Enquanto os líderes dos dois maiores partidos andam empolgados pelo país a prometer meter Portugal nos eixos 150 mil novos empregos, crescimento de 3% ao ano, emagrecimento da FP em 75 mil efectivos (PS); ou peso do Estado no PIB de 48% para 40%, diferencial de produtividade face à média da UE de 64% para 75%, peso da economia paralela no PIB de 23% para 10% (PSD) os seus assessores são mais comedidos: Mexia referiu, na 5ª feira, que estes números eram Metas Aspiracionais e Vitorino asseverou, na entrevista ao programa "Diga Lá Excelência", que veio a lume hoje no Público, que aqueles números eram Metas Indicativas".
Quer um quer outro são indivíduos competentes e sensatos, com experiência, um com experiência mais empresarial (Mexia), outro mais administrativa (Vitorino), mas ambos com práticas vividas que lhes sugerem que, embora aqueles números correspondam a vontade de mudança das estruturas do país por parte das lideranças de ambos os partidos, a dura realidade dos hábitos instalados no sector público, os lobbies sindicais e os interesses corporativos, que também se insinuam internamente quer no PS, em maior grau, quer no PSD, irão dificultar as acções correctivas e que aqueles números quase de certeza não serão atingidos.
Uma plumitiva do Público, Eunice Lourenço, com a objectividade e o espírito de isenção que a caracteriza, desancou no Sábado passado, no Público, o PSD pelas declarações de Mexia, dizendo que foi o sinal mais evidente do desnorte e desgoverno em que vai o PSD e o reconhecimento mais descarado do verdadeiro programa eleitoral do PSD. E a partir daí seguiu furibunda, glosando em diversos tons agrestes o conceito de Metas Aspiracionais.
Eunice Lourenço cometeu dois erros. O primeiro foi a forma acintosa e desabrida como caracterizou a conferência de imprensa de António Mexia. São palavras espectáveis de responsáveis pela campanha do partido opositor, ou de quem não aprecie o actual PSD ou apenas António Mexia. Todavia, são palavras que deveriam ser evitadas por uma jornalista, de um jornal de referência, quando noticia um evento.
O segundo erro de Eunice Lourenço foi a sua precipitação. Quando escreveu aquela diatribe, ou pelo menos quando ela veio a lume, já Vitorino havia dado a entrevista onde falava das Metas Indicativas. Teria sido preferível ter ficado calada, pois agora Eunice Lourenço tem a obrigação ética de produzir uma igualmente furiosa catilinária contra o desnorte e o desgoverno de Vitorino. Isto admitindo que Eunice Lourenço tem qualquer ética profissional.
Da entrevista de Vitorino respigo o seguinte parágrafo, pelo que ele tem de lucidez, vindo, como veio, de um destacado militante do PS e membro do governo de Guterres. Sobre as expectativas falaciosas de progresso criadas no país durante o consulado de Guterres, Vitorino reconhece a responsabilidade do PS, pela perspectiva de adesão ao euro e a baixa das taxas de juro, o que provocou um desafogo extraordinário nas famílias e, portanto, uma espiral de sobreendividamento. A verdade é que nos devíamos ter concentrado mais nos "basicks", como dizem os ingleses. E isso o que é? Neste período de integração europeia fomo-nos aproximando do rendimento médio per capita a nível europeu e tivemos um progresso assinalável com cerca de 20 pontos acima em matéria de rendimento per capita mas a nossa produtividade como país não acompanhou essa subida de rendimento..
Ora isto corresponde a afirmações que eu tenho produzido aqui e contrariam a generalidade das declarações de dirigentes do PS, como Cravinho e Santos Silva, entre muitos outros. Vitorino reconhece que o nosso crescimento de então era falacioso. Era o crescimento do rendimento das famílias decorrente da política de despesa pública de Guterres, mas esse crescimento do rendimento não tinha contrapartida no crescimento da produtividade. Era artificial e teria impacte negativo no défice orçamental e no aumento do saldo negativo das nossas contas com o exterior.
Não é possível sustentar o crescimento do país baseado no aumento da procura interna (consumo), sem correspondente aumento da oferta interna. E como parte do aumento do consumo se dirige a bens importados, parte do aumento dessa oferta interna deve dirigir-se à procura externa, de forma a assegurar o equilíbrio da balança de transacções com o exterior.
Vitorino compreendeu isso perfeitamente. As declarações dos restantes líderes do PS não evidenciam, de forma alguma, essa compreensão.
Na sequência de um post anterior, queria acrescentar alguns factos que vão certamente embaraçar os que se reverenciam nas virtudes democráticas da alegada esquerda. E esses factos referem-se à circunstância de, na história constitucionalista portuguesa, a esquerda ter sido, geralmente, refractária aos alargamentos das capacidades eleitorais e a mudanças e inovações no sistema eleitoral. Foi quase sempre a ala direita do espectro político-partidário a responsável por esse alargamento.
Não vou descrever as sucessivas leis eleitorais da monarquia constitucional. O vintismo introduziu o sufrágio directo mas sem carácter universal, já que não podiam votar, entre outros, os menores de 25 anos, as mulheres, os "vadios, os regulares e os criados de servir". Este curioso sistema de incompatibilidades serviu, por exemplo, para afastar Agostinho de Macedo das Cortes de 1822, apesar de eleito, sob o pretexto de ser pregador régio! (logo equiparado a criado do rei!). Esse afastamento teve um carácter claramente político e, pelo azedume que provocou, contribuiu para a evolução de Agostinho de Macedo para o absolutismo extremista.
A Carta Constitucional criou um sistema de eleição em duas fases. Nas eleições primárias, em que se elegiam os Eleitores de Província, não se atribuía direito de voto, entre outros, aos menores de 25 anos e aos "que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis", mantendo-se as incapacidades eleitorais activas previstas na Constituição de 1822. Os Eleitores de Província deviam possuir uma renda mínima de duzentos mil réis. (Nota: A Câmara dos Pares era composta por membros vitalícios e hereditários, nomeados pelo Rei, sem número fixo, a que acresciam Pares por direito próprio, em virtude do nascimento ou do cargo).
O Acto Adicional de 1852, aprovado na sequência do triunfo do movimento Regenerador estabelece a eleição directa dos deputados por todos os cidadãos, mas mantém o censo mínimo de cem mil réis de renda. Portanto, o triunfo da ala esquerda do liberalismo traduziu-se apenas na passagem do sufrágio em duas fases, para sufrágio directo. O censo e portanto a base eleitoral não foi alargada.
Foi Fontes Pereira de Melo, o chefe da ala direita do liberalismo, que alargou a base eleitoral pela Lei de 8 de Maio de 1878 que considerava como possuidores da renda mínima para votar, todos os chefes de família e os alfabetizados.
Assim, por exemplo, nas eleições de 30 de Março de 1890, em 5 049 729 habitantes no continente e ilhas, havia 1 315 473 cidadãos masculinos maiores de 21 anos e 951 490 eleitores (18,8% da população total; 72,3% da população masculina maior de 21 anos). No anterior sistema censitário, os eleitores nunca passaram de 400 mil.
Todavia, as leis de Hintze, no período de decadência monárquica, a partir de 1895, voltaram a reduzir a capacidade eleitoral activa aos cidadãos masculinos, maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever e colectados em contribuições não inferiores a 500 réis. Portugal passou a ter 493 869 eleitores (9,4% da população total). Poucos anos depois Hintze decretou a ignóbil porcaria, como lhe chamou João Franco, reajustando os círculos uninominais, de forma a que parte do eleitorado urbano, favorável a João Franco, e também aos republicanos, fosse englobado com o eleitorado rural, tudo calculado para diminuir a possibilidade do triunfo dos adversários de Hintze Ribeiro.
Após a revolução republicana de 5 de Outubro de 1910 verificou-se que afinal os republicanos eram mestres mais eficientes na viciação de eleições que os decrépitos políticos da monarquia terminal. A Assembleia Constituinte foi eleita num sufrágio em que só houve eleições em cerca de metade dos círculos eleitorais. Muitos candidatos em diversas circunscrições eleitorais foram proclamados "eleitos" sem votação. O sufrágio universal foi afastado, tendo votado apenas os cidadãos alfabetizados e os chefes de família, maiores de 21 anos.
Em 1913 (lei de 3 de Julho) a capacidade eleitoral é reduzida aos adultos letrados. O eleitorado potencial caiu de cerca de 1 milhão para cerca de 600 mil e os recenseados de 846.000 para 397.000. A república diminuiu o eleitorado potencial para cerca de 30% daquele que existiria pela lei de Fontes Pereira de Melo! Afonso Costa, o guru da esquerda republicana, tão elogiado pelos nossos republicanos laicos, defendeu esses cortes argumentando que «indivíduos que não sabem os confins da sua paróquia, que não têm ideias nítidas e exactas de coisa nenhuma, nem de pessoa, não devem ir à urna, para não se dizer que foi com carneiros que confirmámos a república»! Dificilmente se concebe uma afirmação mais hipócrita!
A esquerda republicana tinha medo dos carneiros! Estes desdenhados ovinos continuam, quase um século depois, a ser a figura representativa dos portugueses que não alinham com as verdades absolutas proclamadas pela esquerda. Quem não concorda pertence aos carneiros cunhados e postos a circular por Afonso Costa. Todavia, Afonso Costa apenas teve a coragem de dizer publicamente aquilo que muita esquerda pensa, sem coragem de o admitir abertamente: ela receia e desdenha o eleitor que não pertence à sua mundividência.
Só em 1918, com o decreto nº 3997, de Sidónio Pais, o Presidente-Rei, acusado de aspirar à ditadura, se alargou o sufrágio a todos os cidadãos do sexo masculino maiores de 21 anos. Essa disposição triplicou o eleitorado potencial e Sidónio foi eleito por cerca de meio milhão de votos (foi a única vez, na 1ª República, que um Presidente da República foi eleito por sufrágio universal, visto que era eleito pelas Câmaras). Contudo, este alargamento só duraria um ano, até ao seu assassinato, quando foi reposto o anterior regime de incapacidades.
Mesmo apesar de um sufrágio tão restritivo, excluindo a carneirada, a abstenção durante a 1ª República foi sempre muito elevada, atingindo cerca de 85% nas últimas eleições em 1925. Provavelmente se os carneiros tivessem direito de voto, os desacreditados líderes republicanos acabassem marginalizados da política e não se criasse a ideia da necessidade da ditadura para liquidar aquele sistema iníquo, que levou ao golpe de 28 de Maio e à instauração da ditadura e, depois, do salazarismo.
A seguir ao Movimento do 25 de Abril, as eleições livres e democráticas constavam do programa do MFA. À medida que a data fatídica se aproximava, o receio da ala esquerda do regime foi evidente. Estava emparedada entre as promessas emblemáticas do seu manifesto, de que não podia abdicar sob pena de alienar os restantes elementos das FA, muito maioritários, e a desconfiança sobre o comportamento da carneirada. As campanhas de dinamização da 5ª Divisão foram, tudo o indicou, contraproducentes, como é usual quando radicais de esquerda querem explicar, ao povo, o evangelho revolucionário. Os militares radicais viram-se assim na necessidade de obrigarem os partidos a assinarem um pacto que limitava a Constituinte e a colocava sob tutela da esquerda radical do MFA.
Portanto, a Constituição de 1976 não é livre nem democrática porque foi o resultado de uma assembleia constituinte condicionada exteriormente, sob tutela e com limitações impostas à sua acção.
Mesmo depois da aprovação da Constituição de 1976, o país continuou sob tutela da esquerda militar, com o apoio de parte significativa da esquerda do espectro político português.
Esta desconfiança face às populações que não pertencem à sua mundividência é comum a toda a esquerda radical e influencia parte da esquerda que se reclama de democrática, tendo por isso uma expressão muito difundida na comunicação social.
Ela é igualmente herdeira das concepções marxistas de que a democracia é algo de despiciendo, que não passa da última barreira que a burguesia tenta erguer como obstáculo à caminhada para a ditadura do proletariado, cujo primeiro enunciado aparece em 1850: «Ao passo que os pequenos burgueses democráticos querem pôr termo à revolução o mais rapidamente que possam, (uma vez obtida a satisfação às suas reivindicações [a democracia parlamentar]), os nossos interesses e as nossas tarefas consistem em tornar a revolução permanente até que seja eliminada a dominação das classes mais ou menos proprietárias, até que o proletariado conquiste o poder do Estado .... Não se trata para nós de introduzir reformas relativas à propriedade privada mas de a suprimir; não se trata de conciliar os antagonismos de classe, mas de suprimir as classes, não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de edificar uma nova»
K. Marx.-F. Engels, Mensagem do Comité Central à Liga dos Comunistas. Março de 1850 (Ansprache der Zentralbehörde an den Bund vom März 1850, in Marx-Engels Werke Vol 7, páginas 244-254).
Estas concepções foram sendo sucessivamente refinadas até à teorização leninista e continuam a constituir um substrato ideológico importante de parte significativa da esquerda, mesmo de muitos que se afirmam convicta e sinceramente democratas.
O que Marx pensava sobre a questão da Educação Gratuita, deixaria certamente toda a esquerda e mesmo parte da direita, exceptuando Hayek, e poucos mais, em completo desespero e desvario. E o que transcrevo a seguir, foi escrito e endereçado ao congresso de unificação dos dois partidos operários alemães, realizado em Gotha, que daria origem ao Partido Social-Democrata Alemão (equivalente ao actual Partido Comunista). É portanto um ponto doutrinal importante e considerado, por alguns epígonos de Marx, como tendo uma importância comparável ao Manifesto.
Este texto foi escrito em Maio de 1875, 27 anos após o Manifesto e o célebre corte epistemológico que Althusser inventou para explicar as diferenças entre os escritos de Marx filósofo (até ao início da década de 50) e do Marx militante sindicalista.
Na minha opinião, Marx apenas passou do intelectual de Julien Benda, o «campeão do eterno e da verdade universal ... de um princípio abstracto, superior e directamente oposto às paixões políticas», ao intelectual dominado pelas paixões políticas e cujo julgamento é condicionado por estas. Chamar a isto corte epistemológico é tentar encontrar uma não-explicação explicativa.
Passemos ao texto:
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Igual educação para todo o povo? O que é que se quer dizer com estas palavras? Acreditam que na sociedade actual (e apenas dela nos podemos ocupar) a educação possa ser igual para todas as classes? Ou querem reduzir pela força as classes superiores a receber o ensino restritivo da escola primária, a única compatível com a situação económica quer dos operários asssalariados, quer dos camponeses?..
«Obrigatoriedade escolar para todos. Instrução gratuita». A primeira existe mesmo na Alemanha, a segunda na Suiça e nos Estados Unidos para as escolas primárias. Se, em certos Estados deste último país, os estabelecimentos de ensino superior são igualmente « gratuitos», isto significa somente que, por esse facto, esses Estados imputam às rubricas do orçamento geral as despesas escolares das classes superiores. E o mesmo se verifica com a alegada «administração gratuita da justiça », reclamada no A.5. A justiça criminal é gratuita em todo o lado; a justiça civil funciona quase unicamente nos litígios sobre a propriedade e respeitam portanto, quase unicamente, as classes proprietárias. Irão elas fazer pagar os seus processos através do erário público?..
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«Uma «educação do povo pelo Estado» é uma coisa absolutamente condenável. Determinar por uma lei geral os recursos das escolas primárias, as aptidões exigidas ao pessoal docente, as disciplinas ensinadas, etc., e, como o que se passa nos Estados Unidos, vigiar, através de inspectores estatais, a execução dessas prescrições legais, não é mais que fazer, absolutamente, o Estado o educador do povo! Mais que isso, é preciso excluir qualquer influência, na escola, do Governo ou da Igreja..
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(Nota - A.5 era um ponto do programa em debate)
Aqui segue o texto original, para quem quiser verificar se a tradução, aqui e ali um pouco livre, está conforme:
Karl Marx - Kritik des Gothaer Programms, In Marx-Engels Werke Vol 19, pág 30 - Dietz Verlag Berlim.
Muitos dos argumentos de quem hoje contesta a luta de alguns sectores estudantis contra as propinas são semelhantes a estes.
Felizmente que, na época, ainda não havia qualquer tentativa de implementar um Serviço Nacional de Saúde ... era só a educação e a justiça ...
Para aqueles que me acusam de renegar Marx e o trocar pelo pensamento económico neo-liberal, aqui vai um pensamento de Marx: A Comuna [de Paris] fez da palavra de ordem de todas as revoluções burguesas, governo barato, uma verdade, ao suprimir as duas maiores fontes de despesas, o exército e o funcionalismo.
E eu, que apenas pretendia um emagrecimento da ordem dos 25% ou 30%, sou aqui vilipendiada diariamente, que farão com Marx, que embandeira em arco com o despedimento colectivo, absoluto e total, do funcionalismo público!
E ele não disse isto num café chalaceando com uns amigos. Foi numa Directiva ao Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores (Adresse des Generalrats der Internationalen Arbeiterassoziation):
Sublinhei a vermelho aquela frase mortífera!
In Marx-Engels Werke Vol 17, pág 341 Dietz Verlag Berlim
Nota: Ler sobre este tema, e como continuação:
Marx Neoliberal-Educação Gratuita?
Marx (in)actual
Há um blogue de um especialista em sondagens, onde este fez uma análise, bastante elaborada, sobre a razão pela qual as estimativas de resultados publicadas antes das eleições pelas diferentes empresas de sondagens tendem a subestimar a votação do CDS-PP. O palpite dele, alicerçado na comparação entre os tipos de amostragem das diferentes sondagens, em diversos actos eleitorais, é que o eleitorado do CDS tende a ocultar o seu sentido de voto, mais do que o eleitorado dos restantes partidos. Esta conclusão-palpite dá que pensar.
Porque é que as pessoas do PP, ou da chamada Direita, têm receio em revelar directamente a opinião que exprimem na discrição da cabine de voto? Se têm receio, é porque sentem que há uma sanção pública relativamente as opiniões políticas que têm. Opiniões que, aliás, são perfeitamente legítimas e, teoricamente, garantidas constitucionalmente. Portanto, essa sanção pública viola os direitos, liberdades e garantias que constituem a base de um Estado de Direito. Portanto nós vivemos numa situação de défice democrático.
Essa sanção pública é veiculada pela comunicação social, sob as mais diversas formas em que esta se processa, e decorre do facto da superestrutura ideológica da sociedade actual ter sido colonizada pela esquerda. Escrevi em 21-04-2004 que, A esquerda actual tornou-se, em matéria de intolerância, arrogância e espírito totalitário, a herdeira da direita dos fins do século XIX e primeiras décadas do século XX. E as conclusões daquele estudo vêm reforçar as opiniões que então exprimi.
Terei, talvez, quando escrevi aquele texto, sido algo superficial na caracterização política. Na verdade, esquerda e direita voltaram a ser apenas a disposição geométrica dos assentos parlamentares. A esquerda, hoje em dia, tem apenas um significado geométrico e, no caso do PS, de geometria variável. Actualmente a esquerda é o conservadorismo, é a defesa do statu quo, daquilo que chama direitos adquiridos ou conquistas irreversíveis. A esquerda olha para o futuro, saudosa do passado, defendendo-o, e recuando combatendo trincheira a trincheira. A esquerda não tem quaisquer ideias operacionais, para além de falar em ser amiga das políticas sociais, mas sem as concretizar, pois já viu, ela e todos nós, o fundo ao tacho.
