setembro 26, 2005

Mentira Compulsiva

O Eurostat não validou as contas públicas portuguesas relativas a 2004 por ter dúvidas quanto à classificação como receita de um dividendo pago pela Empresa de Desenvolvimento Mineiro e por querer clarificar as «injecções» de capitais nos hospitais entre 2001 e 2004. Sócrates disse que não queria “comentar” a não validação das contas, mas “lembrou” que não são da responsabilidade do seu Governo. Todavia o que o Eurostat não validou foi o reporte de Junho já enviado por este Governo e, segundo o Ministério das Finanças, foram as autoridades nacionais que detectaram o erro, informaram o Eurostat e vão rectificar no reporte de Fevereiro. Ou seja, o dividendo da EDM foi classificado erradamente pelo anterior Governo, mas foi validado (e denunciado ao Eurostat) por este Governo. Foi desnecessário, e muito pouco apropriado, o lembrete de Sócrates. Se não o tivesse feito, teria agido como um estadista e escusaria de ouvir que o reporte era da autoria do seu Governo.

Eu ainda não percebi se Sócrates é um mentiroso compulsivo ou simplesmente um cândido optimista que toma os seus desejos por realidades e que vive numa irrequietude empolgada tentando criar expectativas fabulosas, mas sem sustentabilidade prática. Até à data só tem dito mentiras e criado falsas expectativas.

Prometeu não aumentar os impostos e aumentou o IVA, o ISP, o Imposto sobre o Tabaco, etc.. Prometeu criar 150 mil empregos e o desemprego continua a aumentar, embora se tenha tentado iludir esse aumento escamoteando o efeito da sazonalidade no 2º trimestre. Prometeu reformar a administração pública, mas até agora as únicas reformas apresentadas referem-se à harmonização das idades das reformas, que sendo justas e necessárias, como medida de equidade social, têm pouco impacto na despesa pública e, adicionalmente, tornam-se um obstáculo ao rejuvenescimento da função pública a curto e médio prazo. Prometeu moralizar a vida pública e o país nunca havia assistido a uma tamanha distribuição de sinecuras por amigos e correligionários.

A única promessa que continua a manter, teimosamente, é a dos projectos do Aeroporto da Ota e do TGV. Mas julgo que a mantém porque são projectos a longo prazo, promessas para serem cumpridas daqui a muitos anos, talvez lá para as calendas gregas.

À medida que a situação se degrada, enquanto outros políticos, mais terra-a-terra, se preocupariam em encontrar soluções urgentes que estancassem a crise, a mente privilegiada de Sócrates rasga-nos o futuro com as “Novas Oportunidades”. Está tudo resolvido. Prometeu “alargar substancialmente a oferta de cursos técnicos e profissionais ao nível do 12º ano, corrigindo de vez aquilo que foi um erro histórico do nosso sistema de ensino”. Assim, “Em 2010, atingiremos as 145 mil vagas e um total de 650 mil jovens abrangidos por estes cursos. Em apenas cinco anos faremos com que as vias técnicas e profissionalizantes representem metade da oferta de nível secundário, tal como é norma em todos os países da OCDE”. 650 mil jovens! É empolgante!

Actualmente, a única escola profissional pública é a Marquês de Pombal. O restante ensino profissional é privado e se, inicialmente, foi subsidiado pelo Prodec, agora não recebe praticamente subsídios e vive das propinas e das parcerias com empresas privadas. Funcionam de tal forma bem que algumas escolas se dão ao luxo de recusar candidatos, apesar destes representarem uma fonte de receita. Quanto ao ensino técnico-profissional público, que nunca funcionou bem, acabou e foi substituído pelos cursos tecnológicos.

Os cursos tecnológicos foram um flop. Os nossos elitistas ainda não perceberam que uma via profissionalizante deve ser ... profissionalizante. Manter o mesmo ensino clássico e adicionar-lhe matérias tecnológicas, mas ensinadas numa perspectiva teórica é complicar um curso que se destinava justamente a alunos com mais dificuldades na área das ciências abstractas e mais vocacionados para matérias práticas. O sistema educação formação, actualmente em vigor, funciona muito mal e é inexistente em muitas escolas.

E é nesta situação que Sócrates promete que “em 2010, atingiremos as 145 mil vagas e um total de 650 mil jovens abrangidos por estes cursos”. 2010 é daqui a quatro anos e meio. Não é apenas uma questão de instalações e equipamentos. É também uma questão de pessoal docente. Pessoal docente para o ensino clássico é fácil arranjar – as Universidades debitam anualmente quantidades enormes daquele bem. Mas pessoal docente habilitado para o ensino profissional é muito difícil de encontrar. As experiências anteriores, que foram muito limitadas, obrigaram à formação específica de docentes. Pelos rácios actuais, a 650 mil alunos correspondem mais de 60 mil docentes habilitados para aquele tipo de ensino. Alguém avaliou a dimensão desta proposta? Alguém acreditou nela?

O que Sócrates tem feito, desde que assumiu as rédeas do Governo, foi criar expectativas – em vez de tomar medidas concretas, agora, cria expectativas fantásticas, futuras. Sócrates é um político iluminado. Despreza as pequenas misérias do quotidiano. Só vê, projectado num futuro empolgante, um país totalmente novo. Ninguém sabe se existe, nem como lá chegar. Mas isso são minudências que não abalam a fé de Sócrates.

Portugal novo vai sair do cérebro de Sócrates, como Palas Atena nasceu da cabeça de Zeus, já completamente armada e coberta com o elmo do Saber. Vai ser a “Maravilha fatal da nossa idade”. Espera-se que não tenha o mesmo destino.

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setembro 13, 2005

Tribunal de Contas a Feijões

Gosto muito do Guilherme d’Oliveira Martins. E não apenas por causa do apóstrofo. Sou fã dele por ser pessoalmente uma simpatia mas, mais ainda, por ser parecidíssimo com Mr. Bean. São semelhanças notáveis: no aspecto físico e por nunca saber a quantas anda. A sua prestação como Ministro das Finanças foi assombrosa: conseguiu, com o rosto iluminado pela felicidade ingénua de Mr. Bean, nunca acertar, nem de perto nem de longe, no valor do défice. A sua nomeação para presidente do tribunal de contas está por isso a gerar grandes expectativas e entusiasmos indescritíveis em diversos sectores.

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setembro 09, 2005

Estado Virtual

O peso insustentável da realidade desanima qualquer, nomeadamente alguém que colocou as suas expectativas numa fasquia elevada, para ele e para aqueles que o rodeiam. Quando a realidade se torna insuportável e os factos empecilhos intransponíveis, criam-se paraísos artificiais, mundos paralelos, onde tudo é cor-de-rosa. Foi esse mundo virtual que Sócrates inaugurou ontem accionando um brinquedo, fingindo que era um detonador, e vangloriando-se, cheio de empáfia, sobre o misterioso crescimento do PIB em 0,5%. Suspeita-se que este brinquedo esteja ainda mais longe do real concreto que o falso detonador.

Este crescimento é incompreensível face aos dados anteriormente divulgados pelo INE sobre a evolução das trocas com o exterior (o saldo da balança comercial no 2º trimestre foi de –8,3% do PIB e as exportações caíram 0,1% do PIB). Adicionalmente verifica-se que o investimento caiu 4,5% no 2º trimestre. Para sustentar aquele crescimento do PIB, o consumo privado deveria ter crescido 3% do PIB em termos homólogos.

Ora não se percebe como a oferta interna e a procura externa líquida pudessem sustentar aquele aumento do consumo privado. Segundo alguns analistas, o aumento do consumo privado deveu-se sobretudo a uma antecipação de aquisição de bens como automóveis e outros, que iriam sofrer um aumento importante da carga fiscal. Mas esse aumento de consumo deveria traduzir-se pela diminuição equivalente da procura externa líquida resultante do aumento das importações de automóveis ou bens similares do ponto de vista da iminência do aumento do ónus fiscal. Sucede todavia, e isto é uma hipótese avançada que o futuro dirá se é confirmável, que os comerciantes daqueles bens, em face do pessimismo dos agentes económicos, não repuseram as existências, no todo ou em parte, ou seja, aquele consumo privado adicional não se traduziu em importações.

Admitindo que aquela hipótese seja verdade (se o não for, houve manipulação das contas nacionais, o que seria impensável se se tratasse do resultado anual, mas que não é de excluir em números trimestrais provisórios), aquele crescimento do PIB é fictício, pois apenas se baseia no aumento do consumo e na diminuição das existências de bens importados. Ou seja, baseia-se na antecipação do consumo por parte das famílias e na falta de confiança dos empresários relativamente à evolução da procura e ao futuro da economia portuguesa.

