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dezembro 08, 2004

Um de nós mentes ...

Esta querela sobre o que foi dito entre o PR e o PM, nas reuniões de 29 e 30 de Novembro último, é o exemplo do grau zero de dignidade das instituições e da política a que chegou o país. Como é óbvio, consoante as paixões políticas de cada um dos que assistem a esta tragicomédia, assim cada um acredita naquilo que o coração lhe segreda ao ouvido. A razão está arredia destas conclusões. Aos emotivos pouco interessa quem está a falar verdade. E provavelmente nenhum estará a ser rigorosamente verdadeiro.

Enquanto isso Sampaio está remetido a um «silêncio protocolar», deixando o seu chefe da Casa Civil lançar algumas frases que ficarão certamente na história. Face às afirmações de Santana Lopes de que lhe tinha sido garantido, no dia 29, por três vezes, que não haveria dissolução, o chefe da Casa Civil da Presidência da República responde por um enigma: O Presidente da República não discute com o primeiro-ministro a decisão de dissolver a Assembleia da República. Este é um poder não partilhado. O chefe da Casa Civil aprendeu com o patrão, a Pitonisa de Belém, como eu o tenho apelidado desde o início deste blogue (*), a sentenciar por enigmas.

A única frase incisiva foi para desmentir algo que Santana nunca tinha dito. O chefe da Casa Civil do PR garantiu que «Santana Lopes soube as razões da decisão do Presidente na “reunião de terça-feira”, dia 30 de Novembro». Ora PSL apenas afirmara que era o país que desconhecia as razões. A menos que Sampaio identifique Santana com o país, o que é um precedente perigoso e anti-democrático. Nem sequer Mota Amaral, Presidente da AR e segunda figura do Estado sabia. Aliás Mota Amaral só soube pelos jornais que a AR ia ser dissolvida, circunstância que Sampaio reconheceu ser um “lapso de cortesia” e Mota Amaral, ironicamente, um esquecimento.

Acho de uma elegância extrema designar aquela «trapalhada» de Sampaio por “lapso de cortesia”. Numa visita de cerimónia, quando a dona de casa entra na sala e o visitante não se levanta dá-se um “lapso de cortesia”. Quando entro num restaurante, chego à minha mesa e alguém, do pessoal masculino, se deixa ficar sentado, sinto um ligeiro incómodo ... há qualquer coisa que falhou ... é isso – houve um “lapso de cortesia”.

Com as instituições não há “lapsos de cortesia”. Há faltas de respeito e atentados à dignidade das instituições.

Pergunta-se quem está a mentir, ou talvez, quem mente mais? Não sei responder pois, pessoalmente, conheço-os mal.

Só estive uma vez com Santana Lopes e descrevi esse facto, neste blogue, em Santana Lopes: A pessoa e Uma Homenagem. Não me vou alongar mais sobre ele, pois não o conheço da política. Descrevi-o como pessoa, tal como se me apresentou, e não sei como ele se porta nos meandros da política. Ser uma pessoa educada e um gentleman na vida social não garante, infelizmente, que não seja um mentiroso na política.

Sobre Sampaio, tenho algo mais a dizer. Há cerca de 13 anos, na sequência da tentativa de golpe de Estado contra Gorbatchev, um amigo da família, vereador da CML, independente, mas eleito pela CDU, votou a moção de protesto proposta pelos socialistas e não a moção proposta pelo PCP, alegando que não considerava esta suficiente. Tal bastou para que fosse proscrito pelo PCP, objecto de insultos na imprensa do partido e que lhe fosse exigido que abandonasse o pelouro que detinha.

Por mais de uma vez nos deu conta do incómodo que lhe causava o silêncio de Sampaio, então presidente da CML, perante as exigências do PCP. Afinal de contas, a questão decorria de ele ter votado a moção socialista. João Soares apoiava-o, mas João Soares era apenas um mero vereador. Foi-lhe então sugerido que tomasse ele a iniciativa e pusesse o cargo à disposição de Sampaio. Isso colocaria Sampaio perante a obrigação de tomar uma posição. A sugestão foi seguida.