Em contrapartida, a esquerda, a esquerda actual, vive da contemplação extática dos seus sublimes e imortais valores sociais e culturais. E esse êxtase, esse arrebatamento a que a sua ideologia a transporta, leva-a a sentir um intenso desdém pelos ignaros que não comungam dessa ideologia. Ora um sistema coerente de ideias e valores ou se baseia no conhecimento do real concreto, na experiência, tendo portanto uma fundamentação científica continuadamente validada pelos factos, ou quando ele se mantém apenas pela fé, pois a experiência e os factos invalidam-no, não é mais que uma religião.
E sabe-se com que determinação e furor as religiões defendem os seus cânones, as suas matérias de fé. A história está repleta das violências que as religiões exerceram para manterem a pureza da fé e exterminarem os heréticos.
Foi pelo facto dos sistemas de ideias e valores da esquerda se terem tornado numa religião, numa profissão de fé, que a esquerda actual é estalinista, mesmo quando se declara contrária ao estalinismo, é intolerante, é trauliteira, é totalitária, é, em tudo, o espelho fiel da direita «antiga» no que respeita ao comportamento social e tipologia argumentativa. Basta ler os fóruns da net, alguns blogues, diversos comentários a este blogue, etc.. A esquerda actual não tem argumentos consistentes; apenas tem intolerância, pesporrência e acinte, muito acinte.
E essa arrogância, esse acinte e, acima de tudo, um enorme desdém pelos que não estão iluminados pela revelação da verdade absoluta, transparece na comunicação social, ideologicamente colonizada pela esquerda (*) e, genericamente, na superestrutura ideológica da sociedade portuguesa.
Esse totalitarismo ideológico, essa tirania da religião dos bem-pensantes, tem as suas sequelas: quanto mais as pessoas se sentem afastadas daqueles valores, mais se sentem afectadas por uma heresia que devem ocultar de estranhos para tranquilidade do seu espírito. Na realidade, o que estas pessoas sentem ... é medo. Não é o medo físico, não é o medo do trauliteirismo da moca do cartaz do BE é o medo da sanção social, da rejeição, de serem enjeitados como heréticos
A esquerda, que se afirma como democrática, gerou o défice democrático existente na nossa sociedade, não tanto pela ingerência opressiva (também ... basta ver como Vital Moreira, que tão chocado ficou pelo facto do Prof. Marcelo ter abandonado a TVI, encetou agora uma cruzada contra a contratação daquele comentador pela RTP) mas principalmente pela disseminação obsidiante, mas subtil, da sua ideologia alcandorada em verdade absoluta e incontestável.
No que respeita às sondagens, é natural que as metodologias utilizadas para corrigir os enviesamentos das amostras, passe a integrar correcções sobre esse comportamento do eleitorado de direita. Se o fizer desta vez, é natural que a diferença entre as sondagens e o acto eleitoral se atenue ou mesmo se inverta.
Mas a questão que eu aqui coloco não é a da correcção de enviesamentos de amostras estatísticas, é a do défice democrático que leva portugueses a ocultarem as suas opiniões de estranhos. E essa, é uma questão sumamente inquietante, é uma questão de regime.
(*) Essa colonização não pressupõe, necessariamente, a detenção do poder político. Meses atrás, António Barreto, num artigo sobre a lastimável situação da educação em Portugal, afirmava que era culpa da ideologia educacional da esquerda, apesar das reformas terem sido feitas, indiferenciadamente, por governos de esquerda e de direita. Barreto afirmava que, em matéria de educação, a direita, tendo perdido o seu modelo arcaico autoritário e disciplinador, tinha sido colonizada, ideologicamente, pela esquerda.
Interessada em conhecer o programa do PSD, fui ao site do partido, fiz o d/l tal como lá estava indicado e comecei a lê-lo. Fiquei entusiasmada, e cada vez mais, à medida que o ia devorando. Tudo o que lá estava escrito me empolgava e correspondia ao que tenho aqui escrito frequentemente. Estava magnífico. O diagnóstico era perfeito e as medidas exemplares. Racionalizar, reduzir e simplificar o Estado e promover a liberdade de escolha dos cidadãos entre ofertas alternativas de prestação dos serviços públicos, sempre foram ideias que acarinhei. Sempre defendi que se devia trazer a responsabilidade para os modelos de decisão administrativa do Estado e redistribuir competências no Estado. A minha adesão era total.
Só que a partir do meio do documento (em pdf), após meia hora de leitura rápida, comecei a achar que havia ali algo estranho ...
Tenho que confessar que faço as coisas com demasiada rapidez e que provavelmente deveria ser mais ronceira a ler alguns documentos. Mas aquele era exaltante. Por exemplo, quem tinha escrito a parte sobre a reforma da administração pública percebia obviamente do assunto. Foi certeiro aos pontos fulcrais:
proceder a uma identificação sistemática, ministério a ministério, da missão e tipo de intervenção que devem ter os respectivos serviços, eliminado decididamente duplicações e desperdícios de recursos;
implementar novas técnicas de gestão pública, difundindo a prática da gestão por objectivos, nomeadamente ao nível dos serviços prestados;
introduzir mudanças indispensáveis a uma maior eficiência organizacional;
aproximar a Administração Pública dos cidadãos;
simplificar métodos e processos de trabalho;
motivar os funcionários públicos e agentes, mediante a definição clara de objectivos;
premiar o mérito e a produtividade;
melhorar e aumentar a utilização das tecnologias da informação, por forma a estabelecer práticas de e-government;
etc.
Foi quando cheguei à parte em que se propunha:
Reavaliar, no curto prazo, a utilidade funcional de todos os Institutos Públicos existentes (78 deles criados durante os seis anos de Governo Socialista ...que eu me questionei: Então isto não foi já encetado no governo de Durão Barroso? Calculo que ainda haja institutos a mais ... mas aquela referência aos 78 institutos criados pelo PS e aparentemente não extintos, deixou-me pensativa.
Continuei mais umas páginas, mas já com o sentimento que havia ali qualquer coisa que não batia certo. Nada que se relacionasse com a qualidade das propostas, que era óptima. Havia rigor, conhecimento dos factos e, acima de tudo, a sensação que emanava do documento de que fora feito por gente que percebia, e bem, de organizações administrativas e dos procedimentos e processos de reestruturação dessas organizações.
Foi então que tomei uma decisão que se revelou sábia: folheei a introdução, a que eu tinha dado menor atenção, porque normalmente só se escrevem aí banalidades e, entre essas banalidades, estava a assinatura do Presidente do PSD. Bem ... as assinaturas, nem os caixas dos bancos as sabem interpretar frequentemente ... mas não havia dúvidas ... o primeiro nome era José e o último Barroso! Então e o Santana?
Voltei ao site do PSD, revolvi aquilo tudo, e não havia dúvidas, aquele Compromisso de Mudança era o programa para as eleições de 2002!
Depois das imprecações que soltei por ter perdido quase uma hora com um documento ultrapassado, soltei outras imprecações que vou dar conta a seguir:
O que é que o governo de Durão Barroso andou a fazer? Onde é que está a desconcentração e a descentralização de muitos departamentos da administração pública e a redução da sua dimensão exorbitante, assim como das respectivas unidades, de modo a permitir a flexibilização das suas tarefas, a simplificação das suas estruturas e a responsabilização dos seus dirigentes?
Onde é que pára o sistema de Certificação da Qualidade dos Serviços Públicos?
Onde é que estão implementados os procedimentos para permitir que se detectem actos de má execução orçamental, gestão irregular, incompetência, desperdício ou clientelismo?
Onde é que estão os mecanismos destinados a recolher permanentemente a opinião dos utilizadores, tendo em vista a correcção de deficiências?
Onde é que foi alterado o regime da função pública, por forma a permitir a melhoria do processo de recrutamento, o reforço e simplificação da mobilidade interna e da intercomunicabilidade entre carreiras e o ensaio de novos e mais rigorosos critérios de avaliação do desempenho, centrados nos resultados e no mérito efectivo, tendo em vista a classificação e promoção dos funcionários?
Os lemas eram: Dinamizar, desburocratizar e tornar transparente. Perfeito! Onde é que estamos nós 3 anos depois?
É certo que os lobbies que se opõem à reforma da administração pública são fortes e têm apoios importantes, mas como foi possível o governo ter faltado ao Compromisso de Mudança de uma forma tão absoluta? É certo que Durão Barroso se revelou muito inábil na constituição do governo e na gestão da comunicação política, mas por que é que o PSD não conseguiu mobilizar as pessoas competentes, por exemplo, as que conceberam e escreveram o programa, para o implementarem na prática?
Recordando os factos, o que eu tenho assistido nestes 3 anos, foi ao distanciamento de algumas personalidades consideradas imprescindíveis, aos sucessivos tiros no pé dados por Pacheco Pereira que pretendia, insensatamente, que medidas tão profundas e contestáveis fossem levadas à prática sem coligação, por um partido sem maioria na AR; a dois anos de governo cinzento que, em vez das reformas profundas que eram o seu Compromisso de Mudança, utilizou paliativos; à saída de Durão Barroso para um cargo que certamente prestigia o país, mas que deve ter constituído um alívio para ele; a 4 meses de um governo morto à nascença.
E foi pena ... aquele programa estava muito bem concebido e escrito!
Apenas cometi um erro: os programas devem ser lidos antes das eleições ... 3 anos depois causam uma enorme sensação de mal estar.
Marçal Grilo deu este fim de semana uma entrevista a JMF e Graça Franco, onde se lamentou, entre outras coisas, de que apesar de Nunca tivemos elites tão boas como temos hoje. Temos uma elite forte na vida académica, milhares de doutorados, temos uma elite na área financeira e económica, na área dos gestores ... verificamos que as elites estão um pouco desnacionalizadas. Assumem-se como cidadãos do mundo, da globalização, e têm um certo snobismo intelectual de distanciamento em relação ao que se passa no país. Temos de tudo, é certo, mas temos um conjunto de pessoas que fazem um pouco gala em dizer que estão desligadas dos problemas do país. Estão mais ligadas aos centros externos, e isso é muito negativo.
Há um mês, parodiei aqui, em A Fuga das Elites, esta questão, e conclui, meio a brincar, meio a sério que: as elites andam disfarçadas de gente medíocre, para não serem detectadas pelo resto da população e pela comunicação social. Assim, todos alinhados pela mediocridade já não há zangas, invejas, má língua, mesquinhez. O país fica tranquilo, em estabilidade política, social, económica e em serenidade emocional ... Os portugueses não perdoam o sucesso.
Marçal Grilo descobre agora um problema que afecta o país desde meados do século XVI, quando começou a nossa decadência. Damião de Góis, Francisco de Holanda, Garcia da Orta (Goa sempre era preferível ao Reino) e outros renascentistas floresceram na diáspora. Luís de Camões queixou-se amargamente da ingratidão da Pátria.
É certo que houve momentos de união, como sucedeu na Restauração, em que muitos portugueses, que andavam pelas Europas, regressaram à Pátria para a ajudarem a defender e a reerguer, mas foram momentos fugazes a mediocridade voltou rapidamente a recuperar o seu império.
Acusa-se a Inquisição. Mas a Inquisição instalou-se no país, com o apoio da massa da população, porque se dedicou, fundamentalmente, a perseguir quem, em Portugal, se destacava e tinha sucesso. Aqueles que invejavam gente que se ilustrava pelo saber, ou pelo êxito no comércio ou indústria, iam denunciá-la à Inquisição. Sob o álibi da pureza de sangue, a Inquisição foi a arma da mediocridade que castrou o incentivo ao sucesso dos portugueses.
Grandes nomes do século das luzes foram estrangeirados: Cavaleiro de Oliveira, Luís António Verney e Ribeiro Sanches, por exemplo. O Portugal medíocre foi caricaturado por Ribeiro Sanches como Dificuldades que tem um reino velho para emendar-se.
O triunfo liberal acabou com a mediocridade obsoleta e bafienta, mas trocou-a pela mediocridade modernizada, baseada na demagogia e disseminada pela liberalização da comunicação social. Entre o triunfo do liberalismo e o movimento da regeneração, Portugal viveu 18 anos de permanentes calúnias e imundícies que cada protagonista político atirava sobre os restantes. Alternava a guerrilha verbal e escrita, com a guerrilhas civis e pronunciamentos militares.
A regeneração trouxe alguma modernização na mentalidade social do país. Mas foi sol de pouca dura. Tomemos por exemplo Bordalo Pinheiro. Bordalo Pinheiro empregou todo o seu enorme talento na criação de uma revista humorística destinada a denegrir Fontes Pereira de Melo, o político a quem Portugal deve a pouca modernidade conseguida na segunda metade do século XIX, e deu-lhe o nome de Antonio Maria, justamente os dois primeiros nomes do político (António Maria de Fontes Pereira de Melo). É certo que o modelo fontista estava à beira do esgotamento, mas o fontismo era a alternativa menos má, como a evolução política e social subsequente à morte daquele político o mostrou.
Também o século XIX foi fértil em elites que abandonaram o país, embora na maioria dos casos fosse gente forçada ao exílio pelas sucessivas guerras civis e mudanças políticas. Alguns, como o Visconde de Santarém, apesar de muito instados para regressarem, pelo próprio poder político, preferiram manter-se no exílio. O nosso maior escritor, Eça de Queirós, permaneceu quase toda a sua vida no estrangeiro.
A atmosfera em Portugal não era favorável às elites. As elites não prosperam num ambiente de maledicência. O republicanismo que emergiu após o fim do fontismo subiu à custa da chicana política, boatos falsos, da imundície lançada sobre toda a classe política e financeira, da retórica de panegírico dos atentados bombistas (desde que favoráveis), dos regicidas, etc.. Isso permitiu aos republicanos destruírem o regime monárquico, mas criou as condições sociais para se auto-destruírem.
A seguir à matança do 19 de Outubro de 1921, Cunha Leal declarava: «O sangue correu pela inconsciência da turbaa fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda solta, matando porque é preciso matar. Todos nós temos a culpa! É esta maldita política que nos envergonha e me salpica de lama». O PRP acabou, após ter tomado o poder, por cair na armadilha que havia construído para os outros e ser vítima dos demónios que havia solto.
O Estado Novo e a democracia instituída na sequência do 25 de Abril, mostraram aquilo que era evidente desde meados do século XVI que as elites portuguesas abandonam o país quer por ele ser uma ditadura acanhada e persecutória, quer por ser uma democracia mesquinha e invejosa. As elites portuguesas têm navegado, ao longo dos séculos, entre Cila e Caribdes, entre a censura policial e a censura da mesquinhez, entre a Inquisição clerical e a Inquisição dos politicamente correctos.
As elites não estão desnacionalizadas. Elas apenas não se revêem neste universo mesquinho e invejoso a que a sociedade portuguesa está reduzida. Algumas fazem carreiras brilhantes e lucrativas nos negócios ou nas profissões liberais, cá ou lá fora, outras, na área científica, deixam o país porque nem os incentivos financeiros, nem a pequena inveja dos feudos universitários são motivadores.
Por isso temos um conjunto de pessoas que fazem um pouco gala em dizer que estão desligadas dos problemas do país. Elas estão apenas desligadas da mediocridade, da inveja e da mesquinhez que imperam no país. Fazem-no por auto-defesa. Só por masoquismo se mostrariam ligadas a uma sociedade que as quer no seu seio pelo prazer sádico de as amesquinhar, de as aviltar.
Escrevi diversas vezes neste blog sobre o ICN(*) descrevendo-o como um fautor de destruição da natureza e não da sua conservação, como o nome pressuporia. Foi um instituto que ficou em auto-gestão, que engordou em efectivos empregando fundamentalistas ambientais, que alberga as mais sábias incompetências em matéria de conservação da natureza, sábias porque leram os livros e revistas de outras sábias incompetências, incompetentes, porque só conhecem a natureza que vem naqueles livros, e que agem sob o império de mitos que beberam nessa literatura seleccionada.
O ICN tornou-se uma vaca sagrada para as organizações ambientalistas, o que era previsível, porquanto deu emprego a muita fauna bio-diversificada que vagueia naquelas organizações.
Provavelmente muitos terão julgado exageradas afirmações que produzi. Leiam então o DN de hoje:
O Instituto para a Conservação da Natureza (ICN) não está a zelar pelo património ambiental do País. É uma estrutura "muito burocrática", virada para o interior, sem "estratégia definida e com demasiada dependência orçamental". Estas são as conclusões "arrasadoras" de uma auditoria realizada pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), que traça também as mudanças estruturais necessárias para o futuro. Uma reforma que passará para o próximo Governo.
Julgo que este relatório não vai ter consequências. Quando em Portugal uma vaca sagrada é atropelada, quem fica acidentado é o atropelante que, quando sobrevive, acaba normalmente nos cuidados intensivos.
(*)Ler, por exemplo, aqui e ali ...
A ideologia dominante no nosso país está a mudar. Lentamente, penosamente, há prenúncios de mudanças. A ideologia estatizante, a do Estado providência, omnipotente, do Moloch para cujo sustento devemos sacrificar os nossos bens e o nosso labor, está em claro retrocesso. O peso do Estado na sociedade portuguesa tornou-se de tal forma excessivo que o sentimento de rejeição por essa presença obsidiante alastra por toda a sociedade. Já existe, na classe política, o consenso sobre que esse Estado obeso e impotente tem que desaparecer, para que Portugal retome a via do desenvolvimento. O único mas difícil problema é o de saber como realizar isso.
Todos os dias vêm a lume estudos em que se provam que este e aquele sector público é o que despende mais na União Europeia e o que presta pior serviço ao público. Foi o que se provou para o sector da Saúde; foi o que se demonstrou abundantemente para o sector da Educação; foi, há dias, um estudo sobre o sector da Justiça, onde se concluiu que Portugal era o país da UE que tinha, de longe, mais juízes e funcionários judiciais, e era aquele onde a justiça era pior, mais ineficiente e mais morosa. Isto, depois de um estudo que provava que um melhor desempenho do sistema judicial se traduziria num acréscimo de 11% na taxa de crescimento do PIB.
A obesidade conduz à morte. Foi o excesso de intervencionismo na economia britânica que levou ao seu declínio, às derrapagens orçamentais, à instabilidade monetária e à revolução Thatcheriana que apostou em menos Estado, num Estado apenas regulador. Mesmo a «terceira via» de Tony Blair foi contrária à ideia keynesiana da despesa pública como motor do crescimento. Foi isso que permitiu que a economia britânica que, a seguir à guerra, era muitíssimo mais próspera que a francesa (e que as restantes economias da Europa Continental), mas que havia estagnado mercê da vertigem estatizante dos governos trabalhistas do pós-guerra, voltasse a recuperar, e seja hoje uma das economias mais sólidas da Europa.
