janeiro 11, 2006

Liberais Parabólicos

No tempo em que Jesus andava pelo mundo, as coisas eram simples: os discípulos eram convencidos a golpes de parábolas. Havia dúvidas e Jesus sacava de uma parábola ... era a parábola do semeador, da cizânia, das bodas, do bom samaritano, dos lavradores, etc.. E os discípulos eram fáceis de convencer porque queriam acreditar. Entre os crentes, qualquer parábola serve. Por isso Jesus nem precisou estudar Economia, nem Engenharia. Aos 12 anos já confundia os doutores no Templo com a sua ciência. É o que têm as verdades reveladas. Não precisam de argumentos. Bastam figuras de estilo. Eu julgava que com o advento da ciência e o declínio do pensamento escolástico, essa forma de argumentação teria caído em desuso, excepto nas relações com as crianças, para as determinar a comer a sopa. Aparentemente enganei-me.

Na parábola do jcd de hoje, a Parábola do Investimento Estratégico, ele linkou-me, com este versículo: «A compra de um carro é uma mera questão técnica que só pode ser correctamente analisada por especialistas». Ora eu nunca escrevi que as decisões de investimentos públicos fossem unicamente do âmbito dos respectivos especialistas. São decisões políticas, suportadas por estudos técnicos. O que escrevi e reafirmo é que a execução de investimentos públicos, que envolvem sempre questões técnicas, económicas e políticas complexas, não podem ser dirimidas em referendo, e expliquei porque julgava dessa forma.

Citando Burke, via Fareed Zakaria “Na perspectiva dos Founding Fathers, a democracia republicana, representativa, oferecia o perfeito equilíbrio entre o controlo popular e a decisão deliberativa. Um grande número de teóricos actuais da democracia não deixará de estar de acordo. A fórmula que resume melhor a concepção de James Madison vem-nos de um inglês, o filósofo e político whig Edmund Burke, que terá declarado, aquando de uma campanha política, aos seus eleitores de Bristol: «O vosso representante deve-vos não só os seus actos, mas também o seu julgamento e trai-o se, em vez de vos servir, sacrifica esse julgamento à vossa opinião [...] escolheste um representante, na verdade, mas quando o fizeste, ele não já é um representante de Bristol, mas um membro do Parlamento»” e mais adiante, citando Kennedy “Tal ponto de vista [a função de Senador ser simplesmente reflectir a posição dos seus eleitores] pressupõe que a população do Massachusetts me mandou para Washington para servir apenas de sismógrafo com a função de registar as mudanças de opinião pública [...] Os eleitores escolheram-nos porque tinham confiança no nosso julgamento e na nossa capacidade de o exercer, segundo o que possamos determinar serem os seus interesses, dentro dos interesses da Nação. Isso significa, se for necessário, ter o dever de dirigir, informar, corrigir e, por vezes, ignorar a opinião pública de que fomos eleitos representantes

Era interessante que meditassem no parágrafo anterior, antes de escreverem que «a Joana destacou-se na blogosfera pela defesa da liberdade de escolha individual, criticando a falácia socialista do planeamento central eficiente. Agora, diz que devemos confiar na "capacidade de julgamento deles para tomarem decisões"». Digo-o e julgo que estou bem acompanhada ao dizê-lo. O conceito que expus é um dos alicerces da democracia representativa e não vamos agora derrogá-lo apenas porque não concordamos com uma medida do Governo. Os princípios básicos não podem andar ao sabor das conveniências de momento.

Eu, no meu post de ontem, em ponto algum defendi quer a localização da Ota, quer a construção dos TGV’s, tal como foi apresentada, e muito menos defendi qualquer “planeamento central eficiente”. O que eu me insurgi foi contra a perversidade de convocar referendos nacionais para investimentos públicos. Apenas isso. Mas isso, os defensores do referendo passam ao lado. Tentam reverter o que escrevi, passando ao lado do essencial e enfatizando o não essencial. Por exemplo, quando referi que “Nós, quando elegemos os nossos representantes, confiámos na capacidade de julgamento deles para tomarem decisões”, foi no sentido de que referendar decisões daquelas abre um precedente perigoso.

Quanto ao novo aeroporto, ele é simultaneamente uma opção técnica e política. Tecnicamente concluiu-se que a capacidade da Portela se esgota num dado horizonte (e não vi ninguém contestar esta afirmação). Tecnicamente afirmou-se que “Portela + outro” criaria dificuldades na exploração e operação conjuntas. O que ouvi fazia sentido e verifiquei que alguns técnicos de reconhecido valimento, que inicialmente tinham defendido essa opção, mudaram de opinião. Todavia mantenho a dúvida sobre se construir um aeroporto tão longe de Lisboa será uma boa solução e o receio de que os efeitos directos e colaterais que a incomodidade da distância acarretam não tenham sido estudados com a ponderação suficiente.

Quanto à decisão política, ela cabe ao Governo. Pode fazer, não fazer, localizá-lo na Ota (por razões que não consigo discernir) ou noutro sítio. Os técnicos não tomam decisões políticas. Apenas fazem estudos para instruir processos que permitam a tomada (ou não) das decisões políticas. A sociedade civil pode e deve exprimir-se. E tem-se exprimido. O Governo apresentou estudos e fez sessões de “promoção” pressionado pela sociedade civil. Todavia o que verifico, entre os proponentes do referendo, é que face à incapacidade de uma argumentação minimamente sólida (parábolas e chavões não me parece que constituam argumentação sólida), preferiram a fuga para a frente, apelando, através do referendo, à mesquinhez pública. E isso acho perverso, perverso como princípio.

Um novo aeroporto nunca será “o motor do desenvolvimento”. Sócrates e Mário Lino poderão dizê-lo para mobilizar a opinião pública. Todavia, o congestionamento futuro da Portela, sem ser tomada qualquer decisão atempada, será, sempre, um “motor de subdesenvolvimento”.

Termino com uma citação do Popper (in Conjecturas e Refutações): «A opinião pública é perigosa como árbitro do gosto e inaceitável como árbitro da verdade. Mas pode, por vezes, assumir o papel de um iluminado árbitro da justiça. Infelizmente, pode ser "orientada". Estes perigos só podem ser neutralizados pelo fortalecimento da tradição liberal. ... A doutrina de que a opinião pública não é irresponsável, mas, de alguma forma, "responsável perante si própria" constitui uma outra forma do mito colectivista da opinião pública. A propaganda errónea de um grupo de cidadãos pode facilmente prejudicar um grupo muito diferente»

Publicado por Joana às 07:55 PM | Comentários (162) | TrackBack

janeiro 10, 2006

Perplexidade e Tristeza

Personalidades do Norte do país (juristas, economistas, professores universitários, etc.) apelaram, em carta aberta ao Parlamento, para que proponha a realização de um referendo sobre Ota e TGV. Isto causa-me perplexidade e tristeza. Questões técnicas complexas, que envolvem estudos de tráfego, engenharia, avaliação financeira e económica, estudos ambientais e o planeamento a longo prazo das infra-estruturas de um país, não podem ser dirimidas em referendo. Nós, quando elegemos os nossos representantes, confiámos na capacidade de julgamento deles para tomarem decisões. Fazer referendos sobre obras públicas significa abrir a porta à demagogia mesquinha e malthusiana e acabar definitivamente com investimentos públicos, quaisquer que eles sejam. O “Partido do Estado”, utilizando a expressão de Medina Carreira, tem milhões de bocas sedentas que trocarão tudo, desde o TGV até ao fontanário de Ermidas de Baixo, para continuarem a ser amamentadas e cada vez de forma mais suculenta. É isto que se quer? Amamentar ainda mais o Moloch por contrapartida dos investimentos públicos?

É óbvio que concordo que as decisões em relação à construção do novo aeroporto de Lisboa na Ota e ao comboio de alta velocidade estão a ser tomadas sem uma clarificação suficiente de muita coisa. Eu discordo frontalmente da localização do novo aeroporto de Lisboa na Ota, mas não há dúvida que é inadiável tomar uma decisão sobre o aumento da capacidade de tráfego aéreo, de e para Lisboa, e também me parece não haver dúvidas que construir um segundo aeroporto de dimensão semelhante ao da Portela não é viável do ponto de vista da operacionalidade e exploração conjuntas. Todavia parece-me que colocar o aeroporto de Lisboa tão longe de Lisboa não é uma boa solução e receio que os efeitos directos e colaterais que a incomodidade da distância acarretam não tenham sido estudados com a ponderação suficiente.

Porém, da parte de quem contesta o novo aeroporto de Lisboa na Ota só tenho ouvido ruído. Primeiro foi a exigência que fossem apresentados os estudos. Uma exigência óbvia, que eu aqui apoiei, e mais óbvia quando estávamos confrontados com uma porção de frases insensatas que o ministro Mário Lino andava então debitando. O governo apresentou os estudos e aqueles que contestavam o novo aeroporto de Lisboa na Ota continuaram a fazer o mesmo tipo de ruído que faziam antes. Exactamente o mesmo ruído. Emendo ... nem todos ... alguns mudaram, em maior ou menor grau, o julgamento que haviam feito antes.

Será que não existe, entre quem se opõe ao novo aeroporto de Lisboa na Ota, alguém que escalpelize os estudos e mostre que estão equivocados ou que contêm fragilidades? Por exemplo, numa entrevista dada há um mês ao Independente, um dirigente do banco Efisa revelou que o projecto Ota tem previstos 193 milhões de euros para contingências, ou seja, 7%. Se for assim, há uma fragilidade, porque de acordo com os critérios que definem as margens de contingência, e que são internacionalmente aceites, numa fase tão prematura, a margem de contingência deveria andar pelos 20% a 25%. Outras poderão ser detectadas. Mas para isso, em vez de ruído terá que haver estudo e reflexão.

Não haverá entre os juristas, economistas, professores universitários e etc., quem diga coisas mais consistentes, em estudo e reflexão, do que arengar que se trata de uma obra "sem um mínimo aceitável de contraditório" e com o aproveitamento do conhecido "quem cala consente", que são "decisões alegadamente suportadas pelo manto diáfano de uma maioria absoluta", que colocam os portugueses perante "a inevitabilidade de investimentos faraónicos que condicionam o futuro de várias gerações"?

A questão mais caricata é que o Governo apresentou os estudos e são os que acusam o Governo de se portar "sem um mínimo aceitável de contraditório", que não apresentaram qualquer contraditório consistente. Limitam-se a dizer que são obras faraónicas, que há países desenvolvidos que não fizeram obras similares, etc.. Agora pedem um referendo, porque "seria a oportunidade de exprimir diferentes pontos de vista sobre os investimentos e ter acesso aos estudos que estão na sua origem". Mas porque é que os não têm exprimido? Foi acaso vedado o acesso à comunicação social das personalidades nortenhas que fizeram o apelo ao referendo? Porque o pedem? Não será antes um apelo à demagogia para que medre na mesquinhez enraizada há muito na alma portuguesa? Não percebem que poderão estar a abrir uma Caixa de Pandora? Não percebem que os investimentos públicos não se esgotam na Ota e TGV?

Eu acho um disparate fazer-se o TGV Lisboa-Porto sem estarem apuradas as causas do descalabro que foi a Modernização da Linha do Norte. Todavia o TGV Lisboa-Madrid parece-me um investimento estratégico porque liga o país à rede europeia de Alta Velocidade. Além do mais, o percurso Lisboa-Madrid tem uma distância que não se consegue fazer em termos competitivos por caminho-de-ferro se não for com velocidade muito alta. Os estudos da RAVE indicam, segundo parece, que a linha Lisboa-Porto é rentável, enquanto que a linha Lisboa-Madrid só o será se for subsidiada. Terão sido considerados nesses estudos todos os efeitos directos, indirectos e colaterais? Não sei. Mas estes são assuntos que devem ser debatidos serenamente nos areópagos políticos perante processos e estudos devidamente instruídos e deixando que um debate público paralelo concorra para que a deliberação se enriqueça com as contribuições que forem trazidas à colação.

Não podem ser debatidos da forma como têm sido até aqui. Queremos os estudos! Vieram os estudos ... e depois? Que achegas consistentes houve? Nada. Agora pede-se um referendo. E a seguir? ... um plenário geral do país votando investimentos públicos de braço no ar? Será que o afã inconsistente do não, pelo não, estará a levar pessoas esclarecidas pela via da “democracia participativa” até sabe-se lá onde?

Ao adoptar a fuga para a frente, em vez de tentar mostrar erros ou fragilidades dos estudos e, acima de tudo, quais as alternativas que há, a contestação da construção do novo aeroporto de Lisboa na Ota e do comboio de alta velocidade perde credibilidade.

Publicado por Joana às 11:45 PM | Comentários (89) | TrackBack

dezembro 13, 2005

SCUT’s, OTA e TGV’s

O Relatório do Tribunal de Contas relativamente às SCUT’s é devastador. As SCUT’s irão custar cerca de 20% mais do que foi contratualizado. A diferença é o equivalente a um aeroporto da Ota! O erro silencioso cometido pelas entidades públicas na gestão daquele negócio é igual ao custo da Ota, que tanto tem empolgado a comunicação social e a blogosfera. Mas esse é o erro cometido na gestão do contrato, após adjudicação. Há outro erro. O Estado aceitou que o concessionário tivesse direito a uma TIR de 13% (em termos nominais), o que corresponderá a uma TIR de 10,5% a preços constantes, quando, para um projecto como estes, em que o privado não tem, praticamente, riscos nenhuns, uma taxa de 7,5% a 8% (real) seria negociável. Assim sendo, o Estado (nós, os contribuintes) irá pagar um encargo adicional de cerca de 2,5% ao ano, relativamente ao que seria um preço de equilíbrio num mercado eficiente, onde o comprador e o vendedor tivessem ambos racionalidade económica.

Estabelecer parcerias público-privadas para construir auto-estradas não é, em si, um erro. Pode ser um óptimo negócio, desde que bem conduzido. Que essas auto-estradas tenham portagens virtuais também não constitui, em si, um erro, desde que o OE o possa fazer, numa perspectiva de um planeamento financeiro a 25 ou 30 anos. Todavia, quando se contrata uma obra com um empreiteiro, ou um concessionário (que pode incluir, para além do(s) empreiteiro(s), uma entidade financiadora, uma entidade exploradora, etc.) deve ter-se um clausulado seguro, não existirem indefinições sobre o programa e sobre os projectos de construção. Todas as alterações de programa e dos projectos geram custos adicionais aos empreiteiros (na construção propriamente dita e nas imobilizações do estaleiro) e estes sabem fazer-se ressarcir, pesadamente, junto do dono da obra.

Todo o processo de lançamento das SCUT’s foi de uma absoluta irresponsabilidade. As SCUT’s foram lançadas sem os estudos de impacte ambiental estarem, em alguns casos, concluídos e/ou aprovados, sujeitas portanto a alterações de traçado consoante as conclusões finais dos estudos, depois de aprovados. Foram lançadas sem muitas das expropriações estarem feitas, o que é um suicídio, porque, em caso de desacordo, a posse administrativa não é pacífica, haverá demoras, custos adicionais, escolhas difíceis entre parar uma obra ou pagar um valor excessivo por um terreno em litígio, etc..

O estabelecimento de parcerias público-privadas (PPP) em Project Finance (PFI) é um negócio que requer muitas cautelas e muita competência. De um lado está o Estado e do outro os concorrentes à concessão, bem municiados em advogados e economistas experientes, agrupados em consórcios que incluem bancos, grandes empreiteiros e entidades exploradoras. Perante este arsenal, o Estado contrapõe técnicos e advogados inexperientes, que são substituídos ao sabor das mudanças dos titulares das pastas (mesmo pertencendo ao mesmo partido), e um enorme desconhecimento dos dossiers.

Face a este descalabro, é impossível culpar A ou B. É todo o sistema que está errado. A responsabilidade cabe inteirinha ao Governo sob cuja égide foram negociados os contratos. Não cabe aos técnicos inexperientes que foram logrados por gente com grande traquejo nestas matérias. O Governo é que é o responsável pelo bom funcionamento das instituições e pela correcta afectação de recursos.

Este descalabro remete-nos para a questão do novo aeroporto e do TGV. O que aconteceu com as SCUT’s, não pode acontecer novamente. Mas o que aconteceu foi porque o sistema estava, e está, errado. Pode voltar a acontecer e eu já chamei aqui, por diversas vezes, a atenção para isso.

Referindo-me agora ao TGV Lisboa-Porto, acho repugnante fazê-lo sem serem apuradas as responsabilidades do que aconteceu com o projecto da “Modernização da Linha do Norte” onde se gastaram balúrdios sem qualquer melhoria significativa, relativamente à situação anterior. Os estudos foram começados em 1991 (a linha foi dividida em 3 troços e cada um adjudicado a um consórcio) e os projectistas levavam as mãos à cabeça com a incapacidade em obter decisões da CP sobre questões que lhe eram colocadas. Lembro-me, na altura, de um técnico de um dos consórcios dizer que tentara explicar aos técnicos da CP que não era possível haver passagens de nível e dera o seguinte exemplo:

- Você olha para um dos lados, e não vê nada, mas uma composição, a 1 km de distância, é um ponto imperceptível. Depois olha para o outro e também nada vê. Atravessa. Passaram apenas 15 segundos, o tempo suficiente para ter um Alfa em cima de si.

