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dezembro 02, 2003

As parcerias público-privadas (PPP) e o défice público

Uma forma de realizar “investimento público” sem agravar o défice é o recurso às parcerias público-privadas na modalidade do PFI (Project Finance Iniciative). Entre nós, só nos últimos anos esta modalidade de investimento público começou a ter alguma importância, mas ainda muito insuficiente.

A questão da contabilização dos créditos, mesmo de empresas municipais ou multimunicipais, é difícil de ultrapassar, pois uma entidade pública autónoma que queira obter um crédito bancário, desde que só o consiga obter mediante aval do Estado, esse crédito é sempre contabilizado na dívida pública. Como o BEI, ou qualquer outro banco, só concede créditos garantidos com avales do Estado, sucede que todos esses créditos vão agravar o défice público.

As PPP com recurso ao Project Finance substituem o modelo tradicional com os custos repartidos entre o investimento inicial e os custos de exploração, por custos de prestação de serviços a serem pagos a partir da altura em que o investimento entra em exploração. No fim do período da concessão os bens reverteriam para a entidade pública concedente.

Foi o modelo utilizado nas SCUT’s. Todavia neste caso, como cabia ao Estado pagar o serviço, criou-se uma situação problemática a longo prazo para as finanças públicas. Durante o período dos investimentos iniciais, entraram fortes receitas para os cofres do Estado (IVA, etc.) sem dispêndio significativo de dinheiros públicos, o que permitiu o governo enveredar por uma euforia expansionista a nível da despesa, na ilusão de que este processo seria sustentável. Por sua vez, o valor acrescentado gerado por esses rendimentos aumentou a procura interna sem contrapartida da oferta. Conclusão: aumento significativo do défice das contas externas e assunção de compromissos vultuosos logo que as SCUT’s fossem entrando em funcionamento, isto é, gerando uma importante despesa pública nos anos subsequentes. Sabe-se o resultado a que isso conduziu (*).

Mas não tem que ser assim. Para lá das auto-estradas com portagens reais, há muitos potenciais investimentos públicos nas áreas do saneamento, abastecimento de águas, tratamento de resíduos sólidos urbanos, infra-estruturas ferroviárias, etc, cujos custos de prestação de serviços são pagos com tarifas cobradas aos utentes. Em todos estes investimentos é possível substituir valores que, no modelo tradicional, são incorporados na despesa pública e que só saiem dela à medida que os empréstimos são reembolsados, por pagamentos de serviços a efectuar directa ou indirectamente pelos utentes.

É claro que estes modelos de financiamento podem abarcar imensas áreas da despesa do Estado ou das autarquias e organismos públicos. Há que usá-los com discernimento, pois se os serviços futuros forem pagos pelo Estado e não pelos utentes, haverá despesa pública mais tarde. Estamos apenas a transferir a despesa pública dos anos em que o investimento tem lugar, para os anos subsequentes e poderemos estar a criar uma situação de euforia expansionista agora, comprometendo o futuro.

As PPP com PFI ainda têm outra vantagem. É serem feitas por gente que quer ter lucro no negócio em que se envolvem. Portanto, se os contratos forem bem redigidos e as garantias do serviço público devidamente acauteladas, teremos um serviço que custará muito menos, quer em investimento inicial, quer em custos de exploração, quer em custos induzidos por atrasos e erros de projecto. E se não custar, quem arca com os prejuízos é a concessionária.

Portanto as PPP com PFI permitem uma alocação mais eficiente de recursos que o investimento público feito directamente pelo Estado ou outras entidades públicas.


(*) No caso das SCUT’s e tirando casos pontuais como o da CREL, não é viável transformá-las posteriormente em auto-estradas com portagens reais, como pretendia Valente de Oliveira. Os modelos de financiamento foram estudados tendo em atenção um determinado volume de tráfego. A alteração do regime de portagens traduzir-se-ia num aumento significativo dos custos (cerca de 15 a 20% para a execução das praças de portagem), um risco muito elevado nas receitas (porquanto com portagens reais haveria muito menos tráfego, situação eventualmente agravada com a possibilidade de construção de itinerários alternativos de melhor qualidade que os existentes) e a necessidade de rever todo o modelo de financiamento numa situação de elevado risco que as concessionárias (nomeadamente os bancos dos respectivos consórcios) iriam fazer repercutir nas taxas de actualização dos cash-flows, incorporando nelas um elevado spread para o risco. Como não seria possível situar as portagens num valor que remunerasse devidamente o novo custo do serviço, o Estado seria obrigado a comparticipar com o remanescente. Adicionalmente teria que executar itinerários alternativos, porque os existentes não eram capazes.

Somando tudo, provavelmente sairia mais caro ao Estado acabar com o regime de SCUT’s nas auto-estradas do interior do que manter esse regime. Isto do ponto de vista financeiro, porque do ponto de vista de análise custo-benefício o efeito seria muito mais negativo.

Nesta renegociação o Estado assumiria o papel ingrato de ser o responsável pela denúncia do contrato existente e estar à mercê dos novos estudos e pareceres das concessionárias, relativamente aos quais não teria grande força negocial. Uma coisa é um concurso público, em mercado aberto, onde se conseguem as melhores condições, outra é a negociação de uma alteração contratual em monopólio (a entidade com que se negoceia é única). As afirmações produzidas inicialmente pelo ministro Valente de Oliveira foram totalmente irresponsáveis, pois financeiramente não eram viáveis e politicamente eram inábeis.

Publicado por Joana às dezembro 2, 2003 10:00 PM

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Comentários

Ouvi na TV que o Hospital de Loures vai ser feito no regime de parceria público-privada. Não sei se me Project Finance ou não.

Publicado por: GPinto às dezembro 3, 2003 01:00 AM

Isto são assuntos demasiado técnicos para despertarem atenção

Publicado por: Humberto às dezembro 3, 2003 08:32 PM

Em Inglaterra até há prisões feitas em PFI ! Para além de hospitais, escolas, etc.

Publicado por: Gros às dezembro 3, 2003 10:26 PM

Este artigo, 2 ou 3 dias antes da decisão do governo mostra que você sabe o que diz.

Publicado por: Rave às dezembro 4, 2003 11:52 PM

O que diz está muito certo e há uma grande ausência de imaginação da parte das entidades públicas, câmaras, etc., para não avançarem para esquemas desses (Project Finance) que melhoraria muito o défice público, fazendo obra.

Publicado por: J Mendes às dezembro 11, 2003 10:47 AM

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