A conversa foi amigável: Sampaio achou que com certeza ... obviamente ... que o tinha na mais elevada consideração ... mas não teve quaisquer efeitos práticos. Sampaio estava solidário, dava-lhe palmadinhas nas costas ... mas tornou-se depois óbvio que gostaria que ele se pusesse a mexer. Apenas não tinha coragem política e moral para lho dizer na cara. Esse nosso amigo suportou aquela situação, estoicamente, mais alguns, poucos, meses e demitiu-se. Houve uma pequena festa de homenagem. Sampaio também fez uma alocução de despedida. Ainda me lembro dele a dirigir-se para a mesa de honra, baixo, corcunda e hipócrita. Detestei-o.

Foi o meu primeiro e um dos raros contactos com os meandros da política partidária, embora de forma indirecta, e odiei o que vi.

Conheço bastante gente ligada à política, mas apenas por razões familiares (a quase totalidade) ou profissional (poucos). Provavelmente detestaria revê-los nos respectivos aparelhos partidários. Aliás, muitos estão fora da militância activa.


(*) Ler, por exemplo:
O Oráculo de Belém
A Pitonisa de Belém em Argel
Alguém tem que ceder
Sem Pressas
Dispromisso Político
Á Espera de Godot Sampaio
Síntese Política da Semana
Sampaio escreve direito por linhas tortas
Santana entregue à vigilância presidencial

Publicado por Joana às dezembro 8, 2004 09:04 PM

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Comentários

"As paixões políticas de cada um dos que assistem a esta tragicomédia" são muitas vezes sustentadas por experiências pessoais como as relatadas pela Joana.

PS - O que se passou com o site ? Esteve que tempos "em baixo"...

Publicado por: julia às dezembro 8, 2004 11:37 PM

O Sampaio baixo? Ele tem estatura média.

Publicado por: Arroyo às dezembro 8, 2004 11:40 PM

Joana,
Comparar uma figura como PSLopes, antigo militante de organização de extrema direita e fascista no período do PREC, com uma figura como JSampaio, democrata e lutador pela liberdade desde os anos 60, só pode ser um equívoco.
Por que é que não vai reler o comunicado do ex-ministro e ex-amigo de PSL , Chaves de seu nome, para testar a credibilidade do actual 1ºministro ?
Para PPortas aparentar, hoje por hoje, ter mais credibilidade do que PSL…

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do blog “o Jumento”
GRANDE LATA!
O PURA ECONOMIA já tinha denunciado o truque de Santana Lopes em torno do ataque matreiro de Santana Lopes a Sampaio sobre se sabia ou não as razões porque foi "corrido". Agora vem a chefe de gabinete deste pequeno primeiro-ministro dizer que o dito nunca disse que não sabia os motivos, o que ele disse é que os portugueses não sabiam.

Grande velhaco!

PS: num momento em que tanto se fala de Camarate convinha lembrar que na época era a AD (PPD/CDS/PM) que governava.
Posted at 12/8/2004 1:26:06 pm by Roncinante
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Publicado por: zippiz às dezembro 8, 2004 11:41 PM

julia em dezembro 8, 2004 11:37 PM:
Parece que foi o servidor da Weblog que foi abaixo.

Publicado por: Joana às dezembro 8, 2004 11:42 PM

Arroyo em dezembro 8, 2004 11:40 PM:
Para homem é baixo. Deve ser mais ou menos da minha altura.

Publicado por: Joana às dezembro 8, 2004 11:45 PM

zippiz em dezembro 8, 2004 11:41 PM:
Portanto a credibilidade de uma pessoa está infalivelmente ligada ao que ele fez há 40 anos.
Considerar a ética das pessoas consoante a sua posição partidária não é de bom tom, e pode levar a muitos equívocos.
Conheço pessoas de esquerda honestas e outras vigaristas e sem escrúpulos. E o mesmo acontece com gente de direita.
Além do que apenas citei factos.

Publicado por: Joana às dezembro 8, 2004 11:51 PM

Afixado por Joana em dezembro 8, 2004 11:51 PM

não Joana,
a cedibilidadede também está infalivelmente ligada ao que se fez nos últimos anos ... nos últimos 4 meses ... e ao que se disse nos últinos 10 dias !

Publicado por: zippiz às dezembro 9, 2004 12:01 AM

Ó Zippiz, não me leve a mal, mas no período do PREC ser militante de uma organização de extrema-direita fascista, é coisa de quem tinha umas gandas bolas !

Publicado por: asdrubal às dezembro 9, 2004 12:07 AM

Aquela atitude, sem vergonha, que descrevi, passou-se há 13 anos.