Sócrates ficou satisfeito com a “confiança na economia portuguesa” revelada pelo crescimento de 0,5%. Este é o mundo virtual de Sócrates. O mundo real é constituído pela queda do investimento, degradação da competitividade e estagnação ou queda das exportações e falta de confiança dos empresários relativamente à evolução da procura e ao futuro da economia portuguesa que se traduz na não reposição de stocks, realidade maquilhada pontualmente pela antecipação do consumo privado.

Estar satisfeito pela queda do investimento e pela falta de confiança dos empresários é uma atitude completamente anormal de um 1º Ministro que conviva com o mundo real. Só é explicável pelo abandono da realidade por troca com paraísos artificiais.

Esperemos pelos resultados do 3º trimestre. E esperemos que o OE2006, a elaborar no próximo mês, antes daqueles resultados, não tome a nuvem por Juno.

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setembro 08, 2005

Decisões a Destempo

Sócrates arregaçou finalmente as mangas e pôs-se ao trabalho. Hoje tinha duas tarefas, ambas ciclópicas. A primeira, a demolição de duas torres enormes que esperavam há quase uma década pela sua liquidação. E como Sócrates as conhecia bem. Pois se elas ainda vinham do tempo da sua anterior passagem pelo Governo! Mas agora era a sério. Estava tudo a postos: câmaras de filmar, máquinas fotográficas, lápis das jornalistas. Ele olhava nervosamente, à espera do sinal, com os dedos enclavinhados na barra da caixa detonadora. Era uma emoção única.

Fazia parte do seu imaginário de adolescente os Westerns, com as revoluções mexicanas e caixas iguais àquela, no alto dos montes, e o herói, de barba de 3 dias e o suor a escorrer-lhe pelas faces tisnadas pelo sol inclemente, a carregar decidido na barra e o aluimento fragoroso dos rochedos, por entre nuvens de poeira que sobravam para a plateia, danificando a paisagem e obstruindo a saída do desfiladeiro, encurralando os maus, que teriam a merecida punição nos instantes finais do filme.

Sócrates continuava de dedos enclavinhados, nós brancos pela tensão do momento, nervoso de ansiedade. Fizeram-lhe sinal. Era agora. Sócrates olhou para as câmaras, máquinas fotográficas, lápis das jornalistas, para ver se estavam a postos. Circunvagou novamente o olhar, que aquele momento era precioso, único. Acenaram-lhe aflitivamente. A torre estava a aluir com fragor, com manifesta má vontade e sem qualquer respeito pelo timing de decisão do nosso primeiro. Uma torre destas viera certamente das fileiras da oposição. Sócrates encheu o peito e carregou decididamente na barra. As câmaras, as máquinas fotográficas e os lápis das jornalistas entraram em acção e captaram para a posteridade o acto único da queda de uma torre causar um impulso decisório num membro do Governo. Sócrates sorriu pela satisfação do dever cumprido. A assistência respirou aliviada. A torre, enquanto a poeira assentava vagarosamente sobre os seus escombros, ria-se baixinho.

Belmiro mandou buscar a caixa para a devolver ao jardim infantil que a tinha emprestado para a cerimónia.

A segunda tarefa foi anunciar que o PIB tinha tido um crescimento homólogo de 0,5%. Ninguém percebe como isso foi possível, mas o INE (?) explica que «o contributo da procura externa líquida para o crescimento do PIB foi menos desfavorável do que no trimestre anterior, com as importações de Bens e serviços a registar uma desaceleração». Todavia, dias antes, o INE anunciara que, «no primeiro semestre as exportações registaram uma variação homóloga quase nula e as importações de aumentaram 15,7%, determinando um aumento do défice da balança comercial com os países terceiros de 38,7%».

Terá sido uma caixa de pirotecnia emprestada para a ocasião e que será oportunamente devolvida à procedência? Esperemos para ver.

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agosto 15, 2005

Neoplatonismo Socrático

Paradoxo? … ou talvez não!

Se a alguém compete mentir, é aos chefes da cidade, em benefício da cidade, ludibriando quer os inimigos, quer os próprios cidadãos, … e afirmamos que o particular que mente aos chefes comete uma falta da mesma natureza, mas mais grave … que o marinheiro que engana o piloto … Por conseguinte, se os governantes surpreenderem algum dos cidadãos da classe dos artesãos a mentir … castigá-lo-ão, a título de que introduz costumes nocivos ou susceptíveis de pôr em risco a cidade. Platão, A República, Livro III.

Sócrates mentiu sobre as promessas eleitorais, mentiu quando afirmou que ignorava o défice, mentiu sobre os impostos, mentiu sobre a criação de empregos, mentiu sobre a colocação de boys e moralização da vida pública, pretende ludibriar os cidadãos sobre a existência de estudos sobre a Ota e sobre o facto desses alegados estudos serem irrefutáveis sobre as vantagens do novo aeroporto. Sócrates, e os restantes líderes da polis, não têm feito outra coisa senão mentirem. E quando um é apanhado a dizer, embaraçadamente, uma verdade, é demitido liminarmente por ter tentado introduzir costumes nocivos ou susceptíveis de pôr em risco a polis.

Falta de Ética? De forma alguma. Apenas uma questão de perspectiva: uma Ética vista em termos de utilidade colectiva e não de utilidade individual. E quem define a utilidade colectiva? O líder. Assim sendo, o líder não mente, ludibria os cidadãos para defender a maximização da utilidade colectiva de acordo com as concepções que ele próprio estabeleceu.

Surgiu então, parece, um homem sábio e astuto,
Compôs um conto, uma doutrina feiticeira
Vedando a verdade com véus de falso saber.
Cingiu assim os homens com o jugo do pavor,
Infundiu-lhes encantos e temores feiticeiros,
Mudando a desordem em lei serena e ordem

Crítias, Fragmento 15, excertos (via Karl Popper - A Sociedade Aberta ... Vol 1)
Crítias, tio de Platão, foi um dos líderes dos 30 Tiranos, espécie de Quisling ateniense por conta de Esparta.

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agosto 10, 2005

Sócrates nos Himalaias

Tem-se criticado a ausência de Sócrates, alegadamente num safari no Quénia, numa altura em que os incêndios fustigam o país de norte a sul. É uma crítica injusta e mesquinha. Sócrates não está no Quénia. Semiramis teve garantias disso através de diversos testemunhos: Elefantes, rinocerontes e girafas, principalmente estas, cuja visão, perscrutando através da savana africana, devassa vários quilómetros ao derredor. Semiramis está aliás em condições de garantir, em primeira mão, que Sócrates está nos Himalaias, nos vales gélidos de Sagarmatha, consultando um respeitável guru sobre o futuro do país.

Sócrates viajou apenas acompanhado por um reduzido número de assessores, o seu núcleo duro. Nem os ministros, nem o aparelho partidário, nem o próprio Jorge Coelho foram informados da inexplicável peregrinação. Sócrates foi admitido sozinho à presença do venerável ancião. Era um fim de tarde gélido, apesar do Verão e do aquecimento global. Cá fora farrapos de neve caíam sobre os assessores, enregelados e tiritando de frio e de emoção – o guru iria pronunciar-se sobre o futuro do país. Naquela tenda modesta, perdida na imensidão gelada, no tecto do Mundo, jogavam-se os destinos da pátria.

Sócrates permaneceu silencioso enquanto o Guru discreteava sobre a lei do karma e como a sua vivência garante uma sabedoria crescente, ao longo das nossas vidas. O Guru fez questão de sublinhar, como explicação introdutória, que o acumular de experiências e acções positivas compensa, e o acumular das negativas causa sofrimento, o que, sendo Sócrates o condutor de um povo, esse sofrimento se derrama por todo esse desgraçado povo.

Apercebendo-se da impaciência ocidental de Sócrates, o Guru resolveu passar de imediato às questões mais práticas e falou assim:

- Meu filho, o teu país está numa situação desesperada. Se não seguires estes preceitos, à risca, Portugal falirá dentro de 2 anos. Portanto tens que fazer o seguinte:

1 – Nunca mentir. Quando prometes uma coisa, tens que a cumprir. É um preceito que faz parte das “Oito Virtudes”;

2 – Deves distribuir os cargos públicos de acordo com as competências e nunca por pertencerem apenas ao teu círculo político. A honestidade na distribuição dos cargos do serviço público é um dos "Cinco Preceitos";

3 – Tens que diminuir a despesa do Estado. O povo sofre miseravelmente a pagar um Estado que depois pouco lhe dá em troca. Alivia os impostos a esse desgraçado povo que, por via deles, está numa penúria crescente e cada vez mais sem trabalho;

4 – Põe a Justiça a funcionar com rapidez e discernimento. O povo clama por justiça, e um povo injustiçado é um povo sem esperança no futuro;

5 – Liberaliza o mercado de trabalho, privado e público. A liberdade é a base da felicidade. Que cada um procure o trabalho para que se sente mais vocacionado. Deixa que mil flores desabrochem. Olha para mim, que exerço uma profissão liberal, neste vale longe de tudo e de todos, e consigo garantir o meu sustento e da minha numerosa prole.