Todavia corremos o risco de atingir a situação do não-retorno. Para haver reformas, o eleitorado terá que as apoiar pelo voto. Ora quanto mais o Estado cresce, maior é a percentagem do eleitorado interessada na sua manutenção funcionários públicos e familiares. Esse eleitorado vota na segurança do seu sustento imediato e na certeza da ruína de todo o país a prazo. Tem pois que haver uma intervenção urgente, porquanto o sector público português ameaça tornar-se num buraco negro cuja força gravítica atingiu tal intensidade que atrai tudo para dentro de si, impedindo qualquer saída.
Alguns protestam contra a privatização do Estado. Esquecem que o Estado já está privatizado. Todos nós estamos reféns de um Estado que não nos pertence, que pertence aos interesses corporativos que se apropriaram deles: sindicatos, chefias, cujo poder depende do número de funcionários delas dependentes, e do espaço que ocupam, etc.. Nós apenas pagamos para o manter, enquanto ele nos presta somente os serviços mínimos, indispensáveis para fazer prova de vida. Aliás, um estudo recente prova que dois terços das tarefas prestadas pelo Estado são prestadas a si mesmo. O Estado vive em autofagia.
Este Estado já não nos pertence, não nos serve, apenas nos sangra. Este Estado está privatizado, mas precisa de nós para nos parasitar.
Guterres teve a atenuante de não perceber o que estava a fazer. Imaginava, na sua inocência, que o erário público era inesgotável. Mas Durão Barroso entrou com a férrea determinação de emagrecer o Estado. Ora tal não aconteceu e, embora a ritmo muito inferior, os efectivos do Estado continuaram a aumentar. O governo de Durão Barroso não teve nem a competência, nem a coragem, para tomar as medidas necessárias. Apenas paliativos financeiros. O governo de Santana Lopes também não tomou medidas, mas não pode ser citado como exemplo. Um governo sempre à beira da demissão, enfrentando uma instabilidade permanente durante os 4 meses que durou, não tem condições para tomar medidas estruturais.
A dificuldade que a nossa classe política tem mostrado em reformar o sector público ameaça a nossa existência colectiva, e é o sentimento crescente dessa ameaça que faz com que haja uma percepção cada vez mais alargada de que urge uma intervenção determinada e drástica.
O governo de Durão Barroso provou que mesmo congelando ou dificultando as admissões, o Estado continua a engordar. As propostas de Sócrates são risíveis e um mau remake das propostas de Pina Moura. Por cada dois que saem, entram três e não um, por muito que o governo proíba o contrário. O que é indispensável é a reforma e a reestruturação dos serviços, mas tal desiderato não se consegue por decreto, consegue-se pela determinação, competência e coragem.
E essa convicção alastra pela sociedade. Se a progressiva obesidade do Estado não for resolvida pela classe política, ou o país implode por incapacidade de saciar a voracidade crescente do Estado, ou o sistema político actual implode por ser incapaz de conter a impaciência dos portugueses em verem as questões fundamentais resolvidas no quadro das instituições vigentes.
Mesmo nos meios de comunicação, tradicionais baluartes dos ícones da esquerda, começa a ganhar algum consenso a urgência do emagrecimento do sector público. Aliás, uma boa gestão não é matéria de esquerda ou de direita. É uma matéria de bom senso e de competência. Esquerda e Direita são conceitos cada vez mais esvaziados de conteúdo. Derivam da localização que os deputados franceses escolheram na Constituinte, na Assembleia Legislativa e na Convenção Nacional, durante a Revolução Francesa. Mas, por exemplo, os Girondinos sentaram-se, nas 2 primeiras assembleias à esquerda e na Convenção Nacional, à direita. Na Câmara dos Comuns britânica significava apenas os lugares dos membros apoiantes do governo, qualquer que ele fosse, à direita, e o lugar da oposição, à esquerda.
Actualmente, alguém reclamar-se de esquerda serve apenas para tentar afirmar-se como estando no que julga ser o lado certo da história. Serve apenas para auto-afirmação política: Eu estou certo, pois sou de esquerda. Todavia, o que é paradoxal, é que, hoje em dia, as forças que se opõem ao progresso são exactamente aquelas que se reclamam com mais veemência de esquerda.
Por isso, Esquerda e Direita são apenas ícones, já sem conteúdo. Não será a sua pretensa dicotomia que constituirá obstáculo às reformas. O obstáculo a essas reformas são os elementos conservadores e imobilistas que apenas se reclamam de esquerda para maquilharem de um pseudo progressismo as suas opções.
Graça Franco, hoje, no Público. Revejo-me inteiramente nele.
Uma Utopia académica para Portugal
O programa do Partido Socialista constitui um excelente exercício académico. Está perfeito. Consegue prometer os resultados de uma pujante economia de mercado, com menos Estado e melhor Estado, e o conformismo imobilista de uma economia da matriz estatizante. Portugal, dentro de 4 anos, vai conseguir o milagre económico que irá abalar os fundamentos do pensamento económico contemporâneo: criar uma eficiente economia de mercado, mantendo o estatuto de Estado providência, esmoler e burocrata. Uma Utopia ... ou, neste canto da Europa, uma Uportugalia.
A questão da burocracia estatal fica resolvida com a Via Verde ... mas só para produtos inovadores, pois será criada uma Via Verde para produtos inovadores - canal de decisão rápida na Administração Pública para licenciamentos ou apoios aos investimentos;. Excelente ideia. Quem quiser investir num produto inovador arranja uma certidão de produto inovador e passará sempre pela Via Verde. Só estou curiosa em saber quantos anos demorará a obter uma certidão de produto inovador que permita aquele trânsito rápido através da burocracia estatal. A burocracia estatal é intocável. A única possibilidade será utilizar a Via Verde!
Está prometido Viabilizar a criação de 200 novas empresas de base tecnológica;. 200? Porque não 500 ou 1.000? Ou 10? Que magia terá o número de 200 no que respeita a empresas de base tecnológica? Será algum código esotérico? Imaginemos que eu queria criar a empresa de base tecnológica nº 201 ... será que me respondiam: V.Exa desculpar-me-á, mas atingimos o limite de largura de banda desta legislatura.
São números de uma semiótica esotérica e cabalística, tais como os 150 mil novos empregos e os 3% de crescimento real prometidos.
Outra promessa é a Prestação Extraordinária de Combate à Pobreza dos Idosos, por forma a que finalmente nenhum pensionista tenha que viver com um rendimento abaixo de 300 . A solidariedade nacional fará com que aproximadamente 300.000 pensionistas vejam os seus rendimentos totais significativamente aumentados com efeitos muito poderosos na diminuição da taxa de pobreza. Quando as famílias dos restantes souberem desta dádiva, deixarão de apoiar os seus familiares, ou pelo menos dirão isso. O nosso povo tem desenvolvido os mais engenhosos esquemas de candidatura a subsídios. Certamente não lhe escasseará a arte e a indústria quando este subsídio for criado.
Outra medida de grande alcance é a de Criar a regra global de entrada de um elemento recrutado do exterior por cada duas saídas para aposentação ou outra forma de desvinculação. Este programa visará diminuir em pelo menos 75 mil efectivos o pessoal da AP, ao longo dos quatro anos da legislatura. Uma das mais imorredoiras obras do socialismo foi a da indiferenciação, ou do igualitarismo, das pessoas. Portanto, no sector público português passará a haver UTs (unidades de trabalho). Saem duas UTs, não importa de que sítio e com que qualificações e habilitações, entra uma UT.
Por exemplo: reformam-se uma professora de inglês e um mergulhador da marinha. Sócrates vai à lista de espera e lá está: um cantoneiro para a Direcção de Estradas de Faro.
Antes de ler este programa, eu julgava, ingenuamente, que um organismo, para emagrecer, deveria ser objecto de um processo de reestruturação, definindo objectivos, circuitos e missões, avaliando o pessoal necessário e o excedentário, e criando procedimentos para avaliação permanente do desempenho. Afinal todos aqueles especialistas de gestão que escreveram milhões de páginas sobre organização de empresas e gestão do pessoal estavam completamente equivocados. A solução era simples e estava à vista de todos: por cada dois que saem, entra um.
A próxima investigação nesta matéria vai ser sobre o que fazer quando a saída do pessoal se processar por números ímpares: 1, 3, 5, ... 2n+1.
Neste programa também são contempladas proezas científicas: criar condições para que pelo menos um curso pósgraduado de gestão (MBA) venha a estar entre os 100 melhores do mundo;. Obviamente que seria interessante, e de significado para o país, se as nossas escolas estivessem bem colocadas no ranking mundial. Mas isso não é um objectivo, é uma consequência das políticas. Se as políticas forem as adequadas, os resultados aparecem. É um pouco indiferente verificar-se que está um curso entre os 100 primeiros, ou 2 entre os 100 e os 120. E acho provinciano, ou uma infantilidade, propor este objectivo.
O programa diz que: Governo do PS promoverá a revisão do Código do Trabalho, tomando por base as propostas de alteração que em devido tempo apresentou na Assembleia da República, bem como a avaliação do novo regime legal. Paralelamente tece diversas considerações sobre o actual código, genericamente críticas, mas sem nunca concretizar essas críticas. Julgo que se trata apenas de conversa para sindicato ler.
Quanto à questão das SCUTs estou de acordo, embora por razões diversas das do PS. Julgo que as receitas financeiras líquidas resultantes de pôr portagens nas SCUTs existentes dificilmente cobrirão mais que 20% ou 25% dos custos anuais. As SCUTs foram um péssimo negócio e o PS não reconhece isso, mas agora pouco há a fazer. Aliás, numa entrevista recente, Santana Lopes afirmava, orgulhoso, que fora ele quem convencera Mexia, porquanto este não estava inicialmente de acordo. Isso só prova que Mexia é um sujeito competente.
Quanto à Lei do Arrendamento Urbano, o PS compromete-se a apresentar na Assembleia da República uma iniciativa legislativa nos primeiros 100 dias do seu mandato. Mas é muito nebuloso sobre o conteúdo dessa lei. A lei do PSD é má, como já escrevi aqui. Mas a do PS poderá não ser melhor, nomeadamente porque o PS é muito mais susceptível aos lobbies que o PSD. Portanto, tudo permite concluir que os comerciantes irão ser bastante beneficiados por essa iniciativa legislativa.
Mas o programa tem também bons momentos, nomeadamente quando se situa ao nível do ensaio académico. Eu, por exemplo, não desdenharia escrever, neste blogue que:
o Estado pode facilitar a formação de parcerias para a inovação em clusters em que Portugal já tem competência e onde acrescenta valor e reforçar a sua competitividade internacional. São exemplos:
Combinar as indústrias dos têxteis, confecções e calçado com o design e a
distribuição, para desenvolver o cluster da moda;
Partir das indústrias automóvel e aeronáutica para desenvolver o cluster da mobilidade, da electrónica e da logística;
Promover a indústrias dos moldes como uma base fundamental de desenvolvimento de capacidades de concepção, do desenho e da engenharia de produto, com aplicaçãoem múltiplos sectores;
Apoiar o cluster das florestas;
Apoiar a indústria de software especializado;
Promover a agricultura de precisão em áreas como os vinhos e as horti-frutícolas;
Combinar o turismo com a cultura, a gastronomia, o desporto, a protecção ambiental e a recuperação do património, para desenvolver as indústrias do lazer;
Combinar estas actividades com o sector da saúde para desenvolver um cluster de apoio à terceira idade, aberto a nacionais e estrangeiros.
Está excelente, mas não passa de intenções vagas, bom para um ensaio académico, mas inconsistente, para um programa de governo.
Rodrigues Sampaio, como mestre escola, sob o olhar vigilante de Fontes, dando aula ao ministério. Os alunos, da esquerda para a direita:
Sanches de Castro (Guerra), virado de lado, Lopo Vaz de Sampaio e Melo (Fazenda), Júlio Vilhena (Marinha e Colónias), Hintze Ribeiro (Estrangeiros, acumulando com as Obras Públicas) e Barros e Sá (Justiça e Cultos), que está ajoelhado de castigo.
Como Bordalo, que morreu há exactamente 100 anos, os via:
Fontes Pereira de Melo, por interposto Presidente do Conselho de Ministros, Rodrigues Sampaio, apresenta o novo governo ao rei, ao lado do qual, refastelado, estava o representante de Sua Majestade Britânica. Esta gravura apareceu no Antonio Maria de 7/4/1881.
Da direita para a esquerda: Barros e Sá (Justiça e Cultos); Júlio Vilhena (Marinha e Colónias); Hintze Ribeiro (Estrangeiros, acumulando com as Obras Públicas); Lopo Vaz de Sampaio e Melo (Fazenda) e Sanches de Castro (Guerra).
Rodrigues Sampaio acumulava a pasta de Ministro do Reino.
As albardas, sobre as costas do Zé Povinho, correspondem ao Ministério Regenerador, presidido por Fontes (onde Sampaio tinha tido a pasta do Reino), que se iniciara de 29/1/1878; ao Ministério Progressista (Granja, devido ao Pacto da Granja, firmado a 7 de Setembro de 1876, que selou a unificação dos históricos e dos reformistas, formando o partido progressista), presidido por Anselmo Braancamp, que se iniciara a 1/7/1879 e que caíra na sequência dos tumultos contra o Tratado de Lourenço Marques entre Portugal e a Grã-Bretanha, onde Portugal se obrigava a não vender armas aos Zulus, então em guerra com os britânicos; ao Ministério Sampodoceo, dos Regeneradores, mas onde Fontes, o seu líder, achou por bem não estar presente, e que iniciou a sua actividade em 25/3/1881.
E efectivamente, em 16/9/1881, menos de 6 meses depois, este ministério foi substituído por outro, igualmente regenerador, chefiado por Fontes Pereira de Melo.
Foi nesta época que começou o chamado rotativismo monárquico, entre os dois grandes partidos: regeneradores e progressistas (estes apoiados no 1º ministério, 1879-81, pelos avilistas partidários do Duque de Ávila, então presidente da câmara dos pares que desapareceram politicamente após a morte deste em Maio de 1881)
O líder do Partido A acusou o líder do Partido B de, na anterior legislatura, enquanto governo de gestão, ter nomeado o Sr. X para um cargo público.
O líder do Partido B reagiu indignado e exigiu desculpas públicas de tão monstruosa acusação.
Na realidade, o Sr. X havia sido injustamente acusado. O líder do Partido B , quando membro do tal governo de gestão, havia nomeado para cargos públicos o Sr. Y, o Sr. W, o Sr. Z, ...etc. O Sr. X nunca!
O Partido A , cujo líder é um rotinado useiro nos lapsus linguae, pediu, ao que parece, desculpas pelo lapso ao Partido B : Este recusou-as obviamente. O Partido A deveria ter pedido desculpas ao Sr. X. Foi este que foi acusado injustamente.
O Partido B nunca! É como o delinquente que é apanhado à saída do lugar da fruta e perante a acusação de ter roubado maçãs, reage indignado:
- Maçãs!? Que calúnia! Exijo uma reparação! O que eu trago aqui, debaixo das dobras da camisa, são laranjas, mangas, bananas, diospiros, pêssegos ... tudo menos maçãs! Isso não passa de uma infame calúnia!
E a indignação é proporcional à quantidade e diversidade de fruta que transporta debaixo da camisa.
Quanto ao líder do Partido A continua a treinar os lapsos disléxicos com Bush na convicção que a dislexia de Bush foi uma das mais poderosas armas políticas que o presidente americano utilizou para ultrapassar as sondagens desfavoráveis.
O beirão Candal acusou Paulo Portas, algumas campanhas eleitorais atrás, de ser homossexual. O manifesto caiu mal, foi considerado um enxovalho contrário à ética política, e Carlos Candal acabou mais mal visto que o seu acusado. Mas há duas coisas a reconhecer no beirão Candal: foi frontal e a sua acusação corresponderia, tudo o indicava, às opiniões que ele tinha sobre a homossexualidade.
Francisco Louçã foi muito pior e mais baixo que Candal. Louçã não foi frontal ... apenas insinuou e, na questão da IVG, insinuou da forma mais torpe: trouxe a filha à colação - "O senhor não sabe o que é gerar uma vida. Eu tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança", e repetiu isto insistentemente, para que não restassem dúvidas. Louçã foi farisaico, porque não se espera de um defensor dos direitos dos homossexuais, das uniões de facto e de tantos outros temas ditos fracturantes utilize, como marketing político, insinuar que o opositor é homossexual e utilizar a filha para que essa insinuação fosse mais clara.
Candal apenas usou a baixa política, frontalmente, por convicção, mas não deixou por isso de ser baixa política. Louçã foi um Candal, mais a pusilanimidade e mais o farisaísmo. Foi um Candal pusilânime e farisaico.
Quanto ao resto do debate nem vale a pena falar. No que respeita às questões nacionais ficou claro aquilo que já se sabia que Portas tem obra feita, quer nas OGMA, quer nos Estaleiros de Viana de Castelo, e que Louçã é apenas um maldizente que tenta enganar o auditório falseando os números, comparando valor da transacção com capitais próprios, passando displicentemente ao lado de passivos, o que é de estranhar num economista ... mas não num demagogo.
Quanto à questão da fiscalidade bancária, há medidas que não podem ser tomadas abruptamente, se não têm efeitos perversos na economia. Ora a situação, a partir do OE2005, passou a ser mais justa do que era anteriormente, e tenderá, assim se espera, a evoluir nessa direcção. Mas Louçã não percebe destas coisas: ele é mais demagogo que economista.
Por isso os conceitos que ele mais utilizou no debate foram: ladrões, medíocres, sem-vergonha, mentirosos, roubalheiras, etc. etc.
Repórter descobre os Senadores da República para o próximo Prós e Contras
A Constituição dos EUA tem 7 artigos e teve 27 emendas, o que é natural, atendendo a que tem mais 200 anos que a portuguesa. No conjunto, artigos iniciais e emendas, são cerca de 6.800 palavras e 35.000 caracteres. A Constituição portuguesa, na sua actual forma, tem 295 artigos, mais de 32.000 palavras e cerca de 170.000 caracteres. E seria muito mais palavrosa, se as revisões tivessem tido a forma de emendas adicionais.
Como é possível instaurar uma economia de mercado a funcionar de forma eficiente, com uma constituição que afirma, logo no preâmbulo, pretender abrir caminho para uma sociedade socialista? E como é possível essa frase permanecer lá, mesmo após se ter visto na prática o que aconteceu às sociedades socialistas do Leste europeu?
A Constituição portuguesa actual, em todo o seu articulado, tem um cunho marcadamente ideológico, começando com declarações de intenção, que normalmente não concretiza, até porque se as concretizasse poderia colocar a nossa economia e a nossa vida social num impasse, mas que podem sempre servir de fundamento para arguir qualquer nova lei aprovada pela AR de inconstitucional.
Por exemplo, no Artigo 58.º (Direito ao trabalho), a Constituição prescreve:
1. Todos têm direito ao trabalho.
2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
a) A execução de políticas de pleno emprego;
O primeiro ponto não passa de uma boa intenção, não concretizável na prática. Isto é, nas antigas sociedades do Leste europeu, concretizou-se, mas sabe-se qual foi o resultado: a sua implosão após o tempo suficiente que demorou a levar as respectivas economias à ruína total. Quanto à execução de políticas de pleno emprego é uma opção macroeconómica que depende da conjuntura económica. Nem sempre é a política mais adequada à melhoria do bem estar social e económico. É uma questão técnica, embora com reflexos políticos e sociais. Não é matéria que deva figurar numa constituição.