E o consórcio a que me estou a referir (troço Entroncamento-Pampilhosa) era liderado por uma empresa francesa do grupo SNCF, especialista reconhecida em matéria de caminhos de ferro.

Depois, na fase da construção, que começou em 1995, cometeram-se muitos erros, alguns devidos a omissões ou decisões erradas dos projectos, induzidas pela total incompetência da CP em gerir o processo. Desde a ocorrência de assentamentos (por falta de estudos de base suficientes de Geotecnia e Mecânica dos Solos) – o que obriga as composições a diminuírem a velocidade, pelo facto da linha não estar nas condições adequadas à velocidade do Alfa – até à existência de estações onde a drenagem da água dos terrenos vizinhos se faz para dentro dela – o que impede o Alfa, que é mais baixo que as composições tradicionais, de prosseguir viagem em caso de elevada precipitação – aconteceu de tudo. E, claro, a manutenção de numerosas passagens de nível e a inexistência, na quase totalidade das estações, de travessias para os peões atingirem a outra plataforma, sem ser através da linha férrea, etc..

Com projectos coxos, com um Dono da Obra totalmente incompetente, a Fiscalização está de mãos atadas, mesmo no caso de ser competente. Não cabe à fiscalização emendar os projectos; não cabe à fiscalização tomar decisões em nome do cliente. Cabe-lhe assegurar que o projecto se cumpre, que o andamento da obra está correr conforme o planeamento aprovado, que as facturas estão conformes, verificando se correspondem aos trabalhos realizados, cabe lembrar ao Dono da Obra que tem que responder às questões postas pelo empreiteiro, nos prazos devidos, e tomar as decisões necessárias.

Como já escrevi aqui, a linha Lisboa-Madrid é estruturante (com o ramal para Sines). A linha Lisboa-Porto talvez o fosse se não houvesse a sombra da “Modernização da Linha do Norte”. Com o que aconteceu, fica-se com a sensação que o crime compensa – o TGV Lisboa-Porto vai camuflar todos os disparates que a incompetência da nossa administração cometeu ali.

Irá camuflar … se não repetir os mesmos erros.

É evidente que Portugal não pode deixar de fazer obras complexas, apenas porque as anteriores as fez de forma desastrosa. Nesse entendimento, a solução seria fechar o país. O que deve é fazê-las de forma adequada.

Publicado por Joana às 08:43 PM | Comentários (63) | TrackBack

dezembro 07, 2005

A Alta Velocidade da Ignorância

A forma como a questão do TGV está a ser ventilada releva da mais completa ignorância. Os Caminhos de Ferro são uma infra-estrutura que, desde há um século, não é financeiramente viável. Ponto final. Têm todavia benefícios para a comunidade, não contabilizáveis na óptica financeira do promotor privado, cujo montante os podem tornar viáveis numa óptica de custo-benefício para toda a colectividade. Portanto, quando se fala em TGV, ou no Metro do Porto, ou do que quer que seja nesta matéria, há uma coisa que temos que meter na cabeça: Parte dos custos financeiros terá que ser a comunidade a pagar através dos impostos. Aliás, este tipo de infra-estruturas insere-se no conjunto de bens públicos citados explicitamente por Adam Smith, economistas clássicos, neoclássicos e por aí fora ..., que deveriam ser objecto de investimento por parte do Estado, visto os privados não o poderem fazer com retorno financeiro. Outra forma de abordagem releva de um malthusianismo económico insensato e estéril que, além do mais metamorfoseia o pensamento económico, que se pretenda seja vivo e capaz de conviver com a realidade, em mitos. O pensamento liberal não se pode transformar num marxismo às avessas. Vive da realidade e para ela, não de mitos ou chavões.

As infraestruturas dos transportes rodoviários são, na generalidade, subsidiadas pelo Estado ou Autarquias (excepto algumas auto-estradas que têm alternativas rodoviárias). Nestas condições, parece desejável, para que o mercado dos transportes não fique distorcido, que, tal como para as vias rodoviárias, o Estado e/ou as colectividades locais tomem a seu cargo o conjunto de infraestruturas (investimentos, manutenção e renovação) necessárias à exploração de uma concessão ferroviária. Na realidade, o mercado dos serviços de transporte só não estará distorcido se os custos e benefícios sociais para cada um dos operadores tiverem correspondência nos respectivos custos e preços de mercado.

Paralelamente, o interesse de um modo de transporte regular e rápido provem do facto de ele permitir ao utente deslocar-se utilizando um transporte mais amigo do ambiente e transportar grandes cargas de maneira mais económica, no que respeita ao custo de exploração. Isto confirma o interesse em subvencionar este tipo de transporte, por forma a encorajar esses movimentos. Esse desiderato é muitas vezes conseguido pela acção directa sobre as tarifas, sujeitas a um tecto com um nível suportável pelo utente. Mas esta medida compromete o ajustamento das contas de exploração pois a cobertura dos custos económicos, a longo prazo, pelas receitas não fica assegurada. É portanto normal restituir ao agente transportador as receitas de que ele ficou privado pelas insuficiências das tarifas impostas. Esta normalização é, na verdade, uma subvenção atribuída indirectamente à comunidade (melhor ambiente, maior mobilidade, desenvolvimento económico induzido, etc.) através do transportador. Esta subvenção pode ser deixada ao encargo do Estado ou das colectividades locais que tirem vantagem da situação assim descrita.

No caso do ramal para Sines, ao aproveitar a bitola europeia do TGV, cria-se um elemento motor de desenvolvimento económico potenciado pela maior actividade portuária: estimulação da actividade comercial, extensão da urbanização, mais-valia dos terrenos, desenvolvimento industrial, etc. O terminal intermodal de Sines tem pontos fortes que são de realçar: Um porto de águas profundas; potencial de desenvolvimento em termos de área e de opções de actuação; acessibilidades rodoviárias razoáveis; existência de infra-estruturas básicas; etc.

Em contrapartida têm sido cometidos muitos erros ou omissões que fragilizam Sines como plataforma intermodal à escala europeia: Falta uma estratégia de marketing e postura comercial, ou o que tem sido feito não consistência; mantém-se uma imagem de Sines como “elefante branco”; não existência de um master-plan que clarifique as possibilidades de intervenção; ausência de empresas complementares e de serviços/estruturas de apoio à industria e, acima de tudo, a má qualidade das acessibilidades ferroviárias e a consequente descentralidade face ao mercado nacional e europeu que é a principal indutora das restantes fragilidades.

Ou seja, o TGV Lisboa-Badajoz, desde que acompanhado com um ramal para Sines, com a bitola europeia, mas sem a necessidade do rigor construtivo da AV, poderá ser uma alavanca poderosa do desenvolvimento do Porto de Sines, transformando-o num hub para os navios de grande porte que assim evitariam demandar os portos do norte da Europa, cujo tráfego é demasiado intenso. Mas para que isso aconteça, as mercadorias têm que ter escoamento assegurado entre Sines e o centro e norte da Europa.

Portanto, o TGV Lisboa-Badajoz (com o ramal para Sines) é um investimento estruturante para o nosso desenvolvimento e não me incomoda nada que as infraestruturas respectivas sejam custeadas pelo Estado e apenas o material circulante objecto de uma concessão parcial ou totalmente paga pelo concessionário. Isto, desde que este projecto seja concebido com cabeça, tronco e membros.

A economia do Bem Estar não lida apenas com fluxos financeiros dos agentes económicos directamente envolvidos na transacção. Lida igualmente com fluxos financeiros induzidos no restante tecido económico por aquela transacção e com a melhoria da qualidade de vida eventualmente proporcionada na sequência dela. Nas análises custo-benefício essa melhoria é avaliada e valorizada em termos monetários. Não contar com estes efeitos é falsear, mesmo que não se dê conta disso, o funcionamento do mercado, originando equilíbrios fora do óptimo do Bem-estar social.

Quanto à linha TGV Lisboa-Porto, a minha posição é diversa e conhecida de posts anteriores. Voltarei a ela numa futura oportunidade.

Publicado por Joana às 08:56 PM | Comentários (117) | TrackBack

dezembro 05, 2005

A Ota novamente

Via Impertinências, li que “em entrevista a O Independente, o doutor Vítor Gonçalves Lopes do banco Efisa ... nos revela que o projecto Ota tem previstos para contingências 193 milhões de euros, ou seja uns astronómicos 7 por cento” Estas declarações são preocupantes pelo seguinte:

Há critérios que definem as margens de contingência, e que são internacionalmente aceites, embora variando ligeiramente conforme o tipo de projecto. Assim, quando o estudo está na fase de existir apenas um Plot-Plan com um esboço da localização da instalação e dos seus principais componentes, a margem de contingência anda pelos 20% a 25%, ou mesmo mais, o que deve corresponder, mais ou menos, ao nosso Programa base. As estimativas de custos são feitas através da lista provisória de equipamentos, das dimensões muito gerais da parte civil, e baseia-se em rácios. Julgo que é esta a fase em que a Ota está. Depois, à medida que se progride na elaboração dos estudos – Estudo prévio, Anteprojecto e Projecto de execução – a margem de contingência vai diminuindo até se fixar num número cerca de 5% quando se tem um projecto “Bom para Construção”, na nomenclatura internacional, e que em teoria deveria corresponder ao nosso Projecto de execução, mas normalmente está mais elaborado, pois tem menos erros e omissões.

Neste entendimento, a margem de 7%, a ser verdade o que vem no Independente, é totalmente insuficiente e pode conduzir a um completo desastre financeiro do projecto, com custos muito avultados para o país. Mais do que andar com discussões frequentemente estéreis, que é o campo onde Mário Lino, um péssimo estratega, mas muito matreiro para a pequena manobra táctica, tem arrastado os que estavam contra a Ota, é este o ponto fulcral a que devemos estar atentos. A questão financeira e a questão dos acessos rápidos a Lisboa deve ser o objectivo dos que querem que Portugal não embarque numa obra faraónica.

Escrevi há dias que «O risco financeiro deste projecto é muito elevado, não apenas pela fiabilidade das previsões de tráfego, mas pelos imprevistos na construção. Portugal tem uma triste experiência nesta matéria e os governos não percebem as causas» Esta é a questão central. Centrar a discussão na localização é um erro porque até agora ninguém apresentou alternativas viáveis e não fazer nada não é alternativa. Centrar a discussão no facto da localização ser na Ota, é fazer o jogo do Mário Lino.

Publicado por Joana às 07:59 PM | Comentários (33) | TrackBack

novembro 29, 2005

Fatalidades

Assisti ontem, embora não na totalidade, aos Prós & Contras e o que ouvi deixou-me apreensiva. Na minha opinião, as únicas opiniões que me pareceram sustentadas foram as do JM Viegas e do Fernando Pinto. Mário Lino tem aquela matreirice de político pouco credível, Carmona Rodrigues esteve menos mal, mas a razão política sobrepôs-se, muitas vezes, à solidez técnica e Ludgero Marques parecia que se tinha equivocado no debate em que estava. E a minha apreensão é que há uma fatalidade, fruto de erros de previsão anteriores e de escolhas pouco claras actuais. Em qualquer dos casos a minha opinião sobre esta questão mudou um pouco, desde a última vez que escrevi sobre ela.

A possibilidade de Portela + Outro parece-me de excluir, em face do que ouvi e do conhecimento que tenho destas matérias. Ou a localização teria que ser muito próxima (Alverca, por exemplo) e não existem locais com desafogo suficiente para a expansão necessária, ou se a localização fosse mais afastada haveria um aumento substancial de custos de exploração e uma má operacionalidade do conjunto dos dois aeroportos. Achei os pareceres, quer de JM Viegas, quer de Fernando Pinto, bastante sustentados sobre esta questão.

A possibilidade de fazer o novo aeroporto, mantendo a Portela, está fora de questão. A Ota nunca teria procura suficiente para se sustentar. Aliás, mesmo sem a Portela e retirando algum tráfego a Pedras Rubras, a sua sustentabilidade financeira está no limite, segundo os estudos apresentados que, se pecarem, será por optimismo. Portanto se se quiser construir um novo aeroporto no regime de concessão, a Portela terá que ser desmantelada, senão não encontram concorrentes e o concurso fica vazio.

A tese de que as previsões não são credíveis por eventuais alterações tecnológicas, crise petrolífera, etc., não passam de teses astrológicas de gente que, mesmo tendo formação científica, não se apercebe que as mudanças tecnológicas se fazem a um ritmo muito diverso do que julga e, frequentemente, em direcções muito diferentes das previstas. Até agora, todos os peritos em Astrologia Tecnológica falharam nas profecias. São presságios ... não são previsões. Há todavia uma coisa que me preocupa: em que medida a combinação TGV Lisboa-Porto e o aumento da distância “temporal” da ligação aérea Lisboa-Porto, induzido pela transferência para a Ota, irá afectar a procura pelos voos domésticos. Claro que quem elaborou as previsões deve ter pensado no assunto, mas não sei com que critérios.

Quanto à questão dos eventuais impactos negativos na procura turística de Lisboa por efeito da distância ao novo aeroporto terá sempre que ser resolvida por um sistema de transportes adequados. A falta de planeamento e ordenamento do território diminuiu o leque das soluções possíveis. Portanto, terá que ser um aeroporto único e será sempre a alguma distância do centro de Lisboa. A pergunta que me ponho é porque é que a opção Rio Frio (ou Montijo) foi descartada? A questão dos impactes ambientais não me parece suficiente, face ao que está em jogo.

A questão dos acessos Ota-Lisboa, que quer JM Viegas, quer Fernando Pinto acentuaram como decisiva, não me pareceu resolvida. A ligeireza com que Mário Lino disse que Vila Franca ficava a meia dúzia de quilómetros da Ota (no caso da ligação shuttle) quando na realidade está a cerca de 20 kms foi preocupante. E a dificuldade dos acessos rodoviários, com a A1 e a A8 sempre congestionadas às horas de ponta, pode revelar-se dramática para a viabilidade do projecto.

Finalmente há a questão dos custos da operação. O risco financeiro deste projecto é muito elevado, não apenas pela fiabilidade das previsões de tráfego, mas pelos imprevistos na construção. Portugal tem uma triste experiência nesta matéria e os governos não percebem as causas. Há anos, o Engº Cravinho fez sair legislação limitando a derrapagem de custos numa obra pública a uma certa percentagem. O Engº Cravinho não teve culpa, ele só engenheirou 1 ou 2 anos, tornando-se depois funcionário público (numa área que não tinha nada a ver com o curso dele) e a seguir um político profissional. Nem ele nem os assessores sonhavam as razões porque o custo das obras em Portugal derrapa vertiginosamente e que não podia ser estancado com um plafond administrativo, sob pena das obras ficarem inacabadas:

Indefinição das decisões: decide-se uma coisa e está-se permanentemente a mudar de opinião, quer por lobbies locais, quer por lobbies ambientalistas, quer porque mudou o ministro, quer porque descobriram que tinham feito um disparate, etc., etc.
Erros ou omissões nos projectos – porque se adjudica ao mais barato ou, quando nos critérios de adjudicação o preço aparece com um peso de 30% ou 40%, há dificuldade em valorizar devidamente os outros critérios (metodologia, currículos, etc.); porque o acompanhamento do projecto pelo adjudicante é deficiente ou nulo. Igualmente porque em Portugal não há a prática da responsabilização por danos emergentes, ou seja prejuízos em obra emergentes de erros ou omissões do projecto.
Fiscalização Deficiente – Por razões idênticas ao caso anterior, mas também por falta de apoio do adjudicante no dirimir de conflitos entre o empreiteiro e a fiscalização. As entidades públicas são muito sensíveis ao charme discreto do empreiteiro. Na quase totalidade dos casos não há suborno, apenas medo do empreiteiro, que tem uma equipa de técnicos e um contencioso que impõem respeito a técnicos da administração, profissionalmente frágeis.
Alterações durante a obra – É o sonho de qualquer grande empreiteiro. Há empreiteiros que concorrem a obras com preços globais baixos e séries de preços unitários elevados, porque conhecem a situação e calculam que vai haver muitas modificações. Além do mais há alterações que saem fora da lista de preços unitários apresentada, o que deixa o adjudicante vulnerável perante o empreiteiro. Também a falta de respeito pelos prazos nas respostas às questões postas pelo empreiteiro tem reflexos muito negativos no custo final.

Estamos perante uma fatalidade. A nossa ligeireza e falta de planeamento a longo prazo colocaram-nos num impasse em que todas as soluções são péssimas e corremos ainda o risco de estar escolher a pior.