6 – Dá a fazer aos outros aquilo que não sabes fazer. Se o Estado executa uma tarefa mal e cara, então concessiona-a a outros que tenham vontade de a fazer e se interessem por ela. Todos ganharão com isso;

7 – Não te metas a fazer obras faraónicas, que já passaram de moda há mais de 40 séculos. Apenas servem para dar emprego aos felás durante a construção, pois depois sobrevém a miséria e a ruína. A menos que seja para encerrar o Jorge Coelho na Câmara de Horus, de modo a só ser descoberto daqui a 40 séculos, quando a sua nocividade se tiver desvanecido;

8 – Age de acordo com os interesses gerais do país e não com os interesses deste ou daquele grupo, por muito ruído que façam. Sobretudo não ajas de acordo com os interesses do teu aparelho partidário e do seu chefe, Jorge Coelho, que terá que passar por uma sucessão de 15 ou 20 reencarnações para se tornar potável.

Sócrates ouviu circunspecto estes conselhos do sábio ancião. Nem um músculo pulsou na sua face fechada. Agradeceu e saiu.

Cá fora, os seus assessores enregelados e impacientes, rodearam-no interrogativos:

- Que disse o Santo Homem? Qual o nosso futuro?

Sócrates permaneceu meditativo alguns instantes e depois respondeu, de sobrolho franzido e martelando as palavras:

- O Santo Guru disse que Portugal falirá dentro de 2 anos.

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agosto 05, 2005

http://governo.weblog.com.pt/

Ou ... http://governo.blogspot.com/?

O Governo português está a ter uma postura curiosa. Os seus ministros, em vez de fazerem discursos, escrevem artigos de opinião nos jornais. Há dias, num artigo de opinião publicado no "Expresso", Manuel Pinho dizia que há "estudos sérios" sobre a Ota (*). Hoje, no DN, Mário Lino escreve um ensaio sobre “Introdução às Plataformas logísticas e ao século XXI”.

Estamos apenas numa fase embrionária, de ante-projecto. Esta postura insere-se no choque tecnológico e na difusão da banda larga, prometidos pelo Governo. O início deste projecto inovador será a criação de um blogue. Todavia o governo está ainda indeciso sobre onde alojar o blogue. Recomendo aqui dois blogger providers, pois sei que a minha opinião é seguida com muita atenção nos meios governativos. Eles põem um extremo cuidado em fazer tudo ao contrário do que escrevo.

Outra dúvida é sobre a caixa de comentários. É ponto assente que qualquer comentarista terá que registar-se. Outro ponto incontornável é que, entre as indicações a fornecer, encontra-se o NIF, para futuros cruzamentos de dados. Há dúvidas sobre se deva ser exigido o NIB.

Estas dúvidas torturam a mente de Sócrates, e distraem-no de coisas mais importantes, como fugir em tempo oportuno daquele rinoceronte que avança sobre ele, impetuosamente e revelando total falta de respeito e civilidade pela sua figura.

(*) Aparentemente os "estudos sérios" (Marvão Pereira e Andraz) não eram sobre a Ota, nem tinham nada a ver com ela.

Publicado por Joana às 12:55 PM | Comentários (15) | TrackBack

julho 20, 2005

Referendo europeu adiado sine die

«Não se devem fazer referendos em altura de crise económica", advogou José Sócrates, numa intervenção num almoço do American Club, que foi sobretudo dedicada ao actual estado da União Europeia, afirma o DE.
E para mostrar que a crise do país não é apenas económica e financeira, mas também gramatical, acrescentou: «Mal seria que um primeiro-ministro se entretesse a descrever os problemas sem apontar uma solução para esses problemas»

Publicado por Joana às 05:36 PM | Comentários (23) | TrackBack

julho 19, 2005

Primeiro Triunfo de Sócrates

Uma das primeiras prioridades de Sócrates, «os 3 E’s – Espanha, España, Hespanha» está a tornar-se uma realidade. Sócrates deve estar a rejubilar, extasiado. O presidente da Associação Nacional de Pequenas e Médias Empresas (ANPME) refere que, desde que foi anunciado o aumento do IVA, 84 seus associados mudaram a sua sede para Espanha. E sublinha que este movimento está a alastrar.

Estas empresas suportam o IVA sobre os produtos adquiridos em Portugal e vendem esses mesmos produtos para outros países comunitários sem IVA. O valor do imposto é posteriormente devolvido pelo Estado às empresas, mas essa devolução, que em teoria deveria ser feita em dois meses, chega a demorar entre seis meses a um ano. Neste período de tempo a empresa financia o Estado português.

Se a empresa for espanhola, adquire os produtos no mercado nacional sem IVA, já que se trata de uma transacção intracomunitária. Esta empresa por sua vez pode vender as mesmas mercadorias a outros países comunitários (sem ser em Espanha) sem IVA, ou em Espanha com o IVA à taxa local. Portanto se uma empresa portuguesa passar a sua sede para Espanha e passar a funcionar a partir daí, deixa de suportar o IVA (desde que seja uma empresa exportadora).

Adicionalmente, o IRC resultante da sua laboração é pago em Espanha (o que também é mais favorável à empresa) e constitui uma perda para o Estado português. Este tipo de deslocalização está ganhar expressão em empresas de pequena dimensão que se dedicam à exportação. Mas poderá alastrar progressivamente a empresas de maior dimensão.

Este é apenas um dos primeiros e ainda reduzidos efeitos da política governamental de combater o défice pelo aumento das taxas de impostos e não pela redução da despesa pública.

É apenas uma consequência prática das teorias que desenvolvi em:

A Dimensão do Estado
Sísifo e o Estado 1
Sísifo e o Estado 2
Sísifo e o Estado 3
Estado e Desenvolvimento 1
Estado e Desenvolvimento 2

Publicado por Joana às 07:24 PM | Comentários (96) | TrackBack

julho 18, 2005

O Arrumador-Ministro

No programa Diga Lá Excelência, o Ministro da Agricultura foi questionado sobre como se posiciona na questão que opõe Blair a Chirac. Depois de algumas tergiversações e insistências das entrevistadoras, o ministro acabou por confessar: «A nossa estratégia não passa por essa polémica … somos favoráveis a um consenso que garanta que Portugal terá ainda um fluxo importante nos fundos estruturais».
A Europa está confrontada com a opção entre 1) a inovação e o posicionamento nos sectores de ponta, onde as suas vantagens comparativas são maiores, e 2) o proteccionismo e o subsídio a sectores obsoletos. Mas essas são polémicas de gente fina. Em matéria de conceitos político-económicos, Portugal resolveu protagonizar o papel de arrumador de automóveis. É-lhe indiferente o automóvel que estacione, desde que lhe dêem a moedinha.

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julho 06, 2005

Afirmações com Prazo de Validade

Campos e Cunha afirmou peremptoriamente que não gosta de falar de problemas que ainda não se puseram. Essa tem sido a tónica do Governo: só fala em impostos, quando os aumenta. Enquanto não os aumenta, declara obviamente que não os aumenta e que não gosta de falar de problemas que ainda não se puseram. O Governo não mente … apenas relativiza a verdade no espaço-tempo. As suas promessas têm prazos de validade. Mas enquanto o prazo de validade dos fármacos está afixado na embalagem, o prazo de validade das decisões do Governo é indeterminado. É afixado no dia do seu termo. Quando isso acontece, alguns recalcitrantes exclamam: Mentirosos! Errado. Como ensinava o Bispo Berkeley esse est percipi (ser é perceber). Se nós não percebemos este relativismo é porque não existimos. Simples. Nós não existimos. Somos zombies. Invejamos, protestamos, socamos com o nosso punho imaterial, ... tudo inútil ... porque não percebemos o que se passa à nossa volta. Politicamente não somos.

Publicado por Joana às 07:29 PM | Comentários (91) | TrackBack

junho 30, 2005

Waterloo a Prazo

Governo assinala 100 dias em funções hoje. Cem dias é uma data fatídica. Quatro dias antes do fim dos “Cem-dias” Napoleão teve o seu Waterloo. Cerca de 4 dias antes dos seus “Cem-dias”, Sócrates teve a trapalhada monumental do OR que tinha como missão (falhada) o “sanear” o “embuste do OE2005” encenado pela rábula do défice medido às centésimas.