Outra herança do PREC que figura na constituição, mas que não é aplicada nas empresas privadas (e não só) por razões óbvias: Artigo 54.º - 5. Constituem direitos das comissões de trabalhadores: ... b) Exercer o controlo de gestão nas empresas;
Outra prescrição que não passa de uma boa intenção moralista: Artigo 65.º (Habitação e urbanismo) 1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
O objectivo da governação é promover o bem estar geral. É inútil, e frequentemente contraproducente, enxamear uma constituição de intenções moralistas. O preâmbulo da Constituição dos EUA sintetiza toda essas intenções moralistas:
Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América. E nem mais uma palavra!
Por alguma razão os EUA se tornaram na nação mais próspera do mundo e continuam a conseguir resolver e a ultrapassar as crises de crescimento económico que se vão levantando no seu caminho, enquanto nós não saímos da cepa torta e estamos permanentemente paralisados pelos entraves que nós mesmos criamos ao nosso percurso.
Mas a nossa constituição leva a sua perversidade ao ponto de, para além da necessidade de dois terços dos deputados para a rever, ter ela própria estabelecido limites à sua revisão: Artigo 288.º (Limites materiais da revisão):
As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
a) A independência nacional e a unidade do Estado;
b) A forma republicana de governo;
c) A separação das Igrejas do Estado;
d) Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
e) Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais;
f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;
Embora alguns daqueles limites sejam princípios basilares aceites pela sociedade ocidental, outros são apenas circunstanciais. Como é possível os constituintes levarem o seu medo pelo comportamento das gerações futuras ao ponto de estabelecerem limites que, mesmo estando todos os deputados de acordo, não é possível transpor?
Este medo do futuro indicia a insegurança dos constituintes de 1975/6, o sentimento de que estavam possuídos de estarem a fazer um texto de circunstância, que iria levantar fortes objecções no futuro e decidiram farisaicamente precaver-se aferrolhando-o ... pondo-lhe um cinto de castidade e atirando a chave fora, algures, a meio do Mediterrâneo, a caminho da cruzada da Terra Santa ... ou a meio caminho dos paraísos do Leste, onde os amanhãs cantavam.
Estas eleições vão ter uma peculiaridade invulgar. Os eleitores não vão votar no que querem. Vão votar para evitar que ganhe, quem não querem. Haverá obviamente franjas do eleitorado que, quer por acreditarem em mitos, a quase totalidade do eleitorado do BE e do PCP, quer por fé clubística, diversos e disseminados por todos os partidos, irão votar no que é a sua escolha real. Os outros votarão no que julgam ser o mal menor. Uma percentagem significativa pensará que, com o que há nos escaparates políticos, que venha o Diabo e escolha, e abster-se-á de comparecer nas urnas, deixando ao Diabo a escolha...
Instalou-se na sociedade portuguesa uma enorme decepção sobre a classe política. Essa decepção é disparatada, insensata e está a servir de álibi para os portugueses se lastimarem da situação em que estão, atribuindo como é seu hábito, a culpa a outros: neste caso aos políticos.
Em primeiro lugar, a classe política portuguesa é constituída por ... portugueses. Não é um corpo estranho que se incrustou na nossa sociedade e lhe está a devorar a seiva. Os políticos portugueses também somos nós: vêm de nós e somos nós que os elegemos.
Em segundo lugar, o enxovalho da classe política tem sido uma tarefa levada a cabo com afinco e perseverança pela nossa comunicação social, mas sustentada pelos instintos baixos e mesquinhos dos politiqueiros de café que sempre foram um furúnculo no tecido social português. Essa tarefa ganhou envergadura com o Independente do tempo de Paulo Portas e infectou todo o tecido social a partir do aparecimento dos canais privados que apostaram na mexeriquice e no enxovalho dos políticos como forma de aumentarem as audiências.
Não pretendo com isto tirar mérito aos canais privados. Acabaram com o cinzentismo do canal público e têm prestado um relevante serviço no aumento da transparência nas relações da população com o Estado e a sua máquina omnipotente e omnipresente. Todavia, as inovações têm lados positivos e negativos e cabe aos seus utentes fazerem a triagem. Por exemplo, os automóveis tornaram-se um objecto indispensável, mas os portugueses usam-no como arma de destruição maciça, numa guerra civil que dura há décadas e que custou dezenas de milhares de vítimas.
Por isso, nós somos vítimas da mexeriquice dos meios de comunicação, porque queremos ser vítimas dessas alcovitices. Eles apenas nos servem aquilo que queremos.
Em terceiro lugar as remunerações dos cargos públicos de governação estão muito abaixo das remunerações de cargos de menor responsabilidade (ou no máximo idêntica) no sector privado e mesmo em algumas empresas públicas. Essas remunerações são baixas porque se instalou a convicção, alimentada pelos mais diversos sectores, que o exercício da política em Portugal deve constituir um sacerdócio, uma tarefa para frades franciscanos e não para gestores de mérito.
Ora em matéria de sacerdócio, sabe-se como as vocações escasseiam nesta época materialista ...
Em quarto lugar instalou-se a convicção que os políticos actuais são mais medíocres que os do antigamente. É a Lei de Gresham, cuja aplicabilidade na circulação dos políticos, Cavaco Silva descobriu recentemente. Verificou-se, no programa Prós e Contras desta semana, como esses bons políticos do antigamente estão completamente desprovidos de ideias, só dizem banalidades e em vez da política séria, resvalam para estéreis lutas de clãs familiares. Não se viram ideias novas, conhecimento dos factos, intuições geniais, mas apenas arqueologia política, algo de defunto, de arcaico, de desenterrado da história passada ... apenas pó. Somente Cadilhe, feito menino entre os doutores ... perdão ... senadores, sabia do que falava e apresentava soluções, boas ou más, mas com consistência. Os senadores, a boa moeda, eram apenas espectros exumados e maquilhados para público ver.
Temos a classe política que merecemos e estamos nesta situação económica e financeira porque trabalhámos para isso acreditámos que era viável receber sem ter em conta o que produzíamos, acreditámos que a euforia de 1995-8 estava assente em bases sólidas e vinha para ficar, acreditámos em tudo o que nos venderam, porque queríamos acreditar.
E quando a realidade se perfilou perante os nossos olhos, ficámos deprimidos. Fica deprimido quem é confrontado com uma situação incómoda que não sabe, nem quer saber, resolver e ultrapassar. A depressão é a doença de quem desiste de lutar. Passamos da euforia à depressão, porque nem fizemos nada para o surto de euforia, nem fazemos nada para eliminar o que nos leva à depressão. É o perfil do jogador de casino, de quem ganha ou perde sem um fundamento consistente e sustentável daqueles eventos.
Por isso vamos escolher o que não queremos. Não queremos continuar deprimidos. Todavia a depressão não é matéria de escolha. A depressão acaba quando compreendemos as causas e as combatemos. Não acaba pelo zapping do ecrã político.
Por isso vamos escolher não continuar deprimidos e obter a continuação da depressão.
Finalmente, um sopro reformador varre o país. Políticos, sindicalistas, jornalistas, funcionários públicos e profissionais de todos os ramos, mesmo o arrumador de automóveis a quem esportulo diariamente 50cent., são unânimes em considerar que tem que haver uma reforma profunda da administração pública e que só com uma política de verdade, vamos lá. Há todavia uma divisão sub-reptícia nesta unanimidade: uns acreditam convictamente, nessa varridela reformadora; outros, citando Lampedusa, apenas reconhecem que é preciso mudar alguma coisa, para que tudo fique na mesma.
Carvalho da Silva reconheceu que talvez fossem necessários cortes na administração pública, mas advertiu que se oporia a cortes cegos. Todavia, para os atingidos, esses cortes serão sempre cegos. Por muito mau que seja um funcionário, público ou privado, está por aparecer o primeiro que reconheça que a sua saída forçada é uma medida justa. É sempre um acto cego, injusto e mesmo prejudicial para a entidade que o praticou. Faz parte da natureza humana. Portanto, Carvalho da Silva apenas aceita cortes virtuais.
Ontem, na RTP, Mário Soares ouvia atentamente Cadilhe, acenava afirmativamente às reformas propostas por Cadilhe, partilhava da unanimidade sobre a urgência dessas reformas e ... elogiava o programa do BE, afirmando convicto haver lá muitas medidas interessantes ... provavelmente as que iam no sentido exactamente oposto das medidas enunciadas por Cadilhe. Para Soares a única medida importante é evitar que o detestável Sócrates tenha uma maioria absoluta, desviando votos para o BE. Presentemente, o pensamento político do Patriarca da democracia e Senador da República está reduzido a uma zaragata de clãs interna ao PS.
Quanto a Sócrates, simplificou a questão: já declarou solenemente que abandonou as ideologias. Há dias, numa reunião no CCB, afirmou que, caso o PS ganhe as eleições legislativas, iria introduzir alterações ao Código do Trabalho aprovado pela actual maioria, mas que não iria revogá-lo "apenas por objecções ideológicas". Isto é, Sócrates reconheceu publicamente que a ideologia socialista, qualquer que ela seja, não serve os interesses do país.
Todavia existe sempre uma ideologia. A ideologia é um sistema de representações (ideias e valores) lógico e coerente que se consubstancia em normas ou regras sobre o que (e como) devem pensar, valorizar e fazer aqueles que seguem essa ideologia. Uma das característica de uma ideologia é justamente a sua lógica interna e a sua coerência.
Mas Sócrates abandonou a coerência. Votou contra o OE2005, classificando-o como de «maior ataque à classe média», e poucas semanas depois anunciou a manutenção do regime de benefícios fiscais inscrito nesse Orçamento de 2005. Ora quando ele atacou aquelas medidas orçamentais já sabia que daí a poucas semanas estaria em campanha. Nada se modificou entretanto. Mudou porque ... mudou.
A perplexidade acentuou-se quando, dias volvidos, declarou que, caso o PS vença as eleições legislativas, no Orçamento de Estado para 2006 será dado um "sinal claro" para o incentivo à poupança. Só não explicou que sinal claro seria aquele: alguma medida concreta; uma palavra amiga; um aceno de simpatia ... ou um simples olhar embaciado e comovido?
Outra promessa foi a de que haveria um crescimento médio de 3% nos próximos quatro anos e a criação de 150 mil postos de trabalho. Também não explicou como faria isso. Certamente que não será da forma como se fez durante anos, com cursos de formação subvencionados que serviam para manter o desemprego num valor baixo fictício e que não trouxeram quaisquer vantagens a nível da qualificação profissional. Não passaram de expedientes. A UE não voltará a aceitar uma vigarice destas, à custa do dinheiro dos contribuintes europeus.
Aliás, com um crescimento de 3% não é materialmente possível a criação de tantos empregos no sector produtivo. Além do mais perspectiva-se a aceleração do desemprego nos têxteis e na construção civil. Há várias centenas de milhares de postos de trabalho em perigo nestas áreas. E se houver reforma da administração pública haveria lugar igualmente a desemprego nesta área. Pelos números de Cadilhe poderiam ser de 200 a 250 mil empregos a menos. Que fazer? Sócrates aconselha a falarem com o seu assessor para os assuntos económicos.
Sócrates também propôs uma curiosa medida: aumentar em 90 euros por mês a pensão de 300 mil reformados com rendimento inferior ao limiar de pobreza, sabendo-se que as pensões inferiores ao salário mínimo nacional se referem a 1,3 milhões de reformados, para os quais existe um plano de convergência a longo prazo, considerado excessivamente longo, por alguns. Aqueles 300 mil são os que foram estimados (não se sabe de que forma) como não apoiados pelas suas famílias. Este medida é completamente inverosímil. É iníqua porque penaliza as famílias que apoiam parentes pobres, introduz uma diferenciação injustificável perante essas famílias, e é impossível de aplicar, pois uma coisa são estimativas, outra são as pessoas concretas e não vai ser possível diferenciar os pobres não apoiados, dos que estão agora apoiados ... mas deixarão de estar quando se fizer o recenseamento.
Outra medida anunciada foi o fim dos Hospitais SA, transformando-os em empresas públicas e que iria cancelar o programa em curso de construção de hospitais, em regime de parcerias público privadas. No dia seguinte, em Braga, o ex-ministro Correia de Campos declarou que o eng.º Sócrates apoiava os Hospitais SA e até aplaudia que o novo Hospital de Braga fosse construído naquele regime. Lembram-se que eu sempre disse aqui que a única diferença de política, nesta área, entre PSD e PS, era apenas a cor dos boys nos respectivos órgãos de gestão?
Portanto, sendo a ideologia um sistema de representações lógico e coerente, como não há qualquer coerência nas sucessivas declarações de Sócrates, seria uma contradição filosófica o Sócrates inquietar-se com minudências ideológicas.
Pergunta-se: mas os jornalistas que o acompanham na sua campanha não o interrogam sobre essas sucessivas contradições? Boa pergunta, mas ... silêncio.
Quem viu o Expresso da Meia-Noite de 6ª-feira passada decerto se apercebeu da ensaboadela que Sócrates havia dado, naquela manhã, aos jornalistas que o acompanham, por não o tratarem com o respeito que ele merece. Segundo uma fonte fiável, os jornalistas foram elucidados que quando é feita uma pergunta a que não é dada resposta [pelo Eng. Sócrates] os jornalistas não devem insistir, por respeito ao tal primeiro ministro que o irá ser, e se continuarem muito interessados, devem tentar obter a resposta mais tarde em off.
Amordaçando a comunicação social, coisa que acusou o anterior governo de tentar, pode-se sobreviver sem coerências, nem ideologias ... pelo menos durante algum tempo.
Sabe-se o que foi o governo anterior. Todavia pode alegar que estava numa situação insustentável do ponto de vista de legitimidade pública, sob a espada do Damocles Sampaio e com uma esperança de vida limitada. Mas estas cambalhotas de Sócrates não prenunciam nada de bom. E Sócrates nem sequer pode alegar algo que justifique mudar de opinião como quem muda de camisa.
Pois se ele ainda não começou a governar ... pois se ele ainda não foi confrontado com as duras realidades da vida e da governação.
Acontece, e mais do que seria desejável, um político prometer uma coisa em campanha e depois, já no governo, fazer o contrário.
Agora, em campanha ... unicamente em campanha, sem o empecilho das pequenas misérias da governação, prometer num dia uma coisa e, no dia seguinte, prometer o contrário ... confesso, nunca tinha visto.
Portugal é um país cheio de sorte. Na Índia há mais de centena e meia de milhões de vacas sagradas, enquanto no nosso país ruminam apenas algumas centenas de vacas sagradas. E isto porque a variante lusitana da Vaca Sagrada é uma espécie urbana, recrutada num segmento social reduzido e cuja única manjedoura é a comunicação social que a alimenta a opíparas rações de artigos de opinião, entrevistas, declarações, proclamações, elegias, ditirambos, odes, soluços, etc., etc.. Vem isto a propósito das imprecações junto às muralhas do meu post sobre afirmações de Helena Roseta.
Eu escrevi há uns meses que, enquanto nas outras espécies, o Criador providenciara, para incentivar a procriação, que o acto de geração fosse acompanhado de um intenso prazer, as Vacas Sagradas, pelo contrário, geravam-se num acto de desprazer. Uma crítica, por menor que fosse, qualquer pretensão de melhorar ou mudar algo, expressa publicamente, que causasse desprazer a um qualquer óvulo de úteros culturais ou empenhados em causas alegadamente cívicas, causava uma fecundação e um parto simultâneos e a transfiguração imediata desse óvulo numa Vaca Sagrada. Esta espécie não conhece as alegrias descuidadas da adolescência. Não há vitelas sagradas. Aparece imediatamente sob a forma de Vaca Sagrada.
E, como qualquer (perdoem-me este blasfemo determinante indefinido) ídolo, a Vaca Sagrada, ao transfigurar-se em ícone, representa-se sempre rodeada de adoradores acocorados em êxtases sublimes.
Por exemplo, Maria Filomena Mónica recenseou, no início de Dezembro passado, no Público, uma série de poemas primários, possidónios e indecorosos publicados pelo eminente sociólogo Boaventura Sousa Santos, há pouco mais de 20 anos.
Mas Maria Filomena Mónica não se apercebeu que Boaventura Sousa Santos é a Vaca Sagrada cujas regurgitações impressas e televisivas mais deliciam os adoradores desta espécie. Imediatamente duas dúzias de bonzos da cultura rupestre lusitana (e da política rupestre) vieram a terreiro num abaixo assinado público, no Público, acusando Filomena Mónica de denegrir o pensamento sociológico daquela Vaca Sagrada a pretexto de uns versejos infelizes e canhestros.
Nenhum daqueles bonzos teve a ousadia de apregoar as virtudes poéticas de Boaventura Sousa Santos. Também os adoradores de Krishna não idolatram a bosta das Vacas. Os bonzos apenas se insurgiam, duramente, civicamente e empenhadamente, contra o facto da Filomena Mónica ter utilizado a bosta do animal para o denegrir.
Mas há mais Vacas Sagradas de tetas úberes que pastoreiam e ruminam pelos prados da comunicação social e das alegrias cívicas das causas dos estereótipos pseudo-libertários. Verifiquei há dias que Helena Roseta era uma delas. E era evidente: um óvulo da espécie obreirista e pró-aborto transfigurar-se-ia em Vaca Sagrada ao mínimo desprazer. Foi o que aconteceu. E imediatamente acolitada por brâmanes iconólatras em justificada histeria, pois o crime de blasfémia é o pior dos crimes segundo os cânones dos adoradores das Vacas.
Infelizmente esta espécie não serve para nada. Não as podemos exportar porque lá fora ninguém quer estas reses. Cá dentro só estorvam. Espojam-se nos carris do progresso, impedindo o tráfego. Não passam de arqueologia ideológica.
Caricatura sobre o facto de todos dizerem coisas diferentes, mas fazerem o mesmo. À frente Fontes, Barros Gomes e o sumido Braamcamp. Atrás, olhando por cima, com o seu lorgnon, o Duque de Ávila, então Presidente da Câmara dos Pares.
O rei, na figura de Laoconte, enredado, com os filhos, Fontes e Braamcamp, nas complicações da época Tratado de Lourenço Marques, a questão do caminho de ferro de Aveiro (Porto) para Salamanca, mais a Carta, o acto Adicional e a Hidra da Anarquia.
Augusto Santos Silva, mais conhecido como plumitivo do Público, que como ex-Ministro da Educação, escreveu no sábado passado subordinado ao imagético mote não são os profetas da desgraça nem os apóstolos das soluções financistas que nos farão sair da crise que atravessamos. Resolvi traçar umas linhas sobre este texto porque considero-o um paradigma de quem tenta iludir-se a si próprio, ou talvez aos outros.