Publicado por Joana às 07:38 PM | Comentários (90) | TrackBack

novembro 23, 2005

Mais Otorreia que Otoscopia

Se a engenharia financeira montada para viabilizar o Aeroporto da Ota está muito nebulosa, a operação de charme montada para impressionar a plateia foi um êxito. Uns já estavam convencidos, outros foram convencidos porque queriam ser convencidos, outros foram convencidos com o argumento irrefutável de que era um mal necessário, outros continuam por convencer, mas como não têm todos os dados na mão, não conseguem argumentar com alternativas. Limitam-se a abanar a cabeça horrorizados, o que não é suficiente como argumento. O mais preocupante é que os agentes económicos mais próximos dos potenciais utentes do aeroporto são aqueles que mais se insurgem quanto à localização.

Em primeiro lugar ninguém mostrou com clareza que não há alternativas à Ota: Quer Portela associada outro aeroporto próximo, quer Rio Frio. JM Viegas, ontem na SIC Notícias, mostrava-se resignado à solução Ota, como um mal necessário. Mas embora eu ache JM Viegas um técnico competente e sensato, também reconheço que ter uma empresa de consultoria na área de transportes implica ter opiniões consensuais, principalmente quando sente a inevitabilidade das coisas: já que não os pode vencer, alia-te a eles... Portanto a mudança de opinião dele pode ser por estar convencido que não há alternativas para a Ota ou ... para ele.

Guilhermino Rodrigues, que tenho na conta de um sujeito honesto, embora os 15 anos de cargos de obediência política (assessor da CML, governo do Guterres, Metro e agora ANA e NAER) lhe possam enviesar alguns raciocínios, foi razoavelmente convincente no que respeita às insuficiências da Portela, às dificuldades de exploração conjunta de dois aeroportos distantes um do outro, pela duplicação de muitos serviços, mas circunscreveu-se aos assuntos que dominava, evitando resvalar para terrenos resvaladiços como o Montijo ou Rio Frio. Essa tarefa coube a Cravinho. Mas Cravinho é um homem que perdeu toda a credibilidade. A Cravinho dou o prejuízo da dúvida: a menos que uma entidade independente e competente certifique o que ele diz, parto do princípio que ou não é verdade, ou é uma meia-verdade enviesada no sentido oposto à verdade.

Quanto à questão da engenharia financeira, só quem está por dentro pode saber ao certo os riscos que há subjacentes ao modelo apresentado. Segundo a apresentação, irá ser lançado um concurso público internacional para adjudicar qual o consórcio será o parceiro do Estado na parceria público-privada em regime de Project-fïnance. Tudo indica que a ANA será privatizada e os seus activos servirão como financiamento público do projecto. Os apresentadores afirmaram que desta forma se evita a utilização de recursos públicos. Não percebo como. A ANA é um recurso público. O que devem querer dizer é que este processo não terá reflexo no défice público. Na prática, o Estado vende a ANA e o resultado dessa venda é a entrada do Estado para o projecto.

Segundo foi afirmado, o prazo de recuperação é de 23 anos e a concessão será por 30 anos (neste tipo de negócios, findo o prazo da concessão, os bens revertem para o concedente, neste caso o Estado). O prazo de recuperação é muito longo o que indicia um elevado risco financeiro. Os cash-flows devem ter sido calculados na base de cenários que incluem a evolução do nº de passageiros/ano, a evolução dos negócios envolventes, etc.. Se este projecto tem implícito um elevado risco de insolvência, a pergunta que se coloca é quem o avaliza.

Uma solução, mas apenas no caso dos erros de previsão serem relativamente pequenos, é prolongar o período de concessão. Se as previsões falharem de uma forma mais substancial, alguém terá que pagar. E não será o consórcio adjudicatário que terá cláusulas contratuais que transferirão esse risco para o concedente (para nós ... em ultima ratio).

As previsões em que se basearam os estudos de viabilidade económica terão contado com uma eventual retracção turística resultante da morosidade de acesso a Lisboa? O estudo da Roland Berger não é muito elucidativo. A percentagem de desistentes é relativamente pequena, mas refere-se à primeira decisão. Imaginemos um turista que desembarcou na Ota, tomou o autocarro do operador turístico que lhe organizou a viagem, e fica 3 horas na fila entre Alverca e o Campo Grande. Voltará? Imaginemos os congressistas. Depois de uma experiência dessas, organizarão o próximo congresso em Lisboa? É um erro supor que o TGV resolve o problema, pois a maioria dos turistas desloca-se em autocarros fretados por operadores turísticos. Apenas os turistas individuais usarão o TGV.

O erro nas previsões resultante da questão dos acessos a Lisboa pode criar um grave problema de insolvência do projecto em si, e arrastar o turismo lisboeta para uma crise grave. Todos os operadores turísticos que foram entrevistados estavam horrorizados com a solução Ota. O próprio Fernando Pinto foi cauteloso «O que eu digo é que o novo aeroporto será mais longe de Lisboa do que o actual e quanto mais próximo melhor, mas dentro do possível. Se a Ota tiver uma ligação adequada e um sistema que seja viável em termos de transportes, é a solução indicada».

Ainda há uma outra questão que se refere a atrasos do projecto por culpa do concedente. O Estado tem-se comportado de forma desastrada em todos estes negócios. Não expropria os terrenos em tempo oportuno, não tem em conta as dilações decorrentes de complicações surgidas nos processos das aprovações ambientais, não dá respostas, nos prazos devidos, às dúvidas postas por projectistas e construtores, etc.. Ou seja, coloca-se sempre em posição vulnerável perante os parceiros do negócio e acaba por despender somas avultadas devido aos seus desleixos e erros. Todavia esta questão não tem a ver apenas com a Ota ... é o vício permanente da actuação do Estado nas empreitadas de obras públicas, qualquer que seja o regime em que elas se façam.

Resumindo:
1 - Não achei convincente que a Ota seja a única solução, embora reconheça que tem que haver uma solução, porque a Portela não assegura o tráfego aéreo para além do prazo de construção de um novo aeroporto. Ou seja, tem que rapidamente ser tomada uma decisão, apenas receio que esta não seja a melhor (ou a menos má).
2 – A engenharia financeira comporta muitos riscos (o elevado prazo de recuperação é um indicador seguro disso) e provavelmente o Estado irá cobrir os défices devidos a quaisquer desvios negativos das previsões. É certo que previsões são apenas previsões e ninguém tem o futuro na mão, mas é lícito questionar se elas têm a fiabilidade e a prudência necessárias.
3 – Um novo aeroporto não é uma obra faraónica, mas necessária. Todavia se for escolhida uma má solução poderemos iniciar o projecto de uma obra necessária e acabar tendo uma obra faraónica.

Adenda: Relativamente à questão da criação dos 28.000 postos de trabalho directos no aeroporto e de 28.000 postos de trabalho indirectos na envolvente, coloca-se uma dúvida. São postos de trabalho adicionais? Isto é, contam com a destruição de empregos (directos ou indirectos) decorrentes do fim da Portela? Um maior desafogo de espaço pode permitir a oferta de mais serviços aos turistas ou aos passageiros em trânsito, mas a grande distância a Lisboa tem também efeitos e adversos. Todavia acho muito emprego e julgo que aqueles valores não incluem o efeito na Portela e se referem à situação no fim da concessão, quando se atingir o nível de passageiros/ano para o qual o novo aeroporto foi estimado.

Publicado por Joana às 11:20 PM | Comentários (77) | TrackBack

novembro 22, 2005

Pinho Tecnológico

Sete dos dez membros da Unidade de Coordenação do Plano Tecnológico, incluindo o coordenador José Tavares, apresentaram a demissão a Manuel Pinho. O Plano Tecnológico, tal como foi concebido pela equipa demissionária, e a avaliar pelas escassas informações disponíveis, é um brilhante exercício académico. Desenvolve uma Utopia sólida. Esquece a realidade do país. Já aqui escrevi diversas vezes que o país precisa, prioritariamente, de uma justiça célere e eficiente, uma completa desburocratização da administração pública, uma fiscalidade eficiente (e simplificada) e tendencialmente menos pesada e uma progressiva privatização de actividades que o Estado desenvolve mas para as quais não tem vocação nem as realiza com um mínimo de eficiência.

Este é o nó do problema. Paralelamente com o desatar deste nó górdio da nossa economia, são bem-vindas medidas de incentivo ao desenvolvimento tecnológico, algumas delas contempladas nas listas hoje divulgadas no Público. Todavia o Governo tem que ter presente que o seu âmbito de acção é apenas esse: demolir toda a burocracia estúpida e asfixiante criada ao longo de séculos e criar incentivos para que apareçam clusters de elevada tecnologia que, num país pequeno como o nosso, podem constituir um motor de arranque da nossa economia. Não pode pretender ser ele a determinar as vias. Tem que deixar isso à imaginação dos agentes económicos portugueses ou estrangeiros, atraídos pelo bom ambiente criado ao exercício da sua actividade em Portugal.

E deve deixar isso à imaginação dos agentes económicos privados porque o Estado, nesta matéria, equivoca-se sempre. Quanto mais os mercados vivem da inovação e dos avanços tecnológicos, menos vocação tem o Estado para tutelar ou orientar a intervenção nesses mercados. A Investigação e Desenvolvimento não deve ser vista como um fim em si, mas como algo que é posto ao serviço da actividade económica. Caso contrário estamos a investir em massa cinzenta que logo que esteja convenientemente apetrechada demandará outras paragens em busca de melhores oportunidades de valorização profissional (e também remunerações mais elevadas).

Um investimento em I&D, visto como um fim em si, esgota-se no plano universitário. A imagem que o resume é a de um investigador biomédico a analisar a urina que acabou de verter na proveta.

O número de membros da UCPT e a catadupa de demissões faz lembrar um thriller, que deve estar a constituir um pesadelo para Manuel Pinho, e que pode ser resumido no poema infantil que serve de leit-motiv a um livro de Agatha Christie, Convite para a Morte:

Eram dez negrinhos que foram jantar,
Mas um engasgou-se; só ficaram
Nove.
Eram nove negrinhos que foram dormir.
Um não acordou; só restavam
Oito.
Eram oito negrinhos que foram passear.
Um não regressou; só ficaram
Sete.
Os sete negrinhos foram rachar lenha.
Um deles cortou-se; só restavam
Seis.
Os seis negrinhos mexeram num cortiço,
Um deles foi picado; só ficaram
Cinco.
Cinco negrinhos estudaram direito,
Um deles formou-se; só restavam
Quatro.
Os quatro negrinhos foram tomar banho
Mas um afogou-se; só ficaram
Três.
Eram três negrinhos que foram ao bosque,
Apareceu um urso e só ficaram
Dois.
Eram dois negrinhos, sentaram-se ao sol
Um ficou torrado. Só estava
Um.
O pobre negrinho achou-se sozinho
Foi enforcar-se e não sobrou
Nenhum.

Esperemos que não se chegue a tanto … ou que o filme acabe antes ...

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novembro 18, 2005

Palha ao Burro

É um insulto à inteligência dos portugueses o maço de estudos tornados públicos pelo ministério de Mário Lino . Mário Lino exerceu durante alguns anos a profissão de engenheiro consultor e sabe, pela experiência profissional, que a melhor forma de camuflar as fragilidades de um estudo é encher o cliente de papel. Um estudo com 5 ou 6 volumes encharneirados com centenas de páginas cada e com milhares de quadros Excel torna-se incontestável. Só tarde de mais o cliente se dá conta do buraco em que o consultor o meteu.

Estive a observar “à vol d’oiseau” os estudos que foram disponibilizados na net. Pus de lado os estudos ambientais que não considerei prioritários numa primeira abordagem. Relativamente aos restantes, não encontrei um único estudo de tráfego integrado, isto é, que analise as previsões de tráfego futuro, incluindo cenários “só Ota”, “Portela + outro(s)”, etc, e as implicações no tráfego global em cada um dos diferentes cenários, as matrizes origens-destinos relativas ao movimento dos passageiros entrados e saídos (e como variam face aos cenários em estudo) e as implicações desses cenários nos tráfegos dos voos domésticos Lisboa-Porto (e, eventualmente, noutras áreas).

Sem esses estudos de tráfego, não é possível extrair qualquer conclusão.

Havendo esses estudos de tráfego, seria necessário efectuar, a seguir, estudos de viabilidade económica e financeira para verificar a sustentabilidade dos diversos cenários. Nesses estudos teriam que ser considerados os custos (ou benefícios) decorrentes dos efeitos induzidos noutras áreas: eventual diminuição de tráfego Lisboa-Porto, efeitos indirectos (os directos estão implícitos nos estudos de tráfego acima referidos) provocados pela possível diminuição da procura turística de Lisboa induzida pelo estabelecimento do aeroporto na Ota, etc..

Também não encontrei qualquer documento sobre esta matéria.

Em contrapartida encontrei estudos de relevante merecimento e interesse histórico de 1972, 1982, 1997, etc.

Agradecia que se alguém encontrasse qualquer coisa sobre os pontos que eu considero fulcrais, numa primeira abordagem, me fizesse saber.

Publicado por Joana às 07:10 PM | Comentários (117) | TrackBack

novembro 14, 2005

A Inviabilidade Excelente

João Cravinho declarou no parlamento que: «As SCUT dão lucro ao Orçamento. Se o Ministério das Finanças fosse também um Banco de Investimento faria um excelente negócio no balanço das suas despesas e receitas» e concluiu que os efeitos sobre o PIB são mais de 6 vezes superiores aos encargos financeiros do Estado. É com pena que assisto ao ocaso de um político que, para defender o indefensável, diz os maiores dislates, sem qualquer sentido do ridículo.

Cravinho está a confundir uma avaliação financeira com uma análise na óptica custo-benefício (admitindo que esta análise tenha sido feita e conduzido aos resultados que apregoa). Todavia o que está em jogo actualmente é a solvabilidade financeira do Estado.

Imaginemos que Cravinho era membro de um agregado familiar, de 5 pessoas, onde ele e a esposa ganhavam 20 mil euros por ano. Imaginemos que Cravinho pretendia comprar um carro. Estimou em 4 milhões de euros o valor da vida de cada membro do seu agregado familiar. Consultou tabelas de risco e verificou que se comprasse um jipe, que custava 65 mil euros, reduzia o risco de morte por acidente durante os 5 anos de vida útil do veículo em 1%. Suponhamos que esta taxa simulava todos os custos atribuíveis a morte, invalidez, tratamentos, prejuízos morais decorrentes dos prejuízos físicos, etc. Ou seja, se comprasse o jipe, tinha um benefício de 200 mil euros (5 x 4.000.000 x 1%). Isto excluindo outros benefícios ligados ao conforto, tempo poupado nas viagens, etc..

O custo total do jipe, pago durante 5 anos, orçaria por cerca de 75 mil euros (15.000€/ano). Durante esses 5 anos, as receitas financeiras brutas do agregado familiar de Cravinho seriam 100 mil euros. Todavia o benefício total retirado daquela aquisição (ou investimento), somado às receitas brutas do agregado Cravinho, seria de 300 mil euros. Quatro vezes o valor do jipe!

Quando Cravinho dissesse em casa que tinha tomado a decisão de comprar um jipe, baseado naquele estudo, alguém do seu agregado familiar telefonaria imediatamente para um psiquiatra para lhe marcar uma consulta com carácter de urgência. E todavia o estudo estava certo: o benefício para a família obtido pela compra do jipe era muito superior ao custo de aquisição. Havia apenas um pequeno problema ... não tinham dinheiro para o comprar!

O problema das SCUTs é esse. Do ponto de vista de benefícios sociais para a colectividade (menor número de acidentes, menos despesas de saúde, menos mortes, maior rapidez de tráfego, etc., etc. e a contabilização da estimativa destes benefícios em termos de efeito no PIB), as SCUTs são, provavelmente, viáveis. O problema é que, financeiramente, o Estado não tinha dinheiro para as pagar. E isto é uma questão que Cravinho continua a não perceber.

A avaliação que entre em conta com os benefícios sociais líquidos de um dado investimento só faz sentido se houver dinheiro disponível para o pagar. Senão ele só é exequível se for viável num óptica financeira, isto é, se houver retorno suficiente para cobrir o investimento inicial.

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outubro 28, 2005

A Fase Ridícula do Projecto

Depois das notícias dos jornais de hoje fiquei tranquila. Não haverá OTA nem, num horizonte próximo, TGV. Teremos apenas uma ópera bufa de que as declarações vindas a lume hoje constituem o prólogo. Quando as coisas se tornam demasiado estúpidas deixam o campo do real e caem na alçada do ridículo, do entremez, da farsa. Passam da vida real para o palco da comédia. Os engenheiros cedem o passo aos cantores e os trolhas são substituídos pelo coro. O projecto dá lugar à pantomina.

Mário Lino tem alguma matreirice para a pequena questiúncula, é uma nulidade na inteligência estratégica; é um bom organizador “à vista”, não tem qualquer noção das repercussões a médio e longo prazo de uma decisão. Disseram-lhe que a OTA e o TGV fazem parte do programa do Governo e são uma promessa a cumprir, e ele está empolgado no assunto, indiferente a quaisquer outras considerações, incapaz de se questionar sobre a racionalidade dos projectos … tudo isso são matérias que pairam num espaço diverso do das vocações dele. Se lhe tivessem dito que a missão era pôr um homem em Júpiter em 2009, ele estaria com o mesmo empenho e discernimento a trabalhar no assunto e a enviar comunicados para os jornais, indiferente à risota geral do país.