Mas isto é apenas divagação. Os “Cem-dias” de Napoleão foram apenas 94 dias. Só seriam 100, se se começasse a contar a partir do dia em que Ney, enviado por Luís XVIII, se passou para o lado de Napoleão. E o Waterloo de Sócrates provocado pelo engano de Campos e Cunha (há 190 anos foi Grouchy quem se enganou), não foi suficientemente desastroso para exigir abdicação.

Outros Waterloos se seguirão: semanalmente haverá Waterloos no emprego do sector privado: milhares de trabalhadores, que julgavam ter “direitos adquiridos”, verão as empresas falirem ou irem-se embora. A única medida preconizada pelos sindicalistas é acusarem os empresários de não terem o sentido de responsabilidade. E continuarão a repetir esta ladainha até ao último empresário.

O governo não tem política. Ou melhor ... tem a “política dos pequenos passos” que não conduzem a nada. O desemprego vai aumentar progressivamente no nosso país. Sempre. O governo tem duas soluções possíveis: 1) diminui substancialmente o peso do sector público, aumentando o desemprego nesse sector, diminuindo a despesa, aliviando as empresas e as famílias e aumentando a competitividade da economia; 2) fica à espera de um milagre, enquanto o desemprego no sector privado se acelera, a recessão económica se torna numa bola de neve, e o país arrisca-se a pôr parte significativa do sector privado no desemprego e ser obrigado, depois, a pôr uma parte do sector público igualmente no desemprego, por insolvabilidade do Estado.

A solução 1) foi a utilizada pela Irlanda. Após um aumento enorme no desemprego, iniciou-se a retoma e hoje a Irlanda está no pleno emprego e é o 2º país mais rico da Europa. A solução 2) tem sido utilizada por alguns países, que continuam estagnados economicamente e com o desemprego a aumentar. Mas esses países têm uma vantagem sobre nós – têm uma mão de obra altamente qualificada. Estão estagnados, mas com a relativa prosperidade que tinham à partida, embora esta situação não se possa considerar como adquirida. Nós ficaremos estagnados na miséria. Será um Waterloo a prazo e em episódios de Soap Opera, cada vez mais deprimentes.

Mas também teremos Waterloos na justiça. O país caminha para o fim do Estado de Direito pela inépcia da justiça. O Estado está a deixar de exercer as funções de garante da ordem, da legalidade, do respeito pela propriedade e pelo cumprimento das obrigações contratuais. O país está a transformar-se numa imensa floresta de Sherwood onde todos são roubados (menos os muito ricos, que sabem como resguardar os seus activos).

Continuaremos com o Waterloo da Saúde e com o Waterloo lento, mas exterminador, da educação.

Passados 90 dias, os mesmos que Napoleão, Sócrates encontrou portanto o seu Waterloo. Só que não durou um dia. É um Waterloo a prazo, de desgaste continuo, sem gritos heróicos da “Guarda morre, mas não se rende”, mas com a “palavra de Cambronne” milhares de vezes repetida nos próximos meses ou anos.

Publicado por Joana às 12:05 AM | Comentários (33) | TrackBack

junho 29, 2005

Orçamento Auto-regenerável

Está a despertar grande interesse na comunidade científica e nos meios financeiros o novo sistema de orçamentação das contas públicas implementado pelo Governo de Sócrates. Este orçamento apresenta uma inovação: é auto-regenerável. Tem um dado de entrada – neste caso foi escolhido o défice – e pode mexer-se à vontade em quaisquer rubricas que todo o resto se regenera automaticamente de forma a dar o mesmo défice. Por exemplo, na primeira versão a despesa pública era 50,2% do PIB, agora é 49,3%, mas o défice está sempre lá, mais firme que o rochedo de Gibraltar.
Segundo consta, o entusiasmo é tal que se prevê uma avalanche de encomendas. 12 países latino-americanos e 14 africanos já manifestaram interesse no produto.

Publicado por Joana às 10:17 AM | Comentários (31) | TrackBack

junho 07, 2005

O Visconde Colado ao Meio

Ou o estranho caso do Freitas Séptico

Conta-se que numa horrenda batalha das inúmeras guerras balcânicas austro-turcas, um visconde foi fulminado por uma bala de canhão que o cindiu em duas metades rigorosamente iguais e simétricas. Ambas sobreviveram, mas tratadas em sítios diferentes e ignorando-se uma à outra. O visconde era um homem dotado de qualidades e defeitos, de uma mundividência multidimensional. Cada metade, porém, capturou uma parte unidimensional do visconde. Foi como o cátodo e o ânodo de uma experiência electroquímica. Freitas do Amaral, durante os anos de 1974/75 foi fulminado pelo PREC, que o fendeu em duas metades fisicamente simétricas e ideologicamente opostas. Contrariamente ao visconde, cujas metades se ignoraram mutuamente durante anos, ninguém notou nada no aspecto físico de Freitas, pois as duas metades foram imediatamente coladas. Infelizmente a informação deixou de circular entre elas, e cada metade passou a ter uma vida espiritual própria e oposta à outra, embora fisicamente ninguém se apercebesse do funesto acidente.

Uma das metades de Freitas entrou no governo de Balsemão como seu indomável suporte; a outra metade tirou o tapete debaixo dos pés de Balsemão e fez com que o partido, que a primeira metade chefiava, viesse aos trambolhões por aí abaixo, até se transformar no Partido do Táxi.

Uma das metades de Freitas andou em manifs radicais, acompanhando cartazes onde escorria sangue dos dentes de Bush, um émulo de Hitler, Salazar, Franco e Pinochet. A outra metade sucumbiu perante um arrepanhar de lábios de Gioconda Rice e foi a correr a Washington prostrar-se perante o “émulo de Hitler, Salazar, Franco e Pinochet”. A comunicação social bem agitava a nomeação do falcão Paul Wolfowitz para a presidência do Banco Mundial, por indicação de Bush , bem açulavam Freitas por causa da proposta de nomeação de John Bolton como embaixador junto das Nações Unidas … mas nada … era a outra metade e não havia comunicação entre as duas.

Relativamente ao Referendo europeu, a posição de Freitas (metade nº1) é clara e intransigente: «O referendo em Outubro é para manter». Todavia, quase em simultâneo, Freitas (metade nº2), numa conferência de imprensa conjunta com Joschka Fischer, garante: «Este tratado não funciona, vamos fazer outro».

O Visconde Cortado ao Meio rendeu celebridade a Italo Calvino. Freitas cindido e Colado ao Meio, o Freitas Séptico, está a deixar perplexos Portugal e o Mundo. Doravante, quem o ouve, ou quem se lhe dirige, ficará sempre na angustiante dúvida sobre qual a metade que é a sua interlocutora.

Sócrates terá que tomar uma decisão difícil. Mesmo tendo que recorrer a próteses ortopédicas, deverá evitar que as duas metades de Freitas andem pelos mesmos sítios dizendo coisas contraditórias entre si. Assim, de acordo com a sua estratégia política do dia, Sócrates deverá enviar apenas uma das metades de Freitas, com a respectiva prótese para o manter em equilíbrio estático e dinâmico, mantendo a outra a recato e convenientemente amordaçada. Se no dia seguinte a sua política for diferente (a política de Sócrates é de geometria variável) então enviará a outra metade, com a prótese simétrica, deixando a primeira manietada e amordaçada.

O Freitas, tal como se apresenta, com uma inesperada e falaz unidade física, é impraticável. As suas duas metades anulam-se mutuamente e criam situações embaraçosas … para os outros. Para o Freitas não, porque as duas metades, embora unidas fisicamente, têm um septo interno que não permite que a informação circule entre elas.

É o Freitas Séptico.


Nota: Ler sobre Freitas «Questão Inútil»

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maio 17, 2005

A Rábula de Sócrates

Segundo a comunicação social Sócrates manifestou a sua preocupação com o estado das contas públicas portuguesas, depois da declaração proferida sábado pelo Governador do Banco de Portugal em como a situação orçamental de Portugal é bem pior do que ele próprio julgava. Todavia afirmou preferir esperar para conhecer os dados concretos para depois tomar qualquer medida.

