a burocracia; a baixa qualificação da mão de obra; a pouca mobilidade laboral; a lentidão exasperante da justiça; a “normalidade” dos atrasos excessivos do pagamento das facturas, etc., etc..
Em contrapartida a proposta de um limite mínimo de 15% fixado no Orçamento do Estado para a taxa efectiva de IRC, que uma esquerda dificilmente se atreveria a propor, poderá ter efeitos imprevisíveis. Em primeiro lugar numa queda bolsista induzida pela diminuição dos dividendos distribuídos por acção. Depois nos eventuais efeitos induzidos quer por esta queda, quer por decisões que as empresas atingidas (principalmente os bancos) irão tomar. Ora a introdução desta taxa mínima, a quebra do sigilo bancário sem aviso prévio, as restrições mais apertadas às operações nos off-shores são medidas de muito forte impacte. É uma medida fiscalmente justa obrigar os bancos a subirem a sua contribuição para a receita do Estado, mas muitas vezes medidas mais graduais são mais eficazes a longo prazo. Aumentos fiscais bruscos incentivam manobras defensivas mais elaboradas. Vejamos se Bagão Félix tem capacidade para lhes fazer frente.

Tudo que tenha a ver com matéria fiscal tem que ser sempre avaliado com muita cautela. A eficiência das medidas fiscais depende do comportamento dos contribuintes. A prática ensina que as variações das taxas fiscais são “amortecidas” por aqueles comportamentos. Um aumento fiscal excessivo incentiva a evasão fiscal e vice-versa. Se a carga fiscal é elevada o contribuinte, ao avaliar o risco da evasão fiscal, pode concluir que é um risco estatisticamente compensador. Se a carga fiscal baixa, o contribuinte terá mais incentivos a ser “bem comportado”.

Quanto às previsões em que se baseia o orçamento (um crescimento económico de 2,4% e uma inflação de 2%) estão em consonância com diversas projecções internacionais. As dúvidas assentam quase em exclusivo na questão do preço do petróleo, que se situa neste momento na casa dos 50 dólares, contrapondo o ministro das Finanças 38,7 dólares o barril como preço médio para 2005. Estas previsões constituem um risco elevado face à volatilidade actual do preço do crude, mas são a mesma base, ou mesmo mais conservativa, dos restantes países europeus. Quando se faz um cenário têm que se prever como evoluirão determinados parâmetros. Não deve ser nem pessimista, nem optimista mas tomar como referência as previsões internacionais.

Há outras previsões mais falíveis. Basta que as portagens nas SCUTs se atrasem, ou que o tráfego não seja o esperado, e as receitas dessas portagens muito inferiores ao que o governo previu, para se ter um buraco orçamental. Todavia como continua a haver o recurso às receitas extraordinárias, é uma questão de usar mais ou menos esse expediente, para o qual parece não haver cura.

Quanto à questão do populismo, este orçamento nada tem de populista. A baixa do IRS traduz-se num aumento pouco significativo do rendimento disponível para os mais carenciados. Adicionalmente, as empresas irão utilizar o argumento relativo a esse aumento do rendimento disponível por via fiscal, para serem mais prudentes nos aumentos salariais. Em contrapartida a classe média, nomeadamente a média-alta, é fortemente atingida. O governo vai distribuir pouco a muitos a partir de tirar muito a poucos. Mas estes poucos (20 a 30% da população) têm muita influência pública e eleitoral.

Ou seja o governo não vai contentar muitos e vai desagradar muito a poucos, com a agravante de que vai desagradar sobretudo à sua base natural de apoio.

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outubro 11, 2004

A Comunicação do Primeiro Ministro

A comunicação de Santana teve três objectivos principais. O primeiro, que foi apenas aflorado, mas que esteve omnipresente como pano de fundo, foi a de colocar a questão da saída de MRS da TVI na sua verdadeira dimensão. O segundo foi o de dar uma ideia muito sumário das linhas fundamentais do Orçamento de Estado que o Governo vai apresentar nos próximos dias. O terceiro foi um panegírico, ao jeito dele, da actividade do seu governo e dos governos desta coligação. Vou analisar sumariamente a forma como esses objectivos foram enunciados, porquanto tenho opiniões diferentes sobre cada matéria.

Relativamente ao primeiro objectivo estou de acordo com a ideia geral, embora tenha dúvidas sobre se foi apresentado da forma mais adequada. Em qualquer dos casos, o ruído que esta questão levantou e a orquestração dos órgãos de comunicação no seu concerto de críticas absurdas, porquanto eram fundamentadas apenas em presunções que os próprios negaram, e em defesa de alguém que, como pessoa, nunca foi um exemplo de verticalidade, indicia que o objectivo não era a «liberdade de informação», que nunca esteve em risco, mas a criação de um clima de instabilidade social, como tem acontecido, periodicamente, desde que esta coligação subiu ao poder.

Por falar em «liberdade de informação», PSL disse algo, que não sei se terá seguimento, mas que é importante: a de implementar «uma nova entidade reguladora, e numa lei da imprensa com suficientes garantias para os profissionais, mas principalmente, para os cidadãos que queiram fazer ouvir a sua voz.». Ora aqui está o busílis. Os jornalistas sacralizaram-se como o altar da liberdade de opinião. Mas os cidadãos têm dificuldade em fazerem ouvir a sua voz. Por exemplo, ela é sistematicamente negada quando escrevem para as colunas de opinião, desde que contrarie a «opinião» prevalecente no jornal, a menos que apresentem outra «opinião» bastante contraditória na mesma coluna. Conheço diversos exemplos nessa matéria e tenho uma péssima ideia da «liberdade de informação» que os jornalistas outorgam aos seus leitores. E falo de jornais de referência, que a si próprios se intitulam estandartes da democracia, como O Público.

Quanto ao Orçamento de Estado só foram apresentadas linhas muito gerais, que não dão para perceber como as questões serão resolvidas na prática. PSL retomou a frase do PR sobre "a vida que existe para além do orçamento". Pois existe ... mas se o orçamento é escasso, é uma vida de miséria ...

PSL fala em «baixar o IRS, de aumentar as pensões, de subir os vencimentos de toda a função pública. ... reduzir as taxas de IRS sem deixar de fazer a normal actualização de escalões. As pensões aumentarão entre um mínimo de 2,5% e um máximo de 9% ... resolver o problema do deficit continuado e crescente do Serviço Nacional de Saúde ...» o fim das SCUTs, etc. Referiu igualmente a necessidade do Estado pagar as suas dívidas, que causam um grande embaraço financeiro aos seus fornecedores e empreiteiros e que dão uma péssima imagem das instituições.

Julgo que PSL está ser muito optimista. O descontrolo do défice do SNS é um problema de gestão e de organização dos serviços e não se cura por decreto, até porque há muita gente, dentro e fora do SNS, interessada nesse descontrolo, do qual tira muitos proveitos pessoais à conta do erário público. A questão das SCUTs é muito delicada de resolver. PSL tem toda a razão em acusar «a inconsciência de quem construiu auto-estradas, adiando o seu pagamento para um tempo em que sabia que já não teria responsabilidades governamentais». Todavia ele faz declarações públicas de que vai resolver aquele problema e eu tenho sérias e fundadas dúvidas de que, relativamente aos contratos já em vigor, o balanço benefício-custo da liquidação das SCUTs, se ocorrer, cubra os custos anuais actualmente previstos. Pior, duvido que cubra mais de 20% ou 30% daqueles valores. Já me debrucei aqui, mais que uma vez, sobre esse assunto e endereço, quem tiver curiosidade, para um desses posts.

Ora representando a dívida do Serviço Nacional de Saúde perto de 3 mil milhões de euros e a despesa anual com as SCUTs cerca de 600 milhões de euros, se o governo não conseguir eliminar estes montantes enormes, ou eliminar apenas uma pequena parcela, as promessas contidas no orçamento ficam comprometidas (ou então é o próprio equilíbrio orçamental que fica em sério risco). Encaro assim com sérias reservas muitas das coisas que foram ditas sobre esta matéria. Mas este é um assunto que só pode ser esclarecido depois do orçamento ser apresentado na AR.

Ainda sobre esta questão queria sublinhar que o PS cometeu um erro ao pôr Guilherme de Oliveira Martins a criticar esta matéria, como resposta à comunicação do PSL. Guilherme de Oliveira Martins é uma excelente pessoa, todavia teve o azar de ser o último Ministro das Finanças de Guterres, e de nunca ter acertado no valor do défice do ano anterior. Disse os valores mais díspares e hílares, até a derrota eleitoral o ter aliviado de tamanha tortura e auto-flagelação. Por outro lado fez uma crítica que não é verídica. Afirmou que, pela primeira vez, o Orçamento de Estado foi apresentado em público antes de o ser no parlamento. Tal não foi verdade. Só foram apresentadas orientações muito gerais e isso é normal os governos fazerem.

Quanto ao panegírico sobre a sua governação, não me parece que PSL tenha exagerado relativamente ao que é hábito ser feito. O canto de sereia de Guterres ecoou nos éteres portugueses durante 6 anos e não causou alarido. Também há que reconhecer que era um cântico anestesiante...

PSL sublinhou a necessidade de haver «a estabilidade institucional, no cumprimento da Constituição, e a estabilidade da coligação que suporta, maioritariamente, o Governo, na Assembleia da República.», mas isso não é mais do que constituiu o fundamento da decisão do PR de indigitar Santana para primeiro-ministro. Todavia era importante PSL assinalar isto, porque o PR vive num enorme equívoco. O PR não convocou eleições em nome da estabilidade. Então não pode ser ele próprio um fautor da instabilidade através dos seus múltiplos recados e avisos ao Governo, amplificados por uma comunicação sedenta de sangue. Ter chamado MRS a Belém apenas serviu para fornecer material incendiário à comunicação. A questão MRS não era um assunto de Estado e o PR só se ridicularizou ao agir da forma como o fez.

Concluindo, uma comunicação que não trouxe novidades, nem disse nada que não se soubesse, mas que marcou uma posição institucional que era essencial ser tomada, face ao completo desvario comunicacional dos últimos dias que fez Portugal assemelhar-se a uma republiqueta latino-americana onde os ânimos se exaltam com o supérfluo e ignoram o essencial.

Publicado por Joana às 10:58 PM | Comentários (35) | TrackBack

outubro 08, 2004

The Importance of Being Marcelo

Portugal é um país feliz, próspero, com um amplo consenso social sobre a invejável situação em que se encontra a sua prosperidade económica, os seus elevados níveis salariais, o seu eficiente sistema fiscal, a excelência dos seus transportes, o extremoso apoio à maternidade, a superior qualidade do seu sistema de ensino, a rapidez e equidade da sua justiça, etc., etc..

Um país destes não tem história. Nem tem notícias. Que desespero, os publicistas acordarem um dia e não terem matéria sobre que escreverem! Debitar um panegírico sobre o sistema político, causa de tanta abundância? Mas os panegíricos, desde a crise do sistema feudal, deixaram de atrair audiências. Relatar um crime e refastelar-se no sangue e carne estraçalhada? Mas numa sociedade tão próspera e consensual não há crimes. Que fazer?

Finalmente três notícias: um ministro tinha criticado as “críticas” de um comentarista; o mesmo comentarista resolveu cessar o seu comentário dominical; o mesmo comentarista teve, de permeio, uma conversa com a entidade patronal.

Para um país sem problemas, estes inusitados acontecimentos tiveram o efeito de uma bomba. Os jornalistas, até então falhos de assunto, lançaram-se sobre este filão, com a ferocidade que ele merecia: «Democracia a saque»; «um caso de demência antidemocrática» provocado pelos «nostálgicos do 24 de Abril e dos métodos totalitários»; «golpe de Estado mediático»; «intolerável propensão censória e antidemocrática»; «manipulação mafiosa, da eliminação sem escrúpulos, da intervenção brutal»; o país «trilha o caminho da ditadura»; etc., etc.

Todos os jornalistas eram unânimes: era evidente o nexo de causalidade entre aqueles três acontecimentos e o governo estava a manipular a comunicação social e a atentar contra a liberdade de imprensa.

Depois desta unanimidade, fiquei mais tranquila: se o governo manipula a comunicação social, é para esta mentir e esconder a verdade. Logo, tudo o que eu havia lido e ouvido era mentira. Não passava de uma enxurrada de aldrabices que os jornalistas tinham sido unanimemente coagidos a escrever pelo autocrático governo. Segundo a lógica:

1) Se há uma ditadura, os jornalistas são obrigados a escreverem mentiras. E, portanto, estão a mentir quando escrevem que há ditadura sobre os meios de comunicação;
2) Se não há uma ditadura, então estão a mentir ao escrever que há ditadura sobre os meios de comunicação

Mas isso sucede em países onde as lógicas aristotélicas embrutecem o raciocínio. Portugal celebrizou-se justamente por dar novos mundos e conceitos ao mundo. Pela primeira vez o mundo assistia ao estabelecimento de uma ditadura absoluta e feroz sobre os meios de comunicação com o fim de os obrigar a escrever que ... havia uma ditadura. E a autocracia extrema do governo foi totalitariamente eficaz: nenhum jornalista se rebelou, nenhum lutou contra essa malevolente imposição ... todos se curvaram e repetiram em coro que o país «trilha o caminho da ditadura».

Porque se não o fizesse, lá estaria vigilante o Censor: «Pois quê, você teve a ousadia de escrever que havia liberdade em Portugal? Seu subversivo! Rasgue já isso e escreva imediatamente que eu sou «um caso de demência antidemocrática» e estou acometido de uma «intolerável propensão censória e antidemocrática»!