Disseram-lhe que nem pensar em aeroportos na zona de Lisboa, porque isso poderia ser uma tentação para que a Portela continuasse em funcionamento, e a solução tornou-se evidente: A localização ideal do aeroporto para as companhias «low cost» é Beja. Para a matreirice “à vista” de Mário Lino, a solução é genial – Beja é uma cidade onde o custo de vida é baixo, pelo menos é mais baixo que em Lisboa. Queriam «low cost»? Aí o têm! Quem é o esperto?

Coube a Mário Lino a invenção do conceito que primeiro toma-se a decisão e depois, à medida que o empreendimento for avançando, avalia-se a sua viabilidade. Fazer um estudo de viabilidade exige um sentido estratégico, pelo menos para definir com racionalidade os cenários e os parâmetros a considerar. Quem não tem sentido estratégico não é capaz de definir cenários racionais. Logo não precisa de estudos de viabilidade. Logo, Mário Lino está certo: ele não precisa de estudos porque a viabilidade está na ordem inicial – fazer. Pediram-lhe para fazer … e ele está a fazer.

Claro que não está a fazer. Mário Lino está a falar. Ele, nos próximos anos, só tem dinheiro para falar. Se daqui a um ou dois anos Sócrates lhe disser: Mário, afinal o aeroporto não pode ser na OTA, é melhor Beja, então Mário Lino enviará um memo aos seus colaboradores a pedir que, nas diversas peças escritas e desenhadas sobre o assunto, se faça um “find&replace” substituindo OTA por Beja. Assunto resolvido; missão cumprida.

Por outro lado, com o formato actual do projecto, nenhum privado se interessará pela OTA. A menos que sejam pseudo-privados. A menos que invistam ali, para ter o merecido retorno algures, noutra área qualquer. Porque a OTA, no seu formato actual (e mesmo nos formatos que a minha vista alcança) não tem retorno para incentivar a participação de privados. Cabe a todos nós estarmos atentos para que não surjam negócios paralelos onde os contribuintes acabem por sustentar, indirectamente, este disparate.

Por enquanto podemos estar tranquilos. O projecto da OTA ainda não saiu da fase verbal. E está a enveredar pela via do ridículo. E o ridículo mata.

Publicado por Joana às 06:59 PM | Comentários (103) | TrackBack

agosto 30, 2005

Decisões Estratégicas

A entrevista de Valadares Tavares e Vítor Martins que veio a lume no Público de ontem é confrangedora. 1) Não trouxe qualquer informação adicional à falta de informação existente. 2) Aproveitaram quase todas as oportunidades para se demarcarem de 2 dos projectos do PIIP, por sinal a Ota e o TGV, que todavia incluíram se bem que a nossa atenção não incidiu sobre esses 2 projectos, pois tiveram em conta as promessas políticas que existiam … [pois] … Não faria sentido que dois professores universitários contratados para apoiar o Governo pusessem em causa o programa sufragado pelos portugueses. 3) Advertiram para o facto de Portugal poder perder fundos comunitários se não fizesse os projectos do PIIP (Quais? Todos?) o que pode sugerir que a virtualidade daqueles dois projectos é a de sacar dinheiro à UE. 4) Vítor Martins revelou algo que se julgava já arredado do pensamento económico – fazer grandes projectos públicos é importante porque conserva emprego. Um grande sector de emprego é a Construção Civil, aí significa manter o emprego nas obras públicas. VM confunde o transitório com o sustentado, confunde a droga com a cura.

O primeiro ponto poderá não ser apenas culpa de VT e VM, mas também do jornal, que não enquadrou a entrevista com alguma informação adicional sobre os 200 projectos em apreço. Em qualquer dos casos VT e VM ficaram-se em demasia pelas generalidades, mais preocupados em se defenderem dos aspectos mais polémicos do que em dar uma opinião de peritos sobre aquelas matérias.

O segundo ponto é uma forma enviesada de fugir à questão. Dizer que Não faria sentido que dois professores universitários contratados para apoiar o Governo pusessem em causa o programa sufragado pelos portugueses é um disparate. Que eu saiba, durante a campanha eleitoral, os portugueses não fizerem estudos de tráfego nem avaliaram económica e financeiramente aqueles 2 projectos. Aquele raciocínio é perverso. Foi ele que levou Guterres a acabar com a barragem de Foz Côa e com a Incineração Dedicada dos RIP. Foi ele ainda que levou Durão Barroso a acabar com a Co-incineração. E foi o mesmo raciocínio que levou Sócrates a acabar novamente com a Incineração Dedicada. Há matérias que não podem depender dos sufrágios, mas de opções técnicas. Aquele raciocínio perverso leva à politização de muitas opções e ao protelamento indeterminado da tomada de decisões. Todavia compreendo que dois professores universitários contratados para apoiar o Governo queiram evitar emitir opiniões que não estejam em sintonia com as opções do Governo. Bastava porém dizerem que esses projectos não foram avaliados porque eram opções políticas do Governo.

Quanto à questão dos fundos comunitários parece-me uma falsa questão. Não é Bruxelas que deve ditar a configuração dos nossos investimentos públicos. Em segundo lugar não se deve meter Ota e as diversas linhas de TGV no mesmo saco. Pelas informações de que disponho, parece-me que Ota é um completo disparate. Todavia a ligação Lisboa-Badajoz é essencial pois permite ligar Lisboa, e o país, à Europa por uma ferrovia de alta velocidade e, em simultâneo, o porto de Sines à Europa Central. Mas para isso há que retomar o projecto de transformar Sines numa plataforma portuária intercontinental, para a qual há diversos investidores estrangeiros interessados, e fazer o ramal de Sines até ao TGV. Ora isto tem que ser um projecto integrado e, até agora, a RAVE apenas tem feito estudos de viabilidade económica relativamente à componente passageiros, sem ter em conta a hipótese Sines. Aparentemente o Governo não está a considerar esta opção, pelo menos para já (*). Quanto ao TGV Lisboa-Porto acho um erro duas razões: 1) Existe uma ligação Alfa que, em teoria, deveria fazer o percurso em 2 horas, o que parece suficiente; 2) não varrer para debaixo do tapete (do TGV) os disparates que se andaram a fazer na “Modernização da Linha do Norte”. Antes do mais, alguém terá que explicar o que sucedeu e quem são os responsáveis. Não surpreende o entusiasmo de João Cravinho pelo TGV Lisboa-Porto, pois ele foi um dos responsáveis políticos (juntamente com o Governo anterior a ele) pelo desastre que foi aquele projecto. João Cravinho é a última pessoa que deveria falar sobre este assunto e a forma inocente como fala de TGV’s e SCUT’s só mostra que os políticos portugueses não têm vergonha nenhuma.

Os restantes projectos de TGV são, pelo menos num futuro a médio prazo, para esquecer.

Quanto à questão do investimento público como indutor de emprego sustentado na Construção Civil, foi apenas um erro de casting. Deveria ter sido o Engº VT a dizê-lo. Um engenheiro não tem que perceber de Economia. VM não tem essa desculpa. Mas depois do que andou a escrever sobre o impacte do Euro2004, tudo é possível. Nomeadamente quando faz a autópsia do evento afirmando que o impacte não foi significativo (os factos … sempre esses empecilhos!) mas também não foi negligenciável (como aliás ele tinha previsto).

Não sei quanto VM recebeu por este trabalho, mas é provável que tenha achado que o montante auferido não tenha sido significativo embora não fosse negligenciável. Subtilezas …

Resumindo, estes projectos não são estratégicos … as decisões é que são estratégicas. Só ainda não se percebeu em que estratégia se inserem …


(*)Nota: Pode haver outras razões. Uma delas é que a informação não circula entre as entidades estatais. Há meia dúzia de anos, foi feito um estudo sobre as possibilidades de aproveitamento das estruturas ferroviárias do Alentejo. Numa das reuniões com a comissão de acompanhamento, quando se chegou à questão do ramal de Sines, o representante da Refer perguntou candidamente o que é que os consultores sabiam do que estava previsto!? Como é possível fazer estudos rigorosos em Portugal se as entidades que superintendem as áreas respectivas não conseguem dar as informações de base porque não sabem o que se passa?

Publicado por Joana às 07:32 PM | Comentários (33) | TrackBack

agosto 05, 2005

Ruído e Conspirações

Está a haver um excesso de ruído sobre a questão da Ota. Pelo meio pairam já teorias da conspiração que apenas servem para fazer descambar os debates para questões colaterais que acabam por obscurecer o que está realmente em jogo e favorecer os pescadores de águas turvas. Teorias da conspiração são a especialidade dos radicais de esquerda e dos pregadores escolásticos. É evidente que a teimosia do governo em não apresentar publicamente os estudos, facilita a especulação. Mas a especulação é uma arma perigosa. A única coisa que é possível concluir, actualmente, é que o governo não tem qualquer estudo credível que sustente, sem ambiguidades, que a Ota é a melhor solução para o próximo congestionamento da Portela. De outra forma não se compreendem as tergiversações de Manuel Pinho e Mário Lino sobre a publicação dos estudos.

Vem hoje nos jornais que a Consulmar foi escolhida para trabalhar no projecto do aeroporto da Ota em concurso internacional, como uma das empresas responsáveis pelos estudos técnicos na área dos estudos hidrológicos e geográficos. A Consulmar é uma empresa especializada em estudos marítimos e fluviais, onde é líder de mercado. Não lhe conhecia grande experiência no domínio de estudos de hidrologia, mas posso estar equivocada. É uma empresa que reputo de séria. Por outro lado, os estudos de hidrologia não têm nada a ver com o debate em apreço.

O que tem a ver com a escolha ou não escolha da Ota são os custos e os benefícios do novo aeroporto, comparados com custos e benefícios de outras soluções, nomeadamente a utilização da pista de Alverca, funcionando como ampliação da Portela, e/ou a utilização de outras pistas existentes nos arredores de Lisboa, para nichos de mercado específicos. Por exemplo, o prof. Viegas, do IST, a figura mais conhecida entre os especialistas de tráfego, afirmava, há 2 ou 3 semanas, na SIC Notícias, que a solução Alverca, como complemento da Portela, servia perfeitamente, e com vantagens sobre a Ota. Isso é relevante.

É neste tipo de discussão que nos devemos centrar. Saber se o Mário Lino, que esteve ligado a algumas empresas na área ambiental e de hidráulica, é ou foi sócio de empresas que fizeram estudos de hidrologia para a Ota é irrelevante para o debate. Eu, se fosse especialista em hidráulica, poderia fazer estudos para as redes de águas de um edifício, mas esses estudos não teriam qualquer importância na decisão do investimento.

Se houver publicitação dos documentos relativos à Ota, que incluam resposta às interrogações que já coloquei aqui, é fácil chegar a uma conclusão que incida sobre a bondade ou não do projecto, independentemente de quem tenha ou não interesses imobiliários na zona da Ota ou na zona da Portela e de quem faça os estudos e projectos de execução.


Publicado por Joana às 07:28 PM | Comentários (125) | TrackBack

agosto 02, 2005

Informação sobre a Ota

Diversos blogues (e alguns órgãos de comunicação social) têm pedido ao governo para colocar em linha os estudos sobre o Aeroporto da Ota. Estou obviamente de acordo. Os actos administrativos deveriam ser transparentes em quaisquer circunstâncias, pois só assim podem ser evitados os fenómenos de corrupção, compadrio, abuso do poder e actos danosos para o cidadão perpetrados pela administração pública (incluindo instâncias governativas e autárquicas) a coberto do véu opaco e pesado da coisa pública. Todavia, no caso em apreço, acho essa pretensão insuficiente.

Os estudos de viabilidade económica e financeira e análises custo-benefício, a existirem, são de leitura difícil, mesmo para especialistas, não só em si mesmos, mas também porque subjacentes a eles estão diversas hipóteses e dados de base, cuja interpretação e julgamento não são evidentes para quem está por fora. Portanto os estudos deveriam ser apresentados na sua totalidade, incluindo todas as hipóteses de base e as razões porque foram tomadas. Mas mesmo isso é insuficiente.

Igualmente relevante seria a questão do investimento privado. Manuel Pinho afirmou que o novo aeroporto é financiado "quase exclusivamente pelo sector privado". Se isso for verdade, tal indica que, do ponto de vista financeiro, o projecto é viável na óptica do privado. Os privados não se convencem com facilidade e só se metem em projectos cuja avaliação acompanharam, ou sobre os quais fizeram uma avaliação paralela. Resta agora saber qual é a óptica do privado: inclui apenas o projecto da Ota, ou haverá contrapartidas algures? Ou pondo a questão em termos económicos: haverá externalidades positivas para os investidores privados?

Importa saber se o novo aeroporto é financiado "quase exclusivamente pelo sector privado" e se o sector privado apenas recolhe os cash-flows gerados pelo próprio projecto, excluindo quaisquer contrapartidas externas, sob qualquer forma.

Resta ainda a questão da análise custo-benefício. O novo aeroporto terá externalidades negativas? Quais os reflexos da mudança do aeroporto para a Ota na conta de exploração da TAP e de outros operadores aéreos portugueses? Qual o prejuízo dessa mudança para os utentes, admitindo que é possível quantificá-lo? Quais os custos do desmantelamento do Aeroporto da Portela? Neste último caso estes custos poderão ser absorvidos por uma eventual operação imobiliária a desenvolver naquele terreno. E uma última questão: quais os custos da substituição do Aeroporto da Ota (financeiros e sociais) no término da sua vida útil?

São estas as questões que exigem respostas dos ministros, devidamente documentadas: É verdade que o novo aeroporto é financiado "quase exclusivamente pelo sector privado"? E, se for verdade, será que os réditos dos investidores privados virão exclusivamente deste projecto? Será que o Estado não dará quaisquer contrapartidas que influenciem, directa ou indirectamente, os cash-flows dos privados?

É tão importante saber qual a relação dos privados com o novo aeroporto, e em que condições se estabelece essa relação, como a leitura das peças dos estudos de viabilidade de tráfego, financeira e económica, mesmo admitindo aquelas que sejam fornecidas na totalidade.

Publicado por Joana às 11:29 PM | Comentários (51) | TrackBack

agosto 01, 2005

A Fase Absurda dos Projectos

O ministro das Obras Públicas afirmou, sábado passado, aquando da inauguração da linha para a Maia, que travará a construção de novas linhas ... até que fique solucionada a sustentabilidade económico-financeira do projecto, que acusa de já ter gasto o triplo das verbas inicialmente previstas e garantiu que "há desenvolvimentos deste projecto já executados que não têm suporte financeiro. O Governo anterior não o assegurou, o que cria uma situação difícil ... ". Estas afirmações do ministro exemplificam o que ele entende por ir reavaliando um projecto, à medida que ele é executado.

Portugal arrisca-se a ficar com uma linha TGV Évora-Badajoz ou Lisboa-Vendas Novas se aquele conceito inovador que Mário Lino introduziu há dias, na Análise de Viabilidade de Projectos, for levado às suas últimas consequências. Ou gastarmos mil milhões de euros em estudos diversos (geologia e geotecnia, drenagens, estabelecimento de perfis, etc.) para a OTA e TGV e depois abandonarmos os projectos. Já temos na nossa história recente a malfadada Modernização da Linha do Norte, onde se gastaram muitas centenas de milhões de euros, num projecto mal concebido e pessimamente executado que, num país civilizado, teria conduzido à cadeia todos os técnicos superiores da CP envolvidos nesse projecto, mais os diversos ministros das Obras Públicas e respectivos secretários de Estado e assessores ministeriais entre 1990 e 1999.

No meio da polémica provocada pela despropositada (pela altura e local onde foi produzida, pois não sei se há, ou não, derrapagens graves de custos) afirmação do ministro, houve uma série de comentários da autoria de individualidades com peso neste projecto que são paradoxais e exemplares quanto ao estado em que o país se encontra.

Valentim Loureiro admitiu que os custos tenham triplicado (passou de 800 milhões para 2,4 mil milhões), como afirmou o ministro, mas frisou que o projecto inicial "era muito mais pequeno", um dado que disse ter sido omitido pelo ministro. Em primeiro lugar duvido que o projecto fosse 3 vezes mais pequeno (ou mais, porque ele ainda não está concluído). Em segundo lugar, uma das regras de um projecto é pensar bem nas coisas antes de tomar uma decisão e não ir fazendo acrescentos à medida que o projecto vai avançando. Modificações ao longo de uma obra saldam-se sempre por desastres financeiros para o Dono da Obra.

Valentim Loureiro disse que o metro "não é a Casa da Música", que quintuplicou custos sem aumentar a obra. Será. Mas é também um péssimo exemplo de como não se deve abordar um projecto, e a ligeireza com que o Major dissertou sobre a teoria dos projectos a la carte é inquietante como postura de um gestor (do Metro do Porto) e de um autarca.

