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outubro 28, 2004

A Vingança do Perdedor Eterno

Marcelo (por parte do pai) Rebelo de Sousa (por parte do padrinho) [ou vice-versa] andou meses a protagonizar Panurgo. Semana aqui, semana ali, lá ia mais um carneiro pela borda fora, sempre à espera que o rebanho o seguisse. Mas nada. Era exasperante. Nem alguns carneiros tresmalhados se interessavam pelas profundezas do oceano. Mas Panurgo-Marcelo é alguém cheio de expedientes. Expedientes que, para sua desdita, nunca evitaram que ele fosse um perdedor nato, mas apenas serviram para lançar lama sobre os outros. Dirigiu-se ao porão, pegou numa picareta deixada pela imprevidência de alguém, e zás! Golpeou o casco com uma violência potenciada pelos ódios acumulados e recalcados e com o engenho que sempre o celebrizou e que ele tem utilizado, com toda a dedicação, numa nobre e devotada causa – a sua.

Se o rebanho não ia ao fundo, então afundaria barco, tripulação, passageiros, todos! Todos ... menos ele. Fluctuat nec mergitur. Marcelo sempre se especializou em flutuar nos mares mais temerosos. Havia-se mesmo treinado, durante décadas, a flutuar em mares de vagas alterosas, fustigadas por ventos que ele próprio soprara. E sempre haveria barcos no horizonte que, embora em tempos queixosos dos expedientes de Panurgo-Marcelo, nesta hora não deixariam de o recolher, nem que fosse como recompensa de ter feito soçobrar o próprio barco.

Os perdedores natos, com manha suficiente para causarem danos e obterem fugazes instantes de glória, mas sem estatura política para obterem as vitórias que engrandecem, são perigosos. Quando não há estatura e sobeja a manha extremada pela ciumeira, as consequências podem ser catastróficas.

Mas deixemos a história trágico-marítima (ou cómico-terrícola). A primeira questão que coloco é se alguém acredita que Marcelo Rebelo de Sousa é pressionável ou influenciável. O próprio MRS afirmou que continuaria com o Jornal Nacional à sua disposição, e o Jornal Nacional, não se esqueça, é produzido em directo. Apenas, segundo as suas próprias afirmações, lhe teria sido pedido que fosse repensando o formato dos seus comentários.

É incompreensível que Marcelo Rebelo de Sousa abandonasse a TVI imediatamente, mantendo-se silencioso porque havia um “pacto de silêncio”, para, após semanas de especulações, fazer uma exposição repleta dos pormenores mais minuciosos e incriminativos, alegando que essa violação do “pacto” se devia a que Paes do Amaral já teria violado o pacto e atingido a sua honra, o que era falso, conforme descrevi no post anterior.

Simultaneamente houve o folhetim relativo à direcção do DN. Fernando Lima, que havia sido nomeado para o cargo, sob um coro de protestos da oposição, por ser um comissário do governo, demite-se, igualmente sob um coro de protestos da oposição(!!); fala-se na nomeação de Clara Ferreira Alves que, ao se aperceber que já circulava na comunicação social que iria ser a nova comissária política, recusa convite alegando “falta de condições”, enquanto o CR do DN considerava que «Clara Ferreira Alves não seria uma boa solução, tanto mais que desertara assim que surgiram as primeiras notícias a seu respeito». Agora foi nomeado um director interino, à espera de se sair deste imbróglio.

Não me parece por acaso estas duas ocorrência simultâneas. Vejamos o percurso de Marcelo Rebelo de Sousa nos últimos dois anos.

Marcelo Rebelo de Sousa fazia parte da facção do PSD que era contra a coligação. Todavia acabou por aceitá-la como um mal menor. Mas ao longo dos seus comentários dominicais manteve sempre uma postura muito crítica relativamente ao parceiro da coligação e ao seu líder.

A subida ao poder de Santana Lopes foi o detonador. Marcelo Rebelo de Sousa e outros membros do PSD, que haviam aceite a coligação a contra-gosto, uniram-se na crítica sistemática ao novo executivo. A coluna dominical de Marcelo Rebelo de Sousa passou a ser a principal referência crítica ao governo de Santana Lopes. Havia, é certo, críticas formalmente mais ferozes (a bocarra da Manuela Moura Guedes, por exemplo, e o terrorismo verbal de MST, também na TVI), todavia as de Marcelo Rebelo de Sousa eram mais eficazes, por serem mais bem estruturadas e por se basearem, normalmente, em factos em que a actuação do governo era discutível, ou mesmo claramente errada.