E nem os blogs escaparam. Um deles foi mesmo chamado à colação ... perdão, à televisão para corroborar a situação de ditadura e conspiração contra as liberdades democráticas reinantes no nosso país

É claro que todos os protagonistas próximos, ou distantes, do psicodrama do comentador Marcelo, negaram ter quaisquer influências ou feito quaisquer pressões. Esqueciam-se que estavam numa ditadura. Os jornalistas, sempre com olhar acerado do Censor por detrás dos seus ombros, rabiscaram atemorizados: «Quanto mais é negado, mais parece claro que houve fortes pressões». É evidente que tamanho atropelo à lógica só poderia provir da coacção física, moral e material exercida pelas forças da ditadura sobre os apavorados jornalistas.

E assim os jornalistas foram compelidos a criticarem o governo por este criticar uma crítica. A «Crítica da Crítica Crítica» não é novidade. Foi com um alfarrábio com este título que Marx encetou a sua nefanda missão de destruir os alicerces da nossa civilização. Nada disto é por acaso. Temos um governo ditatorial que se apresta a utilizar métodos marxistas, através da «manipulação mafiosa, da eliminação sem escrúpulos, da intervenção brutal», conforme escreveu um comentador jornalístico que deve saber do que fala, porquanto já foi figura de proa de todas as correntes políticas, sociais, filosóficas que estiveram em voga nos últimos 50 anos. Não só de todas as correntes, como, em cada uma, de todas as respectivas facções e sub-facções.

E eu falo com fundamento. Basta ver a nomeação do embaixador José Cutileiro para a presidência não executiva da Global Notícias, empresa da Lusomundo Media, "holding" de comunicação social do grupo PT. José Cutileiro especializou-se em acções que exigem férrea determinação e requerem a aplicação de poderosos meios militares e policiais para impor a autoridade. Foi ele que dirimiu o conflito na Bósnia-Herzegovina. Há um evidente nexo de causalidade entre uma coisa e outra. O governo vai manter, ou mesmo reforçar, a ditadura que exerce sobre a comunicação social e que a obriga a escrever tanto disparate.

Como o Estado tem todos os problemas da coisa pública resolvidos, o Presidente da República decidiu quebrar o ócio e chamar o comentador Marcelo a Belém. Tinha que o fazer: tratava-se de um óbvio assunto de Estado. Isto é, era um assunto de Estado, porque o Estado, infelizmente, já não tinha assuntos. Uma analista “desalinhada” escreveu que «é o próprio Presidente que está a perder o sentido de Estado». Não percebo como ela escapou ao lápis azul. O PR não pode perder uma coisa que já não existe. Sentido de Estado? Quem o tiver que se acuse. Talvez enfileire ao lado das gravuras de Foz-Côa e das pegadas dos dinossáurios e se torne numa atracção turística.

Há gente que é predestinada. Nos últimos anos houve milhares de portugueses que se demitiram ou foram demitidos. Entre eles, certamente, muitos jornalistas. Apenas um despertou este alarido, absorveu o interesse de toda a comunicação social, foi recebido pelo PR ao abrigo do estatuto de vigilante da coisa pública, estatuto criado justamente para vigiar este caso. Apenas um: Marcelo (por parte do padrinho) Rebelo de Sousa (por parte do pai).

E se conseguiu esta projecção não foi por ter falado ... mas por se ter calado. Todos exaltam a forma magistral como sabe gerir o seu silêncio. Fazem-me lembrar aqueles comentadores desportivos que se extasiam perante a forma com certos jogadores jogam ... sem bola. Por falar em bola, Luís Filipe Menezes afirmou que Marcelo protagonizou o atacante que, ao passar de raspão por um defesa, dentro da grande área, se atirou para o chão para ver se o árbitro marcava grande penalidade. Talvez tenha razão na sua metáfora futebolística ... às vezes é na voz dos simples que florescem as verdades!


Nota: Um dos jornalistas vítimas da censura governamental foi “obrigado” a escrever sobre a «a originalidade de se ver um ministro e um Governo a responderem a opiniões de comentadores». Há que reconhecer que tem toda a razão. Até agora apenas o PR havia feito isso.

Outros textos sobre o mesmo assunto:
O Pivot Portela
A Vingança do Perdedor Eterno
A Vitória dos Batanetes
O Velhaco Genial

Publicado por Joana às 11:18 PM | Comentários (31) | TrackBack

outubro 07, 2004

O Velhaco Genial

É notório e insofismável que o ministro dos Assuntos Parlamentares Rui Gomes da Silva errou e foi inábil nas suas apreciações sobre o comentário dominical de Marcelo Rebelo de Sousa. O ministro tem todo o direito de contradizer ou opinar sobre as afirmações do professor e contestar essa faculdade seria retirar ao ministro a capacidade de exercer o seu direito de cidadania. Já o apelo feito pelo ministro à intervenção da Alta Autoridade contra um eventual delito de opinião de um comentador foi um disparate e uma inabilidade. Um disparate, porque não faz sentido o princípio do contraditório aplicado ao comentário de um dado analista político; o que interessa é haver no conjunto da programação a aplicação daquele princípio. Uma inabilidade porque cometer esse erro num acto de antagonismo com o professor é uma tremenda ingenuidade política. Pisar um ninho de cascáveis seria menos perigoso.

Em segundo lugar existe um psicodrama em Portugal. Santana Lopes (ainda mais que Paulo Portas) induz em certos meios intelectuais e da comunicação social uma patologia que é um misto de “pele de galinha”, urticária e esquizofrenia obsessiva-compulsiva. Gente que aparenta sensatez, educação, boas maneiras ... ouve falar do PSL como primeiro ministro e é acto contínuo atacada por uma paranóia maníaco-agressiva desvairada e azeda. Por exemplo, até há poucos meses julgava-se que apenas o tabaco e o FC Porto provocavam distúrbios emocionais e disfunções da personalidade de M Sousa Tavares. A partir de Junho deste ano o PSL foi acrescentado à lista de germes patogénicos que punham em risco a saúde mental do conhecido comentador.

Marcelo Rebelo de Sousa parecia imune a estas patologias. Digeriu, por exemplo, a ascensão de P Portas ao governo com a elegância que sempre o caracterizou, passando-lhe a mão pelo ombro e aproveitando-a para enterrar, afectuosa e semanalmente, a adaga acerada e subtil da sua verve. Várias vezes o apelidei aqui de velhaco genial que me parece ser o cognome que melhor caracteriza a sua personalidade de analista político.

Ora um «Velhaco Genial» com a reputação e a auréola de Marcelo não capitula num qualquer fugaz jantar com um empresário da comunicação social, isto admitindo que Paes do Amaral tenha pedido ao comentador político para se moderar nas críticas ao Governo e ao PSL, e Paes do Amaral negou que o tivesse feito. Não vou pôr em causa a sua negação. Se ele o não fez, muitos o têm feito e continuarão a fazer. Só hipócritas acreditam que todos os jornalistas escrevem (ou dizem) o que muito bem entendem. Qualquer artigo ou notícia passa pelo crivo dos escalões hierárquicos superiores e a estratégia da comunicação é definida pelas chefias.

E porque não haveria de ser assim? Quem outorgou ao jornalista A ou B a categoria de detentor da verdade absoluta e incontestável? Tem que haver equilíbrio informativo e formativo e alguém, indivíduo ou grupo, em cada órgão de comunicação social será responsável por assegurar esse equilíbrio. Quem viu o filme «Os Homens do Presidente» e observou as cautelas dos editores do Washington Post, e a «censura» que fizeram à divulgação do Caso Watergate até estarem seguros que podiam avançar com segurança e certezas, não pode deixar de estar de acordo com o processo. Mas quem apenas viu o filme até meio, e desconheceu o seu desfecho, poderia ser tentado a acusar os editores do jornal de censura hedionda. E o filme da vida real nunca termina ...

Portanto a liberdade de imprensa não é a liberdade de qualquer um dizer o que pensa, mas o equilíbrio informativo, o rigor e a permanente busca da verdade o mais objectiva possível.

É óbvio que se Paes do Amaral tivesse feito aquele pedido (e ele garante que não o fez) a instâncias do governo, o caso mudaria de figura. Os governos não devem interferir na liberdade da comunicação social, embora essa interferência sempre tenha acontecido e só tenha perdido a acutilância inicial, depois do aparecimento dos canais privados.

Rui Gomes da Silva foi (aliás, tem sido) inábil, mas nem PSL, nem Morais Sarmento cometeriam a imprudência de pressionar a TVI. Era um tiro no pé. A saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI, após um conflito verbal com um ministro, seria péssima para a imagem do governo porque seria sempre lançada, quer fosse verdade ou não, a crédito da influência governativa.

Portanto, todos os protagonistas, ou alegados protagonistas, deste psicodrama negam veementemente que tenham feito, directa ou indirectamente, qualquer pressão sobre Marcelo Rebelo de Sousa, excepto o próprio Marcelo que ... guarda de Conrado o prudente silêncio.

Todavia, para quem conheça o professor não custa nada a admitir que esta saída da TVI seja uma monumental rábula, aproveitando uma série de circunstâncias que lhe confeririam uma imagem vitimizadora. Carlos Magno, que não pode ser considerado fã do PSD e do PSL, contou há horas um episódio ocorrido perto do fim do governo Balsemão, na época da demissão de Freitas do Amaral, onde Marcelo, então membro do governo, mas que garantia estar demissionário, fez a rábula de se ter ausentado para o Mónaco (com fotografia “retocada”, nos jornais, em que o seu rosto aparecia numa piscina do principado) enquanto se passeava pelo Porto, segundo testemunho do próprio Carlos Magno.

Uma coisa é gostar de ouvir o professor perorar sobre a vida política, quer se esteja ou não de acordo com ele. Ele tem uma invulgar capacidade de comunicação e sabe ministrar o veneno com a elegância e o requinte com que uma fidalga do século XVIII servia um inocente chá no seu aristocrático salão. Adoro vê-lo fazer isso! Outra é acreditar na sua fiabilidade como pessoa. Como diz o povo:«Quem vê caras, não vê corações».

O que é um facto é que Marcelo se tornou, em poucas horas, no herói impoluto de um vasto leque do espectro político, desde M S Tavares, passando pelo BE, pelo PCP, pela Intersindical, pelo PS (todo o PS!), pelo J P Pereira e acabando em ... M S Tavares. Freitas de Amaral, que só ele talvez saiba em que zona do espectro político se situa, veio compungido, de óculos embaciados pela humidade, derramar lágrimas sobre o 25 de Abril amordaçado! Neste momento de suprema emoção, todos, enternecidamente, já esqueceram a cicuta que o professor, ao longo de mais de 4 anos, os fez beber, a todos, e repetidas vezes.

Se isto foi uma rábula, eventualmente facilitada pela inabilidade do ministro Gomes da Silva, veremos nos próximos meses qual será o percurso político-mediático do «Velhaco Genial». Se me enganar, também se verá nos próximos meses.

Publicado por Joana às 10:46 PM | Comentários (55) | TrackBack

setembro 21, 2004

Novos Assessores de Imagem, Precisam-se?

O nosso primeiro-ministro contratou assessores de imagem para coordenar a sua produção pública. Foi uma decisão acertada. Num país em que os políticos estão a definhar em matéria de ideias; num país em que os meios de comunicação, quando pretendem abordar matérias políticas, não tratam dos assuntos que interessam às pessoas e apenas se entretêm com o insólito e com a coscuvilhice mais bacoca; num país em que não se abordam os fundamentos das coisas, mas apenas as suas imagens reflectidas em diversos ângulos e refractadas através sabe-se lá de quantos meios; em suma, num país com duas faces, uma real e ignota, outra aparente e mediática, apenas o que é mediático interessa. Portanto a contratação de assessores de imagem era não apenas um acto estrategicamente indispensável, como politicamente coerente.

A comunicação social lançou-se então num coro de protestos e lamentações, censurando com veemência uma decisão que punha políticos em concorrência com ela própria. E a concorrência é algo que todos aplaudimos para os outros, mas desdenhamos para nós.

Todavia, parece evidente que a comunicação social mais uma vez se empenhou no supérfluo e esqueceu o essencial. E o essencial não era discutir a contratação de assessores de imagem por PSL, mas saber se tinham sido contratados os assessores competentes ou não.

Uma análise mais superficial pode levar-nos a concluir que a maldição da função pública se teria abatido sobre as contratações: assessores capazes dos maiores deslumbramentos pirotécnicos na privada, pareceram revelar-se ineficazes e contraproducentes na pública. Vejamos se esta leitura dos acontecimentos não será precipitada. Em primeiro lugar, e contrariamente ao que é hábito na comunicação social, analisemos os factos:

Num dia Pedro Santana Lopes expõe a ideia de adoptar diferentes taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde, no outro dia o Ministério da Saúde refere que não estava ao corrente dessas declarações, um ou dois dias depois Bagão Félix vem afirmar que a questão «tem que ser vista com sensatez», dias volvidos PSL já fala em taxas moderadoras diferenciadas, emendando a seguir para preços de actos médicos, e agora, depois de Sampaio, contra os seus hábitos, ter dito algo de concreto e, ainda por cima, um rotundo não, PSL afirma que quaisquer declarações do PR são sempre um factor de estabilidade. Penso que, em todas estas afirmações múltiplas e contraditórias, o empenho dos assessores de imagem foi determinante: uma pessoa sozinha não poderia produzir uma tamanha enxurrada de ideias tão radicais e contraditórias.

No caso do acidente no terminal de Leixões há um relatório de uma comissão coordenada pelo ministro do Ambiente, há o “despeito” do ministro Álvaro Barreto por não ter sido consultado previamente à publicitação do relatório, há a “aparência mediática”, badalada pela comunicação, que PSL havia retirado o “tapete” debaixo dos sapatos de Nobre Guedes, e, surpreendentemente, lê-se, dias depois, que o primeiro-ministro deu "orientação clara" ao ministro Álvaro Barreto para encerrar a refinaria da Galp de Matosinhos "num prazo tão curto quanto possível".