Ora a situação financeira do país, com ± 1% de erro, era conhecida. E não apenas a situação financeira existente no mês X, como a sua dinâmica, que era calamitosa. Aliás, o que há de mais grave na situação financeira e económica do país é justamente o vórtice para onde ela desliza, cada vez mais inexoravelmente. Não seria de esperar que Sócrates lesse os blogs que a esquerda odeia, mas certamente deveria ter lido os diagnósticos feitos por Daniel Bessa, Silva Lopes, Miguel Cadilhe, Medina Carreira, etc.. Igualmente teria obrigação de ler, em matéria económica, os jornais da especialidade, em vez dos jornais generalistas, ditos “de referência”, onde os jornalistas escrevem sobre os seus desejos e nunca sobre as realidades.

Portanto aquelas afirmações significam uma de duas coisas:

1) Sócrates vive num mundo de quimeras afastado da realidade e não é competente para a tarefa que desempenha;

2) Aquelas declarações são uma rábula para ele protagonizar o papel de ingénuo perante a opinião pública e, “quando conhecer os dados concretos”, alegar ser vítima dos governos anteriores e tomar as medidas que sempre combateu ferozmente, quando era oposição aos governos anteriores. E um governante dado a este tipo de rábulas não é fiável nem competente para a tarefa que desempenha.

Qualquer das hipóteses anteriores é preocupante. Nomeadamente quando incidem sobre alguém que se prepara para mexer nos nossos impostos: Quais? Quanto? Como? Onde? Quando? Quantas vezes? Para quê?

Sócrates pode bem vir a protagonizar o novo Robin Hood, só que em moldes paleo-liberais: roubar a todos, incluindo os da floresta de Sherwood, para alimentar o séquito cada vez mais numeroso e ineficiente do xerife de Nottingham.


Ler sobre o OR rectificativo e antecedentes:
Fé, Esperança e Caridade
A Política dos Balões
O Apóstata Cravinho
Verba et circenses
Verba non Res
Poeira ou Descontrolo?
O Caso de Défice Misterioso

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maio 16, 2005

Sócrates Austero

Vão ser tomadas medidas extremas de austeridade que irão afectar profundamente toda a população. O Governo decidiu dar o exemplo. A seguir uma reportagem gentilmente cedida pela TVB sobre a primeira reunião do executivo após o decreto de austeridade.

Socratesaustero.JPG

A consternação é geral. A primeira nota que ressalta da imagem são os efeitos devastadores da crise económica nos sectores do vestuário, calçado e lâminas de barbear.

No centro, Sócrates, encanecido pelo desgosto de só agora ter descoberto uma coisa que toda a gente sabia há muito, expõe o relatório Constâncio e apela aos membros do gabinete para se manterem calmos e austeros. Campos e Cunha encoraja-o, afagando-lhe afectuosamente o joelho.

No corredor de saída, o Ministro dos Assuntos Parlamentares, Santos Silva, bate com cabeça e mãos na parede, clamando “Habemus deficit” e tentando desesperadamente encontrar argumentos para desdizer Alberto Martins, o líder parlamentar do PS, que declarara há dias: «O défice é um instrumento necessário e fundamental para garantir o crescimento económico pela vias da competitividade nacional. Se se pretende no imediato outra coisa, não contem connosco.». Afinal têm que contar!

À direita, o Ministro das Obras Públicas levanta os braços horrorizado, sem saber como irá explicar o fim de algumas SCUT, uma das promessas emblemáticas da campanha eleitoral. À esquerda, o Ministro dos Negócios Estrangeiros está sentado, de olhos fechados, cismando qual a corrente político-filosófica que irá abraçar a seguir … apenas lhe resta o PCP.

Vieira da Silva, em travesti de efebo para não ser reconhecido, tenta dar a Sócrates uma poção que lhe foi entregue pelas Centrais Sindicais. Segundo Carvalho da Silva, é uma poção mágica preparada pelo Sindicato dos Druidas que permite que o país contrate mais 150 mil funcionários públicos, aumente a função pública 6% ao ano e elimine simultaneamente o défice orçamental, tendo ainda, como efeito colateral, a capacidade de tornar os nossos têxteis competitivos com os chineses, mesmo com salários 50 vezes superiores e trabalhando metade do tempo. Vieira da Silva chamou-lhe cicuta sicuta.

Ao fundo, alguns ministros mais perspicazes timoratos escapulem-se pelas escadas.

A luminária esmaece desalentada.

Publicado por Joana às 09:31 PM | Comentários (20) | TrackBack

maio 15, 2005

Sócrates perante a cicuta

Segundo a comunicação social, o Governo prevê apresentar medidas "draconianas" para conter o défice, incluindo, segundo consta, encerramento de serviços públicos, aumento do imposto sobre combustíveis, possível aumento da idade de reforma, igualização ao regime geral de IRS do regime de IRS para os reformados (menos oneroso), a introdução de portagens em algumas SCUT, a aproximação do regime de aposentação dos funcionários públicos ao regime geral, alteração da progressão automática nas carreiras da função pública, alterações ao regime de subsídio de desemprego, nomeadamente a redução da sua duração, e o adiamento de alguns grandes projectos públicos de investimento.

Segundo o Expresso, “perante a má receptividade das suas medidas no Executivo, Campos e Cunha está a aligeirar a proposta de modo a obter a sua aprovação”. O Expresso garante que as medidas propostas pelo ministro das Finanças, Campos e Cunha, "chocaram vários ministros".

Há duas coisas nestas notícias que me “chocam”:

Em primeiro lugar o “choque” dos ministros. Que competência terão os ministros que ficaram “chocados”? Como é possível que não se tenham apercebido da situação em que o país se encontra? Como é possível irmos ser governados durante quatro anos por ministros que não fazem ideia do estado em que o país está e, pior, não fazem ideia do estado em que os respectivos ministérios estão quanto a eficiência, dimensão dos efectivos e correcta afectação destes e cuja reacção, quando confrontados com a realidade, é “ficarem chocados”?

Em segundo lugar, a possibilidade de “perante a má receptividade das suas medidas no Executivo, Campos e Cunha estar a aligeirar a proposta de modo a obter a sua aprovação”. O ministro Campos e Cunha rege-se por critérios de racionalidade económica e financeira ou pelas desordens emocionais dos seus colegas de gabinete?

É duro para um partido que enquanto oposição criticou as medidas de contenção orçamental, que fez uma campanha eleitoral criando a ilusão que com uma “política de rigor” haveria a descompressão pela qual o país ansiava, que prometeu acabar com o discurso da tanga, que baseou as suas promessas no “enterro do PEC”, ser confrontado agora com a crua realidade.

Sócrates recebeu uma herança terrível. E o mais preocupante é só agora se ter apercebido disso. Foi uma herança preparada pelo governo mais desastrado que o país alguma vez teve, e no qual figurava o próprio Sócrates, continuada por um governo sem coragem, face a uma oposição chicaneira, de atacar as questões de fundo, e acabada por um governo armadilhado, cujo principal objectivo era evitar ser demitido no dia seguinte, para que Sócrates recebesse a herança.

Foi um presente envenenado, mas foi envenenado por um governo do qual Sócrates era ministro, envenenado pela política de obstrução permanente da oposição, da qual Sócrates era uma figura proeminente, mobilizando as forças sociais contra medidas que seriam obviamente difíceis, envenenado pela política do “governo sob vigilância” implementada pelo PR como solução interina até o PS encontrar um líder “credível”.

Sócrates está a comer o bolo que envenenou ou ajudou a envenenar. Sócrates está perante a cicuta que preparou.

Esperemos pelo Orçamento Rectificativo para 2005, a apresentar em Junho.

É o Choque Emocional em vez do Choque Tecnológico.

Publicado por Joana às 08:19 PM | Comentários (27) | TrackBack

abril 28, 2005

Verba et circenses

... praetereaque nihil

Os dirigentes políticos romanos praticavam a política “Panem et circenses” para entreter a plebe romana e distrai-la dos incómodos assuntos da coisa pública. O governo Socrático, cujo nome indicia uma forte ligação às concepções políticas da Antiguidade Clássica, segue uma política semelhante: palavras e diversões circences ... nada mais.

Em posts anteriores tenho referido as pseudo-medidas avulsas tomadas pelo governo. Nenhuma deles se refere aos problemas estruturais que a sociedade portuguesa enferma e cuja reforma é inadiável: justiça, saúde, educação, despesa pública, reestruturação do serviço público, etc.. Apenas acções de cunho meramente ideológico, como a proclamada transformação dos hospitais SA em EPE, ou operações de cosmética na área da educação, sem consistência.

Em contrapartida, o governo Socrático tem-se evidenciado na tentativa de criar um circo político, com o óbvio intuito de entreter a plebe portuguesa e distrai-la dos incómodos assuntos da coisa pública.