Publicado por: Joana às dezembro 9, 2004 12:11 AM

Afixado por asdrubal em dezembro 9, 2004 12:07 AM

se tivesse sido durante o período negro de 48 anos...a lutar pela liberdade !

Publicado por: zippiz às dezembro 9, 2004 12:22 AM

Vendidos e intriguistas há-os em todo lado, na política e fora dela. É como dizia o outro: "É a vida!".

Mas é sempre triste o espectáculo.

Publicado por: julia às dezembro 9, 2004 12:27 AM

Uma coisa é certa. Pelo que li dos posts da Joana sobre o Sampaio, ela sempre disse o pior possível dele, mesmo quando indigitou o Santana.
Portanto a opinião que ela tem sobre ele não variou conforme as decisões do PR, coisa que aconteceu com a maioria do pessoal.

Publicado por: David às dezembro 9, 2004 12:55 AM

A Joaninha é cá das minhas. Eu sempre disse que os partidos são a desgraça de um povo e que a melhor política é o trabalho. Então esses malandros do reviralho -- como o Sampaio, a ocupar, abusivamente, a cadeira do almirante --, são uns hipócritas. E os sindicatos vermelhos? Até me dão arrepios. Que saudades que eu já tinha de ouvir alguém falar assim dos sindicatos e do reviralho.

Publicado por: António Oliveira às dezembro 9, 2004 01:39 AM

Não me parece que a Joana seja «das tuas» ó múmia paralítica.
Mas lá que é confusa, isso é.

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 9, 2004 01:42 AM

Tem razão no que respeita a Sampaio. Como presidente da CML foi uma desgraça pois não resolvia nada. João Soares foi muito melhor que ele, mas acabou por prejudicar-se por um excesso de voluntarismo e algumas decisões precipitadas.
Infelizmente, na "coisa pública" não tomar decisões compensa.
Quanto ao caso que conta, lembro-me dele, embora não conhecesse os pormenores. Mas dar facadas pelas costas e depois vir armado em santo é normal na classe política.

Publicado por: L M às dezembro 9, 2004 11:07 AM

Janica, o que tu queres dizer diz-se em muito menos palavras. A política é um nojo, os políticos uns corruptos e a democracia só funciona em países ricos.

Publicado por: Átila às dezembro 9, 2004 01:28 PM

É só má língua

Publicado por: Cisco Kid às dezembro 9, 2004 04:04 PM

Átila :
.
Estamos, apesar de tudo, num patamar de desenvolvimento que não tem nada a ver com o de há 30 ou 40 anos. Provávelmente a democracia vai começar a funcionar a partir de agora. Com a reinstauração da Monarquia.

Publicado por: asdrubal às dezembro 9, 2004 05:26 PM

Olha, Asdrúbal amigo, já tou por tudo! Arranja aí um rei á maneira que eu voto nele...

Publicado por: Átila às dezembro 9, 2004 06:10 PM

Então o Paulinho vem proclamar alto e a bom som que "já está tudo tratado" para que parte dos novos blindados do Exército sejam produzidos na Bombardier para pouco depois ser desmentido pelo Álvaro Barreto e pela própria Bombardier ?!

Nesta altura, "desarticulações" destas podem ser dramáticas !

Publicado por: julia às dezembro 9, 2004 06:14 PM

Só moscas Só moscas
E em boa verdade um ou outro moscardo
Sempre...

Publicado por: tretas às dezembro 9, 2004 06:22 PM

Então, comentem isto
http://jornal.publico.pt/2004/12/09/Nacional/P10.html

Publicado por: tretas às dezembro 9, 2004 07:06 PM

Sampaio lutador pela democracia e liberdade nos tempos da outra senhora?
Sim, talvez, mas muito bem conectado ao regime de então. Só assim se safaria, como safou, da tropa numa altura em que até os coxos e zarolhos lá tinham que ir malhar com os ossos.

Publicado por: RBerto às dezembro 9, 2004 07:35 PM

julia em dezembro 9, 2004 06:14 PM:
O que ainda está por decidir é se é nas actuais instalações da Bombardier ou noutro local da Grande Lisboa, mas com o pessoal que era da Bombardier. Falta o acordo da Bombardier

Publicado por: Hector às dezembro 9, 2004 10:13 PM

Hector em dezembro 9, 2004 10:13 PM

Pois ... não é pôr o carro à frente dos bois ?