A Galp, a empresa proprietária da instalação, tem accionistas privados e a unidade de Leça tem 600 efectivos e um terço da capacidade de refinação da Galp. Por outro lado, há em Leça um importante emprego induzido pela existência daquela unidade. O seu encerramento coloca questões estratégicas vitais pois a Refinaria de Sines não tem, por razões logísticas, capacidade para garantir o abastecimento total do país, o que daria uma vantagem concorrencial importante à refinaria da Repsol na Corunha, cuja proximidade geográfica permitir-lhe-ia substituir Leça da Palmeira no abastecimento da região norte do país.

Portanto, uma declaração tão radical sobre matéria com tanto impacte na economia e no emprego em Portugal não poderia ser proferida de ânimo leve, ou seja, sem o aconselhamento dos assessores de imagem. Dias depois, sempre seguro de si, PSL explicou que o encerramento da refinaria do norte apenas está no domínio das intenções. Isto é, «é melhor esquecerem o que eu disse».

Na questão das taxas do IRC, enquanto PSL apostava no choque fiscal, Bagão Félix afirma que não é uma medida prioritária e que as actuais taxas de IRC já não destoam das europeias. Certamente assessores de imagem diferentes, ou défice de assessoria de imagem da parte de Bagão Félix.

Na questão das SCUT’s os governantes entraram com o mesmo ímpeto liquidatário do anterior executivo. Não sei se quando se aperceberem da triste realidade do ruinoso negócio que têm entre mãos (ver post anterior neste blog) não se darão também por esquecidos.

Quem teve a paciência de me ler até aqui perguntar-se-á: porquê tantas contradições? Que raio de assessores são esses? Como é possível serem tão incompetentes?

Seria imprudente que os meus leitores assim se precipitassem. A Marta, a Margarida e a Ana são assessoras com créditos firmados a nível da comunicação social. Não são elas que se equivocaram – nós é que não estamos a avaliar devidamente o alcance das estratégias mediáticas implementadas.

A estratégia daquelas assessoras baseia-se na dialéctica hegeliana e no princípio da contradição: num primeiro momento formula-se a tese; num segundo momento nega-se a afirmação anterior – é a antítese; finalmente haverá um terceiro momento, radioso, em que a contradição é superada – é a síntese. Esta síntese é, por sua vez, uma primeira afirmação no processo seguinte – uma nova tese ... e assim sucessivamente.

Portanto, é seguro que as assessoras estão a encaminhar a governação de PSL de forma a que esta constitua a realização progressiva da sua "ideia absoluta". Depois desta estar realizada, Hegel e Fukuyama prometeram-nos o “fim da história” e o aparecimento de uma sociedade superior e livre.

Se tal não acontecer, os responsáveis são Hegel e Fukuyama. O segundo que se precate, pois ainda está vivo.

Publicado por Joana às 11:32 PM | Comentários (18) | TrackBack

agosto 09, 2004

A Anunciação a Ana Sá Lopes

No sábado passado, no Público, Ana Sá Lopes escreveu um artigo (Tempos Não Absolutamente Novos) sobre a «crise» política decorrente da saída de Durão Barroso, a sua evolução e a decisão do PR.

O que este artigo tem de interessante é que, por muito menos do que Ana Sá Lopes escreve, eu fui aqui vaiada por comentaristas da mesma área política (ou próximos) da articulista do Público.

Ana Sá Lopes começa lapidarmente: «Jorge Sampaio fez bem em não convocar eleições antecipadas: a legitimidade política do Governo em funções era plena, a alternativa coisa difusa». Legitimidade plena? Alternativa difusa?? Eu também tive uma opinião afim (embora nunca me atrevesse a escrever «plena»), e as vaias que li aqui dos comentaristas daquela área política foram ensurdecedoras.

E Ana Sá Lopes, agora rendida ao realismo político, prossegue impiedosa «A esquerda, inebriada com a vitória eleitoral nas europeias, deu um pontapé excessivamente violento no regime institucional». Afinal a própria esquerda descobre agora que a ilegitimidade era dela, pois andava aos pontapés violentos ao regime institucional! E inebriada!?. Ah! Ana Sá Lopes! Isso diz-se? Então não leste o que os teus correligionários escreveram aqui? O que tu própria tinhas escrito anteriormente?

Mas Ana Sá Lopes estava imparável. São sempre os recém convertidos os mais decididos a ajustarem as contas com o seu passado, para que não restem dúvidas sobre a sua abjuração, e escreveu, mortífera: «O acerto da decisão de Jorge Sampaio revelou-se no momento seguinte ao seu anúncio: a demissão de Ferro Rodrigues foi a peça que faltava para a definitiva prova de que o PS não estava preparado para passar de pastoso partido da oposição a alternativa vencedora

Algo de transcendente se passou. Uma Anunciação a Ana Sá Lopes feita pelo Arcanjo Sant’Ana? O haver encontrado o Sant’Ana Pedro flutuando sobre uma nuvem, na Estrada de Damasco, ou mais próximo, na Estrada Marginal, inquirindo com estudada indignação paternal: «Ana, Ana, porque me persegues ?».

Pedia aos meus comentaristas, àqueles que tão indignados se mostraram pelo que aqui escrevi entre 27-06-2004 e 12-07-2004, durante a «crise» potenciada pelo «pontapé excessivamente violento no regime institucional» dado pela «esquerda inebriada» que escolham, se fazem o favor, entre insultar publicamente Ana Sá Lopes, de forma convincente e prolongada, ou virem aqui retractarem-se e fazerem um inequívoco acto de contrição.

Porque a única diferença entre o que Ana Sá Lopes escreveu em 7-08-2004 e o que eu escrevi entre 27-06-2004 e 12-07-2004, para além da incomparável maior violência verbal de Ana Sá Lopes, residiu exactamente no mês de permeio entre as duas análises.

Eu fui escrevendo sobre os acontecimentos, quando tudo estava em aberto, qualquer das hipóteses se poderia realizar, todas as dúvidas eram possíveis. As análises então feitas tinham a precaridade própria de quem escreve sobre o futuro. A única consistência que poderiam ter, residiria na minha eventual capacidade, ou não, de entender a sociedade portuguesa e os protagonistas da «crise». O artigo de Ana Sá Lopes refere-se a acções e comportamentos já sedimentados pela realidade dos factos, sobre os quais desapareceram quaisquer dúvidas sobre se ocorreram e como ocorreram.

Em 7-7-2004, antes da decisão presidencial, eu escrevi, em Síntese Política da Semana, que «o PS precisa primeiro de arrumar a casa, promover líderes capazes e constituir-se como alternativa credível». O mesmo que, exactamente um mês depois, Ana Sá Lopes escreve: «é melhor para o PS fazer uma clarificação interna do que ter ido à doida para umas eleições sabe lá Deus como». Ana! Nem eu me atreveria a qualificar o PS de uma tonta embriagada que deambula sem destino!

Em 2-7-2004, eu havia escrito em Dispromisso Político, que «mesmo que o PS tivesse maioria absoluta, a situação não seria muito melhor. Os empresários lançam as mão à cabeça só de ouvirem falar no nome de Ferro Rodrigues». Mais de um mês depois, Ana Sá Lopes é absolutamente peremptória: «Este PS que hoje se lê nos jornais não devia estar no poder». Porém, quando eu, na noite da decisão presidencial (9-7-2004) escrevi em Sampaio escreve direito por linhas tortas que, no caso de eleições antecipadas, se «o eleitorado ... desse a vitória a Ferro Rodrigues, isso teria sido um desastre nacional» sofri críticas acerbas de muitos dos que sempre se reviram nas opiniões de Ana Sá Lopes.

Hoje em dia, é fácil, para quem não tiver o cérebro obliterado por fósseis ideológicos (e estiver sóbrio, após a ressaca do período "inebriado"), constatar que tudo o que escrevi então estava certo e que a opção do PR, pecando embora por tardia, era aquela que, de longe, o faria correr menos riscos e seria a que conduziria a uma solução mais estável para o país.

Até a Ana Sá Lopes, descobriu isso, nas colunas do Público do sábado passado.

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agosto 01, 2004

Debate para todos os gostos

O debate do programa de Governo decorreu com toda a normalidade. Santana Lopes, os ministros, as oposições e os meios de comunicação pareciam personagens de um espectáculo devidamente encenado, em que cada um sabia as suas deixas, as suas marcações, os seus tempos de entrada. Tudo perfeito na sua previsibilidade.

Santana Lopes foi o que cada um esperava dele. Se as crónicas tivessem sido escritas dias antes do debate, diriam exactamente a mesma coisa. Se a oposição se tivesse equivocado na data e discursado dias antes, diria exactamente o mesmo. Nada de surpresas.

Santana Lopes é, por natureza, um imediatista que assentou toda a sua carreira política numa invulgar capacidade de improviso e numa enorme intuição política. Como os grandes improvisadores, não tem paciência para estudar com profundidade os dossiês. Provavelmente nem julga necessário fazê-lo. Nesse ponto é aliás similar a Mário Soares, que sempre preferiu igualmente circunscrever-se às generalidades políticas do que embrenhar-se pelos meandros áridos, cansativos e embaraçosos dos números e estatísticas.

Tal como Mário Soares, Santana Lopes está mais à vontade a reagir e a responder aos ataques dos seus adversários do que a produzir discursos aprofundados e elaborados. Por via disso, os meios de comunicação bem pensantes presentearam-no com todos os epítetos adequados a quem está atacado de exclusão cultural e intelectual: «respondeu quase sempre ao lado ou ignorando mesmo as questões concretas»; «discurso ... desconexo e projectando uma imagem displicente .. desconhecimento dos dossiers e assuntos com que era confrontado ... pelo facto de não avançar os números, as percentagens».

Aliás, Santana Lopes deve evitar beber água e, acima de tudo, não respirar durante os seus discursos. Uma das críticas mais perspicazes que provou a sua «insegurança» foi a existência de «pausas feitas para respiração, beber água». Todavia deve ser fácil para Santana Lopes evitar futuramente estes embaraços. Como o homem tem uma clara aversão a discursos longos, deverá sair-se bem da prova de apneia que terá doravante que realizar em simultâneo com os seus futuros discursos parlamentares. E isto apesar de se tratar de um quarentão à beira dos cinquenta e debilitado pelo fumo, pelo álcool e pela “nite” das discotecas da kapital.

Foi neste cenário que os meios de comunicação bem pensantes também colaboraram nesta produção magnífica. A sua tónica foi que Santana Lopes «passou ao lado dos problemas do país e deixou a Barreto, Bagão, Portas e Aguiar Branco, a tarefa de discutir as orientações programáticas» ...foi realçar «a vacuidade que mora na cabeça do novo titular de São Bento» ... foi acentuar «o pouco que sabe sobre alguns dos grandes problemas que vai encontrar».

Ora o papel que Santana Lopes tinha distribuído a si próprio era exactamente aquele, liberto de papéis, e acentuando a sua faceta de tribuno. Para os números, as estatísticas, os dossiês relativos às diversas áreas, há os ministros: Morais Sarmento, Álvaro Barreto, Bagão Félix, Paulo Portas, Aguiar Branco, António Mexia, etc.. A intuição e o improviso são qualidades importantes num político desde que bem apoiadas numa segunda linha que assegure as competências específicas.

Numa organização, empresarial ou política, cada um faz aquilo em que é competente (ou aquilo em que é ... menos mau) e actua consoante a posição que ocupa. É estulto estar a acusar Santana Lopes de ter agido como se o governo fosse uma estrutura organizada, porquanto a delegação de competências não significa necessariamente «vacuidade», «ignorância», etc. (embora não exclua tal). Mas afirmar que essa condição é suficiente significa, em contrapartida, «vacuidade» e «ignorância» de quem produz tais afirmações.

A oposição também se prestou a não destoar neste espectáculo. O BE e o PCP agiram como é seu hábito. Quem sabe que não vai governar e ser responsabilizado pelas soluções que propõe torna-se naturalmente irresponsável e demagogo.

O PS agiu como um partido que está preso nas suas próprias contradições. O PS esteve dois anos a contrariar a política de contenção da despesa pública, cavalgando a impopularidade que essa contenção causava. Mesmo durante o «período de reflexão» do PR, em que havia uma forte possibilidade de eleições antecipadas e Ferro Rodrigues já andava em pré-campanha eleitoral, o PS evitou cuidadosamente falar da contenção da despesa pública, antes referindo a sua aposta no reforço dos «objectivos sociais» com o que sabemos do que isso significou em termos de despesa no anterior governo PS.

Sendo assim, o PS, acusando embora PSL de populismo, comportou-se sempre defendendo posições populistas e demagógicas. Tem portanto dificuldade em acusar a coligação de menor empenho na contenção orçamental, quando ele próprio nunca mostrou qualquer intenção de prosseguir esse objectivo, antes pelo contrário. Não pode extrair significado despesista da saída de Manuela Ferreira Leite quando ele próprio foi, durante os dois anos de actuação da ex-ministra, um dos seus maiores detractores.

Concluindo, Santana Lopes renovou os compromissos do governo anterior: equilíbrio das finanças públicas, combate à fraude e evasão fiscal e aumento da produtividade e competitividade. Em contrapartida enterrou o discurso da tanga. Veremos se a economia lhe permite que não o tenha que ressuscitar. Em qualquer dos casos o discurso do novo governo conseguiu dar uma imagem de ruptura com o governo anterior, mesmo quando falava de continuidade.

Foi uma postura pragmática que mostrou a capacidade que o PSD tem em suceder a si próprio, dando a imagem de um partido diferente, com novas prioridades e atitudes. Santana Lopes quer ganhar as eleições de 2006.