Em primeiro lugar, e embora reconhecendo que em 2002 havia problemas reais e sérios no equilíbrio das contas do Estado, Santos Silva postula que foi o facto da dupla Durão Barroso/Manuela Ferreira Leite empolar demagogicamente as dificuldades, lançar um duche frio sobre as expectativas dos agentes económicos e paralisar a acção do Estado, o investimento público e a despesa social, cortando sem critério nem sustentação que teria agravado a situação. É normal que um sociólogo, habituado ao poder da palavra, ache que a causa das nossas dificuldades económicas é ... falar-se nelas!! Que erro colossal que DB/MFL cometeram! Se eles não falassem que havia uma profunda crise orçamental, ninguém teria dado por ela ... teria passado despercebida, quer entre os agentes económicos portugueses, quer no Eurostat. O perigo que representa a incontinência verbal!
Sampaio, em vez de pactos de regime, deveria ter proposto ... pactos de silêncio!
Quanto aos cortes, eles aconteceram onde era possível, dada a rigidez da despesa com a massa salarial e com outras despesas correntes.
Mas depois desta crítica, Santos Silva só pensa no futuro. E hierarquiza 3 medidas:
A primeira é a participação numa revisão inteligente do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Portanto, a nossa medida financeira prioritária será a alteração das regras do jogo das finanças europeias. É uma medida inteligente. Como não depende de nós, nunca seremos culpabilizados por não acontecer ... ou pelo que venha a acontecer.
A segunda é a medida, por excelência, que os gastadores públicos apregoam: é preciso haver uma elevação da receita do Estado. Se o nível de evasão fiscal, designadamente entre as empresas e as profissões liberais, e o nível de informalidade económica são aqueles que todos os estudos indicam, então há uma enorme margem de crescimento da receita, sem aumento da carga fiscal, e o Governo tem de usar todos os meios legais para fazer pagar quem deve.
Há duas realidades que se conhecem: 1) Portugal tem uma carga fiscal elevada; 2) o nível de evasão fiscal em Portugal não é significativamente maior que no resto da Europa. Deve haver combate à evasão fiscal para obter uma maior equidade fiscal e fazer diminuir a carga fiscal sobre famílias e empresas, não para sustentar a ineficiência e o laxismo. São aqueles que mais se especializaram em aumentar a despesa pública, que mais apregoam a receita do combate à evasão fiscal como panaceia, embora nos seus governos nunca ninguém tivesse dado conta da sua pertinácia nessa luta. Por outro lado, o combate à evasão fiscal é uma luta demorada que passa também por uma mudança de mentalidades, quer da população, quer da administração fiscal.
Quanto à despesa pública, Santos Silva é cauteloso Finalmente, é preciso enfrentar os grandes agregados da despesa pública. Não para abater despesa onde for mais fácil, sem preocupação de equidade e justiça social, nem sentido estratégico de desenvolvimento. Mas para introduzir medidas de calibragem das prioridades do investimento público e de racionalização e sustentação da despesa. Para Santos Silva é pecaminoso falar de baixar a despesa pública ... em vez disso pretende enfrentar os grandes agregados da despesa pública.
Portanto, a primeira medida ... não é connosco; a segunda medida é sacar mais dinheiro ao contribuinte exangue, matéria em que o Estado português se tem apurado num exercício de quase 9 séculos, especialmente nos últimos 30 anos; a terceira é ... uma metáfora poética!
E conclui: Há mais vida para além das receitas gastas do monetarismo e dos truques contabilísticos. E é dessa vida que vale a pena falar.
Acho preferível que ele fale dessa outra vida, porque desta ele não parece saber o que diz. Ou então julga que os outros são tolos.
Basta mudarem-se as cabeças, que o corpo é o mesmo!
Na prateleira de cima: Braamcamp, o Bispo de Viseu, Fontes e Sampaio
Portugal, pouco a pouco, começa a tomar consciência e a avaliar os custos da ineficiência do seu sector público. Um estudo de uma investigadora da investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, cujas conclusões principais foram publicadas no Jornal de Notícias, faz uma estimativa calamitosa do impacte, no PIB do país, da ineficiência da Justiça portuguesa. E o que é grave, é que os governantes não percebem porquê. O actual ministro, apesar de ser considerado pessoa de bastante valimento, apressou-se a declarar que é preciso racionalizar os meios humanos. Nos tribunais, onde há mais serviços, deve também haver mais funcionários e magistrados. É desesperante os governantes não se aperceberem que o que está errado são os dispositivos legais para combater o incumprimento contratual e conseguir a cobrança atempada das dívidas. Não discuto que não deva haver uma reafectação e requalificação de recursos humanos. Mas o que é indispensável é a simplificação dos processos legais.
Quando debati aqui a Lei do Arrendamento Urbano escrevi que Desde 1990 que o arrendamento é livre e a prazo (5 anos). Portanto os fogos actualmente devolutos estão em mercado livre. O primeiro estudo que o governo deveria ter feito seria o de investigar porque é que há 544 mil fogos devolutos (359 mil, se descontarmos os que alegadamente estão à espera de comprador ou arrendatário) num mercado livre. Enquanto o governo não perceber as razões porque tal acontece, não vale a pena dar o passo seguinte, pois irá certamente fazer asneira. ... Sabe-se que há um diferencial, estimado em mais de 40%, que é uma espécie de prémio de risco para o senhorio. O empolamento das rendas deve-se ao receio do senhorio face ao imprevisível comportamento do inquilino e não a outro motivo.(*)
Ora nesta lei havia apenas uma ligeira, e inócua, simplificação do processo de despejo por não pagamento da renda. Portanto numa lei que se pretendia estruturante e vital para fazer funcionar esse mercado, o Governo atirou ao lado. É óbvio que uma simplificação deste processo, e de todos os que conduzam a um cumprimento contratual mais efectivo, iria fazer diminuir os réditos dos advogados ... mas contribuiria em muito para o bom funcionamento daquele mercado e de toda a economia em geral.
Desconheço se a simplificação legal será plenamente compatível com a actual Constituição. Em Portugal os mecanismos legais preocupam-se mais em assegurarem protecção aos infractores do que às vítimas. Todavia, neste caso, as vítimas não são apenas aqueles a quem foram pregados calotes, somos todos nós, indirectamente, pelo efeito perverso para a economia que resulta do receio de empresários e investidores do não cumprimento dos contratos.
O trabalho da investigadora Célia Costa Cabral baseou-se num inquérito junto dos empresários portugueses sobre o funcionamento da justiça portuguesa, e concluiu que a justiça é "muitíssimo lenta e que a sua "morosidade leva a uma natural contracção do investimento em Portugal e funciona como um obstáculo ao crescimento do País", pois "os empresários não arriscam investimentos, se não estiverem absolutamente seguros do cumprimento dos contratos".
Segundo o estudo uma justiça mais célere levaria os empresários a investir mais, a arriscar mais emprego e a baixar os preços das transacções. É óbvio que esta conclusão poderia ser tirada, mesmo sem inquéritos, por qualquer pessoa sensata que olhasse para o país em que vive. Mas Célia Costa Cabral foi mais longe e estimou que "um melhor desempenho do sistema judicial levaria a um crescimento da produção de 9,3 por cento, o volume do investimento cresceria 9,9 por cento e o emprego 6,9 por cento", o que tudo conjugado se traduziria num acréscimo de 11% na taxa de crescimento do PIB. Ou seja 13 mil milhões de euros.
Estes números valem o que valem. Não me custa a acreditar que, se houvesse uma justiça mais rápida e uma maior simplificação legal, o crescimento do nosso PIB fosse significativamente superior ao normal e que, ao fim de poucos anos, esses sucessivos diferenciais fossem 11% ou mais.
Muitas das transacções que se realizam em Portugal, das rendas de casa (no regime livre) às comissões e taxas bancárias, desde que não sejam no sistema de pagamento a pronto, contêm um diferencial devido ao prémio de risco associado à transacção, por receio de incumprimento contratual.
Mas o que é mais perverso em todo este esquema de incumprimentos contratuais é ser o próprio Estado administração central, autarquias locais e institutos quem se revela o devedor mais recalcitrante e incobrável, quer pelos prazos de pagamento (3 e 4 meses e, às vezes, anos), quer por, pura e simplesmente, se recusar a pagar. Nem sempre é por ter esgotado as verbas orçamentais, por erro, má afectação ou ausência de transferência. Sucede, com frequência, que as Câmaras, ou outras entidades públicas, incorrem, numa obra, em custos excessivos, por erro de projecto ou má supervisão. Neste caso, se essa verba adicional for cobrada coercivamente, através de acção judicial, é menos penalizadora para os órgãos gestores dessa entidade, que se concordarem pagá-la por mútuo acordo. Penalizadora não apenas do ponto de vista legal, como do ponto de vista de imagem pública.
Portanto, a simplificação da justiça teria que atingir, igualmente, o Estado que, em matéria de pagamento de dívidas tem dado um péssimo exemplo aos agentes económicos.
A questão que se põe é saber se a ineficiência da justiça pode ser resolvida pelos protagonistas da nossa actual classe política, visto o Estado e os advogados que constituem maioritariamente a classe política, estarem, aparentemente, interessados em manter essa situação. As declarações do Ministro da Justiça, mesmo demissionário, não prenunciam nada de bom ...
(*) Ler igualmente O Arrendamento Urbano
O Duque de Ávila, então Presidente da Câmara dos Pares e apoiante dos Progressistas, embora não muito fiável, com Braamcamp e Mariano de Carvalho, dos Progressistas, a puxarem-lhe o cache-nez, para chamarem a atenção e obterem apoio.
O Zé Povinho amarrado à coluna dos impostos pelo défice. Do lado esquerdo Braamcamp e Barros Gomes (Finanças), com a lança do Imposto do Selo, e do lado direito Fontes e Rodrigues Sampaio, então na oposição.
Fontes Pereira de Melo no auge. O rei está no interior de Fontes; o forro do manto está cheio de efígies do banqueiro Henri Burnay; à direita Hintze olha-o invejoso, na expectativa de ser o herdeiro; à esquerda Mariano de Carvalho pede em surdina: larga-a!
Há nomes que se forjam pela política. Nunca seriam mais que profissionais desinteressantes e ignorados, se a política não os tivesse projectado para a ribalta. Helena Roseta é um deles. Como política, não passa de uma arquitecta inexperiente; como arquitecta, o que é, deve-o à política. É um círculo virtuoso (para ela) e vicioso, para o resto da sociedade. Mas, num ápice, arrisca-se a libertar-se da lei da morte ... a imortalizar-se ... a ser mais um ícone para encimar o Arco da Rua Augusta!
Helena Roseta afirmou ontem na Visão que "A austeridade de que precisamos em Portugal não é apenas uma exigência do nosso saneamento orçamental - é um dever moral à luz das carências tremendas de dois terços da humanidade.".
Sublimes palavras. Um frade franciscano do século XIII não teria proferido declarações mais virtuosas. É comovente como a ala obreirista do PS chega ao objectivo patriótico de redução da despesa pública e de consolidação orçamental pela via da solidariedade. Não a solidariedade banal com uma função pública excessiva e parcialmente inútil. Melhor e mais exaltante: a solidariedade absoluta com a humanidade mais desvalida. Temos que eliminar o excesso de despesa, porque a nossa despesa pública é um insulto social a dois terços da humanidade.
Portugal deve encetar uma política de austeridade por solidariedade com os desfavorecidos do Bangla-Desh que, para além de não terem que comer, passam a vida empoleirados nas árvores de maior porte, para escaparem às cheias da monção; Portugal deve fazer uma rigorosa política de austeridade por solidariedade com os somalis, entalados entre as secas e os senhores da guerra; Portugal tem que ser intransigente numa frugal política de austeridade por solidariedade com todos os deserdados do mundo: Erguei-vos ó vítimas da fome, que nós partilharemos convosco a vossa abstinência!
No cumprimento desse sublime dever moral, o país teria, além de uma excelsa satisfação espiritual, que nenhum ouro (ou euro) do mundo consegue pagar, o magnífico superavit material resultante de remunerar a função pública, e as actividades de baixo valor acrescentado, com rações parcimoniosas de arroz, milho, feijão e óleo. Certamente Carvalho da Silva, João Proença e Bettencourt Picanço estariam na primeira fila para aplaudir esta medida e receber as sóbrias e parcas rações diárias.
E seria o boom económico. Todas as multinacionais dos têxteis e do calçado, que têm demandado terras longínquas, fariam marcha atrás e estabelecer-se-iam num país de tanto merecimento e tão virtuoso e solícito em dádivas espirituais. Sócrates falou em 150 mil empregos? Só 150 mil? Seriam 500 mil ... 1 milhão ... Portugal teria que importar mão de obra em fornadas gigantescas, descomunais. Claro que teria que ser mão de obra trabalhadora mas, acima de tudo, com a sublime capacidade de entrega ao seu semelhante que Helena Roseta possui.
Portugal está em dívida com Helena Roseta. Ela resolveu, provavelmente sem se dar conta, o nosso problema das outras dívidas, grosseiramente materiais dívida pública, dívidas com o exterior, etc..
Com a vantagem que as dívidas espirituais pagam-se com um olhar embaciado pela gratidão ... apenas assim. Helena, obrigada!
Após a queda do governo Progressista, Mariano de Carvalho entrega a pesada herança ao chefe dos Regeneradores, Fontes Pereira de Melo. Essa pesada herança são os empréstimos, donde a caricatura do banqueiro Henri Burnay, em cima da bandeja.
Mariano de Carvalho, Director do Diário Popular, era o poder oculto, pois não havia sido membro do governo de Braamcamp, mas era tido como um dos principais mentores dos progressistas.
No dia dos votos são só promessas:
à direita Rodrigues Sampaio, Fontes e Barros e Sá, dos Regeneradores. À esquerda, Mariano de Carvalho e Anselmo Braancamp.
No dia seguinte, os vencedores ...
Um comentarista afirmava ontem que em vez de ler as entrelinhas dos jornais, eu deveria frequentar as tascas suburbanas para adquirir um conhecimento mais profundo do país. Mesmo sem essa frequência instrutiva e embriagante, tem-se verificado que, normalmente, antecipo os acontecimentos. Por exemplo, no dia anterior à entrevista de PSL com o PR, em que este comunicou a dissolução da AR, eu havia escrito que o PSL se deveria demitir porque não tinha condições para governar. Quem ler o artigo que escrevi sobre o discurso do PR, dando posse ao governo de PSL, verificará que retratei então todo o clima de instabilidade que se iria gerar na sequência desse discurso e que culminou na dissolução da AR. Estes são apenas dois exemplos entre muitos.
Ontem escrevi aqui que o país apenas anseia que lhe sirvam a próxima dose de ópio, que os portugueses preferem a tranquilidade ilusória da mentira e que uma solução seria o colapso da nossa economia e sociedade criando as condições para que o eleitorado aceite o tratamento de choque que o país necessita. E o que escrevi ontem reflecte uma preocupação que sinto pela incapacidade do eleitorado português, ou uma parte significativa dele, perceber a situação dramática que o país atravessa e reparar no abismo por onde resvalamos, e que aceite apoiar soluções dolorosas mas indispensáveis. Preocupação que tenho transmitido ao longo de diversos textos que tenho colocado aqui (*).
Igualmente ontem no JN, embora só hoje eu tivesse tomado conhecimento, diversos e conhecidos economistas opinavam que Portugal ainda não está preparado para aceitar uma verdadeira reforma da Administração Pública, que não existe na sociedade portuguesa um clima que permita ao Governo, qualquer que ele seja, reestruturar os fundamentos do Estado, pois pela simples força do número de famílias que poderiam ser atingidas por encerramentos ou restruturações de serviços, avaliações de desempenho, deslocações de uma zona do país para outra, ... o custo político de uma real reforma será insustentável, enquanto a sociedade entender que o actual estado de coisas é sustentável
Medina Carreira concordou com aquelas afirmações e afirmou que "o primeiro passo é consciencializar a sociedade". Mas, "infelizmente, ainda não há pânico suficiente" para ultrapassar a actual "fase caricata de imobilismo e sequer começar a pensar em levar a cabo as medidas propostas por Miguel Cadilhe, que fazem todo o sentido", mas que "são bloqueadas logo à partida pela sociedade", e concluiu Enquanto Portugal não sentir dificuldades sérias, não vai fazer nada para ultrapassar a actual bandalheira, relaxe e desordem.
Portanto, todos estes distintos economistas concordam com o que tenho escrito aqui desde há muito tempo. E Medina Carreira foi ministro socialista.
Quem apreende a realidade nacional nas tascas suburbanas apenas vê os anseios, sociologicamente compreensíveis, mas economicamente insensatos, de uma população que, maioritariamente, se tenta drogar com ilusões, que foge desesperadamente da crueza dos factos, que contesta a política e os políticos dando socos no ar, pois nem quer acreditar que os verdadeiros alvos estão nela própria, em interesses ilusórios e ruinosos que não passam de ícones ocos, sem substância, mas aos quais sacrifica o bem estar nacional e os seus interesses mais essenciais e mais a longo prazo.
E a caminhada para o colapso é inevitável, e visível, para quem não se inebrie pelas tascas suburbanas, pois a nossa economia já não tem a possibilidade da desvalorização cambial para repor as condições de competitividade. E essa inevitabilidade é reforçada pelas promessas absurdas de Sócrates, o mais provável vencedor das eleições, que se desfaz em declarações avulsas, sem coerência entre si, tirando a despesa avultada que elas representam para o erário público, excepção feita à promessa, a longo prazo, de elevar o crescimento para um ritmo de 3% ao ano e criar 150 mil empregos. Só não explicou como pensa consegui-lo.
E seria igualmente importante que Sócrates, e também Santana, explicassem que medidas irão tomar para evitar o desemprego gerado pelo próximo colapso dos têxteis de baixo valor acrescentado, face à liberalização do comércio internacional dos têxteis, e na construção civil, face à estagnação continuada do sector imobiliário e das obras públicas.
Mas uma economia para gerar emprego, tem que ser competitiva e a competitividade não se estabelece por decreto, nem com declarações para eleitor ver. Consegue-se com medidas de longo prazo relativas à qualificação e formação, e estímulos diversos, nomeadamente aliviando o sector privado do pesado ónus de sustentar a ineficiência pública e de sofrer os seus efeitos.
Como Bordalo o via em 1881
Esta caricatura, publicada no António Maria em 17-Fevereiro-1881, pouco tempo antes do governo cair, retrata a guerrilha entre a Câmara dos Pares e o Ministério, que tinha o apoio da Câmara Baixa.
Da esquerda para a direita, Fontes rapa os queixos a Braancamp, Presidente do Ministério; Vaz Preto a Luciano de Castro; o Visconde de Chanceleiros a Saraiva de Carvalho; alguém que não identifico a Adriano Machado; seguem-se dois que também não identifico; finalmente, na ponta direita, Barros e Sá rapa os queixos a Barros Gomes.
Atrás, à direita, o Duque dÁvila, presidente da Câmara dos Pares, rapa os queixos a alguém que não identifico.
Quem souber a quem correspondem as caricaturas que não identifiquei, esteja à vontade para me esclarecer, a mim e a quem leia este blog.
Os dados estão lançados para mais uma encenação eleitoral. Os protagonistas estão ensaiados e sabem as marcações e as deixas. Os protagonistas destacados para o palco são exímios na arte de iludir; os protagonistas destacados para a plateia treinam-se há séculos a acreditar naquilo que querem acreditar, mesmo tendo a experiência que tudo o que for prometido se irá revelar depois uma refinada mentira.