Rui Rio, tomando uma postura bairrista, que não era habitual nele, fez o contraponto entre o pretenso rigor do ministro no caso do Metro do Porto e a leviandade com que avança para o “Novo Aeroporto de Lisboa”. Ora que eu saiba, não há nenhum “Novo Aeroporto de Lisboa”. O que está em equação é o fim do “Aeroporto de Lisboa” e a construção do Aeroporto da Ota.

Mas o Aeroporto da Ota é, segundo um eminente pensador do PS (Vital Moreira), um aeroporto nacional. Aliás, por isso é que se aproximou do centro geográfico do país. Não tem nada a ver com Lisboa e só vai prejudicar os actuais (e potenciais) utentes do Aeroporto da Portela. Provavelmente dever-se-ia situar um pouco mais ao norte, entre Tomar e Abrantes, no verdadeiro centro geográfico do país.

Mas nem tudo é mau. A nova linha TGV Lisboa-Porto poderá vir a ser viabilizada pelo Aeroporto da Ota: todos os utentes das viagens aéreas Lisboa-Porto passarão a utilizar o comboio. Aliás, nem será preciso o TGV – o próprio serviço Alfa, apesar da sua má qualidade, servirá melhor o utente que a tormentosa viagem Lisboa-Ota-Porto.

Provavelmente foi neste efeito que Manuel Pinho pensou quando referiu o nº 8 como multiplicador nos projectos de transportes – Fazer o projecto da Ota vai multiplicar por 8 a procura do Alfa. Terá outros efeitos colaterais, mas o ministro não pode pensar simultaneamente em todas as hipóteses (ele é apenas um ministro, não um Grande Mestre do xadrez) – a diminuição de clientela na TAP e outras companhias portuguesas que actualmente usam a Portela e a existência de um magnífico aeroporto, em Terras do Nunca, tranquilo, sem o bulício inconveniente e stressante dos Frankfurts e Amsterdões. Um aeroporto para repouso eterno dos nossos muitos milhares de milhões de euros.

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julho 21, 2005

A Fase Infantil dos Projectos

É da regra na programação de projectos que haja diversas fases: 1) Definição dos objectivos; 2) Inventariação das diversas variantes (uma delas é não fazer nada) tendo em conta a dimensão (baseada em estudos de procura), a localização, as alternativas, etc.; 3) Comparação das diferentes variantes, baseada em estudos de viabilidade económica e financeira; 4) Tomada de decisão; 5)Processo de Concurso e adjudicação; 6) Projecto de Execução (admitindo um concurso de concepção-construção, senão terá que haver outro concurso para a construção após o Projecto de Execução) permanentemente validado para que não apareçam soluções que contrariem os pressupostos dos estudos de viabilidade económica e financeira; 7) Execução (fase de construção baseada num planeamento aprovado, com fiscalização independente e um sistema de Controlo de Custos eficiente); 8) Arranque. Este é o modelo adulto de faseamento dos projectos.

As crianças, no universo sincrético em que se movem, têm um comportamento diferente. Como não conseguem planear a prazo, cada acção que fazem é validada no acto, embora frequentemente sejam necessárias sucessivas acções desastrosas para se convencerem da sua inviabilidade. Dá-se um carrinho a uma criança. Ela usa-o como martelo, batendo com ele no chão até o reduzir a peças soltas. Ao fim de alguns carrinhos e muitas reprimendas, a criança viabiliza o carrinho, isto é, passa a arrastá-lo pelo chão fazendo brruuum! Irá então passar a uma segunda fase do seu projecto. Esta destruição é criativa (desde que se tenha cuidado de comprar os carrinhos nos chineses) pois a criança aprende em cada fase a viabilizar a sua relação com o mundo.

Mário Lino produziu anteontem uma afirmação surpreendente: "Cada um dos projectos será depois avaliado à medida que for sendo implementado", considerando que essa é a “atitude normal neste tipo de obras” (!???). 25 mil milhões de euros, fora o que virá a seguir (pois a maior parte dos custos do TGV e da OTA ainda não está incluída naquele orçamento) não são carrinhos que se compram em lojas de chineses à razão de 1€ cada. O custo relativo a cada uma das fases de um empreendimento é o que se designa por “custo afundado” ou seja, por um custo que já não é possível ressarcir se se verificar que se cometeu um erro. Mário Lino propõe-se, tranquilamente, afundar custos que saem da algibeira dos contribuintes e oneram o sector produtivo português. Mário Lino propõe-se, tranquilamente, afundar o país!

A avaliação tem que ser prévia. É óbvio que à medida que um projecto for avançando e houver medidas correctivas, estas terão que ser avaliadas. Mas isso faz-se para as manter dentro do enquadramento definido inicialmente e, porventura, recusar alterações que comprometam os resultados determinados inicialmente.

Ir avaliando um projecto à medida que se executa é um suicídio a prazo e irreversível. É o modelo infantil de programação (?) de projectos. É andar a martelar com milhares de milhões de euros no chão até os desfazer e depois choramingar «mã! ... que’o mais … mã! Buáááá! que’o out’o pacote de mil milhões de euros! Buáááá!

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julho 18, 2005

Eolo Agora, Pluto Depois

Ou as SCUTs emergindo dos Ventos, anos depois

Uma das regras basilares de um concurso, público ou não, é os critérios de avaliação das propostas deverem ser simples, claros e não permitirem ambiguidades. Caso contrário a avaliação será interminável e subjectiva, a probabilidade da decisão ser contestada judicialmente, e o assunto arrastar-se nos tribunais, será elevada e, após a adjudicação, o cumprimento do clausulado contratual prestar-se a interpretações contraditórias que só prejudicam o Estado, cujo staff jurídico é sempre muito menos capaz do que o do adjudicatário.

Vai ser lançado um concurso público internacional no final deste mês, segundo anunciou hoje o secretário de Estado da Indústria e Inovação, Castro Guerra, para atribuição de uma potência de 1.700 MW em energia eólica. Segundo o anúncio, os critérios de avaliação com maior peso são: a criação do «cluster» industrial, que vale 45 pontos na avaliação total; a tarifa terá uma ponderação de 20 pontos; a gestão técnica terá uma ponderação de 25 pontos e o fundo de inovação terá um peso de 10 pontos. A proposta ideal para o júri do concurso para a atribuição de energia eólica deverá contemplar um desconto de 5% na tarifa!

A tarifa de uma central eólica, pelo menos nos primeiros anos, é subsidiada para competir com a energia produzida pelos métodos clássicos: hídrica, combustível fóssil ou nuclear. Os concorrentes irão determinar a tarifa que equilibre os seus fluxos financeiros durante a vida útil do projecto e permita um dado retorno. Como custos irão incluir a criação do «cluster» industrial, a contribuição de 35 milhões de euros para um fundo de inovação, a componente de gestão técnica que privilegie o armazenamento de energia e a coordenação com outras fontes alternativas (que deveria ser matéria da Rede Eléctrica Nacional), a tarifa de equilíbrio será determinada de forma a compensar esses custos. Depois de determinada a tarifa de equilíbrio, irão dividi-la por 0,95, para fazerem a seguir um desconto de 5% ao Estado português.

Depois de adjudicado, o Estado irá pagar ao vencedor o subsídio do diferencial de custo entre a energia eólica e a energia tradicional, mais toda a tralha com que sobrecarregou e ensarilhou o concurso público. Irá pagar ainda mais um diferencial. Uma proposta para concurso deste tipo custará muitas centenas, senão milhões de euros. Não é de excluir que, vista a complicação da avaliação, a fase de apreciação seja longa, haja contestações judiciais e mesmo anulação do concurso (o que é vulgar no nosso país). Os concorrentes irão internalizar esse risco. Quando o clausulado é ambíguo, o risco associado a ele também é internalizado pelo concorrente. Os investimentos iniciais são avultados (parte para o bolso do Estado) e as entidades financiadoras associadas aos consórcios concorrentes são exímias em calcular prémios de risco. Tudo isso se irá somar à tarifa e ao subsídio que o Estado irá pagar ao adjudicatário.

Aliás, o valor da tarifa é despiciendo (durante o concurso …) pois o seu peso na avaliação é apenas 20%.

Portanto, o Governo vai fazer um investimento de 35 milhões de euros no fundo de inovação mais um investimento na “criação do «cluster» industrial”, a serem pagos em OE futuros, ou seja, o mesmo que Guterres fez com as SCUTs (embora o valor em causa seja menor).

Começamos por aproveitar a força de Eolo e caímos depois na maldição de Pluto. Só com uma diferença: Pluto distribuia aquilo que tinha, visto ter por trás dele uma poderosa entidade financiadora (o Olimpo); o Governo vai distribuir o que não tem.

Publicado por Joana às 08:05 PM | Comentários (31) | TrackBack

julho 15, 2005

Santa Engrácia

Santa Engrácia tornou-se um ícone de Portugal, da sua capacidade de decisão, da sua pertinácia no cumprimento de planeamentos, do seu rigor no controlo de custos e da paciência dos cidadãos em esperar longamente. O principal talento dos nossos decisores é encontrarem os argumentos adequados para não tomarem uma decisão ou para a protelarem. Uma das razões é evidente: Têm sido crucificados gestores, autarcas ou governantes por tomarem a decisão de fazer qualquer coisa, nunca por não a tomarem.

Vou sumariar, com uma ou outra adenda, um artigo de opinião, de Nuno Ribeiro da Silva, publicado hoje no Jornal de Negócios e que passa a escrita, uma entrevista transmitida há dias na TêVê.

1 – Um Instituto Público enganou-se na transposição de uma Directiva de Bruxelas. Teve de refazer o trabalho. Ao fim de 10 anos (!) tinha, enfim, a Directiva correctamente transposta. Mas, essa Directiva havia sido revogada e substituída por outra, sete meses antes?

2 – Em 1996 é criada a empresa Metro do Mondego. São nomeados Administradores, há sede digna, carros, telemóveis, etc. O objectivo imediato é preparar e lançar o concurso. Em Fevereiro de 2005 o concurso é lançado, 9 (nove) anos depois? Durou três meses! Foi suspenso para novos estudos.

3 – O segundo concurso de concepção e construção da IC16 / IC30 (nova via de acesso da zona Oeste de Lisboa, descongestionadora do IC19) chegou à fase definitiva após muitos, muitos e muitos anos. Finalmente a short list de dois finalistas é publicada. Aguardam há 15 (quinze) meses por serem chamados para negociação final.

4 – O IC11, pequeno eixo rodoviário, alertou os dois finalistas para prepararem a sua melhor oferta (best and final offer). Foi nos idos de Dezembro de 2002. O telefonema continua por chegar.

5 – A CRIL de Lisboa, há 12 anos que não mexe. Dezenas de milhares de veículos, centenas de milhares de horas, milhares de litros de gasolina e gasóleo, toneladas de poluentes, são desperdiçados diariamente só no «nó», virtual, de Pina Manique. Escassas centenas de metros, em túnel (?), traçado A (?), traçado B (?)? doze anos a pensar.

6 – As Parcerias-Público-Privados (PPP) foram a opção para construir alguns hospitais. Os espanhóis vieram cá aprender como desenvolvemos ideia tão criativa. Concorreram quatro grupos, cada um gastando mais de dois milhões de euros na proposta, zelosamente preparados por equipas entusiastas. No todo gastaram cerca de 10 milhões de euros, dois milhões de contos. Dos quatro candidatos passar-se-ia à escolha de dois finalistas. Entretanto, já todos conhecem as propostas uns dos outros. O concurso foi suspenso e, embora não exista novo concurso, os concorrentes são convidados a reformularem as suas propostas. Repito, já todos conhecem as propostas dos concorrentes? Já agora, os espanhóis aprenderam a lição que lhes demos: só na Comunidade de Madrid já adjudicaram 8 (oito)!.

7 – Nos lixos, o tratamento de resíduos perigosos teve, finalmente, uma decisão em 1991. Estarreja iria receber uma incineradora. Decidiu-se não avançar. Cavaco decidira antes mas Guterres revogou a decisão e 4 anos depois tomou outra. Caiu sem a levar à prática. Barroso revogou a decisão e tomou outra. Caiu sem a levar à prática. Sócrates revogou a decisão. Incinera-se? Co-incinera-se? Exporta-se? Após 14 (catorze) anos uma certeza: despeja-se.

8 – A holding do Estado dos resíduos poderá ser privatizada na totalidade. Quiçá, apenas parcialmente. Ou será melhor mantê-la pública? Estuda-se o assunto e colhem-se pareceres de reputados consultores internacionais? Há uma dúzia de anos.

9 – Nas águas, a holding pública Águas de Portugal (AdP) devia ser privatizada pelo Governo Barroso. O Ministro da tutela não tinha dúvidas. Encomendaram-se estudos a dois grupos de trabalho. Um terceiro estava anunciado. Até se pagaram milhões pelos estudos. Mas, o Ministro hesitou nas intenções iniciais: «só burro não aprende», disse. Mesmo Governo, novo Ministro. Reestudou o assunto e elaborou oito cenários? O Conselho de Ministros escolheu bem. O Ministro foi demitido. Mesmo Governo, novo Ministro. Ia avançar. Caiu o Governo, agora, todo. Novo Ministro, mesma coligação. Até era mais liberal. Reestudou o dossier. Hesitou e? caíu, sem saber, sem se saber o que queria.

Aguardam-se novos desenvolvimentos. Entretanto, o Pais está em incumprimento das Directivas Europeias sobre a água e tem dois mil milhões de euros de fundos comunitários para utilizar.

10 – Em 2001 ia sair um concurso para atribuir novas licenças para energia eólica que promoveriam novas indústrias e serviços ligados ao sector. Elaboram-se dois concursos. Os responsáveis políticos anunciaram-nos. Não avançaram. Na próxima 2ª feira há mais?

11 – A Barragem de Odelouca está para ser lançada há 9 anos. O anúncio do concurso para a sua construção tem sido feito periodicamente. Só agora com a seca se tornou premente. Premente? É o que veremos.

12 – A floresta do Guincho ardeu há 4 anos. Foi dito que ia ser imediatamente limpa e repovoada. Aconteceu alguma coisa?.

Este é o país que temos. Mesmo obras que estão praticamente prontas, ficam paradas, como o Túnel de Ceuta.

A nossa administração especializou-se em anunciar concursos, em adiar concursos, em suspender concursos, em impugnar concursos, em reestudar os processos de concurso. Especializou-se em empatar obras, com ideias inovadoras a meio delas, justamente a pior altura em termos de custos.

Isto é apenas uma síntese. Espalhados pelo país deverá haver centenas de casos destes. É só olhar à volta.

Publicado por Joana às 08:19 PM | Comentários (48) | TrackBack

julho 05, 2005

Plano Faraónico ou Virtual?

Ou algo de intermédio?

O Governo apresentou hoje um Plano de Investimentos em infra-estruturas prioritárias, cujos contornos no que toca às estruturas de financiamentos, às calendarizações e mesmo aos conteúdos, é pouco preciso. Na quase totalidade dos casos retoma projectos que têm estado na gaveta e que ficaram parados pela crise financeira ou por outras razões, todas elas ligadas à inoperância do Estado ou de empresas tuteladas pelo Estado.

O caso das Centrais Eólicas é um deles. Depois de uma primeira fase em que não avançavam pelo facto do país ter sido quase todo “classificado” – REN, Rede Natura, Biótipo Corine, etc. – e os estudos de impacte ambiental chumbarem obviamente todos os projectos, procedeu-se à desclassificação dessas áreas. A seguir foi a “má vontade” da EDP, empresa monopolista, de “tutela estatal” e avessa a grandes rasgos, que demorava a fornecer, ou não fornecia mesmo, pontos de ligação dos parques eólicos à rede eléctrica. A quantidade de pedidos de licenciamento que ficaram parados é astronómica. Aliás, muitos deles não passaram de pedidos feitos para “marcar lugar”, o que pode levantar agora algumas dificuldades no sentido de separar “o trigo do joio”.

Esta conjugação de empecilhos atrasou imenso a instalação destas centrais. Haverá uma vantagem: a técnica dos aerogeradores evoluiu e têm potências unitárias cada vez maiores (com correspondente aumento do diâmetro das pás e altura dos postes) o que permite aumentar a potência do parque por área de implantação no solo.

É claramente um investimento que atrairá os privados, mas que comporta custos para o país, pois enquanto vigorar o “preço verde”, a diferença entre este preço e o preço real será subsidiada pelo Estado. Tem todavia efeitos muito positivos nas nossas contas com o exterior, pois substitui-se ao crude importado

O governo afirma que tem como objectivo a criação de um "cluster" industrial de equipamentos. Os aerogeradores representam, grosso modo, 70% do custo de uma unidade eólica. Os restantes serão os postes (que já se fabricam em Portugal), os equipamentos eléctricos, cabos e linhas (parcialmente de origem portuguesa), os maciços, vedações, etc.. Não sei se quando o Governo fala de "cluster" industrial se refere aos aerogeradores. Ora o fabrico de aerogeradores é uma tecnologia de ponta. Por exemplo, os aerogeradores de fabrico espanhol têm (ou pelo menos tinham há dois anos) uma potência unitária inferior aos aerogeradores de fabrico alemão ou sueco (ABB), mais avançados. Esperemos para ver o que é que o governo pretende dizer com a criação de um "cluster" industrial nesta área.