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julho 26, 2004

Marcelo a caminho de Damasco

Marcelo Rebelo de Sousa reencontrou a sua Estrada de Damasco, que em versão menos bíblica se pode traduzir por «voltaram a pô-lo nos carris».

É o que sucede quando um analista mistura as suas convicções partidárias ou os seus ressentimentos nas análises políticas que faz. No domingo anterior (18/7), um Marcelo ressentido havia ressumado o seu ódio a Santana Lopes. Com aquele talento de velhaco genial, que ninguém lhe pode negar, Marcelo vandalizou o ministério todo e, enquanto destruía cada ministro, enquanto ministro, um a um, lentamente, com requintes malvados, elogiava empolgado as qualidades pessoais de cada um e emocionava-se com a extremosa amizade que o unia a cada um deles. Foi um dos momentos mais altos da TV portuguesa, o talento da argumentação jesuítica elevado ao seu máximo requinte.

Este domingo (25/7) Marcelo Rebelo de Sousa, ex-Presidente do PSD, foi elogioso em extremo do novo elenco dos secretários de Estado. A própria Teresa Caeiro era excelente, havia feito um óptimo trabalho na Segurança Social e certamente que ... enfim ... É claramente uma secretária de Estado Todo-o-Terreno, com talento para tudo o que seja governação. O seu único problema foram aquelas precipitações usuais de Santana Lopes, Paulo Portas e Cia.

Depois do que havia afirmado no domingo anterior, e face ao risco de alguém ainda se lembrar do mal que havia dito dos ministros, viu-se constrangido a declarar que o elenco dos secretários de Estado era de melhor qualidade que o dos ministros.

Apesar do seu talento e habilidade de comunicação, parece-me que foi pior a emenda que o soneto. O elenco ministerial tem algumas fragilidades, mas o elenco dos secretários de Estado também as terá e porventura maiores. O governo actual reflecte a rapidez que Santana Lopes pôs na sua constituição e a dificuldade actual em convencer gente capaz a assumir cargos governativos.

Uma coisa poderá salvar Santana Lopes: a fasquia das expectativas foi colocada tão baixa, tão baixa, que só pode haver surpresas positivas ... o negativo deixou de ter a característica de surpresa.

Já agora permitia-me uma reflexão algo imodesta. Quem leu os meus textos durante a crise certamente não notou qualquer pirueta, qualquer inflexão. Nunca tive necessidade de me desdizer ou de me fingir distraída face a qualquer afirmação contrária que houvesse proferido entretanto.

Muitos me atribuem objectivos partidários. Mas colocar rótulos é uma táctica de desvalorizar o debate, afastando-o do que é essencial. A coerência da linha de análise que tenho mantido neste blog, desde que ele existe, resulta justamente de me orientar pelo que considero o interesse do país e da prosperidade do nosso povo e não pelo interesse partidário, ou por ressentimentos pessoais, como Marcelo Rebelo de Sousa. Essa minha orientação reflecte-se, obviamente, nas opções políticas que apoio conjunturalmente. Apoio que muitas vezes não significa concordância plena, mas apenas a escolha do mal menor.

Esta sequência de artigos a que me referi pode ser encontrada clicando nos títulos respectivos na coluna da direita.

Publicado por Joana às 09:30 PM | Comentários (16) | TrackBack

julho 23, 2004

A Síndrome do Bey de Tunis 1

É estranho, após uma semana repleta de factos políticos, eu estar atacada pela síndrome do bey de Tunis: Não me parece que haja algo na vida nacional que mereça relevo ... olho para este rectângulo branco desesperadamente vazio, e escasseia-me a vontade de o preencher. Como aquela vetusta instituição desapareceu entretanto de Tunis, o primeiro sintoma desta terrível síndrome que me assaltou foi uma fixação no MST.

Pois é ... li hoje o artigo do Miguel Sousa Tavares no Público. Depois do Tabagismo e do FCPortismo, o homem adquiriu outro vício extremado: o Anti-Santanismo. Afirma, com total desplante, que «Santana tornou-se possível essencialmente por culpa nossa, dos jornalistas, entre os quais directamente me incluo. Sempre lhe desculpámos o vazio ...». Ora isto é absolutamente falso: todos os jornalistas dos jornais de opinião sempre embirraram com Santana Lopes, sempre o abominaram, sempre zombaram dele como vítima da exclusão cultural.

A menos que Miguel Sousa Tavares também escrevesse na revista Maria ou nas revistas das fofoquices, em cuja fauna jornalística Santana Lopes teve bastante acolhimento. Se tal não aconteceu, Miguel Sousa Tavares está a dizer uma rematada mentira, ou melhor, está a agir sob o efeito do vício Anti-Santanismo que, como se tem visto, turba a razão dos mais avisados.

A questão é outra: Santana Lopes sabe manipular a comunicação social, mesmo contra vontade desta; há uma química enorme entre Santana Lopes e as câmaras de TV ... ou melhor Física ... ou mais precisamente Mecânica – atraem-se mutuamente. Aparece uma câmara de TV e Santana Lopes perfila-se imediatamente no centro da objectiva. Provavelmente ambos são atraídos pelos mesmos objectos. Se há um vazio evidente naquilo que atrai Santana Lopes, é o mesmo vazio que atrai os jornalistas. Se Santana Lopes volteja sobre a putrefacção política e social, também a nossa comunicação social gosta de se refastelar nesse ambiente ... de rodopiar sobre a mesma putrefacção política e social; se Santana Lopes é pimba ... a nossa comunicação social é um conjunto de pimbas.

A nossa comunicação social não construiu Santana Lopes. A nossa comunicação social tem-se desvelado a construir, à sua imagem, um país pimba e agora derrama lágrimas de crocodilo por haver, segundo ela, um pimba como primeiro ministro. Ela que olhasse primeiro para si própria ... se fosse alguma vez capaz disso.

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julho 19, 2004

Nervos à Flor da Pele

Ou como os políticos estão à beira de um ataque de nervos

O comportamento da classe política nestes últimos dias indicia uma sintomatologia de profundos traumas psíquicos. A classe política está com os nervos à flor da pele. Os sintomas são evidentes e perturbantes. Vejamos os políticos da área da coligação:

Paulo Portas fez um ar de total espanto ao ser anunciado o nome do seu ministério. Ora ele já sabia das funções que lhe seriam cometidas no âmbito daquele cargo. Apenas o nome exacto constituiria novidade para ele. Por outro lado Paulo Portas estava numa tomada de posse do governo do país, com as câmaras todas assestadas sobre os novos ministros, e não numa qualquer cerimónia escolar, alinhado com os restantes miúdos, irrequietos e folgazões.

Paulo Portas deveria manter-se impenetrável, impassível, sem mexer um músculo, mesmo que ouvisse anunciar o nome dele para ministro dos Assuntos Exteriores à Órbita Terrestre. Depois da cerimónia acabar e fora dos olhares curiosos da comunicação social poderia então tirar o assunto a limpo. No meio da cerimónia foi absolutamente despropositado.

Santana Lopes enganou-se diversas vezes ao ler o discurso. Aparentemente resolveu-lhe cortar algumas parcelas provavelmente por ser demasiado longo. Mas em actos destes, os discursos preparam-se e ensaiam-se antes e controla-se o tempo que demoram. Fazer cortes sobre o acontecimento, num discurso que está a ser lido, pode ocasionar cenas lamentáveis. Valeu a Santana Lopes o seu à vontade e a sua capacidade de improvisação para se safar sem custos maiores.

Marcelo Rebelo de Sousa disse mal, mal absolutamente: mal do governo, mal de cada um dos ministros, excepto os que sobejaram da colheita de Durão Barroso, mal da forma como o governo foi constituído, mal na forma como o governo foi anunciado. Este governo foi castigado com o pecado original mais absoluto. Nem o Criador, quando expulsou a humanidade do Éden, foi tão devastador. Ainda deixou o baptismo como possibilidade de reabilitação. Marcelo foi intransigente: não há salvação nem redenção possíveis, apenas o inferno e as suas chamas purificadoras, o mais tardar, dentro de 2 anos.

E enquanto exercia a sua malevolência sobre cada um dos ministros, referia sempre, comovidamente, a amizade que o unia àqueles desgraçados, a competência que lhes reconhecia, mas não obviamente para aquele governo. Parafraseando Camões: um governo mau faz má a boa gente.

Para angariar apoios dentro do seu (???) partido para tanta maledicência, avançou com a tenebrosa descoberta que o parceiro-inimigo tinha ganho poder dentro da coligação e denunciou esta situação execrável. A base desta denúncia foi uma contagem simples e expedita: os independentes na área do PSD não são do PSD; os independentes na área do PP são do PP. Não precisou de ir mais além para obter uma aritmética sólida.

Louvemos a sua moderação. O Marcelo Rebelo de Sousa poderia ainda ter estimado a densidade de militância dos ministros do PSD e concluído que era 50% da densidade de militância dos ministros do PP, o que equivaleria, em termos de poder dentro da coligação, a fazer 2 PSD = 1 PP. Poderia chegar mesmo aos 10% ... mas não, Marcelo é um analista comedido ... Marcelo apenas nos enganou acerca da contagem dos ministros dos dois partidos.

Pacheco Pereira, depois das suas críticas contundentes não terem surtido efeito, começou a desistir; a desistir em nome da sua liberdade de escolha. Desistiu do cargo de embaixador de Portugal na UNESCO porque não quer ter qualquer dependência funcional deste Governo. Para manter a coerência, irá desistir do cargo de professor do ISCTE, porque trata-se de um organismo insidiosamente ligado ao Estado e, portanto, ao governo. Com a atitude de rigor que mantém consigo próprio, vai desistir de meter combustível no seu veículo, pois o pesado imposto sobre os produtos petrolíferos alimenta a máquina do Estado, logo o governo. Vai desistir de qualquer actividade remunerada, porquanto o IRS que pagasse iria direitinho para os cofres do Estado e, bem lá no fim do percurso deste fluxo monetário, perfila-se a figura ominosa de Santana Lopes. Deixarei de vê-lo no hipermercado Modelo do Cartaxo, pois qualquer aquisição que faça é sujeita ao IVA e certamente Pacheco Pereira detestaria que ... Santana Lopes ... de mão estendida ... recolhesse mais este óbolo.

Resta o Abrupto...

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julho 18, 2004

Acontecimentos Menores

Os acontecimentos deste fim de semana não seriam, em teoria, menores. Quem os protagonizou é que não teria tido a dimensão apropriada.

É certo que houve a posse do novo governo. Santana Lopes mostrou mais uma vez que é um político cheio de charme. A elegância natural como ele baralhava as folhas, as revirava, as abandonava displicentemente (... sabe-se lá quantas dezenas de parágrafos, provavelmente repletos de um talento radioso, foram assim subtraídos à curiosidade dos ouvintes?), como tentava estabelecer uma ligação semântica e conceptual entre uma frase e outra separada dela algumas folhas adiante, mostra uma nova forma de estar na política.

Aliás também é de louvar o rigor e os critérios na escolha dos nomes para o elenco governativo. Tudo gente de elevada craveira e competência. De tal forma elevada que Santana Lopes se pôde dar ao luxo de os empossar em cargos diferentes das respectivas áreas de competência. Que outro político se pode gabar de ter um elenco tão habilitado?

O Portugal novo, de Santana Lopes, teve outro condão: pôs o PR a falar claro. Já é a segunda vez, nestes seus dois mandatos, que Jorge Sampaio fala claro e sem ambiguidades. A primeira foi quando anunciou a sua decisão. O único erro nesse discurso foi o tempo ... devia ter sido proferido 2 semanas antes. Agora foi lapidar ao afirmar que o seu compromisso é com «as grandes causas nacionais» e que «no desenvolvimento desse compromisso, o Presidente da República nem se corresponsabiliza pela política desenvolvida pelo Governo, nem labora para forjar ou facilitar alternativas» Esta última proposição foi sibilina e manifestamente endereçada à facção Ferro Rodrigues.

Falando na facção Ferro Rodrigues, a ala esquerdista do PS passou o fim de semana carpindo para tudo o que era comunicação social. Nos intervalos fazia conciliábulos à porta fechada, tentando arranjar uma candidatura alternativa, e de peso, à de Sócrates.

No Público, o publicista Augusto Seabra anda totalmente de cabeça perdida, e só não desancou mais Santana Lopes apenas porque teve que deixar algumas bastonadas para arriar em José Sócrates.

O Buda vivo da nossa comunicação social, Mário Mesquita, queixa-se do poder económico que «não se limita a impor respeito aos Presidentes (aos Sampaios, pois claro!) e a manobrar os governantes. Alarga a sua influência à própria oposição - e tem a sua palavra a dizer, com peso considerável, na designação do secretário-geral do PS. Sem a caução do "velho" Portugal das boas "famílias", a oposição socialista não se assume como alternativa de governo. Eduardo Ferro Rodrigues saberá explicar porquê. Como se verá, novamente, em Outubro».

Questões económicas não são matéria forte para os Budas da comunicação social, senão Mário Mesquita teria percebido que o que Ferro Rodrigues não tinha era uma alternativa económica viável. E foi isso que aterrou economistas e empresários. O próprio Medina Carreira, antigo ministro socialista, foi claro sobre essa questão. Ferro Rodrigues não está a ser vítima do poder económico ... está a ser vítima do seu erro económico. Aliás, no dia anterior ao anúncio da decisão presidencial, quando Ferro Rodrigues já andava em campanha eleitoral, os socialistas responderam sim à hipótese de uma coligação com o BE, mas quanto à questão da disciplina financeira guardaram de Conrado o prudente silêncio ... Isso dá uma ideia do que pensavam fazer.