É difícil avaliar porque é que estes protagonistas aceitam fazer reposições periódicas e regulares desta tragicomédia. Uns asseveram que os protagonistas-actores são constrangidos a mentirem porque os protagonistas-espectadores têm medo da verdade e preferem a tranquilidade ilusória da mentira. Outros asseguram que os protagonistas-actores mentem porque são incompetentes e apenas anseiam por continuarem no palco, mesmo à custa de iludirem os protagonistas-espectadores, que não passam de ingénuos iliteratos, que caem sempre no mesmo conto do vigário.
Parece-me que ambos têm razão. Os portugueses sempre se iludiram a si próprios, partindo do princípio que a tragédia que se perspectiva, apenas irá atingir os outros. Cada um pensa que acabará por se safar da enrascada. Esta percepção é comum em todos os domínios da relação do português com as instituições.
Com frequência inusitada, os governos legislam disposições insensatas, com efeitos colaterais que não avaliaram devidamente. Na Europa civilizada, tal conduziria a movimentos de opinião poderosos, aparecimento de organizações cívicas criadas unicamente para liderar a opinião pública no combate contra essa legislação. Em Portugal é o silêncio. Cada um pensa ... cá me hei-de safar. E o que é singular é que, na generalidade, safa-se. O mau funcionamento das instituições, a inércia dos cidadãos em cumprirem as disposições legais e o laxismo geral do país faz com que esses instrumentos legais caiam rapidamente em desuso, sejam esquecidos e ninguém lhes ligue.
O mesmo tem sucedido com as promessas políticas. Até há poucos anos este jogo de ilusões tinha funcionado. Os políticos cumpriam algumas das promessas, a população ficava satisfeita, meses depois a desvalorização cambial fazia ruir vantagens adquiridas, mas todos esses mecanismos complicados escapavam à compreensão geral das populações ... era a fatalidade do destino. E na eleição seguinte novas promessas insustentáveis, a mesma crendice, e os mesmos resultados.
O último grande comediante destes enganos foi o Actor Guterres. O crédito fácil e a descida das taxas de juro proporcionados pela adesão ao euro, a aplicação da diminuição dos encargos com a dívida pública na criação de empregos públicos desnecessários e nas benesses improdutivas distribuídas a esmo. Todavia, a actuação do Actor Guterres não permitia uma reposição. Os ingredientes dessa actuação tinham sido consumidos no acto.
A ressaca foi terrível. Foi como que o despertar dos Paraísos Artificiais criados por dose excessiva de ópio. Esperava-se que o país reagisse, lutasse ... e afinal o país apenas anseia que lhe sirvam a próxima dose de ópio.
E os políticos vão servir-lhe. Começou pelo OE 2005, onde Santana Lopes descobriu, surpreendentemente, que a austeridade tinha acabado e que era possível aumentar o rendimento disponível das famílias, quer através de aumentos salariais, quer através da diminuição do IRS por troca com os benefícios da poupança. Ao apostar no consumo das famílias por contrapartida da poupança, Santana deu o sinal que uma suave dose de ópio seria administrada ao país para lhe diminuir a ressaca.
E o PR, ao dissolver a AR e ao marcar eleições antecipadas, foi o dealer que a classe política ansiava, ávida por distribuir mais doses maciças de estimulante tão poderoso.
E assim tudo se perfila para que a comédia de enganos continue.
Santana Lopes perdeu a coragem política que o seu passado sugeria ter. Capitulou perante o vampirismo da comunicação social e a hipocrisia das manobras presidenciais. Também promete quimeras. Em vez de denunciar e combater a mesquinhez, fica incomodado.
Sócrates quando não diz banalidades, quando promete coisas específicas, estas promessas são imediatamente limadas ou corrigidas por aqueles que lhe fazem o programa. Só promete generalidades: empregos, sem especificar onde; o PS ser amigo das políticas sociais, sem especificar onde leva essa amizade; substituir os Hospitais S.A. pela mesma coisa, mas com outro nome e com os boys do Correia de Campos nas administrações; etc.
Portas tem a tarefa mais facilitada. Escusa de prometer seja o que for, pois se sabe que só irá para governos como sócio menor. Assim, basta-lhe apresentar o currículo dos seus ministros e vender a ideia que a coligação ruiu por inabilidade do parceiro.
Quanto aos outros, não fazem parte do regime. Apenas o querem enxovalhar e destruir, mas sem nada para oferecer em troca. O BE ainda teve pretensões em chegar-se ao conchego do poder, mas a elaboração das listas do PS mostrou claramente que Sócrates não apostava nessa carta. A única solução para Sócrates é a maioria absoluta. Aliás, só há duas soluções para o país evitar o colapso imediato: 1) o PS ter a maioria absoluta; 2) a Direita, coligada ou não, ter a maioria absoluta.
A solução em que uma parte do PSD aposta é a liquidação política de Santana nas eleições de Fevereiro, o semi-colapso do país com Sócrates durante a próxima legislatura, admitindo que ele chegue ao fim da legislatura, e a criação de condições para que o eleitorado aceite o tratamento de choque que o país necessita.
A primeira condição está quase garantida. Não parece que Santana Lopes consiga evitar uma pesada derrota em Fevereiro. Ele próprio comporta-se como um derrotado. Poderia tentar uma reviravolta em debates com Sócrates, mas Sócrates vai gerir uma situação que à partida lhe é vantajosa e não a vai comprometer em debates onde se poderia espalhar. Sócrates vai apostar na derrota de Santana. A sua vitória será apenas a consequência inevitável dessa derrota.
A segunda condição é quase certa. Sócrates não tem base de apoio, na sua clientela política, para tomar as medidas que o país precisa. Sócrates parece-me um político com algum pragmatismo, embora pouco consistente, mas a base clientelar que se perfila detrás dele não permite alimentar esperanças. Além do mais, há duas eleições a seguir e Sócrates irá evitar tomar medidas difíceis no primeiro ano de mandato. Todavia, não tomar medidas equivale a tomar uma decisão calamitosa.
Quanto à terceira condição, já é de prognóstico longínquo e difícil. Tudo depende do estado em que ficar o país, depois do consulado de Sócrates, se este ganhar.
... segundo Bordalo
A maioria das personagens já foi identificada em posts anteriores. A figura bojuda que aponta para Fontes, é o Conselheiro Arrobas, ao tempo Governador Civil de Lisboa. Junto dele, sentado, está Rodrigues Sampaio, agarrando o Espectro, o jornal que ele escreveu e editou durante a Patuleia, conforme referi num post anterior
Sócrates dixit: «Só com políticas de conhecimento se conseguem empregos qualificados e sustentados.»
É uma verdade irrefutável. Em Portugal, a maioria dos empregos bem sustentados, quer no sector privado, quer no sector público, foi conseguida mediante activas políticas de conhecimento. Ter conhecimentos, quer o próprio, quer familiares chegados ou padrinhos, é imprescindível para arranjar empregos bem sustentados.
Em gíria também se designa por políticas de cunha. E em vernáculo, empenho político...
Como medida de justiça social acho avisado que se equipare o sistema de reformas do sector público ao do sector privado. Também julgo inevitável, em face da crise demográfica, que a idade da reforma seja protelada. Todavia, o nosso problema actual (e futuro, a menos que haja reformas profundas) é a dificuldade da nossa economia gerar empregos. Actualmente ela gera desemprego, e vai continuar a gerar.
Os 150.000 novos empregos que Sócrates promete, empolgado, não chegarão (admitindo que existam ...) para colmatar o desemprego que continuará a ser gerado pelo mau desempenho da nossa economia. Neste ano e nos próximos, para além dos têxteis de menor qualidade que, com o fim das restrições impostas às importações provenientes dos países em desenvolvimento, vão certamente desaparecer, haverá também um decréscimo acentuado de emprego na construção civil. São 200 a 300 mil postos de trabalho em risco, no mínimo. Depois haverá desemprego induzido no comércio e nos serviços.
Esta é uma questão estrutural que levará anos a ser solucionada, e isto se forem tomadas desde já as medidas impopulares imprescindíveis. Senão levará décadas ...
Portanto, aumentar actualmente a idade da reforma não traz qualquer vantagem. Apenas impede o rejuvenescimento do mercado de trabalho. Mas é uma medida que terá que ser tomada, mesmo que só tenha efeitos a longo prazo.
... de Bordalo Pinheiro
Rodrigues Sampaio, Barros e Sá e Hintze Ribeiro sustentam o andor do Boi Ápis com a face de Fontes. A personagem que está por baixo do andor, julgo que pretende ser o rei D. Luís.
A imbecilidade da Comunicação Social está para além das Novas Fronteiras ...
O PÚBLICO/RTP encomendou à Universidade Católica Portuguesa uma sondagem para que os portugueses opinassem sobre se protecção civil está bem ou mal preparada para lidar com as consequências de um terramoto ou de um maremoto.
Que eu saiba, a sondagem dirigiu-se aos portugueses em geral e não a especialistas de Protecção Civil, Geologia, Geotecnia ou Mecânica de Solos. Ora a impressão que os portugueses têm de uma matéria como esta é a aquela que, confusamente, enquanto jantam e ralham com os filhos, escutam nos jornais televisivos. Os jornalistas escusavam de encomendar sondagens ... bastava indicarem a sua própria opinião, visto que os portugueses, leigos na matéria, apenas poderiam emitir a opinião veiculado pelos mídia.
Outras sondagens tornam-se assim possíveis e decisivas:
Acha que a Ponte Vasco da Gama aguenta com um sismo de grau 8? (Nota: há mais umas centenas de pontes com dignidade suficiente para serem objecto de sondagens idênticas).
Acha que há água em Marte? E, no caso afirmativo, acha que será melhor que a Água do Luso?
Acha que a Terra irá colidir com um asteróide durante este milénio?
Acha que o Lusitanosaurus da Lourinhã morreu de susto ao saber que Santana Lopes iria ser indigitado 1º Ministro daí a uma centena e meia de milhões de anos?
O Ministro Morais Sarmento foi um estouvado e um leviano. Onde julgaria ele que estivesse? De que governo pensaria ele que era a pasta que sobraçava? E que país acharia ele que era governado pelo executivo que integrava? Qualquer político avisado tem que conhecer os hábitos, costumes e idiossincrasias dos povos que pretende servir e o Ministro Morais Sarmento equivocou-se lamentavelmente.
O ministro da Presidência tinha que ir a S. Tomé assinar um protocolo de cooperação no domínio da comunicação social. Ora o Ministro deveria saber que o seu lugar era na Portela, à espera de lugar num dos 2 voos semanais para S. Tomé, em classe turística. Deveria esperar pelo chek-in, com a postura resignada que convém a um ministro português que se preze. Alugar um avião a pretexto que, caso contrário, perderia mais de uma semana por causa das ligações? Que ministro mais bronco! Então ele não sabe que em Portugal só se contabilizam as decisões? As omissões não são contabilizadas. Mesmo que ele estivesse 2 ou 3 semanas no aeroporto dessas ilhas longínquas, roendo as unhas, à espera do voo de regresso, isso não constituiria qualquer prejuízo. Em Portugal, no sector público, só o fazer pode redundar em prejuízo. O não fazer passa totalmente desapercebido.
E ao chegar, a noção de serviço público deveria tê-lo constrangido a alojar-se na Pensão A Estrela do Batepá (estrela de nome, mas meia estrela na classificação turística). Mas que imprudência o "Resort" Bom Bom? Só esse nome compromete irremediavelmente a adequação do estabelecimento ao alojamento de um ministro português em visita oficial. Além do que, num clima tropical, até uma tenda seria suficiente. Mesmo um mosquiteiro seria despiciendo. Um ministro em visita oficial deve sacrificar-se pelo serviço público. E que imagem melhor desse desprendimento público o ministro da Presidência poderia mostrar senão, na manhã seguinte, face e corpo entumecidos pelo convívio nocturno com todos aqueles insectos tropicais sedentos de provar o sangue de ministros da antiga potência colonial.
O ministro foi acompanhado por um administrador da Galp. Que desperdício! Quando o Presidente Fradique de Menezes apelou, há cerca de um ano, à colaboração dos países lusófonos na extracção do petróleo são-tomense estava obviamente a pensar enviar emissários a Portugal para negociar essa colaboração. Nunca lhe passou pela cabeça que homens de negócios portugueses tivessem a frivolidade de acompanharem uma delegação governamental portuguesa para avaliar a situação in loco. Isso fazem americanos, franceses, alemães, chineses, ... mas portugueses, nunca! Dos portugueses espera a Pátria contenção. Em Outubro passado, na Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros, o governo foi inquirido como estava a questão do petróleo de S. Tomé e as possibilidades de colaboração portuguesa. Mas isso são matérias técnicas, que se passam na obscuridade de exíguas comissões trabalhando na clandestinidade. A Pátria passa displicentemente por esses pormenores, apenas lhe interessa questões substanciais, e a questão substancial não era que ia um administrador da Galp, mas um familiar de Morais Sarmento.
As autoridades locais, habituadas a obsequiar comitivas governamentais estrangeiras, convidaram Morais Sarmento para participar num programa de mergulho na ilha do Príncipe. Que presente envenenado! A resposta do ministro da Presidência deveria ter sido intransigente e severa:
- Mergulhos? Nunca! Impossível! O estado das nossas finanças só permite que flutuemos ... mesmo um crawl enérgico nos está vedado, quanto mais mergulhar. Fluctuat nec mergitur ...Estamos com défice de fôlego!
E acrescentaria Além do que estou aqui em serviço permanente. Um membro do governo português tem que trabalhar sábados e domingos, para servir de contraponto aos nossos escribas acocorados da função pública, que despendem os dias úteis a acumularem energias para fins de semana trepidantes. Portanto, se V Exas me permitem, flutuarei com o traje que trago ... pois um fato de banho poderia induzir interpretações falsas, injustas e malévolas.
E o ministro da Presidência chegaria daqui a 2 ou 3 semanas, com o fato a pingar, mas com o dever cumprido perante a Pátria comovida e agradecida.
Eça escreveu nas Farpas, há mais de século e meio que, em Portugal, Quer-se geralmente o prestígio da realeza e a majestade do poder; mas deseja-se que el-Rei se exiba numa sege de aluguel e que Sua Majestade a Rainha não tenha mais que dois pares de botinas.. Esta mesquinhez miserabilista mantém-se como uma das mais imutáveis e gloriosas virtudes da grei.
Nota: Santana Lopes está uma sombra do enfant terrible que era anos atrás. Cada vez mais se produz perante as câmaras em estado de compungida penitência, olhando os algozes com a humildade de quem teme pela punição dos pecados que terá, segundo o que o braço secular presume, cometido. Escusava de afirmar que a notícia sobre Morais Sarmento lhe causava incómodo ... ele anda, desde há alguns meses, com o cariz de quem sofre de um incómodo crónico.
Santana Lopes ostenta, actualmente, a catadura do condenado que, tendo a execução marcada para 20 de Fevereiro, subiu já ao patíbulo e daí olha, resignado e com uma pungente ânsia de misericórdia, a populaça que se vai ajuntando para assistir ao suplício.
Não deixa de ser curiosa a diferença entre aquilo que empresários portugueses e alemães preconizam para melhoria da competitividade da economia portuguesa. Parte dessas diferenças resultam do facto de que uns são portugueses e vêem a economia portuguesa como algo de um todo em que estão inseridos o nosso país, enquanto os alemães a vêem apenas como um meio de rendibilizarem os seus investimentos. Não quero com isto desmerecer a qualidade do investimento alemão, que tem sido, desde há muitas décadas, um dos mais sólidos sustentáculos da nossa economia, mas apenas sublinhar a génese da diferenciação de algumas motivações.
Os empresários alemães, de acordo com declarações de um representante da Câmara de Comércio Luso-Alemã, consideram indispensável um melhor funcionamento da administração pública e desburocratização de muitos procedimentos (penso que incluem aqui as questões relacionadas com uma justiça mais célere) e uma diminuição da carga fiscal.
Empresários (ou Decisores) portugueses inquiridos pelo Jornal de Negócios destacam de uma forma quase unânime, como temas principais, a reforma da Administração Pública e a celeridade da justiça. Bastante atrás vem a simplificação fiscal e, muito mais atrás, a redução das taxas de IRC.
Estas diferenças são interessantes. Os decisores portugueses conseguem conviver com a complexidade fiscal portuguesa e a carga fiscal excessiva. Adquiriram manhas bastantes para tornearem aqueles obstáculos e reduzirem a carga fiscal a valores aceitáveis. É o princípio de J.-B. Say: aumentos da carga fiscal só parcialmente geram aumentos de cobranças fiscais uma parcela cada vez maior evade-se. E os portugueses estão entre os mais pertinazes fundamentadores deste princípio com mais de 2 séculos.
Num ponto estão em sintonia: celeridade da justiça. Na verdade, a celeridade da justiça e a simplificação dos processos de cobrança coerciva de dívidas e de resolução dos casos de incumprimento contratual são essenciais para um bom funcionamento da economia.
Já no que respeita à reforma e emagrecimento do sector público, os empresários alemães são omissos. As razões são evidentes. Eles apenas precisam de um bom funcionamento da Administração Pública e de uma carga fiscal mais leve. Não lhes interessa como isso é conseguido. Tal é um problema das autoridades portuguesas e manda a urbanidade que na casa dos outros, sejam os outros a mandar. Portanto, mesmo que empresários alemães achassem que o sector público português tivesse efectivos em excesso e custasse uma exorbitância, isso seria uma análise pessoal que a cortesia não aconselharia a divulgar.
Mas mais que os resultados do inquérito ao painel dos 60 decisores do Jornal de Negócios, as declarações de Miguel Cadilhe, publicadas este fim de semana no Jornal de Notícias, são uma pedrada no charco. Aliás, o ex-ministro das Finanças afirma mesmo que "Estado só lá vai com um abanão". Cadilhe pretende que se atinja Uma meta difícil - mas plausível nos quatro anos de uma legislatura - deveria ser reduzir para dois terços a actual escala de actividade corrente do Sector Público Administrativo. Ao mesmo tempo, dever-se-ia acelerar e completar a modernização das principais estruturas administrativas, como as que servem a justiça, a educação, o fisco, entre outras. ... O rácio despesas correntes/PIB desceria assim por efeito de duas forças confluentes. Como o rácio ronda os insuportáveis 40%, a meta apontaria para 27% em 2008.
Ora isto significa diminuir a despesa corrente pública em cerca de 7% ao ano, nos próximos 4 anos. Implicaria diminuir substancialmente os efectivos do sector público. Cadilhe começaria pelo mais fácil: Governo e Assembleia da República, que não têm contrato de trabalho e não estão sindicalizados. Mas Governo e AR seriam apenas o começo exemplar, exemplar, porque são uma gota de água no oceano. Tal implicaria rescisões (muitas), reconversões e reafectações de funcionários.