Os gladiadores mais evidentes neste circo são os que actuam no ludus scoenicus do aborto. O principal espectáculo é o da controvérsia com o PR sobre as datas do referendo. O PR recebe partidos; o PS promete referendo rápido e escuda-se no PR, mas assegura que a consulta popular se realiza ainda este ano, apesar das resistências do Presidente da República. Entretanto o lanista Albertus Martinus lançou a confusão nos gladiadores que se exibiam a partir da AR, pois cada um tinha entendimento diferente da estratégia do lanista, ou então este havia ditado estratégias diferentes a cada, e quarenta gladiadores exigiram mesmo mudanças no próprio projecto de lei do PS. Segundo o lanista essa confusão é despicienda, pois trata-se de artistas de elite que darão o melhor de si mesmos quando subirem à arena. São cenas que irão entreter a plebe muitos meses ... talvez mais de um ano.

Outro espectáculo encenado foi o da reavaliação do TGV, que já está a ser estudado há cerca de uma década, porque "apesar dos estudos já desenvolvidos e do empenho para definir as melhores soluções, algumas questões não são consensuais e não estão devidamente identificados os riscos e oportunidades que transportam para as decisões que é necessário tomar”. Assim sendo, é um espectáculo que promete agitar as turbas circenses, porquanto, que eu saiba, nunca nenhuma obra foi consensual, o que indicia que possa permanecer na arena pelo menos uma legislatura.

Mas já se perfila outro espectáculo capaz de consumir as atenções e as energias da plebe. Uma numerosa família de gladiadores está a treinar-se afincadamente para levar à arena a fabula da regionalização. Segundo consta nos húmidos corredores subterrâneos do Colosseum, esta será uma das prioridades do PS e os seus edis curiais vão bater-se pela concretização da regionalização administrativa. Ao que se julga um dos lanistas encarregados dos treinos será o edil Narcisus Mirandae. Um gladiador de famílias adversárias, que foram excluídas dos espectáculos pelas votações dos últimos comícios, declarou invejoso: "É um disparate completo. É mais um factor de diversão". Mas é isso justamente que é o importante!

Hoje, o ministro das Obras Públicas e Transportes, Marius Linus, pessoa de grande traquejo em tráfego aéreo, conquistado na direcção de uma distribuidora livreira e das Águas de Portugal, revelou que está insatisfeito com a actual solução de construção na Ota e não exclui estudar alternativas ao projecto da Ota. Ora a questão das localizações de aeroportos é dos temas mais fracturantes que geram imediatamente dois consensos extremos e incendiários: uns entusiasmados, a favor, outros indignados, contra. E gera consensos similares relativamente a outras localizações alternativas. É obviamente um prelúdio a um espectáculo que poderá demorar mais uma legislatura, pelo menos.

A temporada artística advinha-se excitante. A plebe tem entretenimento garantido. Oxalá ela não fique entediada com a proliferação dos espectáculos ou a annona não lhe venha a faltar.

Há apenas um receio – será que tanta diversão consegue despertar Jaime Gama? Ontem, de madrugada, 5 automóveis explodiram violentamente junto da casa dele. Polícias aos apitos, sirenes de bombeiros, chamas que chegavam aos 15 metros de altura, barulhos dos estores, moradores aos gritos, atropelando-se no desespero de evacuar as residências ... um horror ... – mas o Presidente da AR continuou, com toda a tranquilidade, ‘ferrado’ a dormir. Esta experiência suscita fundadas dúvidas sobre se Jaime Gama, a 2ª figura da Res Publica aguentará espectáculos tão prolongados sem se deixar adormecer, em pleno suggestum, profundamente, irremediavelmente, definitivamente.

Publicado por Joana às 11:18 PM | Comentários (20) | TrackBack

abril 10, 2005

A Política dos Balões

O PS é um gestor inconsequente do Estado e do país. Não consegue eximir-se a que os seus genes ideológicos inquinem as políticas que traça. Mascara a esterilidade da sua capacidade reformista com cosméticas mediáticas e demagógicas: vender as aspirinas nos hipermercados; encurtar as férias judiciais; pôr em causa os exames do 9º ano, que se realizam este ano pela primeira vez, porque não avaliam coisas como a oralidade e o saber fazer das crianças; extinguir os hospitais SA e transformá-los em entidades públicas empresariais (EPE). São balões que lança para o ar: uns para ver “se pegam”; outros coloridos e vistosos, mas apenas cheios de nada.

Reformar a justiça é imperioso, para o país em geral e para as actividades económicas em particular. Portugal não pode ser um local atractivo para investimentos se os agentes económicos não conseguem resolver os incumprimentos contratuais, nem cobrarem as dívidas. E Portugal tem, proporcionalmente, mais juízes, magistrados e funcionários judiciais que a média europeia. A reforma da justiça passa pela requalificação do pessoal e melhor afectação dos recursos humanos, mas principalmente pela desburocratização, simplificação e agilização de todos os procedimentos. Diminuir as férias judiciais, em si, é uma medida absolutamente inútil: os processos vão continuar a arrastar-se (enquanto não prescrevem) a passo de caracol ... todavia o governo esforçou-se ... se ele até encurtou as férias judiciais!

Sócrates prometeu o Choque Tecnológico. Foi o seu mote permanente, quer na campanha para secretário-geral do PS, quer na campanha das legislativas. Foi mote para ditirambos, odes, pregões, rogos, proclamações, soluços ... Pensei, ingenuamente, que o Choque Tecnológico pressupunha um maior rigor no ensino e nas avaliações. Era de facto ingenuidade: está nos genes da esquerda não fatigar o cérebro das crianças com enciclopedismos inúteis e não as submeter ao stress da avaliação do seu desempenho. A ministra, em visita recente a uma escola, relativizou a importância dos exames na avaliação dos conhecimentos dos alunos. "É preciso ter consciência de que avaliam apenas uma parte das capacidades. Não avaliam coisas como a oralidade e o saber fazer das crianças". Por isso mesmo, a ministra explicou que, tal como os estudantes, "os próprios exames vão ser avaliados" brevemente, para se "definir qual é a sua articulação com o sistema global de avaliação do próprio ensino e dos alunos". Para a ministra, os exames não avaliam o “saber fazer das crianças". O “saber fazer das crianças" é uma categoria misteriosa, de quantificação impossível, provavelmente inata e que só degradamos se as obrigarmos a esforços que contrariem a sua criatividade natural.

Mas se avaliar as crianças é despiciendo, avaliar o instrumento de avaliação das crianças, os exames, tem o sabor a vingança. Os portugueses, mormente aqueles que aspiram ao asilo estatal, detestam ser avaliados. Habituá-los, de pequeninos, a que se deve ser rigoroso e impiedoso com os instrumentos de avaliação e a que as avaliações são inúteis, dispendiosas e mesmo nocivas para o equilíbrio psíquico dos avaliados, é um elemento de manutenção das nossas características nacionais que tanto têm concorrido para a nossa situação actual.

Na Saúde o governo resolveu atacar com duas medidas: uma simples e de popularidade garantida – a da venda de medicamentos, que não necessitem de receita médica, nos hipermercados – outra ideológica, completamente demagógica – a da transformação dos hospitais SA em hospitais EPE.

A primeira medida serve para mostrar à opinião pública a “férrea” determinação do governo em enfrentar os lobbies. É a chamada medida que muda alguma coisa para que tudo o resto fique na mesma. É a providência cautelar do governo. A partir de agora o governo está certificado: quando se falar no poder dos lobbies, Sócrates responderá com firmeza – lobbies ... como-os ao pequeno almoço ... vejam o que eu fiz com os farmacêuticos.

A segunda é uma medida para mostrar ao povo de esquerda que o PS não esquece a sua herança genética. Correia de Campos afirmou que a transformação dos SA em EPE aproveita as vantagens da eficácia do modelo empresarial - maior autonomia e descentralização -, ao mesmo tempo que combate a lógica mercantilista do anterior regime jurídico. Visa, segundo ele, combater "a lógica de supermercado" no sector. "Lógica de supermercado" que, curiosamente, foi Correia de Campos quem a introduziu no sector, visto o primeiro hospital SA ter sido criado no seu tempo de ministro. O Correia de Campos de Guterres aparenta ser menos estatizante que o Correia de Campos de Sócrates.