Também Santos Silva, que depois de uma carreira insípida e inodora no governo, descobriu finalmente a sua vocação, a de plumitivo socialista, se queixou amargamente do poder económico. Afirmou cabisbaixo que agora se «assume mais explicitamente que o objectivo é ter gestores e empresários, enquanto tais, a decidir sobre a coisa pública». Talvez não seja bom ... mas é certamente muito pior ter «a decidir sobre a coisa pública» sociólogos ignorantes e desconhecedores do funcionamento do tecido produtivo do país.

Quanto a Medeiros Ferreira, Santana Lopes deixou de ser o seu alvo principal. Ontem desferiu duras críticas a José Sócrates, afirmando que: «Estamos perante a vitória do poder 'berlusconiano' em Portugal», metendo no mesmo saco Santana Lopes e o seu provável futuro secretário-geral.

A ala esquerda do PS está tão agarrada a dogmas como os partidos à sua esquerda. Só que ainda não viu o seu Muro de Berlim ruir com fragor.

Publicado por Joana às 11:04 PM | Comentários (31) | TrackBack

julho 16, 2004

O Feitiço da Lua

Sempre postulei que não há coisas inexplicáveis. Especializei-me mesmo, profissionalmente, em encontrar explicações irrefutáveis para os factos passados, em encontrar razões sólidas e irrefragáveis para sustentar as previsões relativas aos cenários futuros, e em inventariar argumentos irrecusáveis para as razões que poderão levar a que ocorra o cenário A em vez do cenário B e vice-versa. Isto é, explicar, sem margem para dúvidas, o passado, aquilo que ocorreu e explicar o futuro, qualquer que seja o cenário que ocorra, com razões absolutamente sólidas, coerentes e necessárias, por muito contraditórios que sejam os cenários.

Tudo isto foi posto decisivamente em causa, hoje de manhã, ao abrir um jornal e ver os resultados de uma sondagem realizada de 2ª feira para 3ª feira passadas.

Há uma semana metade dos portugueses era favorável a eleições antecipadas e, da metade restante, apenas metade é que não punha obstáculos a um governo chefiado por Santana Lopes. Na 6ª feira Sampaio anunciou a sua decisão e na 2ª feira indigitou Santana Lopes. Nesse dia, à noite, a maioria dos portugueses achava que o presidente da República decidiu bem ao optar por não convocar eleições antecipadas. Isto é, 57,1 por cento dos inquiridos concordava com Sampaio e a indigitação e apenas 39,4 por cento dos interrogados preferia que tivesse sido tomada outra decisão. Em 3 dias (incluindo o fim de semana) Santana Lopes havia angariado mais de 30% de adesão.

O que é que acontecera entretanto? A argumentação do PR? Não trouxe novidades. A acção de Santana Lopes? Mas ele se não tinha feito nada, para além de uma entrevista à SIC, cheia de trivialidades, bastante criticada aliás pelo Guru Marcelo? Tudo irrelevante ou mesmo inconveniente.

Mas a sondagem não acaba aqui. Surpreendentemente, apenas 21,7 por cento dos inquiridos achava que o novo governo seria pior do que o Executivo demissionário. Os restantes achavam que seria igual ou melhor. Ou seja, os resultados das sondagens anteriores apareciam agora completamente invertidos. Mas como, se Santana Lopes havia sido indigitado há horas e ainda não havia nem governo, nem qualquer nome, além do dele próprio, para o integrar?

No painel dos líderes, Santana Lopes entrou imediatamente para o topo. Em simpatia aparece distanciado com 17,5 valores. Bem ... simpatia ... vá que não vá ... sabe-se que em matéria de coração ... um olhar ... um gesto ... um «coup de foudre» ... bastam minutos! Mas a questão é que também foi considerado o líder partidário mais competente conseguindo uma nota de 14,3 valores. Mais competente? Como foi possível naquelas poucas horas, sozinho, sem governo, obter uma nota tão elevada em competência? Como explicar?

Naquelas horas diminutas, houve apenas um prémio em que só obteve a aproximação. Foi na actuação. Francisco Louçã ficou com o primeiro lugar com 13,6 valores, seguido de muito perto pelo presidente social-democrata, com 13,1 valores. Ingrato povo! Então Carvalhas, Portas e Ferro que têm actuado anos a fio, assim postergados por apenas algumas horas de actuação daquele diletante da política! O próprio Louçã, que actua infatigavelmente, desdenhosamente, há tantos anos, viu o seu lugar ameaçado, Santana colado aos seus calcanhares por uma actuação curta e aparentemente trivial.

Dei tratos à imaginação e ainda não encontrei uma explicação baseada em deduções lógicas, solidamente assentes nos princípios teóricos das Sociologias, Filosofias, Psicologias Sociais, Gestões, Economias, Ciências Políticas, Ciências Genéticas, Paraquedismos, Desportos Radicais... todas!

Todavia não posso desistir. Não sou mulher de desistências. Há áreas de conhecimento por desbravar e vou desbravá-las. Há ciências que ainda dão os primeiros passos e vou-lhes dar o amparo amigo do meu ombro para caminharem. Por exemplo, a influência do campo gravítico e electromagnético da Lua nos instintos e vontades dos terrenos.

Deve ter sido isso ... o feitiço da Lua.

Publicado por Joana às 09:58 PM | Comentários (18) | TrackBack

julho 12, 2004

Coerências

O principal aviso que o PR fez ao futuro Executivo, e que foi um dos fundamentos da sua decisão, foi que ele deve respeitar "rigorosamente" o programa político sufragado nas legislativas de 2002, em particular nos domínios "da Europa, política externa, defesa, justiça e consolidação orçamental".

Ora foi precisamente a luta contra aquelas políticas, nomeadamente o esforço de contenção orçamental, que foi a bandeira das oposições durante campanha eleitoral para as europeias.

Quando a oposição acusa a coligação de já não ter legitimidade face aos resultados das europeias e como esses resultados decorrem da impopularidade das medidas de contenção junto dos eleitores, a oposição afirma, sem ambiguidades, que aquelas medidas carecem de legitimidade eleitoral.

Portanto a oposição está contra a necessidade da contenção orçamental que era, e continua a ser, para o PR, um objectivo nacional, mesmo que ele tenha declarado, há meses atrás, que “há mais vida para além do orçamento”. Nas vascas da tomada de decisão, o PR foi sensível à argumentação de Vítor Constâncio e de outros economistas, para os quais não há alternativa à política de contenção, embora não necessariamente nos exactos moldes em que Manuela Ferreira Leite a tem feito.

Todavia, e paradoxalmente, a oposição estava contra Santana Lopes pelo seu perfil populista e, por via disso, pelo receio que as contas públicas descambassem. Aliás, o próprio PR deu a entender que depositava pouca confiança em Santana Lopes para obter aquele desiderato.

Neste entendimento, o que se observou na argumentação da maioria da oposição foi esta protestar contra um eventual despesismo de Santana Lopes, sem se dar conta que toda a sua campanha anterior ia no sentido da mesma política que atribuía e afirmava detestar em Santana Lopes. Isto é, a oposição preparava-se, no caso de ganhar as eleições antecipadas, para fazer aquilo que criticava em Santana Lopes (talvez com menos mediatismo e outdoors) e que considerava ser um dos principais motivos para inviabilizar uma solução de continuidade da coligação.

Ou seja, a argumentação da oposição era válida contra Santana Lopes (se este fosse despesista) e contra ela própria, que se afirmava, na prática, como despesista. Ao criticar Santana Lopes, criticava-se a si própria.

Portanto o PR estava entre um governo Santana Lopes, que temia por ser eventualmente despesista, e um governo de Ferro Rodrigues (no caso deste ganhar as eleições antecipadas), que havia ganho as eleições europeias combatendo a política de contenção orçamental e que ficaria fatalmente refém das suas proclamações anti-contenção. Entre o país estar dois anos sujeito a um eventual despesismo, talvez controlável, e quatro anos e meio sujeito a um despesismo sem controlo, o PR escolheu o que considerou ser o mal menor.

Apenas C Carvalhas mostrou coerência ao criticar a decisão presidencial declarando-se indignado por o presidente aduzir como razão as necessidades de contenção orçamental que, segundo ele, haviam sido repudiadas nas urnas, nas eleições europeias. Foi o único que soube assumir com coerência as suas ideias, a sua demagogia e a sua ignorância de economia.

Publicado por Joana às 07:39 PM | Comentários (36) | TrackBack

julho 11, 2004

Santana entregue à vigilância presidencial

Como escrevi anteriormente, Sampaio transformou uma decisão inicialmente simples na decisão mais complexa dos seus mandatos, transfigurando-a numa crise política, dramatizada até ao paroxismo. No fim, socorreu-se da Teoria dos Jogos, aplicou o critério minimax e escolheu a estratégia que, para ele, era a menos má, dentro do conjunto dos resultados cada dia mais assustadoramente negativos da sua matriz pay-off. Segundo todavia afirmou, e os meios de comunicação sublinharam, a sua preocupação foi privilegiar a estabilidade do país.

Mas ao escolher aquela decisão, incluiu nesse pacote decisor uma garantia, pessoal e presidencial, de permanente vigilância do novo governo. Presume-se que seja uma vigilância especialmente acrescida relativamente àquela que decorre das obrigações normais do seu cargo. Ora este «aviso» é um convite público a todos os kamikazes da comunicação social e a todos os falhados da política para, cada vez que Santana mexer um músculo, tremer uma pálpebra, balbuciar uma sílaba, esboçar um sorriso, embaciar um olho, porem o dedo no ar e gritarem indignados para o presidente: «stôr», este menino está a portar-se mal! «stôr», este menino é mau! «stôr», ponha este menino na rua e marque-lhe falta de castigo! E mesmo se o menino Santana permanecer fixo, marmóreo, aqueles meninos não desarmarão: «stôr», este menino está esfíngico! «stôr», este menino está a tramar alguma! «stôr», ponha este menino na rua e marque-lhe falta de castigo, com participação e Conselho Disciplinar! Será que o «stôr» vai conseguir manter a «estabilidade» na sala de aula?

Portanto o PR pretende estabilidade no país e cria condições para a instabilidade na comunicação social e nos areópagos políticos. Não se percebe como o país vai ficar imune à instabilidade na comunicação social. É certo que quem mais se excita com a comunicação social é a própria ... comunicação social, juntamente com alguns políticos mais fragilizados (quase todos!). Basta ver a patética manifestação da CGTP para uma saída «democrática» da «crise», no Rossio, na passada 3ª feira, em que os camera-men se viram obrigados a rastejar pelo pavimento para encontrarem perspectivas menos rarefeitas e deprimentes. Mas alguma da instabilidade mediática transitará certamente para o país.

Instabilidade que também atingirá o PR. A esquerda, aquela esquerda que tem tido mais visibilidade mediática, anda de cabeça completamente perdida. Ainda ontem Boaventura Sousa Santos denunciava publicamente, em horário nobre, que Sampaio tinha assassinado Maria de Lurdes Pintasilgo a golpes de decisão presidencial. A acreditar no eminente sociólogo, a nossa ex-primeira-ministra sucumbiu à violência do impacte dos últimos parágrafos, aleivosos e assassinos. Espera-se a intervenção urgente do Ministério Público.

E isto aconteceu com Boaventura Sousa Santos, cujo desafecto pela democracia representativa é bem conhecido e que, para manter a coerência, deveria ter sido um mero espectador desinteressado e neutro desta escolha presidencial. Julgo que a Procuradoria tomará em conta essa neutralidade como garante da fiabilidade da testemunha daquele crime hediondo.

A menos que Sampaio elimine a testemunha, preparando, rapidamente, meia dúzia de parágrafos vocacionados para assassinarem sociólogos patetas e enfatuados.

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julho 09, 2004

Sampaio escreve direito por linhas tortas

Sampaio tornou um acontecimento normal em democracia, o impedimento do 1º Ministro, numa crise política que se foi dramatizando à medida que os dias e as semanas foram correndo. Hoje, à noite, tornou pública a decisão de manter a actual coligação no poder e não antecipar as eleições.

Em face da argumentação que usou para fundamentar a sua decisão, aliás argumentação clara, correcta e sucinta, sublinho o que já exprimi aqui várias vezes: não se percebe a demora da tomada de decisão. Demora que conduziu a uma profunda rotura política e à dramatização da «crise», ambas absolutamente desnecessárias.

Sampaio acabou por se decidir pela alternativa na qual corria menos riscos. A solução da não convocação de eleições antecipadas apenas o «malquistaria com as oposições, porque lhes defraudou as expectativas», conforme escrevi aqui anteontem. A outra solução tinha, como escrevi então, riscos muito elevados para ele.

A oposição encarregou-se de mostrar que as minhas palavras pecavam por defeito. A oposição ficou profundamente indignada. Mais que as palavras, o tom de voz de Carvalhas ressumava uma cólera profunda. Mas o momento alto da crise de nervos em que a oposição se debateu esta noite foi a demissão de Ferro Rodrigues, que considerou a decisão do PR uma derrota pessoal. Não se percebe como uma decisão do PR possa ser uma derrota pessoal de Ferro Rodrigues. Custa a imaginar que ideia faz Ferro Rodrigues das relações entre as instituições democráticas para considerar aquela decisão uma derrota pessoal.

Concluindo, a decisão do PR foi a melhor para a coligação que irá ter oportunidade de levar a sua legislatura até ao fim e então ser julgada nas urnas, como pretendia, e foi a melhor para o PS que se livrou de um líder incapaz, politicamente dependente do BE e que não constituía uma alternativa credível para Portugal. O PS tem agora oportunidade de arrumar a casa e de encontrar líderes capazes que possam constituir uma alternativa viável à actual coligação.

Se houvesse eleições antecipadas e o eleitorado, descontente com as medidas difíceis que o governo anterior tinha tomado, desse a vitória a Ferro Rodrigues, isso teria sido um desastre nacional.