Para subsidiar esta revolução e esta hecatombe de escribas acocorados seria criado um Fundo de Investimento. E com que recursos? Bem, os que fossem destinados às requalificações poderiam provir, parcialmente, dos fundos estruturais da UE, e o restante, que seriam muitos milhares de milhões de euros, proviria de mais privatizações, alienações e da venda das reservas de ouro (avaliadas em cerca de 5 mil milhões de euros).
Portugal recuperaria assim, em 4 anos, o que andou a desperdiçar em 14 anos, visto que regressaria aos rácios orçamentais de 1990. E para isso, o Estado teria que vender todos os seus activos ... seria o preço do seu laxismo e da sua leviandade financeira.
Mas que político se atreveria a propor este abanão, considerado "plausível" por Cadilhe? Apenas algum que quisesse ser expulso da política activa, já com um chorudo contrato assinado para analista televisivo, especializado em comentários devastadores, mortíferos e politicamente incorrectos.
Esta é, na minha opinião, a gravura mais genial de Bordalo sobre o fontismo.
Desde o alabardeiro, passando pelo rei, nobreza, clero, políticos, até pela mosca (à direita) todos têm caricaturado o rosto do Fontes. A mensagem de Bordalo era clara: toda a política portuguesa estava nas mãos de Fontes Pereira de Melo.
O fontismo traduziu-se numa enorme transformação social e económica de Portugal: a modificação das eleições indirectas em eleições directas, a reorganização administrativa e financeira do país, a eliminação de impostos anacrónicos e a modernização fiscal, caminhos de ferro, estradas, um forte investimento de capitais europeus, industrialização, modernização do armamento e organização do exército, etc..
Os dois grandes vultos da modernização social e económica do país no século XIX foram Mouzinho, na sequência do triunfo liberal, e Fontes. Todavia, se Mouzinho foi muito reverenciado pela esquerda, o mesmo não aconteceu a Fontes, muito maltratado, não só por Bordalo, como por Oliveira Martins, embora este tivesse acabado por reconhecer a importância de Fontes no aggiornamento económico do país. A sua morte, em 1887, fechou um ciclo. A partir daí o rotativismo monárquico, sem ideias e sem diferenças substanciais entre os dois partidos, arrastou-se penosamente até à revolução de 1910.
Veio a lume, n O Público de hoje uma entrevista a Daniel Bessa. Mas não é o que ele diz que é importante. O mesmo, tenho eu aqui repetido dezenas de vezes. O que é importante é tal ser dito por um ex-ministro socialista da Indústria, ministro nos primeiros meses do governo de Guterres, antes deste ter enveredado pelo pântano do laxismo.
Respigo algumas frases:
Sobre a liberalização da economia e agilização da justiça:
- A economia portuguesa precisa de liberalização, o que não é fácil de dizer para o interior do PS. ... Quando falamos em liberalizar queremos dizer deixar o mercado funcionar. Ora muitas actividades e empresas em Portugal continuam a ser mantidas de uma forma artificial. ... . A verdade é que muitas empresas apresentam sistematicamente prejuízos e continuam a funcionar, que o sistema bancário tem muita dificuldade em recuperar créditos, mesmo quando se encontram garantidos. O mau funcionamento da nossa justiça resulta em falta de liberdade e falta de concorrência na economia que prejudica as melhores empresas.
Sobre o funcionamento da administração pública e o papel do Estado:
Porque é que leva tanto tempo a fazer o que quer que seja? Porque não sei quantos interventores da administração exigem ter uma palavra a dizer, como me perguntava atrás. Temos uma administração excessiva, temos um governo excessivo, isso é sabido e ninguém faz nada.
Sem mais concorrência, mais mercado, menos intervenção do Estado, menos serviços a intervirem no processo, sem licenciamentos e processos de falência mais rápidos não conseguiremos crescer nem sequer ao ritmo da Europa
Sobre o peso da administração pública:
se não for possível compatibilizar crescimento e contenção do défice, opto pelo segundo: sem saneamento das contas públicas não há futuro nenhum. E esse saneamento é muito difícil, porque há áreas da despesa que estão a subir de forma imparável, como a segurança social e a saúde. É essencial, por exemplo, que não aumente o emprego na administração pública. Tem de haver mesmo redução, aproveitando as saídas para a reforma e, a ter de contratar, contratar com mais qualificações. Para além disso, a nível de remunerações, estes têm de estar ligados a objectivos.
Sobre a fragilidade e dependência da nossa economia
A economia portuguesa tem um problema grande que é a fragilidade da nossa oferta lá fora. Há décadas de trabalho do ICEP, mas a retaguarda não tem correspondido. A verdade é que os melhores períodos da economia portuguesa estão ligados ao investimento estrangeiro. E não falo só da Autoeuropa, que muito contribuiu para termos hoje na área automóvel um valor acrescentado superior à do têxtil. O que também tem fragilidades. O crescimento de 2,0 por cento que o Banco de Portugal projecta para 2006 depende, como alertou Vítor Constâncio, de a fábrica de Palmela da Autoeuropa ir construir um novo modelo. Isto é: estamos dependentes de um centro de decisão exterior...
Sobre o choque fiscal:
Vou fazer uma pequena inconfidência sobre uma conversa, até um pouco desagradável, que tive uma vez com António Guterres, ainda era ele primeiro-ministro. Disse-lhe que a carga fiscal em Portugal sobre as empresas era muito elevada e ele não gostou. Por isso mostrei-lhe uma folha do World Economic Fórum sobre a competitividade dos países onde se via que, nessa altura - agora as coisas melhoraram -, entre 59 países, éramos a 57ª carga fiscal mais elevada. Pode ser desagradável ouvir isto, mas nenhum investidor em nenhum canto do mundo acha atractivo um país que oferece uma carga fiscal assim.
Daniel Bessa está pessimista. Pensa, e provavelmente com razão, que há um excesso de população activa na construção civil e que tal não será sustentável a médio prazo. Se a previsão dele se concretizar poderá haver um aumento de 200.000 desempregados a somar aos actualmente existentes. Igualmente não acredita na promessa do PS de uma taxa de crescimento de três por cento ao ano, a menos que haja reformas estruturantes que ele não julga possível, pois a economia portuguesa precisa de liberalização, o que não é fácil de dizer para o interior do PS. A agravar a situação, esses desempregados não representam só um aumento dos subsídios de desemprego, implicam igualmente uma acentuada descida de receitas fiscais.
Por outro lado uma ampla reforma da administração pública não será possível sem uma diminuição acentuada nos seus efectivos. Para qualquer lado que se vire, o país está confrontado com perspectivas sombrias a nível do mercado de emprego.
Muito do que tenho escrito neste blogue tem sido igualmente escrito e dito por ex-dirigentes socialistas, Medina Carreira, Silva Lopes e agora Daniel Bessa, entre outros. Infelizmente, apenas os ex-dirigentes falam com senso. Os dirigentes sem ex (e não me refiro apenas aos socialistas), sobrevivem como tal, vendendo ilusões e mentindo sobre a nossa situação e sobre a validade das soluções que apregoam, apenas na esperança de regressarem ao poder e à distribuição de sinecuras.
Fico perplexa pelo que tenho lido e ouvido nos últimos dias. Jornalistas, fazedores de opinião e políticos no desemprego fazem lembrar um grupo de caçadores urbanos, vestidos a rigor, de um camuflado impecável, com caçadeiras e cães do último modelo e topo de gama, que iniciam a caçada pelas onze da manhã, atirando a tudo que mexe e não conseguindo destrinçar uma vaca de uma lebre.
A questão é simples. O país tem um problema, mas nem sequer conseguiu ainda atinar com o enunciado do problema, quanto mais com a solução ou soluções. E isto é deveras preocupante.
No início de 2002 o problema era Guterres, segundo a quase unanimidade daqueles caçadores urbanos. Mas quase nenhum tentou formular o enunciado do problema, porque Guterres não passava de um epifenómeno de um problema muito mais complexo. O problema ia muito para além de Guterres. Este apenas o tinha tornado desmedido.
Nos dois anos seguintes assistiu-se aos esforços inábeis de um governo para resolver um problema do qual se desconhecia o enunciado. E os caçadores urbanos, nos seus artigos, colunas e homilias, apenas se comportavam como tal: atiravam a tudo que mexia ... menos às espécies cinegéticas.
Finalmente, a indigitação de um novo primeiro ministro permitiu uma clarificação: Era ele o problema. Os caçadores urbanos já tinha um alvo: Santana Lopes. Foi a explosão de alegria entre os caçadores urbanos. Mas como Santana não era uma espécie cinegética, os chumbos continuavam inúteis para a solução de um problema sem enunciado.
A dissolução da AR pelo PR foi uma espécie de ágape festivo, de febras grelhadas e tinto, numa caçada infrutífera, num trilho abandonado e inútil. Foi um folguedo: a carne acalmou os estômagos e o tinto inebriou os espíritos. A caçada iria prosseguir, por trilhos ínvios, horizontes ignotos e espécies inexistentes, mas prosseguiria.
Surge agora a questão das listas. A depressão é geral. Santos Silva geme: Nos partidos, as inumeráveis capelas e as suas afinidades e rivalidades tribais enxameiam as listas de candidatos sem rosto, sem ideias e sem valor autónomo, esquecendo que mesmo os que têm rosto, como ele, não têm ideias nem valor autónomo. Numa coisa tem esse ex-Ministro de Educação, de desconhecida memória, razão, os atiradores esquecem-se que, na vez anterior, escreveram exactamente o mesmo.
António Barreto foi liminar: Três cavalheiros, Santana, Sócrates e Portas, nomearam pessoalmente cerca de 80 deputados ... mais ou menos 5.000 pessoas dos cinco partidos, reunidas em comissões locais ou nacionais, nomearam 190 deputados, ou seja, a quase totalidade do Parlamento que entra em funções dentro de seis semanas. Restam 40 para nós elegermos.
Outros falam de que o país estava à espera que a moeda boa regressasse, e expulsasse a moeda má, e afinal os partidos porfiaram em apresentar ao eleitorado um baú repleto de moedas mais quebradas que alguma vez o rei D. Fernando ousou fazer, nos períodos de maior aflição de escassez de metais preciosos no Reino. Nunca se viu moeda de tão baixo teor, clamam.
O problema agora é a questão das listas. Com tanta mediocridade, como resolver o problema? Mas qual problema? Primeiro há que identificar o problema e formular o respectivo enunciado. Eu olho para as listas e não vejo que estes sejam, em média, mais medíocres que os anteriores. Alguns nomes sonantes saíram dos elencos elegíveis. Mas são apenas nomes sonantes. Nunca vislumbrei neles qualquer competência. Helena Roseta, por exemplo, competente? Nem como política, nem como arquitecta ... não passa de um nome gerado pelos aparelhos partidários do PSD e do PS.
Jorge Sampaio, um dos mais exímios caçadores de pólvora seca, num debate há dias na SIC, na sequência aliás da sua mensagem de Ano Novo, voltou a afirmar a necessidade de uma estabilidade a médio prazo (ele, que vai ficar na História como o primeiro, e esperemos o último, presidente que dissolveu uma AR com uma maioria estável, a meio do mandato) e um entendimento entre os principais partidos para resolver o problema.
Portanto, para Sampaio, e não só, a solução poderia estar num entendimento partidário alargado para tomar medidas ditas impopulares, mas necessárias, para recuperara o país. O que há de anedótico em tudo isto é que Sampaio andou a vetar, ou a enviar para o Tribunal Constitucional, para este considerar inconstitucional, inúmeras medidas impopulares em matérias que agora reclama serem solucionadas mediante um entendimento salvador.
O problema das medidas impopulares não é apenas elas serem impopulares e só gerarem efeitos positivos a médio e a longo prazo. Não é precisarem de um entendimento partidário alargado, para assegurarem a quietude social. É serem inconstitucionais. A nossa constituição, apesar das revisões que teve, continua inquinada pelo conceito de um Estado demasiado interventor na economia e na prestação de serviços públicos, o que é uma contradição com o funcionamento eficiente de uma economia de mercado. Continua inquinada por conceitos que protegem interesses corporativos e impedem o funcionamento eficiente do mercado de trabalho, o que é negativo em termos de competitividade e de incentivos à qualificação. Temos uma constituição que tem disposições que não deveriam figurar lá, por constituírem matéria para decisões dos governos e não normas rígidas que os governos estão impedidos de alterar. Temos uma constituição completamente desajustada face aos países com os quais concorremos, face aos países com os quais estamos unidos política e economicamente. Temos uma constituição que é contrária aos interesses do país e um entrave ao seu desenvolvimento.
Para que queremos deputados competentes e governantes competentes, se essa competência não se traduzir em resultados práticos? Apenas por masoquismo extremo, gente competente aceitaria expor-se a governar, sabendo que não tem possibilidades constitucionais de resolver as questões mais essenciais.
E o masoquismo é uma perversão e não uma virtude.
Pelo lado dos Regeneradores, o Conselheiro Arrobas, Governador Civil de Lisboa, apresenta o programa. Pelo lado dos Progressistas, Mariano de Carvalho
Em adenda ao meu post anterior, eis como Bordalo via o comportamento do eleitor português em Outubro de 1879.
Em 1880
Anselmo Braancamp, o Presidente do Conselho de Ministros, caricaturado com uma toilette política notável (!!) entra pelo braço de Mariano de Carvalho, Director do Diário Popular, e um dos esteios do governo. Atrás, Barros Gomes, ministro das Finanças, igualmente vestido a rigor!
Em 1879!
Não é de agora que se sabe que a Constituição é um empecilho!
A legenda em baixo diz (a gravura foi muito reduzida):
- Vês como lhe atiro e não lhe faço mal?
- Pois sim! No meu tempo também fiz o mesmo, mas não lhe atirava de costas ... atirava-lhe do telhado.
Mariano de Carvalho (de pé) era Director do Diário Popular, jornal da oposição até às eleições de Julho de 1879. Mariano de Carvalho notabilizou-se pela violência das controvérsias em que se envolveu. Tornou-se membro do Partido Progressista, quando este foi criado pelo pacto da Granja, pela união dos Históricos e dos Reformistas (onde M.C. militava). Quando esta gravura foi publicada, no Antonio Maria, 9 de Outubro, o Partido Progressista estava no governo, e Mariano de Carvalho era pró-governamental.
Rodrigues Sampaio, então na oposição, está sentado em cima do Revolução de Setembro, jornal que publicou, até passar à clandestinidade, durante a revolta da Maria da Fonte. Publicou depois o Eco de Santarém e a seguir, sempre durante a Patuleia, o célebre Espectro (a partir de Dezembro de 1846), o jornal mais procurado do país. Rodrigues Sampaio todos os dias mudava o seu artesanal equipamento de impressão de um local para o outro. O Espectro era distribuído clandestinamente e aparecia, inclusive, em cima das secretárias de políticos e membros do governo.
À frente da Constituição está a figura do Rei D. Luís.
Nota: A identificação dos políticos caricaturados por Bordalo é de responsabilidade caseira. Se alguém discordar das identificações que faço, quer das anteriores, quer de outras que irei colocando aqui de vez em quando, que o diga. Se, quem quer que me leia, identificar alguns personagens caricaturados, cujo nome eu tenha omitido, que o escreva, que é bem vindo.
As listas dos candidatos estão quase terminadas e a comunicação social encontrou finalmente matéria para saciar a sua voracidade. Uma caterva de substantivos terminados em ismo foram cunhados e postos a circular profusamente: nepotismo; aparelhismo; cinzentismo; carreirismo; oportunismo; incondicionalismo; fidelismo; estalinismo; viuvismo; etc ... ismo. Outros, mais imaginativos, escreveram sobre a impreparação, o «baixo gabarito», a tacanhez, que são uns sandeus, etc.. A mim, parece-me que os senhores jornalistas mais uma vez se precipitaram.
Os senhores deputados devem possuir as seguintes qualidades: boa dicção; capacidade de verbalizar longas sequências de frases; fôlego bastante para sustentar o verbo; ausência do sentido de ridículo para que, durante o discurso, não se apercebam que só estão a dizer banalidades e coisas insensatas; e muita ... muita falta de memória, pois um político nunca se deve lembrar do que afirmou no dia anterior. O resto, além de despiciendo, pode ser inconveniente.
E tem sido sempre assim, com algumas inúteis excepções, felizmente cada vez menos numerosas.
Nós temos um sistema eleitoral em que elegemos deputados que desconhecemos. Quando depomos o voto num dado partido, alguém sabe em que deputado está a votar? Talvez o próprio e mais alguns amigos e familiares. Apenas alguns eleitores de partidos marginais, que elegem somente um deputado aqui e outro acolá, podem saber quem elegem. Neste entendimento, nós não nos identificamos com eles. Há, obviamente, o conceito mítico e politicamente correcto de representação nacional. Eles foram eleitos por nós. Mas nós não os elegemos. E esta interessante ruptura semântica entre a voz activa e a voz passiva é introduzida pelo nosso processo eleitoral, que faz com que não nos reconheçamos neles.
Adicionalmente, Portugal sofre de uma doença genética conhecida por rigidez partidária. A partir de uma dada ruptura política e social, cria-se um espectro político que se mantém praticamente inalterado até à sua exaustão. Todos temos consciência que caminhamos para a exaustão do modelo político. Todos temos consciência que esse modelo está ultrapassado, mas nós não o conseguimos superar de dentro do próprio modelo. Têm que ser acções exógenas.
Foi assim em 1820, e nas rupturas até à estabilização constitucional 1823, a Vila-francada; 1826, outorga da Carta; 1828, revogação da Carta; 1833-4, triunfo liberal; 1836, Setembrismo e reposição do vintismo; 1842, Cabralismo e reposição da Carta Constitucional; 1846, Patuleia (Maria da Fonte), derrotada e subsequente fortalecimento do cabralismo; 1851, Regeneração.
Com a Regeneração inicia-se um ciclo assente no rotativismo que, com pequenos ajustes, se manteve inalterável até à queda da monarquia. O sistema eleitoral estava modelado para esse rotativismo. Esse modelo durou muito para além de todos terem reconhecido que o país estava num impasse. Em 1910, com o triunfo da república, a reformulação da lei eleitoral favoreceu os segmentos sociais mais republicanos. Criou-se um novo ciclo, com partidos totalmente novos, apenas republicanos, que duraria até 1926 (com a excepção do período sidonista, que aumentou a base eleitoral, eliminando algumas restrições republicanas, conseguindo superar o espectro político da 1ª República, legislação eleitoral que, aliás, foi logo eliminada após o assassínio de Sidónio Pais).
Ao fim de 16 anos a 1ª República, que já tinha passado o prazo de validade, mas não se conseguia regenerar de dentro, caiu perante o alívio da maioria da população. Alívio que redundou em tragédia, quando a democracia foi extinta, e o sistema eleitoral foi remodelado para permitir o triunfo permanente de um único partido. No fundo, nada que fosse muito diferente do sistema anterior, em que as eleições conduziam sempre, mais ou menos, ao mesmo resultado. Todavia, havia a mais a censura e a polícia política. Mas os bandos de arruaceiros das facções da 1ª República assassinaram certamente bastante mais gente que a polícia política da Ditadura. A diferença é que o assassínio político da ditadura tinha objectivos precisos, enquanto as bombas e os assassinatos dos arruaceiros eram, na prática, indiscriminados.