Todavia, o excesso de crítica demolidora acaba por banalizar a crítica. Essa banalização da crítica acompanhou um processo que já se arrastava há muitos meses: o espaço de comentários de MRS alongava-se excessivamente, penosamente mesmo, o que em televisão é mortífero, por muito bom comunicador que ele fosse. A homilia dominical estava a perder impacte. Por exemplo, o último comentário dominical acabou apressadamente para dar lugar à “Quinta das Celebridades”, apodada então por Marcelo, sarcasticamente, como “Quinta das Tias”. Julgo que foi a última frase que ele proferiu no seu último comentário

Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou assim as declarações ineptas de RGS, a conversa que teve com Paes do Amaral e as observações que ele lhe terá então feito, para transformar tudo numa cocktail mortífero que iria arremessar sobre o executivo de PSL e relançar o seu mediatismo. Passou displicentemente por cima do facto de se tratar de uma conversa entre amigos de há mais de 20 anos, cunhados, conversas onde não costuma haver formalismos e onde se discorre com o à vontade próprio de quem deposita confiança entre si. A questão é que Marcelo Rebelo de Sousa só tem respeito por uma pessoa: ele próprio; só tem uma ética: o seu interesse pessoal; só cumpre as promessas que faz a uma pessoa: a ele mesmo.

Portanto o que estamos a assistir é a golpes e contra-golpes palacianos dentro do PSD: os santanistas contra os anti-santanistas e vice-versa. É a luta entre a velha guarda do partido e os jovens ambiciosos que se perfilam atrás de PSL. O folhetim Marcelo, o folhetim DN, as controvérsias sobre o próximo congresso, etc., não passam de episódios "sangrentos" dessa luta.

É óbvio que não há censura. A forma como este assunto tem sido debatido, é prova disso. Quanto aos perigos com que nos acenam, eles resultam da presunção cândida de que o indústria da comunicação social é diferente das outras indústrias. Alguns ingénuos julgam que este negócio está imune ao funcionamento da economia e do mercado. Esses ingénuos julgam que os jornalistas em auto-gestão (que muitos confundem com isenção, cidadania e liberdade de expressão) deveriam prevalecer sobre os indicadores de rendibilidade. E depois, quem lhes paga os salários? Quando levarem o seu órgão comunicativo à falência, onde vão exercer a sua alegada liberdade de expressão?

Por isso nunca existiu, quer em Portugal, quer provavelmente com mais incidência, no restante mundo ocidental, jornais e canais de televisão que permaneçam independentes do poder financeiro dos grandes grupos económicos. E certamente todos já cederam às influências editoriais dos patrões. Portanto, a comunicação social vive num precário equilíbrio entre a “isenção e liberdade de expressão” e as influências que contra elas se movem: interesses económicos, interesses partidários ou os interesses dos próprios jornalistas que dificilmente podem ser caracterizados como exemplos de “isenção, cidadania e liberdade de expressão”.

E é esse equilíbrio que assegura a isenção e liberdade de expressão. Certamente estas seriam letra morta se os jornalistas fossem deixados à solta, se os interesses económicos não encontrassem obstáculos e se os interesses partidários não se neutralizassem mutuamente. É do equilíbrio entre os interesses destes três candidatos à censura que resulta a liberdade de expressão.

O resto são fait-divers ... são jogos de poder. Marcelo é apenas um dos protagonistas destes jogos. Apenas o mais manhoso. Um protagonista que pôs a oposição a correr atrás do osso que lhe mostrou e que vai agitando porque isso lhe serve os seus actuais interesses.

Publicado por Joana às outubro 28, 2004 11:39 PM

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Comentários

Sublime, Joana ! Adorei ! Finalmente alguém que conhece MRS tão bem ou ainda melhor que eu ! Avance para a politica !

Publicado por: Cirurgico às outubro 29, 2004 12:35 AM

Sublime, Joana ! Adorei ! Finalmente alguém que conhece MRS tão bem ou ainda melhor que eu ! Avance para a politica !

Publicado por: Cirurgico às outubro 29, 2004 12:37 AM

(...) Todavia, o excesso de crítica demolidora acaba por banalizar a crítica (...)

ora aqui está uma frase do seu texto que se aplica , que nem uma luva , à sua própria tentativa de "demolir" MRS !
Aliás, a juntar a esta sua tentativa , o centro da sua preocupação é vender a ideia que isto é um fait-diver da oposição , que se quer aproveitar partidária/politicamente dum assunto menor de âmbito privado ( a mesma posição da maioria parlamentar ao recusar discutir o assunto com MRS na AR )
Bom esforço que, segundo o meu ponto de vista, dois posts bem esticadinhos ainda não conseguiram.

Publicado por: zippiz às outubro 29, 2004 12:46 AM

Excelente, Joana!

Publicado por: Ventura às outubro 29, 2004 12:51 AM

Você ainda é mais demolidora que o Marcelo. Menos manha, mas chumbo mais grosso

Publicado por: Bsotto às outubro 29, 2004 01:17 AM

Está bem observado. Deve ser isso que escreve.

Publicado por: C Ventura às outubro 29, 2004 01:56 AM

A sua análise sobre o equilíbrio da comunicação social em Portugal é inovadora, mas parece-me que tem consistência.

Publicado por: Filipe às outubro 29, 2004 01:58 AM

Se te afundasses também, não se perdia nada.