Portanto, sendo o melhor para a coligação e para o PS, forçoso é reconhecer que foi a melhor decisão para o país. E afinal, as desnecessárias demoras, como as caracterizei no início deste texto, acabaram por ter um efeito colateral, inesperado e positivo. Criaram expectativas arrebatadoras em Ferro Rodrigues e a ressaca da sua liquidação, conduziu-o à demissão.

Sampaio acabou escrevendo direito por linhas tortas. Em vez de um, acabou fazendo dois favores ao país.


Nota - Ler sobre a Crise Política:
Santana entregue à vigilância Presidencial
Síntese Política da Semana
Santana Lopes: A pessoa
Á Espera de Godot Sampaio
Dispromisso Político
Sem Pressas
A Virgem Manela Aparece aos pastorinhos
Alguém tem que ceder
Os Panurgos do PSD
A Actual Situação Política - PSL como PM?
Politicamente anões

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julho 07, 2004

Síntese Política da Semana

Como continua tudo no segredo dos deuses (se é que os deuses não estão apenas loucos), vou aproveitar este compasso de espera para fazer uma síntese das opiniões que emiti durante a última semana:

1 – Durão Barroso aceitou a sua indigitação para a Presidência da Comissão Europeia. Esta indigitação honra o país. Verificou-se, todavia, que afinal a maioria da oposição não concorda que tal escolha honre o país. Mas dado que a quase totalidade da mesma oposição sempre achou que uma eventual indigitação de António Vitorino para aquele posto constituiria uma enorme honra para o país, só há uma conclusão lógica a tirar: a oposição não se rege por critérios patrióticos mas por uma mera mesquinhez partidária. Portanto, se era uma honra para António Vitorino, sê-lo-á sem quaisquer ambiguidades para Durão Barroso.

2 – Aquela indigitação implicava o abandono da chefia da governação e a queda automática do governo. Durão Barroso pôs Sampaio ao corrente da situação e J Sampaio disse em público, e certamente em privado, que aquela escolha honrava o país. Se um chefe de governo sai, a meio de uma legislatura, por honoris causa, seria incompreensível «punir» a coligação que tem governado e tomado medidas impopulares para tentar restabelecer as finanças públicas, aproveitando este facto «honroso» para o país, para fazer eleições antecipadas.

3 – A solução constitucional, num enquadramento em que existe uma maioria estável na AR, eleita por 4 anos, é a manutenção da coligação no poder. Todavia o PR tem legitimidade para dissolver a AR quando o entender. Resta saber se essa «legitimidade» é compaginável com a atitude de congratulação e incitamento a Durão Barroso para aceitar aquele cargo e se não poderá ser tomada, se vier a acontecer, por hipocrisia.

4 – Logo que este assunto veio a público, veio igualmente a público que afinal o país estava numa crise política. Tornou-se claro que o PR iria enveredar por manobras dilatórias, apoiadas numa pretensa instabilidade da coligação. É normal que a mudança de uma chefia governativa não seja absolutamente consensual, mas daí a apregoar a instabilidade da coligação ia uma enorme distância.

5 – Estas manobras dilatórias do PR, apoiadas pelos meios de comunicação social e por manifs pífias promovidas pelas oposições, obrigaram a um compasso de espera de Durão Barroso, que se viu forçado a desencadear acções internas para se assegurar do consenso dentro do PSD, e transmitir para o exterior uma imagem de estabilidade. Tudo isto levou a um arrastamento da situação e a que só anteontem Durão Barroso estivesse em condições de apresentar a sua demissão.

6 – Entretanto o PR passou a semana anterior a ouvir «personalidades» diversas que só tinham um denominador comum: ninguém perceber porque foram convidadas aquelas e não outras quaisquer. A maioria dessas personalidades tinha algo também em comum: estava contra o novo governo que se perspectivava no seio da coligação. Portanto, o PR passou uma semana a meter paus na roda numa possível solução constitucionalmente normal. O PR passou a semana a promover a crise. Falou-se numa crise artificial. Já não o é. Esta dilação tornou-a real.

7 – Esta dilação injustificada é grave para a economia portuguesa qualquer que seja a decisão que o PR tomar. Mas é sobretudo grave para o próprio PR. Se o PR aceitar a solução proposta pela actual maioria, malquista-se com as oposições, porque lhes defraudou as expectativas, e enfraquece a sua imagem perante os agentes económicos que consideram completamente insensato este protelamento da decisão. Se marcar eleições antecipadas vai ser considerado o principal fautor da instabilidade económica daí resultante e um dos alvos das campanhas do PSD e do PP. Se as eleições não conduzirem a uma maioria estável fica liquidado politicamente: a sua decisão será considerada um aventureirismo político, tomada com intuitos partidários e sem ter em conta os interesses do país.

8 – Só um golpe de sorte poderia salvar o PR: o PS ganhar com maioria absoluta. A questão é que, actualmente, o PS não é uma alternativa governativa viável. Vive uma deriva esquerdista, os seus actuais líderes são técnica e politicamente incapazes e vai ser referendado por uma clientela que depois irá tentar cobrar-se à custa de um erário público à beira da insolvência. O PS não terá margem de manobra para satisfazer as expectativas de facilitismo que criou e a sua governação poderá ser um desastre completo. O PS precisa primeiro de arrumar a casa, promover líderes capazes e constituir-se como alternativa credível. Na sua quase totalidade, as figuras de topo do PS, que não pertencem à ala Ferrista, não estão nada interessadas em eleições antecipadas.

9 – Há uma semana eu estava plenamente convicta que não haveria eleições antecipadas e que esta «crise» não passava de uma rábula do PR. Opinião aliás partilhada por um elemento de topo do PS com quem falei na altura e que achava que eleições antecipadas com Ferro Rodrigues a dirigir o partido seria completamente insensato e que o PR não as iria marcar. Hoje não estou tão convicta disso.

Esperemos tranquilamente as cenas dos próximos capítulos: afinal de contas é apenas a prosperidade do país que está em causa.

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julho 06, 2004

Santana Lopes: A pessoa

Só estive uma vez com Santana Lopes. Foi nas circunstâncias que descrevi aqui no post «Uma Homenagem», em Dezembro passado

Até então só o conhecera da TV. Falava-se dele como um play-boy, como alguém que «tinha mel». Não percebia porquê. Afinal, não me parecia que tivesse qualquer atracção física especial.

Não me vou prender com os prolegómenos da homenagem em si. Foi a família (a viúva e a filha mais velha, ambas de um quadrante político obviamente oposto ao seu) que escolheu os textos e fotografias para a edição bibliográfica. A CML «apenas» pagou, deu todo o apoio logístico e organizou as cerimónias. PSL não aproveitou a ocasião para introduzir qualquer elemento de propaganda pessoal.

Não vou alongar-me sobre o impacto publicitário do acto. Afinal só estiveram presentes, no salão nobre dos Paços do Concelho, algumas personalidades institucionais – órgãos autárquicos, AR, governo e poder judicial – a família e alguns amigos íntimos, julgo que menos de cem pessoas. É certo que na cerimónia exterior, no descerramento da placa toponímica, esteve presente mais gente que também se quis associar à homenagem. Mas no conjunto foi uma homenagem simples em que não houve, aparentemente, qualquer intuito de aproveitamento propagandístico. Senão teria sido realizada de forma completamente diversa.

Na altura escrevi que Santana Lopes «foi ... simples, dizendo o que era importante dizer, sem arroubos linguísticos, sem retóricas, apenas simplicidade e sensibilidade». Foi extremamente cativante.

Foi então que compreendi o fascínio que Santana Lopes exerce. É um homem extraordinariamente bem educado, um gentleman. E é-o de uma forma natural, de alguém que aprendeu a ser educado a partir do berço, com o leite materno, e que não aprendeu a «educação» com aulas apressadas no início de uma qualquer carreira política. E isso confere-lhe um imenso charme. A boa educação e o cavalheirismo é algo que fascina sempre uma mulher e que inibe ou dilui uma eventual acrimónia masculina.

Essa é uma das características que o torna extremamente perigoso na contenda eleitoral. É um homem que será incapaz, pela sua própria natureza, de reagir a um insulto com um insulto. Reagirá sempre com observações irónicas, mas educadas, a qualquer campanha de insultos ou de maledicência que lhe movam. E essa sua faceta é-lhe eleitoralmente favorável.

Por outro lado, o ódio exacerbado que a extrema esquerda e a ala radical do PS lhe votam é muito mau conselheiro. Poderá ser a maior arma política de PSL. Porque eles não se conseguem calar com a maledicência: não têm nem discernimento político, nem educação para tal. E PSL tem discernimento político e educação de raiz suficientes para dirimir a seu favor uma pugna política realizada neste estilo. Soube-o fazer nas eleições para a CML. Saberá sempre, porque isso nele é uma segunda natureza.

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julho 05, 2004

Á Espera de Godot Sampaio

Não há nada para dizer. O país continua parado à espera de Sampaio. Passada a excitação do Euro 2004, o país vai agora apreciar a excitação de estar sem governo (ou com um governo de gestão, que é quase idêntico) as semanas que o PR (in)decidir, no caso de um governo baseado na maioria parlamentar, ou 6 a 8 meses, no caso de haver eleições antecipadas e admitindo que essas eleições conduzam a uma maioria estável.

Três «afixos» atrás, dei uma interpretação político-institucional do facto do PR não estar com pressa: é apenas um burocrata indeciso sem vivência das realidades económicas e financeiras. Hoje vou analisar este quebranto presidencial sob outro prisma.

Baseando-me agora nos axiomas fundamentais da teoria política pura, direi que o PR apenas demonstra uma luminosa compreensão da situação política, social e económica do país: o país não é governável. Sendo este um postulado básico da sociologia política portuguesa, porquê apressarmo-nos a dotar este país de um órgão de que ele manifestamente não precisa?

Governar é tomar decisões de gestão corrente e estruturantes. Para as decisões de gestão corrente basta um governo de gestão e isso já temos. Quanto às decisões estruturantes, estas são aquelas que os políticos, quando no governo e obrigados pelo ogre do PEC, pretendem (ou afirmam pretender) implementar e, quando na oposição, mobilizam a população contra elas, com vista a ganharem as eleições seguintes.

Citemos o caso do sector da educação que não sendo, seguramente, o sector público onde a produtividade é menor, constitui um paradigma, porque se pode sujeitar mais facilmente a comparações internacionais. O país tem os mais baixos índices de desempenho no que respeita à educação pública. Paradoxalmente, é o 2º país da Europa dos 15, no que respeita às despesas públicas de educação em termos do PIB. Portanto, a nossa educação é muito má e muito cara. Mas quando se discursa ou coloquia sobre o estado da educação, todos reclamam, nomeadamente os protagonistas deste miserável desempenho, que «é preciso investir mais na educação». Mas gastar mais dinheiro para quê? Quais as garantias que essa maior dotação corresponda a um desempenho melhor? Isto são perguntas que se fariam numa óptica de gestão empresarial, nomeadamente quando se sabe que as despesas com a educação têm aumentado ao longo dos anos e os serviços prestados piorado. Isto são perguntas para as quais a resposta é fazer uma reforma estruturante do sector: a realocação de recursos, a introdução de procedimentos de avaliação de desempenho e uma reforma curricular que deixe de utilizar os alunos como cobaias e abra a porta a cursos profissionais atractivos e em quantidade.

As reformas estruturantes são algo que os órgãos corporativos dos protagonistas dos sectores em causa nem querem ouvir falar. São reformas diabolizadas pelos sindicatos, ordens profissionais e oposição política. São reformas que, em vista do clamor geral, os governos tartamudeiam fazer e, com uma mistura de medo, timidez e incompetência acabam por as deixar no papel ou introduzir apenas medidas acanhadas, sem operacionalidade e que deixam tudo praticamente na mesma, quando não pior.

Portanto, não precisamos de um governo. O PR que esteja à vontade: pode levar o tempo que entender.

Aliás, tudo se encaminha para que, qualquer que seja a decisão, o próximo governo não faça qualquer reforma de fundo, nem tome as ditas «medidas impopulares».

A razão é evidente apesar de, segundo rezam os meios de comunicação, o principal obstáculo à indigitação de um governo saído da coligação ser precisamente o receio do populismo de PSL.

Ora isto não passa de uma blague presidencial, pois se houver eleições antecipadas, todos os partidos irão fazer as promessas mais maviosas que puderem. Ninguém, a menos que queira cometer suicídio político, irá prometer «sangue, suor e lágrimas». O PR, diz-se, receia um governo de PSL por causa de um eventual menor rigor orçamental. Mas foi o rigor orçamental que levou à derrota da coligação nas eleições europeias. Não tenho dúvidas que, nas próximas eleições, o eleitorado irá votar, tendencialmente, numa política de despesismo e contra o rigor orçamental. E todos os políticos em campanha irão acenar com o abrir dos cordões à bolsa, para daí extrair dividendos eleitorais. Ora um cenário destes, a meio de uma legislatura que deveria ser de grande rigor, é o pior que podia acontecer à já débil economia portuguesa.

Assim sendo, a pretensa argumentação do PR cai pela base. Num governo indigitado no actual quadro parlamentar, o PR ainda pode ter capacidade de manobra para exigir alguma contenção. No quadro de eleições antecipadas, a maioria que se formar (se se formar alguma) terá como base uma campanha contra o rigor orçamental, contra as «medidas impopulares» e a favor de um alargar dos cordões à bolsa. Será uma maioria baseada em promessas demagógicas que o país não está actualmente em condições de cumprir, pelo menos de uma forma sustentada, isto é, se essas promessas tiverem alguma tradução prática, o ónus que elas gerarão será posteriormente pesadíssimo.

E que fará o PR? Nada ... que é o que ama fazer.