Em qualquer dos casos é importante que este Governo consiga desbloquear os entraves colocados durante o Governo de Guterres e mantidos obstinadamente durante os dois Governos seguintes.

No que respeita ao Aeroporto da Ota, considero-o um disparate. Seria um disparate mesmo que as finanças estivessem saneadas. O mesmo não digo do TGV. No TGV, é prioritária a ligação de Lisboa ao centro da Europa e a construção de um ramal até Sines, com a mesma bitola, mas não com o mesmo rigor de uma linha de AV. Sines tem condições para ser uma importante plataforma de tráfego de mercadorias, evitando que navios de grande porte demandem os portos do norte da Europa, que estão bastante congestionados. A linha Lisboa-Porto seria cara, não só por ser uma linha de AV, como pelas avultadas indemnizações a pagar pela expropriação de terrenos, pois parece-me um disparate utilizar o mesmo traçado, (total ou parcialmente) da actual Linha do Norte. Portanto não me parece prioritária no estado actual das finanças públicas.

No que respeita aos projectos na área ambiental, basta ao Governo despachar as candidaturas que estão paradas há anos no Ministério do Ambiente. As causas dessas paragens são múltiplas – chantagem aos sistemas municipais, no tempo de Sócrates, para se colocarem sob a tutela da AdP, absoluta incompetência de Theias, diversas mudanças governativas, etc..

Quanto ao financiamento, o Governo assegura que a parcela pública será 30% a retirar do Orçamento de Estado, mas adianta que os operadores públicos entrarão com 16%, o que pode vir a ter incidência no OE. Quanto às parcerias público privadas elas são, em teoria, uma boa solução, o que não implica que o sejam necessariamente na prática (não por culpa dos parceiros privados, mas por desleixo do Estado). Em primeiro lugar há que saber quem paga a renda da concessão. Se for o Estado, teremos o mesmo problema das SCUTs. No caso dos projectos ambientais, serão os utentes a pagar as tarifas na maioria dos casos; no caso das eólicas haverá um subsídio estatal ao preço enquanto vigorar o regime do “preço verde”.

Entre os “grandes projectos” não há, portanto, nenhuma novidade – estavam todos na gaveta (a Banda Larga representa apenas 4% do total). Bem … há uma novidade – o Parque Fotovoltaico de Amareleja. A novidade consistiu precisamente em que … ninguém falou dele.

Perez Metelo, no noticiário de hoje da TVI, estava entusiasmado com o facto do Governo ir «promover uma nova cultura de investimento público», marcada por uma lógica de «concepção mais preocupada com a sua sustentabilidade futura» refinando os métodos de avaliação e «articular a óptica da oferta com uma visão mais orientada para a procura».

São afirmações destas que nos fazem lembrar que, afinal, vivemos num país sub-desenvolvido. Em que projectos terá andado metido Perez Metelo que nunca deu que fosse necessária uma lógica de «sustentabilidade futura» e uma articulação «da oferta com … a procura»? No sector privado não foi certamente, porque se o fosse, estaria agora no desemprego, endividado até ao pescoço.

Quanto às derrapagens de custos, elas não têm a ver com os estudos de viabilidade económica e com a programação, mas sim com o rigor dos projectos de execução, com processos de concurso estanques, com contratos com as necessárias salvaguardas, com fiscalizações independentes executadas por empresas de qualidade e com a inexistência de alterações ao longo da obra. Portanto, Perez Metelo precipitou-se ao ficar extasiado com as frases sobre a «nova cultura de investimento público», pois a procissão ainda nem ao adro chegou. Ainda está na homilia.

Esperemos para ver. O facto da quase totalidade dos projectos anunciados já terem sido anunciados diversas vezes, não é em si um mal. Pode ser que desta vez acertem. Alguma vez teria que ser. Dizer que desta vez vai haver uma cultura de rigor é simples: basta articular adequadamente o sistema gutural-labial-dental-palatal e fazer passar o ar por esse sistema. Depois se verá. Pode ser que desta vez acertem. E se não acertarem, só ao fim de alguns anos, com outro Governo, se descobre um buraco enorme que ninguém consegue explicar como aconteceu.

Nota: Por falar em buracos orçamentais, apresento seguidamente um gráfico com o défice português entre 1987 e 2006 (2005 e 2006 são estimativas) e, em simultâneo, o défice ajustado pelo ciclo económico. Este gráfico tem interesse porque mostra que o défice nominal foi sempre inferior ao défice ajustado durante toda a governação de Guterres. Aliás, desde o início do processo de adesão ao euro, só mesmo durante o período guterrista é que tal aconteceu. Estes números da OCDE provam muito do que escrevi neste blogue sobre esta matéria: A conjuntura económica e financeira mascarou o despesismo guterrista. E nestes números não estão incluídas algumas operações de protelamento dos débitos, como o caso das SCUTs.

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maio 17, 2005

Poeira ou Descontrolo?

As notícias que têm vindo a público na sequência do fim do “Estado de Silêncio” do governo têm demasiada poeira para se conseguir triar o que é fantasia jornalística, descontrolo governativo ou rábula para “tomar” o pulso ao enfermo e deduzir que tipo de remédio este está mais disposto a aceitar. Como não estou nos meandros jornalísticos e/ou governativos vou cingir-me aos factos principais: SCUT, Bombardier e impostos.

1 – A questão das SCUT: Como eu escrevi aqui em 18-09-04, As SCUT’s foram talvez a herança mais pesada deixada pelo governo socialista. A partir de 2006, inclusive, o Estado português vai pagar uma anuidade superior a 600 milhões de euros relativa às SCUT’s da Beira Interior (152 m€), da Beira Alta/Litoral (160 m€), do Interior Norte (109 m€), da Costa da Prata (84 m€), do Litoral Norte (53 m€) e do Algarve (44 m€). A partir de 2011, inclusive e durante os dez anos seguintes, aqueles valores aumentam entre 10% e 20% descendo a partir de 2021 e extinguindo-se a partir de 2032. Estes montantes não incluem os custos relativos a expropriações, indemnizações diversas e compensações derivadas de exigências ambientais. Os valores efectivos serão, certamente, mais 15% a 20% do que os que indiquei, se não mais.

Todavia, como eu então escrevi, não era pacífica a introdução de portagens depois do negócio feito. E isto por várias razões:

a) Custos adicionais – a introdução de praças de portagem é muito onerosa (cerca de 15%, ou mais, do custo total da A/E). As portagens electrónicas são muito mais baratas, mas obrigam a que todos os carros tenham dispositivo adequado. E adicionalmente há os custos de exploração, facturação, etc.
b) Diminuição de receitas – a introdução de portagens faz diminuir o tráfego pois muitos utentes utilizarão percursos alternativos.
c) Custos da alteração contratual – o contrato inicial foi negociado em mercado concorrencial e escolhido, presumo, o concorrente que apresentou a melhor proposta. Todas as alterações contratuais posteriores são entre o Estado e uma entidade que passou a deter uma posição de monopólio. Essa entidade irá proceder a novos estudos de tráfego para reavaliar a situação com a introdução de portagens e adicionará certamente, para além das receitas perdidas pela diminuição da procura, uma margem de risco para cobrir as vicissitudes futuras. Será uma negociação onde o Estado é o parceiro mais frágil.

Na altura, o meu parecer era de que as SCUT do interior (que representam 70% do custo total) não tinham qualquer viabilidade de mudarem de estatuto contratual. Se fossem introduzidas portagens, provavelmente ainda custariam mais ao Estado do que actualmente.
Restam as SCUT do litoral. Todavia elas representam menos de um terço do custo total a suportar pelo erário público. E no caso da Via do Infante (7% do custo total!!) há uma situação injusta e caricata, pois a maior parte da via foi construída há 12 anos sem portagens. Após mais de 12 anos introduzir portagens é uma decisão que poderá ser considerada politicamente repugnante.

2 – A questão da Bombardier: esta questão ganhou uma dimensão nacional, e emocionou jornalistas e políticos, porque nós vivemos num país com um know-how industrial mais próximo do 3º mundo que da Europa, e a ex-Sorefame era uma das “jóias da Coroa” nesse domínio. Em França e na Alemanha tem havido deslocalizações de fábricas com know-how muito mais avançado e não se tem gerado a emoção que despertou em Portugal.

Sempre desconfiei da solução CP. Entregar uma empresa em dificuldades a outra empresa que vive da caridade (forçada) dos contribuintes, conduziria fatalmente a serem os contribuintes a pagarem a factura pretensamente “nacionalista”.

Soube-se hoje que as negociações entre a CP e a Bombardier se goraram e que a secretária de Estado dos Transportes retaliou, anunciando a expropriação de cerca de metade das instalações. Esta solução só tem uma virtude: a exaltação e o fervor nacionalistas – o que está em Portugal é dos portugueses ... entre as brumas da memória, ó Pátria sente-se a voz dos teus egrégios avós da Ana Paula Vitorino!

Esta “solução” pode revelar-se a longo prazo muito negativa. O Estado pode expropriar um bem, mas a seguir vem a parte litigiosa e são os tribunais que fixam o valor do bem expropriado. E podemos todos vir a pagar, como bom, um bem que terá um valor venal mais reduzido. Não consigo perceber a lógica desta solução. A única coisa que a Bombardier não pode deslocalizar é, justamente, o terreno e as construções. O Estado e a CM Amadora podem sempre arranjar instrumentos legais para impedirem uma operação imobiliária. Sem expropriação, aquele terreno seria um peso morto para a Bombardier; com a expropriação passa a ter o valor que os tribunais determinarem, imediatamente exigível pela Bombardier. É certo que o Estado fica imediatamente na posse de parte do imóvel. Mas é um imóvel vazio, visto a Bombardier poder levar todos os equipamentos.

Esta “solução” tem outro inconveniente que poderá revelar-se mais grave. Portugal precisa de investimentos estrangeiros e para tal terá que dar a imagem de um clima económico, político e social atractivo. Não me parece que esta medida seja positiva quanto a essa imagem.

Ou seja, uma “solução” inútil, do ponto de vista do emprego, prejudicial, do ponto de vista financeiro, e nociva, do ponto de vista da economia do país. Em resumo: precipitada.

3) A questão dos impostos: Como regra geral, combater um défice gerado pelo excesso de despesa com um aumento de impostos é injusto e perverso. E a perversidade é desincentivar o governo de proceder aos cortes orçamentais, para evitar confrontos com os sindicatos da função pública, e fazer recair o ónus da sua má gestão sobre os contribuintes. Infelizmente, não faz recair apenas sobre os contribuintes pois, indirectamente age como desincentivo à actividade económica, gera mais desemprego, menos receitas fiscais e a continuação da espiral de aumento dos impostos diminuição da actividade económica aumento do desemprego aumento do défice aumento dos impostos ...

Os impostos têm outro efeito perverso: o de abrandar a actividade económica. Na actual situação de recessão económica, um aumento dos impostos directos (IRS e IRC) teria um efeito muito nefasto. Elevadas taxas marginais do IRS desmotivam o interesse pelo aumento dos ganhos e travam o investimento; taxas elevadas do IRC fazem com que os recursos (neste caso o factor capital) se desloquem para outras paragens.

Numa situação como a que vivemos, a solução é aumentar os impostos indirectos, pois são mais fáceis de cobrar e produzem receitas imediatas. Têm todavia efeitos negativos na actividade económica e no nível de emprego, embora muito menores que no caso dos directos. O IVA, aumentando os preços, acarreta uma diminuição da procura, variável conforme a elasticidade da procura do bem, o que tem um efeito negativo do ponto de vista do volume de negócios. Como uma parte substancial do consumo é de bens importados e estes bens têm em média uma procura mais elástica, um aumento do IVA pode ter, em contrapartida, um efeito positivo na nossa balança de transacções com o exterior.

O imposto sobre o tabaco tem um efeito positivo do ponto de vista da saúde pública, mas terá que se ter em conta que um aumento do preço do tabaco provoca aumento do contrabando, pois torna esta “actividade” mais atractiva face aos “custos criminais”.

O imposto sobre os combustíveis tem efeitos indirectos nos preços dos produtos pelo aumento do custo dos transportes, mas como o combustível é todo importado, a diminuição do consumo terá um efeito favorável na balança de transacções com o exterior. Todavia um aumento significativo do preço levará mais portugueses a encherem os depósitos em Espanha e a “liquidarem” lá o imposto.

Provavelmente o que acontecerá será uma aumento dos impostos indirectos, o adiamento dos investimentos públicos e o adiamento, mais alguns anos, da reforma da administração pública, a besta negra dos governos. Farisaicamente, João Proença, o secretário-geral da UGT, admitiu ontem discutir um eventual aumento de impostos com o Governo (mas nunca a diminuição dos efectivos da função pública) ... e acrescentou: É fundamental que as preocupações e que os compromissos eleitorais do Partido Socialista e do Governo se mantenham, nomeadamente que a prioridade seja dada ao crescimento económico e ao emprego". Ora, como vimos, com aumento de impostos não se consegue “crescimento económico e do emprego". Aquelas afirmações são uma contradição nos termos.

O problema é que os únicos sindicatos que restam às centrais são os da função pública e dos transportes (alguns). No sector privado os sindicatos deixaram de ter expressão. Os dirigentes sindicais também vivem à custa do peso do sector público. E esse “peso” é-lhes precioso.

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outubro 15, 2004

O Desastre de Cravinho

Ou como as SCUTs, mesmo virtuais, podem produzir desastres aparatosos.

O debate mensal, quinta-feira passada, na Assembleia da República, foram as forcas caudinas de Cravinho, sob as quais passou, repassou e trespassou, sem honra nem atenuantes, até que António José Seguro pôs termo a tão penosa situação pedindo à mesa o agendamento de uma conferência de líderes, pedido cujo único objectivo era o de pôr ponto final a tanto sofrimento. Quem não assistiu ao visionamento do debate não pode fazer ideia da catástrofe que o mesmo constituiu para João Cravinho.

Estabelecer parcerias público-privadas para construir auto-estradas não é, em si, um erro. Pode ser um óptimo negócio, desde que bem conduzido. Que essas auto-estradas tenham portagens virtuais também não constitui, em si, um erro. Mas foi um enorme erro não se ter visto a sua exequibilidade face a um planeamento financeiro a longo prazo e o ter-se utilizadas as receitas fiscais geradas pelas obras (IVA, IRC das empresas e IRS dos trabalhadores envolvidos) e induzidas por estas no restante tecido económico, para uma política de expansão da despesas pública que, pela sua rigidez, agravou o ónus a ser herdado nos anos futuros. Todavia Cravinho era apenas o «pai» da construção. Certamente que ao ministério das Finanças de então caberão igualmente responsabilidades pela ligeireza com que o seu financiamento futuro foi encarado. Todavia estes não terão sido os maiores erros cometidos em todo este processo.

Quando se contrata uma obra com um empreiteiro, ou um concessionário (que pode incluir, para além do(s) empreiteiro(s), uma entidade financiadora, uma entidade exploradora, etc.) deve ter-se um clausulado seguro, não existirem indefinições sobre o programa e sobre os projectos de construção. Todas as alterações de programa e dos projectos geram custos adicionais aos empreiteiros (na construção propriamente dita e nas imobilizações do estaleiro) e estes sabem fazer-se ressarcir, pesadamente, junto do dono da obra.

Ora as SCUTs, nomeadamente as iniciais (e de custos mais elevados) foram lançadas sem estudos de impacte ambiental (obrigatórios para a obtenção de financiamentos do BEI ou de outras instituições comunitárias), portanto sujeitas a alterações de traçado ao sabor dos resultados dos estudos. Foram lançadas sem as expropriações feitas, o que é um suicídio, porque, em caso de desacordo, a posse administrativa não é pacífica, haverá demoras, custos adicionais, escolhas difíceis entre parar uma obra ou pagar um valor excessivo por um terreno em litígio, etc.. Além do mais este processo foi passado para as mãos das concessionárias, para o resolverem de forma expedita ... mas à custa do erário público. Tudo isto originou um custo exorbitante, tornando o valor médio, por quilómetro, das portagens virtuais muito superior ao das actuais portagens reais, apesar da construção das praças das portagens e a exploração do sistema de cobranças representar um encargo adicional de cerca de 20% face ao custo de construção da auto-estrada sem portagens reais.

