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dezembro 01, 2003
Ainda o Pacto de Estabilidade e Crescimento
Reputados economistas, políticos de nomeada, sindicalistas sequiosos de escavar no erário público, têm-se afadigado em declarações sobre a morte do Pacto de Estabilidade e Crescimento. É uma morte anunciada com exéquias à vista. Só variam no facto de que uns apresentam os pêsames e outros se felicitam; de que uns pensam numa missa de eterna saudade e outros numa missa de acção de graças.
Todavia estão a ser precipitados. Como diria Mark Twain, a notícia da minha morte foi algo exagerada. O Pacto de Estabilidade e Crescimento irá continuar, porque não há alternativa, só que não necessariamente com as mesmas regras.
Em primeiro lugar é necessário dizer algo que é evidente: não é a regra dos 3% que está em jogo, mas sim uma regra fixando um limiar rígido. É claro que as sanções não são automáticas e em teoria haveria uma avaliação prévia da situação económica e das contra-medidas que o governo do país infractor estaria a tomar. Simplesmente verificou-se agora que esta avaliação pode ser extremamente subjectiva … ou pior, extremamente objectiva: rigor com os pequenos e permissividade com os grandes, ou seja, dois pesos e duas medidas.
Qualquer regra que fixe um limiar rígido corre um severo risco do incumprimento. A tendência de qualquer governo será aproximar-se do limiar fixado. Fá-lo por laxismo, por necessidades eleitorais, por imprevidência ou por dificuldade em controlar e impor regras às autonomias regionais e locais. Imaginemos uma época de expansão com o governo a manter um défice próximo do limiar, quer este seja 3%, 5% ou 10%. Se entretanto sobrevier uma recessão, a queda das receitas, nomeadamente as fiscais, e a rigidez da despesa (não é possível diminuir os salários da função pública ou despedir pessoal) atira o défice para valores superiores ao limite fixado, a menos que se faça como a nossa ministra, vendendo o património para não ultrapassar os limites. E teremos oposições e sindicalistas aos gritos clamando contra um Pacto que estrangula a economia e impede a justa reivindicação dos trabalhadores de continuarem a ter aumentos salariais superiores aos respectivos aumentos de produtividade.
Em segundo lugar é preciso que haja um Pacto de Estabilidade e Crescimento. Um país com uma moeda própria pode enveredar por uma política de expansão da despesa, que os mecanismos económicos encarregam-se de repor automaticamente a verdade financeira. A inflação, a queda da taxa de câmbio e demais factores económicos e financeiros encarregar-se-ão de repor os salários reais nos valores de equilíbrio. E se a crise se acentuar pode acontecer o mesmo que à Alemanha no início da década de 20 ou à Argentina recentemente, apenas para citar dois casos paradigmáticos.
Um país cuja moeda faz parte de um todo muito mais vasto tem que se sujeitar a regras. Se uma economia pequena como a portuguesa tiver um défice excessivo as repercussões desse défice na moeda comum são insignificantes. Mas se todos os países agirem no mesmo sentido, a situação pode tornar-se incontrolável.
Em terceiro lugar é necessário diferenciar a despesa corrente do investimento público. Em caso de recessão pode haver necessidade de manter ou aumentar o nível de investimento público para reanimar a economia. Portanto é necessário diferenciar regras para aquelas rubricas da despesa pública.
Finalmente há que diferenciar as regras entre expansão e recessão. Num período de expansão há que impor limites mais restritivos ao défice público, enquanto num período de recessão, com a queda das receitas fiscais, terá que haver um limiar mais flexível.
Ao impor a regra dos 3% as autoridades comunitárias partiram do princípio que os governos planeariam o défice tendo em atenção os ciclos económicos. Enganaram-se. Alguns não o conseguiram, cederam à tentação da despesa no período de expansão e não a puderam conter nos limites convenientes no período de recessão.
Terão que extrair as conclusões adequadas quando procederem à reformulação das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Regras mais flexíveis, mas de aplicação automática e se houver a possibilidade de recorrer das sanções, que tal seja apenas possível para as economias mais débeis e atrasadas. As grandes economias têm um peso demasiado grande para ser possível permitir défices excessivos com efeitos proporcionalmente muito mais graves sobre o conjunto da economia europeia.
Publicado por Joana às dezembro 1, 2003 11:33 PM
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Comentários
Joana,
Espero que tenha razão na sua análise.
Eu, pelo meu lado, estou mais pessimista e preferiria que os paises pequenos com o Reino Unido à cabeça conseguissem fazer frente ao eixo franco-alemão que, por este andar, está a por em causa o projecto europeu.
Se quiser pode ler o meu artigo em http://observador.weblog.com.pt
Publicado por: André às dezembro 2, 2003 01:53 PM
Também eu, André, espero ter razão, senão estamos em péssima situação.
Quanto ao Reino Unido, juntamente com a Suécia e a Dinamarca, não fazem parte da Eurolândia, pois continuam com as moedas nacionais.
Portanto no que se refere ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, não têm, por enquanto, voto na matéria.
Publicado por: Joana às dezembro 2, 2003 11:56 PM
Não me refiro apenas ao Pacto de Estabilidade e Crescimento. Refiro-me a todas as consequências políticas que advêm de um cada vez maior predomínio da França e da Alemanha na Europa, nomeadamente na condução da sua política externa.
É relativamente a este facto que eu falo do Reino Unido.
Obrigado pelo seu comentário no meu blogue.
Publicado por: André às dezembro 3, 2003 10:35 AM
Comentai-vos uns aos outros
Publicado por: J.Cristo às dezembro 3, 2003 04:12 PM
Há por aqui uma série de pequenos textos sobre a economia portuguesa muito actuais e bem explicados.
Este acho-o muito elucidativo.
Publicado por: A Valente às dezembro 3, 2003 10:22 PM