Publicado por Joana às 09:27 PM | Comentários (40) | TrackBack

julho 02, 2004

Dispromisso Político

Durão Barroso afirma, com a discrição que uma conversa privada impõe, que houve um compromisso do PR em como não haveria eleições antecipadas. Acredito, porquanto seria inconcebível que Durão Barroso aceitasse o cargo de Presidente da Comissão Europeia sem essa garantia.

Jorge Sampaio afirma, sem a discrição que uma conversa privada impõe, que não houve qualquer compromisso. Acredito no PR, porquanto ele se especializou em produzir afirmações (ou melhor ... dizer coisas) que dão azo às interpretações mais variadas, duvidosas e contraditórias. Provavelmente ele deve ter balbuciado «nim».

Em face deste «dispromisso», perfilam-se vários cenários:

Marcação de eleições antecipadas:

Marcar eleições antecipadas a meio de uma legislatura, no fim do período em que se tomam as medidas mais impopulares e quando a popularidade dos governos atinge normalmente o ponto mais baixo é extremamente penalizador para a coligação. Como existe uma maioria estável na AR seria um «golpe de Estado constitucional».

Mas este cenário não é pacífico. Em primeiro lugar Santana Lopes tem-se revelado muito melhor em eleições que no exercício posterior dos mandatos e os kamikazes politicamente correctos, que entraram em histeria colectiva desde que se perfilou o nome de PSL para a chefia do governo, constituem menos de 1% do eleitorado. Não serão eles a decidirem nas urnas.

Portanto não será de excluir liminarmente a derrota de PSL. Viu-se o que aconteceu nas eleições para a CML.

No caso de ganhar o PS, é pouco provável que seja com maioria absoluta. Ora o PS não tem a quem se aliar. Aliar-se ao BE ou ao PCP seria cometer suicídio político e económico. Os agentes económicos que tivessem essa possibilidade abandonariam o país ou levariam o núcleo duro das suas empresas para longe o mais rapidamente que pudessem.

Mas mesmo que o PS tivesse maioria absoluta, a situação não seria muito melhor. Os empresários lançam as mão à cabeça só de ouvirem falar no nome de Ferro Rodrigues. Mesmo Henrique Neto, o único empresário (com expressão) socialista declarou peremptoriamente que «Um facto é que o PS, até à data, não mostrou nenhum projecto credível, pelo que eleições antecipadas vão perturbar o país. Acho que o partido fará melhor em esperar calmamente e constituir uma alternativa com credibilidade».

Por outro lado membros da direcção actual do PS estão ligados ao caso Casa Pia. Houve casos que prescreveram mas que virão fatalmente a lume dada a avidez que os jornalistas portugueses têm pela devassa da vida privada dos governantes. O caso de P Pedroso ainda não está encerrado e depende de quem analisar o recurso na Relação. Se não for o lobby de Coimbra a julgá-lo, P Pedroso arrisca-se a ir a julgamento. Por outro lado, além da questão criminal, há a questão cível. Pode acontecer que os patronos dos menores entrem com acções cíveis requerendo indemnizações o que trará de novo toda essa questão para a ribalta. Ferro Rodrigues arrisca-se a viver em permanente situação de fragilidade política.

Adicionalmente, o despesismo socialista tem os dias contados. A política de satisfazer com o laxismo despesista os interesses corporativos e sindicais, para depois liquidar esses benefícios com a desvalorização cambial e a inflação já não é possível. A União Europeia vela! E a conjuntura dos 3 primeiros anos do governo Guterres foi muito específica, como já expliquei várias vezes e não é possível repetir-se.

Cenário Governo chefiado por PSL:

É a solução constitucional «legítima» mas tem contra ela os preconceitos pessoais dos «politicamente correctos» e dos radicais de esquerda. Para esses é o vale tudo, desde insultar pessoalmente, como o MST, até cortar cabos da rede informática, como alguém (ou vários), incomodado com decisões do PSL, fez na CML, passando pela política da permanente obstrução, etc..

Em face da cruzada que os meios de comunicação já iniciaram contra PSL, julgo que se esta solução for a escolhida, a política de obstrução e de maledicência será de tal monta que não sei se PSL não arriscará eleições antecipadas antes do termo da legislatura, mesmo apesar de só faltarem 2 anos e pouco.

Cenário Governo de Iniciativa Presidencial

Este será um governo que o PR só indigitaria se concordasse com a figura proposta pelo PSD para chefiar o governo e em alternativa a PSL.

Parece-me a solução pior. A maioria ligá-lo-ia, não inicialmente, mas durante o seu funcionamento, ao PR. Seria um governo em que o PR era co-responsável, nomeadamente se desse para o torto. Esta é a solução mais perigosa para o PR e, a menos que o PSD e o PP a aceitem sem reservas mentais, parece-me que o PR não deveria apostar nela.

Publicado por Joana às 07:26 PM | Comentários (58) | TrackBack

julho 01, 2004

Sem Pressas

Jorge Sampaio afirmou não tem pressas e falará na altura própria e no momento próprio, e isto porque esta será uma das decisões mais graves que irá tomar no seu mandato.

O PR é um funcionário público com um vencimento razoável e seguro e reforma garantida e sólida. Não tem pressas. As empresas, para as quais estes interregnos são períodos em que as decisões públicas se protelam, entre elas a dos pagamentos das facturas, não têm a mesma tranquilidade. Mas não passam de empresas, gado que apenas serve para ser ordenhado para alimentar o Moloch público que julga que as tetas úberes são inesgotáveis.

O PR afirma que falará na altura própria. A questão é que ele e o tecido produtivo português não estão em sintonia sobre quando é a altura própria. Para o PR é quando se aperceber que se torna absurdo para o país continuar a esperar; para as empresas é já. É que o PR, além de ter os seus rendimentos garantidos, tem uma total incapacidade de decisão e as pessoas indecisas ficam enervadas quando se sentem na obrigação de tomar uma decisão e protelam-na até a situação ser insustentável. As empresas têm dificuldade em entender isso pois sabem que pior que uma má decisão é, na maioria dos casos, não tomar decisões.

Se a decisão for a formação de um novo governo com a actual maioria parlamentar, ele dificilmente entrará em funções antes de 3 a 4 semanas depois da decisão do PR. No caso de haver eleições antecipadas um novo governo não entrará em funções antes do princípio de Dezembro. Estas delongas têm implicações bastante negativas no país, nomeadamente pela situação económica, financeira e orçamental em que ele se encontra.

Sampaio tem razão quando afirma que esta será uma das decisões mais graves que irá tomar no seu mandato. E será tanto mais grave, quanto mais tempo demorar a tomá-la.

Mas Sampaio não tem pressas e falará na altura própria e no momento próprio.

Publicado por Joana às 11:05 PM | Comentários (50) | TrackBack

junho 29, 2004

A Virgem Manela Aparece aos Pastorinhos

Estou comovida, as lágrimas sulcam-me o rosto e enevoam-me o olhar e é apressadamente que dedilho as teclas, antes que toda esta humidade curto-circuite os integrados do teclado.

Manuela Ferreira Leite foi, durante mais de dois anos, a implacável ministra das Finanças que fechou os cordões à bolsa, lançando milhões de famílias portuguesas no holocausto da escassez consumista para satisfazer as imposições «estúpidas» do PEC. Foi a besta apocalíptica dos funcionários públicos, que viram os seus vencimentos congelados e pairar sobre eles o espectro de incómodas avaliações de desempenho. Foi a «Némesis Especial por Conta» dos taxistas e de muitos médios e pequenos empresários. Foi a Inimiga Pública nº 1 dos autarcas no desespero de obrarem para aliciarem o seu eleitorado local.

Em dois dias, apenas dois ... menos que os dias da criação, com uma rapidez que assombra as divindades semitas, e outras mais a ocidente, Manuela Ferreira Leite tornou-se numa heroína da coisa pública. O Expresso reconheceu-a como a natural e desejada sucessora de Durão Barroso. Foi descoberto que afinal Manuela Ferreira Leite é uma social-democrata e não uma neo-liberal empedernida. Apareceu ao JA Lima transfigurada na Virgem dos Aflitos, única capaz de se opor à satânica Família Addams que se apresta para dominar primeiro o PSD, depois o país, e a seguir ... a seguir «só o céu é o limite», segundo tese inovadora que ele, emocionadamente, postulou hoje.

Miguel Sousa Tavares, esta noite na TVI, alternava o rosto cerrado e um fluido catarroso de sangue misturado com nicotina a escorrer-lhe pelas comissuras dos lábios, quando sibilava os insultos mais soezes ao PSL, com um rosto impante de felicidade quando perorava que a Manuela Ferreira Leite seria a figura incontornável para chefiar o governo de gestão até às desejadas eleições antecipadas.

Violinos elevam as suas melodias (nenhuma delas, por enquanto, da autoria de Chopin) quando o recém sacralizado nome de Manuela Ferreira Leite é pronunciado nos meios de comunicação em loas sublimes e exaltantes.

A ascensão da Virgem Manuela das profundezas satânicas até aparecer aos pastorinhos da comunicação social para lhes revelar o segredo do «golpe de Estado» foi um dos momentos mais divinais desta semana pródiga em transfigurações inesperadas.

Uma ascensão fulgurante e divina. Uma promoção inesperada. E fora da época.

Timeo Danaos et dona firentes

Publicado por Joana às 10:23 PM | Comentários (31) | TrackBack

junho 28, 2004

Alguém tem que ceder

As declarações de Durão Barroso, hoje, em Istambul são claras. Alguém tem que ceder. Sampaio, Santana Lopes, os Anti-Santanistas ou o próprio Durão Barroso.

Perspectiva-se um ultimato lançado por Durão Barroso àquele quarteto.

Sampaio terá que dizer, preto no branco, se aceita (ou não) a solução que decorre da normalidade constitucional (o nº 2 do partido mais votado ser indigitado 1º Ministro) ou outra solução no quadro do PSD.

Vai ser difícil por duas razões: 1) Sampaio é um homem com uma absoluta incapacidade de decisão; 2) Sampaio detesta Santana Lopes e ficará de candeias às avessas com o PS, o seu partido, se o aceitar.

Os Anti-Santanistas terão que deixar de andar a dar tiros no pé e conformarem-se com as decisões dos órgãos dirigentes do PSD. Manuela Ferreira Leite, principalmente, terá que se convencer que ela é a pessoa cuja saída do governo é mais urgente, apesar de ser a nº 2 dele. Ela é a nº 2 na hierarquia governativa, mas a nº 1 na calha para sair. A menos que o PSD queira cometer suicídio.

Santana Lopes, no caso de Durão Barroso não conseguir do PR a alternativa “natural” terá que se conformar com a solução possível. Vai ser complicado. Os membros do governo que torcem o nariz a Santana Lopes, nomeadamente a Manuela Ferreira Leite, estão completamente desacreditados, pela sua acção governativa, junto de muitos dos barões do PSD e perante a totalidade dos dirigentes autárquicos (que têm um grande peso dentro do PSD e apoiam PSL).

No caso dos ultimatos anteriores não conduzirem a alternativas viáveis, Durão Barroso terá que lançar um ultimato a si próprio: vai para Bruxelas e deixa este país de elites mesquinhas e invejosas entregue à imaginação da Pitonisa de Belém, ou fica e diz que assim não tem condições de aceitar o cargo de Presidente da Comissão Europeia.

Esta última alternativa seria, obviamente, uma machadada no prestígio internacional de Portugal; um labéu vergonhoso no currículo de Sampaio, e não trará quaisquer vantagens governativas, pois não estou a ver Durão Barroso capaz de fazer uma remodelação em termos. Falta-lhe coragem política para tal. Provavelmente a prestação governativa melhorará com alguns ajustes de pormenor, e a retoma inevitável poderá trazer alguns dividendos eleitorais ao PSD, em comparação com a actual situação. Mas não sei se será suficiente para vencer as próximas eleições.

Não há soluções boas, mas isso já é sina do nosso país. Todavia há umas que são menos péssimas que outras

Alea jacta est. Resta saber se os dados ao menos têm pintas.

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Os Panurgos do PSD

Algumas figuras do PSD andam a tentar protagonizar o papel de Panurgo no rebanho partidário. Com uma diferença: não se sentindo separados do resto do rebanho pela inteligência cínica e a filosofia de vida do herói de Rabelais, preferem serem eles próprios a mandarem-se para o oceano profundo, na expectativa que os outros os sigam. Resta saber se os membros dos órgãos dirigentes do PSD se comportarão como os carneiros de Panurgo, ou se pertencem a uma espécie mais racional.

Marcelo iniciou esta tentação pelo abismo ao inundar o seu comentário dominical da TVI de recados ao PR e deixas para os dirigentes do PSD. O primeiro que ele mandou pela borda fora foi Balsemão cuja sucessão a Sá Carneiro teria sido objecto, desde o início, de forte oposição interna o que levou à instabilidade e à queda do seu Governo poucos meses depois. É claro que se esqueceu de dizer que o governo caiu porque o parceiro da coligação, o CDS dirigido por Freitas do Amaral, lhe tirou o tapete debaixo dos pés. Poderá estranhar-se que ele tenha tido esse esquecimento, tendo feito parte dos elencos governativos da época, mas se não se tivesse esquecido, nunca poderia dar aquele exemplo ... e era o único que Marcelo tinha à disposição! Marcelo, além de apostar no racionalismo ovino dos seus correligionários, também conta com a memória curta ou deficiente informação dos seus ouvintes.

Manuela Ferreira Leite, ministra de Estado e das Finanças, fala publicamente num «golpe de estado no partido». Frase de enorme alcance na conjuntura actual que, conjugada com os recados de Marcelo ao PR, configuram uma situação de incontornável instabilidade na coligação que será uma fundamentação magnífica para o PR dissolver a AR e convocar eleições antecipadas.