Outro constrangimento foi o Estado ter-se comprometido a não fazer vias alternativas ou a efectuar beneficiações nas vias existentes, para além da indispensável manutenção. Relativamente a esta exigência das concessionárias, deve dizer-se que é natural que a façam. Elas basearam as suas propostas em estudos de tráfego com a actual configuração das vias. Se a situação for alterada, os cenários dos estudos deixam de ser verdadeiros e existe um risco para as concessionárias. Em qualquer dos casos o Estado em todas estas negociações agiu com uma absoluta irresponsabilidade, não acautelando os interesses públicos, assumindo por sua conta todos os riscos do negócio e mostrando uma total incompetência na condução dos processos. O Estado nem acautelou o cumprimento das obrigações prévias que cabem a qualquer Dono de Obra minimamente responsável, nem acautelou as cláusulas contratuais que o penalizariam por esse incumprimento.

O que eu acabei de escrever é sobretudo válido para as primeiras SCUTs (as mais dispendiosas de longe). Houve depois uma ligeira melhoria na capacidade negocial.

O ex-ministro Cravinho alegou, a certa altura da sua intervenção, que o relatório do BEI certificava que o Estado português tinha capacidade para solver os compromissos. Esta declaração mostra que o Engº Cravinho, ou não percebeu nada do que andou a negociar, ou quer lançar poeira para os olhos. Não sei que parcela foi financiada pelo BEI, mas o que sei é que o BEI precisa que alguém garanta o empréstimo. O relator do processo tem que apresentar à direcção do BEI a indicação de quem garante o empréstimo e quem o garante é, normalmente, o Estado português, quer directamente, quer como avalista. Não interessa ao relator do BEI saber onde o Estado português vai buscar o dinheiro. Basta-lhe saber que o Estado português é uma entidade que solve os seus compromissos dentro do âmbito da UE.

Portanto, todo este acumular de erros, incompetências, negligências, etc., conduziu à situação calamitosa actual

Foi marcada para 13-10 uma audição, na comissão parlamentar de Obras Públicas, sobre as SCUTs. João Cravinho, depois de haver manifestado a sua «total disponibilidade» para ser ouvido no Parlamento sobre aquela matéria, acabou por não estar presente, fazendo as alegações que já referi numa posta anterior. Simultaneamente desdobrava-se em declarações públicas, verbais e escritas, sobre aquela matéria. Todavia aquela audição não correspondia a qualquer julgamento. Destinava-se apenas a confrontar as opiniões de quem tem a paternidade do negócio com quem o quer liquidar.

João Cravinho poderia alegar razões em favor da sua ideia. Ela, em si, é exequível. A questão de não ser financeiramente sustentável decorre mais da política económica e financeira do governo Guterres, que não acautelou o futuro, do que do próprio negócio. Se as receitas geradas pela construção, sem contrapartida de despesas (que foram proteladas vários anos), fossem utilizadas em sanear o orçamento em vez de o serem em empolar a despesa pública corrente de forma irreversível, talvez a situação orçamental do Estado permitisse solver actualmente aquele compromisso.

Há algo que ele todavia não pode negar: foi o processo atrabiliário e irresponsável como decorreram os processos de concurso e que encareceram drasticamente os valores a pagar. E isso preocupa-o sobremaneira. Tanto assim que declarou que apenas tinha assinado o contrato relativo à primeira, tendo os contratos das três seguintes sido assinados por Jorge Coelho, os dois posteriores da responsabilidade de Ferro Rodrigues, e o último (que aliás apenas representa 7,5% do compromisso total) assinado por Valente de Oliveira, no início da presente legislatura.

As datas de assinatura dos contratos têm uma importância relativa. Os processos de concurso desenvolvem-se de forma complexa, há decisões intermédias tituladas por correspondência, há a chamada “intenção de adjudicação”, que tem efeito legal, e a assinatura do contrato é um acto formal, indispensável, mas que consubstancia um compromisso já assumido. Certamente que Cravinho é igualmente responsável pelas negociações de algumas das SCUTs que se seguiram à da Beira Interior, embora admita que haja partilha com os ministros que se lhe seguiram. Não sei em que circunstâncias Valente de Oliveira assinou o último contrato. Provavelmente o estado em que as negociações estavam não lhe permitia outra alternativa. Não deixa todavia de ser caricato.

Ontem, no debate mensal, Cravinho avocou o tema das SCUTs na interpelação ao PM. Se não houvesse contraditório talvez Cravinho tivesse ficado satisfeito com a sua prestação. Porém ontem Santana estava imparável. Começou por ler o resumo das conclusões da auditoria do Tribunal de Conta, que são absolutamente demolidoras para os responsáveis pelo negócio, e depois foi por aí fora arrasando completamente as alegações de Cravinho.

A seguir coube a vez do deputado Marco António, do PSD, aproveitar a sua interpelação para criticar a ausência de Cravinho na audição da Comissão Parlamentar das Obras Públicas a propósito das SCUTs. Aí o PS cometeu um novo erro. José Junqueiro saiu em defesa da honra de Cravinho alegando uma série de circunstâncias relativas à tramitação da convocatória que considerava constituírem razões sólidas para justificarem a não comparência. Foi a humilhação definitiva: o presidente daquela comissão, Jorge Neto, fez um resumo, citando peças escritas e contactos telefónicos com Cravinho que desmentiam completamente as afirmações de José Junqueiro.

Enquanto Jorge Neto falava, a câmara focava alternadamente o deputado do PSD e Cravinho. Cravinho estava com o rosto fechado, olhar vazio, sem capacidade de reacção. Nem um músculo se mexeu, nem um gesto ou olhar de protesto foi esboçado enquanto Jorge Neto ia demolindo, peça a peça, facto a facto, as alegações de José Junqueiro. Mal acabou a intervenção de Jorge Neto, António José Seguro fez a intervenção acima citada e Cravinho viu ser posto termo à sua desnecessária humilhação.

Desnecessária porque se Cravinho tem a paternidade de um negócio que deu mau resultado, ele não é o único responsável. Além do que pode encontrar muitas razões para o insucesso, conforme descrevi acima. Ao recusar-se a ir à audição, Cravinho cometeu um erro político, pois além de ser catalogado como o pai das SCUTs passou a ser acusado de «fugir às suas responsabilidades» no processo. A forma como defendeu as SCUTs no debate mostrou que ele ainda não percebeu qual é exactamente o problema (ou então pensa que os outros são estúpidos), o que se prestou à crítica demolidora do PM. Finalmente nunca deveria ter deixado José Junqueiro ter aceitado o repto de Marco António. Teria sido preferível dizer que responderia depois em sede própria e tentar desdramatizar o assunto. Cravinho, pelo acumular de uma série de erros, alguns perfeitamente desnecessários sujeitou-se a uma humilhação que para um homem com os anos que tem de vida política activa e que exerceu tantos cargos de relevo, constitui um tremendo enxovalho.

Nota - sobre este assunto ler igualmente:
Cravinho recusa ser Cícero

Publicado por Joana às 08:58 PM | Comentários (17) | TrackBack

outubro 13, 2004

Cravinho recusa ser Cícero

O deputado socialista João Cravinho recusou-se a comparecer à audição na comissão parlamentar de Obras Públicas alegando que «não é o único responsável dos governos do PS pela implementação das auto-estradas Scut» e que lhe ser "imputada a responsabilidade política de todo o processo das Scut representa uma flagrante violação do princípio da objectividade e não discriminação na atribuição de responsabilidades políticas nos termos da lei".

Em vez disso, escreveu uma carta ao presidente da comissão, dando aquelas explicações para justificar a sua recusa em comparecer, e teceu diversas considerações sobre a bondade das SCUTs. Apesar de estar absolutamente convencido da excelência do negócio, não quis deixar de partilhar esse merecimento com os ministros que se lhe seguiram. Para ele, com a humildade que o caracteriza, apenas reivindicou a paternidade da ideia e a concessão da SCUT da Beira Interior (que aliás representa mais de 25% do custo anual previsto para as SCUTs), e mesma essa de parceria com o então ministro das Finanças, Sousa Franco.

Cravinho leva ainda a sua amabilidade em sugerir à comissão parlamentar que lhe comunicasse "os quesitos precisos correspondentes ao que se pretende saber", afim de poder prestar a sua "colaboração" com o "máximo de rigor”. Por escrito, claro.

Cravinho já tem publicado diversos artigos sobre a excelência daquele negócio. Como teme que os membros da comissão não leiam os jornais com a atenção requerida, ou considere que um negócio tão meritório exige um tratamento mais personalizado, promete escrever mais artigos sobre as SCUTs, mas desta feita dedicados apenas aos membros da comissão parlamentar de Obras Públicas. Certamente que os membros desta comissão ficarão sensibilizados com o anúncio de um tratamento tão personalizado e tirarão daí as devidas consequências.

Mas o que há de interessante em tudo isto é que a comissão se ia reunir para debater as virtudes ou vícios do negócio. Cravinho, que teve a paternidade do negócio, deveria exaltar as suas virtudes e Mexia, que se apresta para acabar com ele, verberar os seus defeitos. Aparentemente Cravinho teve receio de não ter os mesmos méritos e ser tão convincente, em controvérsia verbal, como à sua secretária, enchendo folhas de papel, em elegante cursivo e sem receio de contradita.

Acontece aos melhores. Cícero defendeu Milão da morte de Clódio tão desajeitadamente que Milão foi condenado ao desterro. Depois redigiu Pro Milone e enviou-o a Milão que lhe agradeceu e comentou:«se tivesses dito isto no julgamento não estaria agora, aqui, em Marselha, a comer peixes tão saborosos!». Cravinho, ao não comparecer na comissão, quis evitar uma prestação à Cícero. Achou que era injusto poder ser comparado a tamanho mestre da eloquência ... escrita.

Basta-lhe a glória das SCUTs e das muitas centenas de milhões de euros anuais que elas irão custar no próximo quarto de século, a menos que Mexia encontre um remédio milagroso.

Publicado por Joana às 11:45 PM | Comentários (10) | TrackBack

setembro 18, 2004

A Questão das SCUT’s

Periodicamente, desde Valente de Oliveira, responsáveis políticos afirmam que as SCUT’s vão acabar. Mas nenhuma iniciativa prática foi entretanto tomada: fala-se muito durante algumas semanas e depois ... silêncio. Este assunto voltou nestes últimos dias à baila com afirmações peremptórias sobre o seu fim inexorável. Há uma forte probabilidade de voltar a acontecer o mesmo que anteriormente, e isto porque a questão é muito complexa, não no que respeita às futuras concessões rodoviárias, mas no que se refere às SCUT’s já existentes.

As SCUT’s foram talvez a herança mais pesada deixada pelo governo socialista. A partir de 2006, inclusive, o Estado português vai pagar uma anuidade superior a 600 milhões de euros relativa às SCUT’s da Beira Interior (152 m€), da Beira Alta/Litoral (160 m€), do Interior Norte (109 m€), da Costa da Prata (84 m€), do Litoral Norte (53 m€) e do Algarve (44 m€). A partir de 2011, inclusive e durante os dez anos seguintes, aqueles valores aumentam entre 10% e 20% descendo a partir de 2021 e extinguindo-se a partir de 2032. Estes montantes não incluem os custos relativos a expropriações, indemnizações diversas e compensações derivadas de exigências ambientais. Como o PIDDAC do Ministério das Obras Públicas para este ano é cerca de € 860 milhões, é fácil de avaliar a monstruosidade dos montantes comprometidos.

Todo o processo de lançamento das SCUT’s foi de uma absoluta irresponsabilidade. Era evidente, logo à partida, que a situação calamitosa em termos de pagamentos futuros resultante das concessões rodoviárias em regime SCUT iria condicionar, de forma dramática, as opções de política orçamental e fiscal das próximas décadas. Só não parece ter sido evidente para os governantes de então.

O estabelecimento de parcerias público-privadas (PPP) em Project Finance (PFI) é um negócio que requer muitas cautelas e muita competência. De um lado está o Estado e do outro os concorrentes à concessão, bem municiados em advogados e economistas experientes, agrupados em consórcios que incluem bancos, grandes empreiteiros e entidades exploradoras. Perante este arsenal, o Estado contrapõe técnicos e advogados inexperientes, que são substituídos ao sabor das mudanças dos titulares das pastas (mesmo pertencendo ao mesmo partido), e um enorme desconhecimento dos dossiers.

Naquelas negociações nada foi acautelado:

Não se teve em conta que a necessidade de autorizações ambientais ou a morosidade das expropriações poderiam protelar a consignação das obras e assumiram-se, candidamente, cláusulas ou regimes indemnizatórios em que o Estado estaria sempre penalizado, porquanto o outro outorgante do contrato de PPP já sabia que o planeamento contratual nunca poderia ser cumprido: apenas o Estado desconhecia a sua própria vulnerabilidade. O Estado nem acautelou o cumprimento das obrigações prévias que cabem a qualquer Dono de Obra minimamente responsável, nem acautelou as cláusulas contratuais que o penalizariam por esse incumprimento.

Não se avaliaram os impactes anuais para o OGE das SCUT’s que foram sendo lançadas com entusiasmo mediático e empolgante; não houve um planeamento plurianual das verbas a cativar para pagar as SCUT’s, balanceando-as com as disponibilidades orçamentais; não houve uma avaliação sobre o impacte na competitividade da nossa economia e nas futuras políticas de rendimentos, pela punção orçamental desmedida ... nada. Guterres e Cravinho comportaram-se como Luís XV: depois de nós, o dilúvio.

Todavia a questão que se coloca actualmente é a de saber se não sairá mais dispendioso para o OGE introduzir portagens reais do que manter as actuais portagens virtuais. Analisemos as questões emergentes:

A introdução de praças de portagens significa um acréscimo dos custos de construção entre 15% a 20%. No caso da CREL a questão era pacífica, pois elas já existiam. No caso das SCUT’s actuais estamos perante um montante muito significativo. Para além dos investimentos nas praças de portagens haverá os respectivos custos de exploração em pessoal, conservação e manutenção, etc..

Mas, na minha opinião, o custo das praças das portagens não será o mais oneroso neste processo. A questão que pode revelar-se mais decisiva é a da alteração unilateral dos contratos por parte do Estado.

Em primeiro lugar, em cada SCUT, o concessionário foi escolhido por concurso público, “em mercado concorrencial”. A renegociação contratual já não é uma situação concorrencial, mas de monopólio, agravada pelo facto das alterações contratuais pretendidas se deverem a razões únicas e exclusivas de um dos outorgantes – o Estado – o que o coloca numa situação muito vulnerável perante o outro outorgante do contrato.

Em segundo lugar os valores calculados pelos concessionários e que serviram de base às suas propostas e aos contratos daí resultantes, fundamentaram-se em diversos estudos, nomeadamente estudos de tráfego. Ora estes estudos terão que ser completamente reformulados. Não haverá o mesmo tráfego com portagens virtuais ou com portagens reais. E o volume de tráfego com portagens reais dependerá quer do nível das tarifas a aplicar, quer de eventuais vias alternativas que entretanto forem construídas, ou pelo Estado, ou pelas autarquias locais.

Há por isso uma situação de risco muito elevado para o concessionário pelo facto de não ter agora qualquer domínio sobre as variáveis relacionadas com a procura com que será confrontado. Esses riscos são avaliados em termos estocásticos e traduzidos em custos adicionais que poderão ser vultuosos. Se as tarifas que forem calculadas se revelarem completamente incomportáveis para os potenciais utilizadores, o Estado teria que pagar uma parcela certamente muito pesada. Provavelmente mais que as actuais portagens virtuais.

Em terceiro lugar, a ideia peregrina de isentar os habitantes e entidades locais do pagamento de portagens é um factor adicional de encarecimento, pois implica mais serviços, mais pessoal, mais meios materiais, ou seja: mais investimentos e mais custos de exploração.

O meu “feeling” é que o montante que os concessionários das actuais SCUT’s do interior irão determinar para as portagens a pagar, no novo regime, seria de tal forma elevado que tornaria ruinosa para o Estado a mudança desse regime. Ora as já existentes concessões SCUT da Beira Interior, do Interior Norte e da Beira Litoral / Alta representam 70% do montante acima discriminado (421 m€ anuais). O meu parecer, em face dos poucos dados que disponho sobre aqueles casos particulares, mas baseada no conhecimento deste tipo de negócios, é que não há volta a dar.

Mesmo no caso da Via do Infante não me parece viável a modificação do actual regime, pois tem um tráfego muito sazonal. É duvidoso que os meses de Verão sustentem o negócio. Todavia a Via do Infante representa apenas 7% do montante em jogo.

Portanto apenas as SCUT’s da Costa da Prata e do Litoral Norte terão, eventualmente, viabilidade suficiente para mudarem de regime. Mas mesmo assim tenho algumas dúvidas, embora, como escrevi acima, se trate apenas de um “feeling”, pois não tenho dados precisos sobre estas matérias. Todavia, estamos apenas a falar em 23% do compromisso anual com as SCUT’s, ou bastante menos, porquanto a mudança do regime também acarretará custos não despiciendos para o Estado.

O que me parece fora de quaisquer dúvidas é que 70% a 77% (ou mesmo mais) dos montantes comprometidos nos próximos 25 anos, estão mesmo irremediavelmente comprometidos. É uma herança com que temos de viver, a menos que este governo tenha uma solução milagrosa que me esteja a escapar. Resta-nos a consolação de, sempre que mudar o governo, ver os novos governantes produzirem afirmações sobre como seria excelente liquidarmos as SCUT’s.

