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outubro 13, 2004

Cravinho recusa ser Cícero

O deputado socialista João Cravinho recusou-se a comparecer à audição na comissão parlamentar de Obras Públicas alegando que «não é o único responsável dos governos do PS pela implementação das auto-estradas Scut» e que lhe ser "imputada a responsabilidade política de todo o processo das Scut representa uma flagrante violação do princípio da objectividade e não discriminação na atribuição de responsabilidades políticas nos termos da lei".

Em vez disso, escreveu uma carta ao presidente da comissão, dando aquelas explicações para justificar a sua recusa em comparecer, e teceu diversas considerações sobre a bondade das SCUTs. Apesar de estar absolutamente convencido da excelência do negócio, não quis deixar de partilhar esse merecimento com os ministros que se lhe seguiram. Para ele, com a humildade que o caracteriza, apenas reivindicou a paternidade da ideia e a concessão da SCUT da Beira Interior (que aliás representa mais de 25% do custo anual previsto para as SCUTs), e mesma essa de parceria com o então ministro das Finanças, Sousa Franco.

Cravinho leva ainda a sua amabilidade em sugerir à comissão parlamentar que lhe comunicasse "os quesitos precisos correspondentes ao que se pretende saber", afim de poder prestar a sua "colaboração" com o "máximo de rigor”. Por escrito, claro.

Cravinho já tem publicado diversos artigos sobre a excelência daquele negócio. Como teme que os membros da comissão não leiam os jornais com a atenção requerida, ou considere que um negócio tão meritório exige um tratamento mais personalizado, promete escrever mais artigos sobre as SCUTs, mas desta feita dedicados apenas aos membros da comissão parlamentar de Obras Públicas. Certamente que os membros desta comissão ficarão sensibilizados com o anúncio de um tratamento tão personalizado e tirarão daí as devidas consequências.

Mas o que há de interessante em tudo isto é que a comissão se ia reunir para debater as virtudes ou vícios do negócio. Cravinho, que teve a paternidade do negócio, deveria exaltar as suas virtudes e Mexia, que se apresta para acabar com ele, verberar os seus defeitos. Aparentemente Cravinho teve receio de não ter os mesmos méritos e ser tão convincente, em controvérsia verbal, como à sua secretária, enchendo folhas de papel, em elegante cursivo e sem receio de contradita.

Acontece aos melhores. Cícero defendeu Milão da morte de Clódio tão desajeitadamente que Milão foi condenado ao desterro. Depois redigiu Pro Milone e enviou-o a Milão que lhe agradeceu e comentou:«se tivesses dito isto no julgamento não estaria agora, aqui, em Marselha, a comer peixes tão saborosos!». Cravinho, ao não comparecer na comissão, quis evitar uma prestação à Cícero. Achou que era injusto poder ser comparado a tamanho mestre da eloquência ... escrita.

Basta-lhe a glória das SCUTs e das muitas centenas de milhões de euros anuais que elas irão custar no próximo quarto de século, a menos que Mexia encontre um remédio milagroso.

Publicado por Joana às outubro 13, 2004 11:45 PM

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Comentários

SCUTs : quem é que assinou os contratos ?

passam-se tantas coisas neste país e tão rapidamente que até nos esquecemos do nome do anterior 1ºministro !
Ah ! o homem mudou de Durão mas Barroso !
As coisas que a gente esquece !

Publicado por: zippiz às outubro 14, 2004 12:29 AM

Claro que recusa. Ele sabe lá quem é esse gajo.
E por falar nisso, quem é?

Publicado por: bsotto às outubro 14, 2004 12:50 PM

O ter agora e pagar depois dá sempre mau resultado, desde que sejamos imprevidentes.
É em casa e é no país. São as famílias e é o Estado

Publicado por: Arroyo às outubro 14, 2004 01:16 PM

Afinal o governo já admite que só vai conseguir recuperar 50% do custo anual das SCUTs.
Parece que ainda vão chegar à estimativa da Joana

Publicado por: fbmatos às outubro 14, 2004 03:10 PM

Bem escrito, como sempre. E sempre de um ângulo inesperado

Publicado por: Filipe às outubro 14, 2004 04:20 PM

Fez pena ver a prestação do Cravinho hoje na AR. Só o visionamento das suas declarações, das respostas do PSL, da intervenção infeliz do J Junqueiro em seu abono, desmontada pelo presidente da comissão, através da leitura da correspondência trocada, pode avaliar o desnorte daqueles dois deputados, Cravinho e Junqueiro.
É raro assistir a um espalhanço tão completo.
Não percebo como um político com a tarimba de Cravinho toma atitudes destas.

Publicado por: Joana às outubro 15, 2004 01:33 AM

Eu vi no canal Parlamento e o Cravinho levou uma banhada nunca vista. Fez dó.

Aliás, o Santana cilindrou completamente a oposição. O PS fui muito fraco e mesmo Sócrates, de longe o melhor do PS, teve uma actuação fraca.

Quem vê os excertos apresentados nas TVs não faz a mais pálida ideia do espalhanço da oposição.
Ainda dizem que há censura. Há mas contra o governo

Publicado por: Rui Sá às outubro 15, 2004 11:04 AM

Cravinho cometeu um erro político ao ter mostrado tanta arrogância perante a comissão.
Escusava de ter passado por aquela humilhação

Publicado por: VSousa às outubro 15, 2004 02:14 PM

Completamente de acordo, VSousa

Publicado por: David às outubro 15, 2004 02:40 PM

Cravinho só seria Cícero pela negativa

Publicado por: Adalberto às outubro 18, 2004 02:51 PM

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