Outra das razões alegadas era a de que "bastava mudar uma linha de um diploma" para alterar o seu capital exclusivamente público. Ou seja, o Governo podia facilmente mudar a lei, criando uma holding e "abrindo caminho à privatização dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde". Os novos hospitais EPE, pelo contrário, "fixam-se de modo definitivo no sistema público". Estas afirmações são absolutamente ridículas. Em primeiro lugar não me consta que alguma coisa, alguma vez, se tornasse definitiva por lei. Todos aqueles que quiseram mumificar a realidade mercê de um colete de forças legal, falharam – mais ano, menos ano, mais controvérsia, menos controvérsia, esse empecilho legal é eliminado ou substituído. Em segundo lugar, se agora basta uma lei para abrir "caminho à privatização dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde", depois passarão a faltar apenas duas leis – a primeira, que reponha a situação actual, e a segunda, que mude "uma linha de um diploma".

Não há nenhuma medida de fundo. Apenas publicidade enganosa. Todavia a nossa situação económica é grave e complica-se com o decorrer do tempo. A grande maioria da nossa população continua a acreditar que existe uma varinha mágica que resolve a situação, continua à espera que chegue um salvador milagroso, continua a pensar que a crise se resolve sem custos. Foi essa crença messiânica que deu a vitória a Sócrates, ou melhor ... a derrota a Santana. Mas a nossa crise nem se resolve com varinhas mágicas, nem com publicidade enganosa. É uma crise estrutural onde há factores exógenos que não controlamos e que a fazem aprofundar se não se tomarem as medidas que todos temem.

O governo poderá despender alguns meses neste tipo de publicidade enganosa. A população poderá sentir-se provisoriamente tranquila, mas a economia real prossegue a sua acção e, mais cedo do que muitos pensam, irá cobrar os custos da não tomada atempada das medidas indispensáveis.

Publicado por Joana às 08:15 PM | Comentários (24) | TrackBack

abril 05, 2005

Estado de Silêncio

É normal os governos terem um período de estado de Graça. Os dois últimos governos nunca tiveram “estado de graça” (ou seja, o estado governativo livre de pecado mortal).Começaram a governar sem prudentemente terem lavado o pecado original através da profissão de fé no Moloch-Social. Pior, o primeiro desses governos blasfemou publicamente ao afirmar que a gulodice do Moloch havia levado o país ao “estado de tanga”. O actual governo, mais prudente, que não está seguro da indulgência de um Moloch cada vez mais ávido do sangue de crentes e incréus, optou por se antecipar a um duvidoso estado de Graça, e preferiu o estado de Silêncio.

Escolha avisada. Nas poucas vezes em que ministros abriram a boca, foi para entrarem em contradições uns com os outros, ou para dizerem inconveniências, como a de que o rácio agricultores/funcionários era de 4/1 mas era preferível continuar na mesma ...

Com o governo em estado de Silêncio, obtêm-se diversos ganhos: 1) quem não fala, está seguro de não dizer asneiras; 2) os portugueses sempre detestaram governos, logo o estar calado cria a percepção de que não existe governo, o que tranquiliza a população; 3) as exacções fiscais que se avizinham (algumas já começaram) poderão ser lançadas a crédito do excesso de zelo fiscal, das exigências de Bruxelas, da seca, dos fogos florestais ... nunca de um governo que está em total silêncio; 4) apesar das previsões da UE e da OCDE serem cada vez mais sombrias, os indicadores de confiança pelo INE, revelaram que a confiança das empresas recuperou na indústria transformadora (onde se espera um aumento significativo de mortalidade de empresas no têxtil e no calçado!), na construção (onde se espera uma diminuição significativa no nível de emprego, aproximando-o da média europeia!!) e no comércio (onde o aumento do desemprego nos dois sectores anteriores irá levar fatalmente à diminuição do volume de negócios!!!), degradando-se nos serviços (talvez por ser onde há gente mais clarividente?).

Até quando, estado de Silêncio, abusarás da nossa credulidade? Será possível o governo continuar a alimentar o Moloch em silêncio? Será possível alimentar em silêncio um monstro cada vez mais voraz?

Durante anos a Comunicação Social tem lançado queixas pungentes sobre as centenas de milhares de empresas que não têm lucro. Sempre achei aquele número absolutamente disparatado. Agora soube-se que "A Direcção-Geral dos Impostos identificou 11.260 sujeitos passivos de IRC que apresentaram prejuízos fiscais em 2002 e 2003 e enviou uma carta a essas empresas alertando para o facto de que se repetirem a mesma situação fiscal em 2004 serão alvo de uma fiscalização(...)".

11 mil?? Então não eram 200 ou 300 mil?

Durante anos as profissões liberais foram imprecadas como não pagando impostos. Números fabulosos foram avançados. A mais intensa perseguição fiscal foi movida a essa classe relapsa. Resultado: os médicos e advogados com maior clientela constituíram empresas com contabilidade organizada e os profissionais independentes de magros proventos estão hoje sujeitos ao roubo mais descarado – colectas mínimas, elevadas quotizações mínimas para a Segurança Social (sem direito a baixas), etc..

Pequenas empresas que foram constituídas mas que ficaram entretanto inactivas, há 10 e 20 anos atrás, estão hoje a ser perseguidas pelo fisco para apresentarem declarações e pagarem as colectas mínimas inventadas pelo Pina Moura. Os Jaquinzinhos postaram hoje uma história “O Estado Ladrão”, que muitos julgarão ter sido ficcionada, mas que eu sou testemunha de um caso que se passou com um colega do meu pai que era sócio de duas empresas constituídas por ele a 3 amigos. Uma delas nunca chegou a exercer actividade e a outra exerceu-a durante 2 ou 3 anos (faziam projectos nas horas vagas). Após uma década de inactividade, julgo que em 1995, esse sujeito fez duas declarações de cessação de actividade para efeitos fiscais, para evitar estar a entregar declarações anuais do IRC e trimestrais do IVA em branco (só com zeros). Há cerca de um ano recebeu uma intimação das finanças (a sede social das empresas era no domicílio dele) para apresentar declarações e ... pagar as colectas mínimas. Segundo o funcionário da repartição, a declaração de cessação de actividade era só válida para efeitos do IVA!!

Ora o que há de surrealista nisto, é que com a entrada do euro, todas as empresas foram obrigadas a fazerem a redenominação do Capital Social e das respectivas contas em euros, e entregar nas Conservatórias do Registo Comercial as respectivas actas e documentos contabilísticos. Empresa que não o fizesse seria automaticamente extinta. Portanto as empresas em causa estariam de facto extintas! Pelo menos perante o Ministério da Justiça.

No fim do ano passado Bagão Félix acabou com esta situação vergonhosa, dando à administração fiscal a capacidade de fazer cessar oficiosamente a actividade das empresas “inactivas” e eliminar todo esse lixo (lixo que parecia ir tornar-se num tesouro para a avidez fiscal) das bases de dados do fisco. Provavelmente por isso é que em vez das tais centenas de milhares de empresas virtuais que a Comunicação Social trazia debaixo de olho, só apareceram onze mil!

Quando um Estado atinge a situação em que o nosso se encontra: ou se reforma ou aumenta a espoliação dos seus súbditos. A experiência histórica desta segunda escolha não se tem revelado muito frutuosa: revoluções, incêndios dos registos cadastrais, assassinatos de agentes do fisco, etc.. Enfim ... eram outras épocas, embora não tão distantes quanto isso. Hoje há formas mais sofisticadas: colocar os activos líquidos longe, fora do alcance dessas mãos ávidas e esperar pela ruína do país e do Estado e que essa ruína resolva, por ela própria, aquilo que os nossos governantes não conseguiram resolver - a chamada destruição criativa.

Quanto aos bens imóveis o risco é grande, mas menor – a maioria dos portugueses possui bens imóveis – e um aumento excessivo da carga fiscal sobre esses bens seria o dobre a finados do regime.

Tenhamos sangue frio: chegará o dia em que o estado de Silêncio será ensurdecedor.

Publicado por Joana às 07:59 PM | Comentários (45) | TrackBack

março 17, 2005

Dois Socialismos?

O socialista Schröder apresentou hoje ao Bundestag um conjunto de medidas para reduzir o desemprego alemão (cuja taxa actual é de 12,6%). Baixar o imposto sobre as sociedades de 25% (um dos mais elevados da Europa) para 19% e reformar de alto a baixo todo o sistema fiscal aplicado às empresas. Em contrapartida prevê reduzir diversos benefícios fiscais – pretende reduzir as possibilidades de deduções nos impostos, reduzir subsídios, como o subsídio à compra de casa própria, e também aumentar os impostos sobre os dividendos e sobre os lucros mínimos.

Anunciou também um amplo programa de desburocratização, maiores facilidades à criação de empresas (diminuição do actual capital social mínimo de 25.000€, por exemplo) e eliminação de legislação supérflua (300 überflüssige Gesetze sollen wegfallen), ou seja, 300 leis “vão à vida”. 300? Porque não 299 ou 301? Este número “redondo” cheira a chavão publicitário, mais que a uma medida rigorosa!