Publicado por: Cisco Kid às outubro 29, 2004 10:14 AM

zippiz em outubro 29, 2004 12:46 AM:
Eu não escrevi que a oposição se queria aproveitar do fait-divers.
O que escrevi foi que o Marcelo se quis aproveitar, e está a aproveitar-se, da oposição, através do engodo que lhe lançou.
A oposição está-se a comportar como uma marioneta nas mãos do Marcelo.

Publicado por: Joana às outubro 29, 2004 10:18 AM

Cisco: garanto-lhe uma coisa - nado bastante melhor que o Marcelo. Ele nadou uns 100 metros até à Torre de Belém. Eu, quase todos os dias, em 30 minutos, faço o equivalente à travessia do Tejo na mesma zona.

Publicado por: Joana às outubro 29, 2004 10:23 AM

Este post revela uma grande animosidade contra o Prof. Ele não me parece um tipo muito recomendável, mas tanto não.

Publicado por: c seixas às outubro 29, 2004 10:42 AM

A audição na AACS foi encenada. Parecia um grupo de amigos a falarem sobre algo que já haviam combinado antes

Publicado por: Coruja às outubro 29, 2004 10:55 AM

Brilhante, Joana! Aliás, como é hábito.

Publicado por: LR às outubro 29, 2004 12:37 PM

Completamente de acordo!

Publicado por: Hector às outubro 29, 2004 01:19 PM

Colocar marcelo como um perdedor nato parece-me, no minimo, má vontade.

Durante o 1º governo Guterres, com a economia, impulsionada pelo exterior, a crescer na casa dos 5%, com benesses para tudo o q era lobby, com Expo's, com ponte vasco da gama, com a emergencia do Bloco, com o PP a atacar o eleitorado do PSD, e sobretudo, com sistemáticos ataques de Santana Lopes nos diversos congressos, Marcelo ganhou 2 referendos muito dificieis, destaco o da regionalização, e parou o totonegócio (mesmo enfrentando criticas internas).

Ah, e não esqueçamos que foi marcelo que obrigou a q houvesse referendos...

O Presidente da Rep, o Parlamento, as maioria das autarquias (incluindo Lx e Porto) eram PS... Era possivel fazer melhor? é um perdedor nato? alguem com a capacidade profissional e politica da dele é um perdedor nato?

De resto, gosto do seu texto. Parabens!

Publicado por: Joao Gouveia Duarte às outubro 29, 2004 03:10 PM

JOANA

A sua "história" faz-me lembrar a fase última do barroco ou a tendência maneirista da expressão escrita.
Aquela poesia de louvor a um candelabro é o modelo acabado dessa forma e que a JOANA aqui expressa na prosa.
O ZIPPIZ "sportinguista" acusa-me de utilizar o objecto querido de Rio Maior,mas verifica-se que o dito "lagarto" percebeu imediatamente o alcance do que se pretendia.

A forma maneirista de luva branca,lencinho arrendado e o rapé são apenas "jogos de entretenimento";

A linguagem pura foi a utilizada pelo Ministro,a qual a JOANA contesta,apelidando-a de "inepta".

O "vernáculo",cara JOANA, é deste modo:
MRS é o tentáculo dum polvo na comunicação social.
Balsemão e Belmiro são os rostos ocultos do dito.
A mistura dá um "cartel" funcionando como rampa de lançamento de misseis contra o Governo.

MRS foi habilmente aproveitado.Explorando-se a sua vaidade e,ao mesmo tempo,a sua "dor de corno" contra Portas e Santana,só há que remexer estes ingredientes para que MRS seja o pé ambulacrário colado ao Governo e que só descola com puxão violento.

O Ministro sacudiu no momento certo e fez o que pensava,sem a urdidura maneirista.

Atirou à cabeça e feriu,espero que de morte,a triade terrorista ou a Al-Qaeda da comunicação social portuguesa.

É que a "sistematização" já chateava!

E que me diz,a minha cara JOANA,à inocência dos escritos dum tal SARAIVA?

Qual é o expoente matemático que atribui à HIPOCRISIA do escriba?

Tenho-me admirado ultimamente do "pacifismo" do Expresso relativamente ao Portas.
Sei que não desistiram.Estão no periodo de ataque ao Governo,o que significa atingir igualmente o Ministro da Defesa.

Mas como eu adorei o desprezo do Portas aos SARAIVAS e quejandos!

Publicado por: ZEUS8441 às outubro 31, 2004 09:25 AM

ZEUS8441 em outubro 31, 2004 09:25 AM

E que tal, se ZEUS se deixasse de obscuras e arrevezadas imagens de tipo gongórico que nada significam e passasse a usar uma linguagem clara e precisa, como faz Joana?
Seria bem melhor, não é verdade?

Publicado por: Senaqueribe às novembro 2, 2004 03:04 PM

Chamar perdeor eterno a Marcelo talvez seja um exagerO!

Publicado por: anonimo às novembro 7, 2004 02:39 AM

.

Publicado por: virtual às fevereiro 21, 2005 08:37 AM

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