E o mais perverso entre os políticos é que eles podem tomar as decisões mais danosas e comprometerem o bem estar das gerações futuras com total displicência, sem que ninguém os consiga responsabilizar civilmente. Pior, às vezes nem sequer politicamente, pois aparecem posteriormente, com outro visual, recauchutados, pintados de novo, a escrever para os jornais e a aparecer em debates televisivos, sempre com críticas plenas de sabedoria e bom senso, com as vestes mais angelicais e com a total candura de quem não tem nada a ver com a situação que foi criada.

Publicado por Joana às 12:10 AM | Comentários (33) | TrackBack

dezembro 04, 2003

SCUT’s revisitadas

Há dias (dezembro 02, 2003) escrevi aqui um texto sobre as PPP, onde abordei a questão da transformação das SCUT’s em portagens reais. Hoje, o DN publica uma notícia que indica que o governo finalmente compreendeu (julgo que Carmona Rodrigues já o teria compreendido há algum tempo) que, excepto no caso da CREL e eventualmente numa outra auto-estrada do litoral, tal medida era financeiramente inviável.

Acresce a isto as compensações exigidas por uma concessionária, da ordem dos 25 milhões de euros, por atrasos, imputáveis a terceiros, na concretização do projecto.

Normalmente os consórcios privados que concorrem às PPP em regime de PFI têm um sólido suporte legal. Por isso não há PFI’s para projectos inferiores a 10 a 20 milhões de euros, devido aos custos fixos relativos aos apoios legais, consultores para análise financeira e de risco, técnicos de engenharia, tráfego, etc., etc. É um assunto encarado com grande profissionalismo pois está muito dinheiro em jogo.

Infelizmente o Estado é o parceiro frágil: a administração não conhece bem os dossiês, não tem apoio legal adequado, não tem apoio de analistas do risco financeiro capazes, etc., etc..

E, finalmente, é de uma irresponsabilidade extrema a cumprir o clausulado contratual, porquanto os organismos públicos não são capazes de cumprir as obrigações e os prazos fixados contratualmente. É que os privados não brincam com o dinheiro, que sai do bolso deles, enquanto o Estado julga poder brincar, pois sai do bolso dos contribuintes.

Do DN, hoje:
Governo recua nas portagens das SCUT
MARGARIDA BON DE SOUSA
O Conselho de Ministros discutiu ontem exaustivamente a introdução de portagens pagas nas auto-estradas de pagamento virtual, tendo concluído que a medida é inviável nas Scut da Beira Interior e do Algarve. A forte oposição dos autarcas das duas regiões terá sido a principal razão deste recuo, embora o DN saiba que há outras situações onde o Executivo também não vai conseguir modificar as condições iniciais firmadas com as concessionárias.

A questão está a mobilizar uma vasta discussão de bastidores que envolve os municípios, os diversos organismos estatais, os ministérios dos Transportes e do Ambiente e as construtoras/concessionárias. É já ponto assente que, a haver introdução de portagens nas concessões já atribuídas, elas terão um impacto reduzidíssimo, não só devido à forte oposição política dos autarcas mas também à própria complexidade dos problemas técnicos , uma vez que a maioria das scuts têm inúmeras entradas e saídas que elevam para custos incomportáveis a construção de praças de portagem.

Estas indecisões arriscam-se a ter impacto na factura que o Estado terá de pagar às concessionárias ao longo dos 30 anos previstos nos contratos já adjudicados. Com efeito, entrou ontem em Tribunal o primeiro processo de uma concessionária que exige compensações da ordem dos 25 milhões de euros por atrasos, imputáveis a terceiros, na concretização do projecto.

Recorde-se que estes atrasos têm sido imputáveis ao Instituto de Estradas de Portugal (por não ter concretizado atempadamente as expropriações necessárias à construção das auto-estradas), e ao Ministério do Ambiente, no âmbito dos pareceres ambientais.

Publicado por Joana às 07:47 PM | Comentários (4) | TrackBack

dezembro 02, 2003

As parcerias público-privadas (PPP) e o défice público

Uma forma de realizar “investimento público” sem agravar o défice é o recurso às parcerias público-privadas na modalidade do PFI (Project Finance Iniciative). Entre nós, só nos últimos anos esta modalidade de investimento público começou a ter alguma importância, mas ainda muito insuficiente.

A questão da contabilização dos créditos, mesmo de empresas municipais ou multimunicipais, é difícil de ultrapassar, pois uma entidade pública autónoma que queira obter um crédito bancário, desde que só o consiga obter mediante aval do Estado, esse crédito é sempre contabilizado na dívida pública. Como o BEI, ou qualquer outro banco, só concede créditos garantidos com avales do Estado, sucede que todos esses créditos vão agravar o défice público.

As PPP com recurso ao Project Finance substituem o modelo tradicional com os custos repartidos entre o investimento inicial e os custos de exploração, por custos de prestação de serviços a serem pagos a partir da altura em que o investimento entra em exploração. No fim do período da concessão os bens reverteriam para a entidade pública concedente.

Foi o modelo utilizado nas SCUT’s. Todavia neste caso, como cabia ao Estado pagar o serviço, criou-se uma situação problemática a longo prazo para as finanças públicas. Durante o período dos investimentos iniciais, entraram fortes receitas para os cofres do Estado (IVA, etc.) sem dispêndio significativo de dinheiros públicos, o que permitiu o governo enveredar por uma euforia expansionista a nível da despesa, na ilusão de que este processo seria sustentável. Por sua vez, o valor acrescentado gerado por esses rendimentos aumentou a procura interna sem contrapartida da oferta. Conclusão: aumento significativo do défice das contas externas e assunção de compromissos vultuosos logo que as SCUT’s fossem entrando em funcionamento, isto é, gerando uma importante despesa pública nos anos subsequentes. Sabe-se o resultado a que isso conduziu (*).

Mas não tem que ser assim. Para lá das auto-estradas com portagens reais, há muitos potenciais investimentos públicos nas áreas do saneamento, abastecimento de águas, tratamento de resíduos sólidos urbanos, infra-estruturas ferroviárias, etc, cujos custos de prestação de serviços são pagos com tarifas cobradas aos utentes. Em todos estes investimentos é possível substituir valores que, no modelo tradicional, são incorporados na despesa pública e que só saiem dela à medida que os empréstimos são reembolsados, por pagamentos de serviços a efectuar directa ou indirectamente pelos utentes.

É claro que estes modelos de financiamento podem abarcar imensas áreas da despesa do Estado ou das autarquias e organismos públicos. Há que usá-los com discernimento, pois se os serviços futuros forem pagos pelo Estado e não pelos utentes, haverá despesa pública mais tarde. Estamos apenas a transferir a despesa pública dos anos em que o investimento tem lugar, para os anos subsequentes e poderemos estar a criar uma situação de euforia expansionista agora, comprometendo o futuro.

As PPP com PFI ainda têm outra vantagem. É serem feitas por gente que quer ter lucro no negócio em que se envolvem. Portanto, se os contratos forem bem redigidos e as garantias do serviço público devidamente acauteladas, teremos um serviço que custará muito menos, quer em investimento inicial, quer em custos de exploração, quer em custos induzidos por atrasos e erros de projecto. E se não custar, quem arca com os prejuízos é a concessionária.

Portanto as PPP com PFI permitem uma alocação mais eficiente de recursos que o investimento público feito directamente pelo Estado ou outras entidades públicas.


(*) No caso das SCUT’s e tirando casos pontuais como o da CREL, não é viável transformá-las posteriormente em auto-estradas com portagens reais, como pretendia Valente de Oliveira. Os modelos de financiamento foram estudados tendo em atenção um determinado volume de tráfego. A alteração do regime de portagens traduzir-se-ia num aumento significativo dos custos (cerca de 15 a 20% para a execução das praças de portagem), um risco muito elevado nas receitas (porquanto com portagens reais haveria muito menos tráfego, situação eventualmente agravada com a possibilidade de construção de itinerários alternativos de melhor qualidade que os existentes) e a necessidade de rever todo o modelo de financiamento numa situação de elevado risco que as concessionárias (nomeadamente os bancos dos respectivos consórcios) iriam fazer repercutir nas taxas de actualização dos cash-flows, incorporando nelas um elevado spread para o risco. Como não seria possível situar as portagens num valor que remunerasse devidamente o novo custo do serviço, o Estado seria obrigado a comparticipar com o remanescente. Adicionalmente teria que executar itinerários alternativos, porque os existentes não eram capazes.

Somando tudo, provavelmente sairia mais caro ao Estado acabar com o regime de SCUT’s nas auto-estradas do interior do que manter esse regime. Isto do ponto de vista financeiro, porque do ponto de vista de análise custo-benefício o efeito seria muito mais negativo.

Nesta renegociação o Estado assumiria o papel ingrato de ser o responsável pela denúncia do contrato existente e estar à mercê dos novos estudos e pareceres das concessionárias, relativamente aos quais não teria grande força negocial. Uma coisa é um concurso público, em mercado aberto, onde se conseguem as melhores condições, outra é a negociação de uma alteração contratual em monopólio (a entidade com que se negoceia é única). As afirmações produzidas inicialmente pelo ministro Valente de Oliveira foram totalmente irresponsáveis, pois financeiramente não eram viáveis e politicamente eram inábeis.

Publicado por Joana às 10:00 PM | Comentários (5) | TrackBack

novembro 27, 2003

America’s Cup 2007

Segundo li, “o Clube Náutico de Valência, entidade que realizará a prova, ofereceu à organização helvética 300 milhões de euros, o dobro do valor – 150 milhões de euros – apresentado pela candidatura de Lisboa.”

Eu, que andava pesarosa, com a auto-estima patriótica no fosso, como é normal acontecer a qualquer português que se preze face a um desaire internacional, senti um enorme alívio! Afinal há males que vêm por bem! 300 milhões de euros!?

Imaginemos que ganhávamos. Quem iria aturar os milhares de comentaristas aos gritos, injuriando os promotores do acontecimento que defraudavam o erário público em 60 milhões de contos (imaginando que cobríamos a oferta de Valência) para ricos se entreterem a velejarem no Tejo e imediações!

Os mesmos milhares de comentaristas que agora culpam o mau desempenho das nossas autoridades e promotores, incapazes de trazer a competição para Portugal, mas então em tom muito mais desabrido.

Estou a ver Carvalho da Silva (se ainda não fosse na altura o Secretário-Geral do PC) em vigílias nocturnas e diurnas, junto à praia dos pescadores, desfiando as mágoas da classe trabalhadora pela indignidade das velas enfunadas ao longe, barcos repletos de estrangeiros endinheirados, enquanto a classe trabalhadora, por detrás dele, em travellings longos e comovidos, captados pelo operadores das TV's, ia tasquinhando umas sardinhas assadas com brôa, amaciadas com um tinto da colheita da cintura industrial.

A AC Management e Michel Bonnefous devem ter querido poupar o nosso país às agruras do alvoroço social provocado pela realização de semelhante prova em Portugal, e logo em Cascais, e ainda por cima um desporto para ricos! E a pagar 60 milhões de contos!!!

Em vez dos “ricos que paguem a crise” seria “a crise que pague aos ricos”!

Prevaleceu o “bom senso” de Michel Bonnefous que, antes da escolha final, deve ter surfado na net portuguesa a estudar as sensibilidades dos “tugas”.

Michel Bonnefous, em nome dos portugueses, obrigada pela tua clarividência.

Publicado por Joana às 07:22 PM | Comentários (8) | TrackBack

novembro 10, 2003

TGV Porto-Lisboa-Madrid e a ligação Sines-Europa

As decisões da cimeira luso-espanhola no que respeita às ligações ferroviárias foram uma boa notícia para os agentes económicos nacionais.

Reportando-me ao que foi dito e escrito, haverá um TGV Lisboa-Badajoz, com ligação a Madrid em 2010, e o Porto-Lisboa em 2013.

Como complemento serão executados TGV de menos performance a nível de velocidade média entre Porto-Vigo, a terminar em 2009 e Évora-Faro-Huelva em 2018, bem como uma nova linha convencional de Sines e Setúbal para Évora e Badajoz.

Adicionalmente haverá uma linha TGV Aveiro-Salamanca que permitirá ligar Porto-Salamanca-Madrid em 2015.

Na minha opinião as duas obras fundamentais, com o máximo impacte na economia do país, serão o eixo Porto-Lisboa-Madrid em TGV e a linha Sines-Évora-Elvas-Badajoz com vocação para mercadorias, mas apta também ao transporte de passageiros.

Todas as análises feitas quer por consultores nacionais, quer por consultores internacionai, das envolventes interna e externa que terão condicionado o desenvolvimento, num passado recente, da Zona Industrial de Sines, e das principais razões de insucesso na captação de investimento empresarial para a ZIS referem a descentralização geográfica de Sines face aos principais mercados nacionais e internacionais em contradição com a grande especialização do Porto de Sines para movimentação de graneis líquidos e sólidos específicos.

Isto é, a vocação de Sines como pólo de desenvolvimento para uma perspectiva fundamentalmente "atlântica", estava barrada pela má qualidade das ligações ferroviárias internas e inexistência de ligações ferroviárias externas.

Neste entendimento, uma ligação ferroviária Sines-Espanha-Europa Central terá um efeito muito positivo na economia portuguesa e no desenvolvimento alentejano, principalmente se se tiver em conta que Évora passará a ser um importante entroncamento ferroviário

A ligação Lisboa-Porto só peca por tardia. Ela deveria ser iniciada em simultâneo com a linha Lisboa-Madrid. Compreende-se todavia que o projecto desta linha será mais complicado: o estabelecimento de corredores adequados, as dúvidas sobre a eventual utilização parcial dos corredores da actual Linha do Norte, a complexidade das expropriações, o relevo, etc.. O actual serviço Alfa é péssimo em face das expectativas criadas e do custo da obra. Aliás, os terríveis erros cometidos no projecto da modernização da Linha do Norte, e a incúria e incompetência demonstradas na sua gestão pelas administrações da CP e pelos seus técnicos e no seu acompanhamento pelos ministros da tutela, desde Ferreira do Amaral a João Cravinho, terão que ser avaliados para que não se caia noutra situação idêntica.

Quanto à linha Aveiro-Salamanca, que será certamente uma linha muito dispendiosa, dada a geografia física da zona onde será implantada, julgo que a data de 2015 será meramente indicativa. Tudo dependerá dos resultados e de como funcionarem as linhas que a antecederão.

Neste quadro, penso que o Aeroporto da Ota ficará para as calendas gregas. Na verdade, trata-se de uma obra não prioritária no quadro actual do transporte aéreo. Adicionalmente, o TGV irá diminuir a procura pelos voos Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid. Se adicionarmos ao tempo de voo, o tempo necessário para os check-in e os riscos de atrasos nas partidas, a viagem em TGV será preferível, em tempo e em comodidade, à viagem aérea.

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outubro 03, 2003

Fé, esperança e caridade

Um investimento da grandeza do Aeroporto da Ota tem que ser analisado com muito rigor.

Em primeiro lugar há que saber se o volume de tráfego, quer com base nas previsões actuais, quer baseado numa eventual procura adicional por melhoria das condições desta oferta, viabiliza tal investimento. Onde ir buscar essa procura adicional?

Mas, por sua vez, as condições da oferta terão que ser bem avaliadas: há infra-estruturas de suporte na área? Um aeroporto intercontinental não pode ficar no meio de um descampado.

Parte substancial desses investimentos seria feita por agentes económicos privados. Estarão esses agentes económicos dispostos a fazer tais investimentos? Para o fazerem teriam que acreditar que o projecto geraria um volume de tráfego suficiente.

O Aeroporto da Ota e o TGV teriam um impacte enorme nos voos domésticos, ou seja, na Portela e nas Pedras Rubras. E na aviação comercial portuguesa?

Comparando com os aeroportos estrangeiros que conheço, a Portela é, de longe, exceptuando o do Luxemburgo, o menos movimentado. Como é que essa situação se inverteria com o novo aeroporto. Onde se iria gerar a procura para o viabilizar?

Até agora só tenho ouvido tiradas políticas sobre esta matéria, ou profissões de fé.

Mas a fé, em matéria económica, é como a sequência das virtudes teologais:

Começa-se com “fé”, a meio do projecto tem-se “esperança”, e no fim está-se na “caridade”.

Haverá uma outra componente, que muitos assinalam, que é a componente geoestratégica. Mas essa componente existe apenas como valor potencial. Só se tornará real, se tivermos competência para a valorizarmos. Temos um valor altamente estratégico, que é o porto de águas profundas de Sines que, com infra-estruturas adequadas, incluindo uma boa ligação ferroviária ao centro da Europa, teria uma importância económica muito superior à de qualquer aeroporto intercontinental, até porque teria uma procura assegurada. Que é que se tem feito? Nada!

2-Junho-2003

Publicado por Joana às 08:39 AM | Comentários (0) | TrackBack