Publicado por: julia às dezembro 9, 2004 10:22 PM

RBerto em dezembro 9, 2004 07:35 PM

Julgo saber que Jorge Sampaio se livrou da tropa por ter pé chato. Calculo que o dito senhor estaria a fazer o pino na altura da inspecção, dado que é o outro extremo que é particularmente chato... Mas, além disso, devo notar que tal enfermidade não tem impedido o senhor Presidente de participar nas meias maratonas de Lisboa. Será possível que o lutador anti-fascista tivesse uma cunha de respeito dentro do regime fascista?...

Publicado por: Albatroz às dezembro 9, 2004 10:27 PM

Joana, apesar de grande admirador seu, lamento que use o termo "baixo" como um dos três epítetos que foi buscar para qualificar defeitos de um homem. Do alto dos meus 1,65 m, e em bicos dos pés, lavro o meu mais veemente protesto!
Viva a Monarquia!

Publicado por: Emilio de Sousa às dezembro 10, 2004 09:42 AM

Um mal nunca vem só…

De Santana fica a imagem de um homem com o dom da palavra, com uma grande capacidade oratória, o improviso na ponta da língua e, o que só lhe fica bem, gostar de louras e morenas. Alias, sempre preferi os lideres capazes de admirar e usufruir dos prazeres da vida. O exercício do poder tem influência para todos nós e melhor será que quem o tem esteja de bem consigo e com os outros.

Este homem, a quem nunca ninguém atribuiu hipóteses de ir longe na vida política, tem surpreendido tudo e todos e na verdade poucos dos seus pares lograram chegar tão longe. A admiração tem uma lógica: fala bem mas tecnicamente deixa muito a desejar, usa os media com mestria mas falha na gestão de pessoas, empolga a plateia mas não tem uma liderança frouxa, convence que é o salvador mas á custa do erário público, e por diante…

Estranho que ele e os seus não percebam que se transformaram em motivo de chacota para a sociedade portuguesa. De cada vez que põem o PR em cheque – e se calhar as trapalhadas e os motivos do PR até nem são dos mais católicos – vão indignando quem os ouve. Valendo o que valem, vejam as sondagens.

Vai-se salvando o PP, que passa por vitima inocente. Tem ministros competentes e provou que uma vez no poder não são um partido de radicais de direita. Estão agora a apresentar a conta ao PSD, que já tinha negociado em baixa a entrada do PP na coligação governamental.

Por sua vez, o PR tem mantido o silêncio. Aguarda os tiros de pólvora seca e, se calhar já esta noite, com o tempo e o requinte de quem tem refinado os insultos que lhe fazem, afunda o que ainda resta do Governo e do PSD. A ver vamos…

Só que o mar é cheio de fauna e flora e o povo português tem o condão de apostar quase sempre no cavalo errado, preferindo os peixes vistosos mas não comestíveis a um horrendo tamboril ou lagosta. Temos pois os governantes que merecemos.

Se o PM falhou, e nada me espanta que lhe vá custar muito levantar-se do chão em que escorregou, o PR tem um problema mais estrutural, um perfil algo esponjoso de difícil definição.

De vez em quando, não sei se empolgado pelos escribas dos discursos, parece ter uns laivos de opinião e orientação, para logo a seguir cair em grande letargia ou apatia. Eu, que também tenho amigos de família, também me recordo de histórias contadas à roda da lareira, antes, durante e depois da presidência.

Mas o fundamental permanece. Com ou sem “trapalhadas”, com ou sem “esquecimentos”, com ou sem razões substantivas, o país precisa de alguém que não faça fraca a forte gente.

Precisa de quem defina o rumo, ainda que imperfeito, que tome decisões e sacrifique recursos coerentes com essa visão. Alguém que governe para os portugueses e não para os media.

É por isso perfeitamente compreensível que alguns agitem a bandeira de Salazar, porque ao menos todos sabiam com o contavam. Havia coerência na crueldade do regime.

A democracia não se compadece com a incompetência de quem esquece estar afinal ao serviço do povo.

Publicado por: Um conhecido da Joana às dezembro 10, 2004 09:16 PM

Pelo que conheço dos dois, tudo me leva a crer que Santana Lopes esteja a falar verdade. Mas também não acredito que o Sampaio tivesse dado respostas claras. Ele é incapaz disso. Mas deve ter dado a entender que não demtia o governo.

Publicado por: Ricardo Santos às dezembro 12, 2004 03:40 PM

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