Foi um esplêndido mergulho no oceano, à espera que os outros próceres do PSD a acompanhem. Acompanhá-la-ão? Mas se a figura de Manuela Ferreira Leite é, internamente, a mais responsabilizada pela «banhada» eleitoral de 13 de Junho? Como política, MFL apenas tem uma qualidade: é determinada. Mas é completamente destituída de pensamento estratégico e de inteligência política. E a determinação cega e irracional dá maus resultados e péssimos dividendos políticos. Se houver eleições antecipadas, MLF, por inerência, ficará à frente do executivo e cada dia de desempenho dessas funções será menos 0,5% de votos para os partidos da coligação.

Para quem busca as profundezas do abismo político e ser acompanhada nessa descida do Maelstrom, MLF não poderia ter desempenhado melhor o papel!

O impagável Nicolau Santos escreve no Expresso on-line (E nós por cá?) que não poria quaisquer reservas ao nome de Manuela Ferreira Leite para suceder a Durão Barroso. Se fosse outro articulista diria que estava a dar um «presente envenenado» ao PSD. Mas o Nicolau? ... nunca. Ele escreve o que pensa. É aliás uma qualidade que só merece os nossos encómios por assim se expor, de peito e mente abertos, ao descrédito público. Infelizmente compartilha uma outra qualidade (pelo menos) com Ferro Rodrigues: não percebe nada de Economia. Mas o Ferro tem muitas atenuantes: fez o curso no tempo das passagens administrativas, embora as más línguas possam alegar que foi ele próprio, ao que julgo Vice-Presidente da Associação de Estudantes na altura, o grande obreiro e impulsionador desse sistema inovador de avaliação de desempenho.

Fala-se de mais dois ou três nomes sonantes que compartilham dessa tentação pelo abismo. Esperemos pelas próximas cenas para ver se o aforisma «Abyssus abyssum invocat» se irá aplicar, literal ou metaforicamente, a esta tragicomédia.

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junho 27, 2004

A Actual Situação Política – PSL como PM?

Durão Barroso vai ser indigitado para a Presidência da Comissão Europeia. Tudo indica que, durante as conversações que tem mantido com Sampaio se assegurou que este aceitaria o cenário de mudança de Primeiro-Ministro escolhido entre as forças que constituem a coligação e não enveredaria por eleições antecipadas. Constitucionalmente será essa a solução, embora o PR a possa iludir não aceitando os nomes propostos para PM e obrigando a eleições antecipadas.

A questão seguinte será a do nome do PM. Como Santana Lopes é o número 2 do PSD deverá ser ele, em teoria, a ser encarregado de formar o novo governo. Provisoriamente, e enquanto esse governo não tomar posse, mantém-se o governo actual com Manuel Ferreira Leite à frente, visto ser a número 2 do executivo.

Concentremo-nos neste cenário, que parece ser o mais provável.

Há dias, a seguir às eleições europeias, analisei aqui (cf. Eles Governam (mal), eles Perdem) a actuação governativa e a eventual remodelação. Na altura não coloquei a hipótese de um dos remodeláveis ser o próprio 1º Ministro, por razões óbvias, mas pus em dúvida a sua capacidade de fazer uma remodelação adequada e escrevi «Durão Barroso será capaz de escolher as pessoas certas? Durão Barroso é um político cinzento, sem carisma nem imaginação, que se viu promovido ao poder mercê dos desvarios financeiros e políticos do guterrismo».

Na minha opinião, e contrariamente ao que tenho lido ou ouvido a muitos analistas, Durão Barroso era um dos grandes empecilhos a uma remodelação adequada. É demasiado cinzento para tomar decisões audazes. É preciso alguém com capacidade de decisão e dinamismo para executar essa tarefa. Haverá? Em face da mediocridade da actual classe política ponho algumas reticências. Mas, se não houver soluções óptimas, o PSD terá que viver com as soluções que tem e a solução Santana Lopes parece ser a mais consensual internamente.

Santana Lopes criou todavia muitos anti-corpos. Santana Lopes é persona non grata dos “politicamente correctos”. Isso faz com que tenha contra ele a generalidade dos escrevinhadores da imprensa escrita e dos comentaristas televisivos. Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de pertencer à mesma área política, tem sido impiedoso: várias vezes caracterizou Santana Lopes como sendo «superficial e ignorante». Ainda hoje, na TVI, evitando sempre «citar o nome de PSL em vão», fartou-se de enviar recados para o PR (que poderia convocar eleições antecipadas se suspeitasse que a solução proposta pela coligação pudesse conduzir a uma situação instável) e para o interior do PSD (alertando contra o perigo essa “instabilidade”, obviamente consubstanciada no PSL).

Ora o pior que pode acontecer à coligação é a manutenção de um governo com Manuela Ferreira Leite à frente. Ando a escrever aqui, há diversos meses, que essa senhora não tem perfil para ministra das Finanças. Não tem uma estratégia consequente para além de cortes na despesa e no aumento da carga fiscal. Essa estratégia cega e obsessiva levou-a, pelas razões que indiquei noutros artigos, à necessidade de obter receitas extraordinárias mediante a venda de património para situar o défice abaixo do limite do PEC. Não passa de uma controladora de despesas. Um governo liderado por ela iria acentuar o desgaste já existente na coligação.

Portanto, PSL vai ter contra ele os «politicamente correctos» dentro e fora do PSD. Basta ver a obstrução permanente que tem tido durante o seu mandato à frente da CML.

O facto de PSL ter contra ele os «politicamente correctos» não significa que ele não seja, porventura, o político actual do PSD mais capaz de congregar um elenco capaz de impulsionar a desejada retoma, fazer a reforma da administração pública e algumas das reformas que o actual governo foi incapaz de levar à prática e, simultaneamente, dar a componente política que faça a população acreditar nas virtualidades dessas mesmas reformas. E isto porque os «politicamente correctos» são absolutamente estéreis do ponto de vista operacional: a sua principal «qualidade» é não deixar fazer nada, é deitar abaixo tudo o que se pretende fazer, é pensar que o dinheiro vem de rotativas que, algures, imprimem as notas que forem necessárias para suportar a despesa pública em que eles estão desejosos de participar.

Mas é essa mesma «qualidade» de não deixar fazer nada, que os torna perigosos pela erosão que produzem a partir da comunicação social, onde predominam. PSL não precisa deles para «fazer», porque eles não querem e, pior, não sabem «fazer», mas teria que, no mínimo, os neutralizar, porque têm uma enorme pertinácia em «desfazer», em meter paus em todas as engrenagens, em envenenar a opinião pública e, por via disso, em criar instabilidade social, política e governativa. Ora a forma como PSL chega a 1º Ministro não é de molde a conferir-lhe uma autoridade que lhe permita tornear esses obstáculos.

Por isso vejo a solução PSL muito complicada em levar à prática, nas circunstâncias actuais.

Mas também não estou a ver outros políticos no topo da hierarquia do PSD que constituam uma alternativa preferível ao PSL

Vejamos as cenas dos próximos capítulos, até porque PSL é uma figura que não pára de nos surpreender.

Todavia, há um cenário que o PSD terá que ter em conta: o PR pode ser tentado a inviabilizar um 1º Ministro, ou um elenco governativo, alegando as «razões» sugeridas por Marcelo Rebelo de Sousa, ou outras, e marcar eleições no prazo de 90 dias, com um governo de gestão, que seria o governo actual chefiado por Manuela Ferreira Leite. Esse cenário seria catastrófico para a coligação, pois Manuela Ferreira Leite para além de inábil como ministra das Finanças é politicamente um desastre: basta que nos lembremos das guerras que teve quando foi ministra da Educação.

Esse cenário levaria os partidos da coligação a um desastre eleitoral superior ao que tiveram há duas semanas, mesmo concorrendo separados.

Publicado por Joana às 11:50 PM | Comentários (53) | TrackBack

fevereiro 20, 2004

Hoje vou falar de Santana Lopes

Reconheço que é um risco enorme. Por isso é que eu o tenho evitado, apesar dos pungentes apelos que tenho recebido para o fazer. Mas hoje teve que ser, apesar da dificuldade do tema. É que Santana Lopes é um homem imprevisível. Todos os vaticínios que fiz sobre Santana Lopes, saíram furados. Nunca acertei, ... nunca ... e eu raramente me tenho enganado nas previsões que faço.

Após ter deixado a Secretaria de Estado da Cultura, vaticinei o fim da sua carreira política. Como era possível aquele play-boy, após tantas gaffes que cometera, voltar a encarar os agentes culturais portugueses? Naquela época, falar em Santana Lopes, em qualquer meio com pretensões culturais, só com a providência cautelar de uma sonora gargalhada, salteada com algum epigrama cáustico sobre o seu défice cultural.

Errei. Continuou como figura de topo dentro do seu partido e arrasou nas eleições para a Câmara da Figueira da Foz.

É agora, disse para mim e para quem me quis ouvir! Como é que Santana Lopes vai sobreviver, posto perante os problemas quotidianos de uma câmara, aquela estrada além que está esburacada, o jardim acolá que está a ser invadido pelas ervas, os cães, desdenhosos da contenção política, que adquiriram o hábito inveterado de alçar a perna à porta do Sr. Francisco, munícipe austero e influente, as obras que não andam nem desandam e a lama que sobrevem, inesgotável, desses estaleiros, etc., etc. e, ainda para maior padecimento, longe e nostálgico da night do eixo Lisboa-Cascais? Nem dois anos lhe dou! Vai sair de lá em passo de corrida, à frente dos munícipes enfurecidos.

Errei. Aparentemente, por razões inexplicáveis para mim e para a intelectualidade que forma a opinião publica(da), o homem somou êxitos e tinha a Câmara da Figueira na mão para o resto da vida. Pois que ficasse por lá!

Mas não ficou. Para surpresa geral do país, apresentou-se como candidato à Câmara de Lisboa. Foi a zombaria geral na nossa comunicação. Vaticinei, sem quaisquer receios de errar: «O Santana não tem nenhuma hipótese». Nem quando a candidatura do João Soares foi buscar o Álvaro Cunhal ao mausoléu para o exibir na campanha, eu duvidei que o João Soares ganhasse. Entre Soares e Santana qualquer eleitor normal escolheria Soares. Foi o que eu fiz, mesmo apesar de pensar que o PS precisava de ser punido pelo desastre governativo de Guterres e pelo estado em que estava a deixar o país. Simplesmente, não confundi a governação da cidade com o governo do país, embora, depois das figuras tristes que o Soares andou a fazer após a derrota, ele tivesse passado a ser, para mim, uma carta fora do baralho político. Nunca mais, em circunstância alguma, votarei naquele sujeito ... nem para administrador de condomínio.

Pois o Santana ganhou. Eu estava a ver os resultados eleitorais a aparecerem nos ecrãs das TV’s e nem queria acreditar. Como era possível entregarem a gestão da capital àquele play-boy, que nem percebe de Chopin?

Não fui só eu quem ficou surpreendida. Penso que também Santana Lopes não estava à espera de ganhar as eleições. Não tinha equipa (excepto Carmona Rodrigues) nem tinha experiência camarária ao nível de um município tão complexo como o de Lisboa. Mas não se intimidou. Garrotou algumas despesas inúteis fruto de compadrios da gestão anterior e preocupou-se principalmente com o Show-business, deixando aos seus colaboradores as tarefas monótonas e chatas do quotidiano camarário. No fundo onde ele é bom é no Show-business. Então seria nesse pelouro que se teria que produzir.

Nos finais de 2002 vi uma sessão dos Prós e Contras sobre o projecto do Casino do Parque Mayer. Fiquei perturbada. E fiquei perturbada porque, naquele debate, Santana Lopes era o mais coerente, o mais linear e quem concitava os apoios dos artistas. Como escrevi então, fiquei siderada! Pois quê? Os artistas a beatificarem um play-boy de direita e um intelectual de esquerda, o Miguel Portas, a exorcizar o pecado? Estaria eu no Universo Anti-matéria?

Quem nesse debate se opôs às opções de Santana Lopes, fê-lo mostrando a maior das hipocrisias, desde a teoria do pecado para inviabilizar o casino, até ao desconforto do Prado Coelho, o elefante branco da nossa cultura, no ingrato papel de ser contra algo com o qual colaborava e a quem vendia o seu talento. Eu olhava para o ecrã, estupefacta, e nem me parecia possível que gente da cultura ficasse assim menorizada e fizesse aquela triste figura perante um gaffeur cultural como o Santana Lopes.

Actualmente deixei de fazer vaticínios sobre o futuro do Santana Lopes. Estou farta de me enganar. Um amigo meu, politicamente muito distante de Santana Lopes, mas que mantinha com ele, na gestão municipal, relações institucionais muito estreitas, mercê do cargo que ocupava, confidenciou-me mais que uma vez, perplexo, que «aquele sujeito parece que tem mel».

Marcelo Rebelo de Sousa, o Guru dos nossos comentadores políticos, o Velhaco Genial, tem apontado como defeitos de Santana Lopes a sua «superficialidade e ignorância». Mas são essas, justamente, as características que melhor definem o político português tipo. O que Marcelo tem estado a proclamar, embora não fosse essa provavelmente a sua intenção, é que Santana Lopes é o paradigma do político português.

Alguém sabe de político mais superficial e ignorante de dossiês que Mário Soares (notem que eu não lhe estou a chamar inculto)? E de governo mais impopular que o último governo dele? Pois foi presidente ... e segundo parece, teria nas primeiras sondagens menos de 8%

O que Marcelo tem dito, no seu estilo oblíquo, é que Santana Lopes tem todas as "qualidades" para presidente. Com menos bochechas e menos cultura que Soares, mas com uma capacidade de encaixe muito maior ... Que Deus se amerceie de nós, como o tem feito até agora.

Agora, sobre Santana Lopes, só faço previsões no fim do jogo.

Publicado por Joana às 09:14 PM | Comentários (85) | TrackBack