Schröder promete um programa de investimentos públicos de dois mil milhões de euros em projectos no âmbito rodoviário nos próximos quatro anos, mais 700 milhões para a reabilitação de edifícios. As suas previsões são que estes projectos podem gerar investimentos adicionais vultuosos. Schröder pretende que os grandes consórcios energéticos realizem a breve prazo investimentos da ordem dos 20 mil milhões de euros e que as empresas, face ao novo enquadramento fiscal e administrativo, deixem de abandonar a Alemanha, rumo ao leste europeu.

A CDU/CSU, cujo apoio é indispensável, porquanto Schröder, tendo embora a maioria na Dieta Federal (Bundestag), não a tem no Conselho Federal (Bundesrat), acha-as insuficientes, pois pretende que a legislação laboral seja modificada no sentido de uma maior liberalização. Todavia é natural que acabe por as aprovar.

Não estou em condições de discutir se estas reformas serão ou não suficientes, nem se elas se traduzirão apenas num maior défice orçamental (embora a dimensão dos investimentos públicos seja reduzida, quando comparada com o PIB alemão). Também não sei se o optimismo de Schröder sobre o efeito multiplicativo dos seus investimentos é fundamentado, ou se é apenas uma fé messiânica. Mostram todavia uma vontade de diminuir o ónus que as empresas suportam e de desburocratizar a relação do Estado com a actividade económica.

Que se passa entretanto em Portugal? Num país que está décadas atrasado relativamente à Alemanha, que tem uma carga fiscal pesada, a burocracia mais asfixiante da Europa, e uma rigidez laboral paralisante? O silêncio socrático.

O grave é que é um silêncio cheio de recados. Campos e Cunha já avisou que, a médio prazo, é de esperar um aumento de impostos; subitamente vieram à baila as taxas do IVA e as suas eventuais alterações; Constâncio sugere que se aumentem os impostos sobre os combustíveis e sobre os veículos "como alternativa" a não se pagarem as portagens das SCUT’s. Com tantos recados, torna-se num silêncio ensurdecedor. Com o anterior governo o país já estaria em estado de sítio psicológico, e as “fontes de Belém” já teriam enviado dezenas de recados à comunicação social.

Ninguém fala em desburocratizar, em reestruturar o sector público, em pôr cobro à voracidade desse monstro que está a asfixiar o país. Não há o mais leve boato sobre estas matérias.

O país está encurralado. Os impostos e contribuições sociais sobre o trabalho atingiram níveis insuportáveis; os impostos sobre a actividade económica atingiram o limiar, limiar a partir do qual o aumento da fiscalidade se traduz na diminuição das receitas pela diminuição da actividade económica e deslocalização das empresas; o imposto sobre o tabaco está limitado pelo contrabando – quanto maior for o imposto maior é o rácio benefício-custo da actividade dos contrabandistas e mais atractivo este “nicho de mercado”. Outro tanto sucede com os produtos petrolíferos – quanto maior for o diferencial entre Portugal e Espanha, maior é a propensão para o adquirir em Espanha e sustentar o erário público espanhol em vez do português.

A economia paralela aumenta com a burocracia estatal e o fundamentalismo fiscal. Não vale a pena entoar jeremiadas na comunicação social sobre aquela actividade. Ela resulta da ineficiência da nossa sociedade. A maioria dos que protestam contra ela é conivente na prática com ela. Quando chamam um canalizador a casa, exigem-lhe factura? Por outras palavras, aceitam pagar mais 19% de IVA? Se recorrem a um advogado, exigem o recibo, aceitando pagar mais 19% de IVA? Protestamos contra a economia paralela, mas procuramo-la para obter bens ou serviços mais em conta. Imprecamo-la, mas sustentamo-la.

Só os hipócritas ou intelectualmente desonestos propõem alimentar o Moloch estatal com o fim da evasão fiscal e da economia paralela que eles próprios alimentam e com as quais são coniventes, sempre que têm ocasião. O fim do sigilo fiscal não passa de um mito porque é fácil de ser torneado. Terá alguns efeitos positivos, mas nada do que os adoradores do Moloch esperam.

O que resta? O imposto sobre os automóveis, em bruto ou em “prestações suaves”, como já se murmura, e os impostos sobre os bens imobiliários. A esses é impossível fugir. Mas atenção, o imposto sobre bens imobiliários é o que mais mexe sobre a totalidade do país. O primeiro objectivo dos revoltosos da Patuleia era o assalto às recém criadas repartições de finanças e o incêndio dos registos cadastrais. E não só em Portugal. Em diversos países tem-se verificado que o excesso fiscal sobre bens imobiliários conduz à revolta fiscal e à rápida queda dos governos que o promovem.

Como é diferente o socialismo em Portugal! ... o socialismo e o resto ...

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março 04, 2005

Temos que viver com o que Temos

O problema socialista é o de não ter pessoas que estejam por dentro do tecido produtivo português. Portanto acaba por virar-se para os meios universitários ou para gente do sector público em geral. Em qualquer dos casos, os nomes apontados para as Finanças, Campos e Cunha, e para a Saúde, Correia de Campos, são fortes. Já aqui escrevi, por diversas vezes, que a diferença entre Correia de Campos e o actual ministro, no que respeita à política de Saúde, é que ... têm boys diferentes. No resto têm a mesma visão sobre a reforma do SNS. Resta saber se Correia de Campos tem apoio político para continuar as reformas.

Campos e Cunha é um nome sólido no que respeita à política orçamental. Todavia há um desafio importante: a reforma da administração pública, que é vital, pelas razões que já aqui escrevi diversas vezes. Só se conseguem cortar despesas no sector público se ele for reorganizado e reestruturado. Ora do lado dos especialistas do despesismo temos Vieira da Silva, no Trabalho e Solidariedade Social, que pertence ao Parque Jurássico do Socialismo. É um nome que, só por ele, pode comprometer toda a política económica e financeira do governo, a menos que lhe metam uma grilheta no tornozelo.

Na Economia e Inovação temos Manuel Pinho, que tem sido um personagem politicamente errático e sobre o qual se têm colocado dúvidas sobre o currículo académico, não sei se justificadas ou não. Via-o mais na área financeira que na área económica. É um homem que não conhece o tecido produtivo, o que não é um bom currículo para esta pasta.

António Costa parece-me bem na Administração Interna e como nº 2 do Governo. Mário Lino, que conheço bem, foi um bom Administrador da CDL, não gostei dele à frente das AdP e acho que não tem qualquer currículo para a pasta que sobraçará (ou ... sossobrará?). Parece-me o percurso do Princípio de Peter.

Já dizem, por piada, que com Diogo Freitas do Amaral nos Estrangeiros, teremos que cortar relações com os EUA ... É blague. Freitas do Amaral é caracterizado pela ausência de coluna vertebral que, pensava-se, distinguiria os vertebrados dos outros animais. Logo, adaptar-se-á ao que tiver que ser. Desde que teve que pagar do bolso dele, e dos sogros, as despesas da candidatura perdida, Freitas do Amaral resolveu que princípios, ideologias, etc., eram luxos despiciendos.

O resto é a gente do sector público do costume. Mudam-se os nomes ... o resultado é o mesmo.

Quanto a Vitorino, é a incógnita. Será o nome a propor pelo PS para PR? Veremos.

Publicado por Joana às 09:37 PM | Comentários (90) | TrackBack

fevereiro 24, 2005

Tempos Difíceis

Na abertura da reunião Comissão Política do PS que aprovou a sua escolha para indigitação como 1º ministro, Sócrates revelou precaução ao falar do futuro, ao afirmar que vêm aí "tempos difíceis", e que por isso, é preciso ter noção da realidade e não embarcar em optimismos.

Obviamente que não se referia à situação económica do país, porquanto um dos leit-motiv da sua campanha foi justamente a afirmação que havia sido o “discurso da tanga” que tinha paralisado a economia, ao criar a desconfiança nos agentes económicos. Neste entendimento, e para ser coerente com a campanha, aquele discurso de apreensão pelos "tempos difíceis" não se destina ao exterior mas ao interior do partido, ao aparelho, ou porventura, aos circunstantes. Talvez por isso as suas primeiras palavras tenham sido "Espero que daqui a quatro meses estejamos todos tão unidos como agora".

Ou seja ... Sócrates foi advertindo que o festim, agora, vai ser muito mais parco que o foi nos tempos de Guterres. Tenham paciência, camaradas e amigos ...

Terão?

Publicado por Joana às 07:22 PM | Comentários (36) | TrackBack