Com o 25 de Abril iniciou-se um novo ciclo. A forma como o regime nasceu e a tutela inicial dos militares que chefiaram o golpe, modelou novamente o espectro político, que se manteve inalterado desde então. Houve uma tentativa de ruptura com o PRD, de índole bonapartista, de um populismo transversal, que pareceu surtir inicialmente efeito, mas que se liquidou a si própria por ingenuidade política. A união de diversos agrupamentos da esquerda no BE não é propriamente uma ruptura, mas uma sinergia resultante dessa união e do anquilosamento do PCP. Aliás o BE vive da publicidade dos média, dominados por uma esquerda que ostraciza o PCP, pois já não se revê nele, e aposta numa esquerda mais mediática, que o Bloco protagoniza.
Não me parece que estes deputados sejam substancialmente piores ou melhores que os anteriores. São todos da mesma colheita a colheita dos aparelhos partidários. Enquanto não houver uma ruptura no nosso sistema político-partidário, com especial ênfase no sistema eleitoral, só haverá diferenças de pormenor. Na substância está tudo na mesma.
Continuaremos a ouvir os apoiantes do governo a elogiar as qualidades da sua governação, e as oposições a descreverem o estado apocalíptico do país. Exactamente o mesmo que disseram nas eleições anteriores, excepto no facto, irrelevante, de terem então os papéis trocados.
O caso mais gritante da irracionalidade política e de como um político se esquece facilmente do que disse, ou fez, horas depois de tudo ter acontecido, sucede com o PR Sampaio, que acabei de ouvir na SIC, no início do Jornal da Noite. Sampaio espera que saia uma maioria das próximas eleições, pois o país precisa de uma maioria estável!!. Mas se o país tinha uma AR, que ele dissolveu, com maioria estável!!
O.K. ... ele não gostava daquela maioria ... Mas imaginemos que o próximo PR não goste da maioria que surja destas eleições! Será que ele tem um septo craniano que lhe impede que estes conceitos, gerados em lóbulos cerebrais diferentes, afluam ao mesmo processador?
Mas o meu ídolo é agora a Ministra da Educação! Herdou uma situação absolutamente desastrosa, perdeu dois ou três meses, enquanto pensou que os serviços do ministério serviam para alguma coisa, e quando descobriu que o ministério não funcionava, arranjou uma solução expedita e resolveu o problema o melhor que era possível na altura. Pediram-lhe agora para ir à AR explicar a questão, e ela achou desinteressante essa ida. Para quê? Explicar àqueles incompetentes coisas que eles obviamente não entendem?
Maria do Carmo Seabra já havia dito a uma amiga, há uns meses atrás, que se soubesse onde se ia meter nunca teria aceitado o convite para ministra. Mulher de elevada craveira intelectual e científica, mandou agora os talassas de S. Bento às urtigas. José Magalhães exaltou-se: "Por Deus, isto não é o cabeleireiro". Pois não, Zé. No cabeleireiro é mais relaxante e ouvem-se notícias frequentemente mais interessantes que os entediantes e improdutivos debates parlamentares.
O governo ... entretanto tornado oposição:
À frente, tocando pandeireta, Rodrigues Sampaio. Atrás dele, o mais alto é Fontes Pereira de Melo.
Julgo que quem está sentado à porta seja o líder da oposição, Anselmo Braancamp, entretanto tornado 1º Ministro pelas eleições de 1 de Julho de 1879. Pelo menos parece-me a caricatura que habitualmente Bordalo usa para ele:
Penso que esta caricatura já devia estar feita antes das eleições, mas este número do António Maria só saíu a 10 de Julho. Bordalo deve ter alterado apenas a legenda.
Fontes era anteriormente 1º Ministro e Ministro da Guerra, enquanto Rodrigues Sampaio era Ministro do Reino.
Como, actualmente, as contradanças eleitorais estão pouco estimulantes, deitemos um olhar para Junho de 1879:
A Oposição:
Anselmo Braancamp distribuindo panfletos, seguido de Luciano de Castro:
Daí a 2 semanas, Anselmo Braancamp seria 1º Ministro e Ministro dos Estrangeiros, enquanto Luciano de Castro seria Ministro do Reino (equivalente hoje, grosso-modo, à Administração Interna)
Como Bordalo Pinheiro o via:
Ajoelhados, à direita, estão Fontes Pereira de Melo e Rodrigues Sampaio, do Partido Regenerador, então no governo. À esquerda com velas, Anselmo Braancamp e Luciano de Castro (ao que julgo), ambos ajoelhados, e Saraiva de Carvalho em pé. Estes, do Partido Progressista, estavam então na oposição.
No canto superior direito, num nicho, a imagem do Rei D. Luís.
Reparem que uma das faces da luminária é a caricatura do Fontes.
Nota: Após as eleições de 1 de Julho de 1879, as posições dos 2 partidos inverter-se-iam.
Um Remake em Technicolor
Os Reis Magos e a estrela que os teria guiado constituem questões que têm intrigado a humanidade, os investigadores e os viciados no Google, há cerca de 2 milénios. Quem eram os Reis Magos? Donde vinham? Como vinham? Porque vinham? Ao que vinham? Qual o significado da estrela? Seria mesmo uma estrela? Ou um cometa?
Mateus, um talentoso argumentista da Judeia, escreveu que: eis que vieram do oriente a Jerusalém uns magos que perguntavam: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? pois do oriente vimos a sua estrela e viemos adorá-lo, mas esta narração nunca foi considerada suficiente. Milhares de investigadores tentaram aclarar esta questão, mas falharam sempre.
Uma investigação deste tipo tem que assentar no estabelecimento de cenários e sua validação. Foi esta a tarefa que me propus. Comecemos pelo cenário tradicionalista, o mais conforme aos textos litúrgicos.
Neste primeiro cenário era elementar colocar a questão semântica. Um rei é, por definição, o poder executivo. Portanto, segundo este cenário, 3 chefes do poder executivo (naquela época remota, pois hoje seriam poder moderador ou, na Lusitânia, o poder dissolutor) com bagagens recheadas de ouro, incenso e mirra, viajaram, em conjunto, centenas de léguas, ao ritmo lento e bamboleante de camelos escorrendo uma baba peganhenta e fétida, sujeitos a incomodativos enjoos e ao sol inclemente do deserto, perseguindo uma estrela.
Analisemos este cenário e as hipóteses a que a sua validação obriga:
1 É óbvio que, nos reinos daqueles reis, se tinha tornado realidade o desiderato Santanista de um Rei, uma Maioria, pois senão não haveria as indispensáveis autorizações dos respectivos poderes legislativos para os soberanos se ausentarem dos seus estados, ainda por cima, ajoujados ao peso de tantas preciosidades;
2 Outra hipótese necessária é a de que seriam reinos sem défice orçamental nem défice de transacções com o exterior, pois de outra forma a opinião pública e os Bancos Centrais reagiriam mal à saída, para destino incerto, atrás de uma estrela, ou sabe-se lá de quê, de tantas e tão valiosas mercadorias, sem quaisquer contrapartidas nem garantias bancárias.
3 Há um facto surpreendente: os reis deslocavam-se sem escolta adequada. Os pastores, que aparecem no presépio, são obviamente figurantes locais, armados unicamente de cajados. Este dado obriga a formular ou a hipótese de um conflito institucional, todavia infirmada pela hipótese (1) ou, porventura mais verosímil, a hipótese de os Ministros da Defesa, eventualmente indicados por facções de menor expressão eleitoral, quisessem evidenciar o seu protagonismo político, não fornecendo acintosamente as escoltas. Ou, talvez, a ocorrência de um orçamento rectificativo, que transferindo verbas inscritas na rubrica forragens dos muares das quadrigas de assalto, para a rubrica aquisição de ouro, incenso e mirra, impedisse encontrar cabimento orçamental para custear a escolta.
4 Mas o que definitivamente invalida este cenário é a inexistência de jornalistas embedded na caravana régia. Nem sequer jornalistas perdidos na imensidão do deserto, segundo os usos de um país do extremo ocidente europeu, sucessivamente saqueados por Moabitas, Amalecitas, Amonitas, Madianitas, Amorreus, Filisteus e arrumadores de camelos.
Portanto, apenas quatro hipóteses absurdas sustentariam este cenário: um Rei, uma Maioria; ausência de défice orçamental e de défice de transacções com o exterior; ausência de escolta; ausência de jornalistas embedded ou apenas transviados, etc.
Aliás, este cenário apenas foi esboçado por Mateus, muitas décadas depois, quando a memória e as faculdades do piedoso apóstolo já escasseavam.
Sendo assim demonstra-se que o episódio dos Reis Magos, vindos do oriente, orientados por uma estrela, não tem poder explicativo na sua formulação tradicional. Impõe-se a formulação de um novo cenário, com fundamentação mais científica, o Cenário Neo-liberal, por muito que custe aos defensores dos sistemas estatizantes.
Assim, a minha investigação, sempre escrupulosa, baseada numa hermenêutica rigorosa e numa heurística documental precisa, buscou um novo cenário, mais sustentável e inovador.
A primeira observação é a que a palavra rei não é indissociável da soberania de um Estado. É usada habitualmente para designar especialistas numa dada disciplina ou actividade, como por exemplo: Rei dos Livros (cujo território se cinge a um espaço exíguo na Baixa lisboeta; rei dos caloteiros (título de tal forma banalizado que permitiu a concessão da realeza a uma percentagem significativa da população portuguesa, e ao próprio Estado); o rei dos analistas políticos (J A Saraiva, na opinião dele próprio, ou Marcelo de Sousa, o Velhaco Genial, na opinião dos restantes); o rei dos gaffeurs (o ministro Morais Sarmento) o Rei tout court (Elvis Presley); etc..
Portanto, subtraí-me ao erro fatal de que foi vítima Mateus, na sua senectude, e todos os seus exegetas, inclusivamente Bach. Retenhamos esta primeira conclusão: rei é apenas uma pessoa com relevo numa determinada disciplina.
A segunda observação, também igualmente pertinente, resulta da resposta à pergunta: Porque é que aqueles veneráveis anciãos abandonaram as suas terras, o seu conforto familiar, obcecados por um sinal que interpretaram como uma estrela e seguiram esse sinal, léguas a fio, empoleirados em incómodas e enjoativas corcovas de camelos?
Diz-se que estavam obcecados por um sinal, pela luminosidade de uma estrela. Cinjamo-nos aos factos despidos da retórica: os reis magos tomaram uma sequência de decisões em face de sinais, ou de um sinal que ia variando no tempo.
Julgo que as mentes mais astutas, que me acompanharam nesta dedução rigorosa já se aperceberam que chegámos ao âmago da questão. A solução está ao virar da esquina ou, no caso em apreço, ao virar da duna. Qual é a actividade humana em que os seus especialistas tomam as decisões mais inexplicáveis, demandam os locais mais inverosímeis, têm as condutas mais excêntricas em face de sinais que só eles percepcionam e só eles julgam entender?
Quem são esses especialistas? Que sinais são aqueles que tanto os excitaram?
As respostas são doravante simples e elementares:
Quem são esses especialistas? Economistas;
Que sinais são aqueles que tomaram como uma estrela? Os sinais do mercado;
Porque levaram tantas preciosidades? Porque as decisões de investimento são tomadas em face dos sinais do mercado e, naquela época, em que a moeda escritural ainda não tinha curso, os cartões de crédito nem sequer miragens eram no deserto dos Nabateus, a forma de se andar prevenido para investir na altura precisa era trazer permanentemente à arreata uma cáfila de camelos ajoujados ao peso de um sólido carregamento de ouro, incenso e mirra.
Porque é que Mateus errou? Mateus, que tinha o apelido de Levi, era colector de impostos. É óbvio que ninguém confia num colector de impostos. Principalmente quando se transporta um carregamento de mercadorias preciosas, sem guias de transporte, sem referência ao IVA, na mais absoluta e delituosa evasão fiscal. A Mateus foi contada uma história da carochinha em que ele acreditou piamente, segundo a declaração de liquidação que enviou aos publicanos (administração fiscal da época) e que depois foi incluída no seu evangelho. Já naquela época a administração fiscal se deixava embalar com balelas.
Os factos são claros e límpidos e não permitem outra explicação.
Que se passou depois? Aparentemente a Bolsa de Jerusalém teria encerrado com fortes perdas. O pessoal tinha-se endividado para comprar as prendas para festejar as Saturnalias e a bolsa estava sem liquidez. Herodes, o tetrarca, responsável pela gestão danosa que tinha levado a Bolsa à insolvência, os fariseus à ruína e os zelotas a vandalizarem a cidade, protestando contra a globalização, deu uma explicação esfarrapada aos reis magos, que acabaram num casebre de Belém, onde se desfizeram das mercadorias, desvalorizadas face ao crash da Bolsa de Jerusalém, trocadas ao desbarato por um suculento ensopado de borrego, acompanhado de leite de vaca ordenhado no momento.
Herodes aproveitou o crash bolsista, suspendeu o exercício das «call-option», ignorando a CMVM, utilizou as «golden share» detidas em todas as sociedades vítimas da recessão, e ficou com os activos de todas elas. Os pequenos aforradores, os inocentes, ficaram sem um obolo. Foi este episódio que, ficcionado por historiadores menos avisados, ficou conhecido pela matança dos inocentes
Por isso, no regresso, os Reis Magos fizeram um desvio para não voltarem a encontrar-se com Herodes, que havia arruinado a Judeia com uma política keynesiana, baseada no uso imoderado da despesa pública e, por via disso, desvalorizado as suas mercadorias.
Nunca mais tentaram interpretar sinais de mercado.
Este é o único cenário sustentável e com suficiente poder explicativo.
Há cerca de 2 mil suecos desaparecidos na catástrofe do maremoto no Golfo de Bengala, presumivelmente mortos. Há 8 portugueses desaparecidos, dos quais três luso-franceses e cinco habitantes de Macau.
Na Suécia houve vozes que se levantaram alegando eventuais atrasos das instituições suecas no apoio às vítimas. Mas imediatamente prevaleceu a unidade nacional para enfrentar a catástrofe e apoiar as vítimas. Essas vozes recriminadoras emudeceram.
Em Portugal aconteceu que o embaixador português na Tailândia estava de férias em Lisboa. Teve a pouco mediática ideia de não tomar o primeiro avião para Banguecoque. É certo que a embaixada deveria funcionar quer o embaixador estivesse lá ou não. A presença do embaixador seria meramente simbólica. Talvez por isso ele não tenha partido no mesmo dia, mas no dia seguinte. E, com a duração da viagem, chegou ao local três dias depois.
Foi fatal. O embaixador foi assaltado pelos jornalistas que nem o deixavam falar, apenas o criticavam pelo seu atraso em chegar ao local da tragédia. Todavia os únicos portugueses oriundos da República Portuguesa que se encontravam no local eram ... os jornalistas. Nem sei se os portugueses desaparecidos seriam matéria do foro da embaixada portuguesa ou da embaixada francesa e da China.
A administração pública funciona mal em Portugal, como sabemos. Não seria ofensivo para a administração pública do nosso rectângulo que os serviços da embaixada portuguesa na Tailândia funcionassem na perfeição?
Mas o problema não é esse. O problema está na atitude. Em Portugal os jornalistas vivem na ânsia de encontrarem culpados, de arrastarem instantaneamente para o pelourinho o primeiro herético que apanhem na rede, com o veredicto de culpado carimbado imediatamente na testa. Perdura em Portugal o espírito da Inquisição e este é vivaz e palpitante no jornalismo.
A Suécia é uma democracia tolerante a avançada. Os fantasmas da intolerância e da persecução já se desvaneceram há décadas. Se houver culpados eles serão certamente punidos, não precisam de julgamentos instantâneos para as câmaras, não precisam de insolências nem de processos de intenção.
É isto que é o exercício da cidadania. Em Portugal julga-se que o exercício da cidadania é insultar ou enxovalhar na comunicação social figuras públicas.
Ora, chegada a tarde, todos os principais sacerdotes e os anciãos do PSD entraram em conselho contra Santana Lopes, para o matarem;
E, maniatando-o e esfaqueando-o nas costas, levaram-no e o entregaram a Pôncio, o Prefeito do Porto;
Santana Lopes, pois, ficou em pé diante de Pôncio; e este lhe perguntou: És tu o Presidente do PSD? Respondeu-lhe Santana Lopes: É como dizes.
Perguntou-lhe então Pôncio: Não me disseste que assumirias a tua autoridade para me segurar no segundo lugar?
E Santana Lopes não lhe respondeu a uma pergunta sequer; de modo que o Pôncio muito se admirava.
E Pôncio acusou o Procônsul da Galileia, Rui Fluvius, de ter estado por detrás da sedição que o afastou da lista, sem nunca ter dado a cara;
E Santana, em vez da cara, lhe mostrou as costas cheias de golpes das facadas, e vendo que o tumulto aumentava, mandou trazer água, lavou as costas diante da Comunicação Social, dizendo: Sou inocente do despejo deste homem;
E Pôncio lhe disse "Quem não tem força para dominar o seu partido, com certeza que não tem força para dominar um Governo
E Santana, caindo aos pés da estátua de Pompeu, soluçou: Tu Quoque, Pontius;
E entreabrindo as pregas nobres de uma toga pretexta, ensanguentada, declamou: Plaudite cives, comoedia finita est;
E Cavaco, que ajardinava o horto das oliveiras, disse: Abençoado palimpsesto da minha efígie no pergaminho do apelo dos cidadãos aos comícios centuriais, pois em verdade vos digo que me crucificariam nas consulares se me confundissem com este pervertedor da história.
Medina Carreira, em declarações à Rádio Renascença, afirmou que: Não suponho que seja útil continuar com esta retórica do pacto de regime porque, enquanto a sociedade portuguesa não souber que nós temos uma economia que cresce a um ritmo que é insustentável para manter as finanças públicas, não há pacto de regime que salve nada. O problema é criar as condições de base para que a economia cresça. O diagnóstico de Medina Carreira parece-me correcto, atendendo a muitos dos comentários que tenho lido. A sociedade portuguesa ainda não se apercebeu da crise económica e financeira em que vive.
Mas como criar condições de base para um crescimento da economia? Não pode ser através do aumento da despesa e da procura interna induzida artificialmente pois a oferta interna não consegue satisfazer a procura, verificando-se uma escalada das importações e uma deterioração das contas com o exterior. Há que aumentar a competitividade das empresas existentes e atrair investimento estrangeiro em áreas de alto valor acrescentado. A economia tem que ser dinamizada pelo lado do produto, das receitas, e apostar preferencialmente na procura externa.
Mas para tornar o país atractivo do ponto de vista do investimento há que desburocratizar a administração pública, nomeadamente a justiça, e agilizar todos os processos ligados ao funcionamento da actividade económica.
No que toca às receitas é ilusório e contraproducente apostar no aumento das receitas fiscais em termos de percentagem do PIB. A carga fiscal é muito elevada em Portugal, principalmente a que se refere à carga fiscal sobre as empresas e actividade económica em geral. A evasão fiscal é um mito que é utilizado por aqueles que querem um álibi para manter níveis absurdos de despesa pública. Há evasão fiscal em Portugal, mas os estudos mostram que ela não é significativamente diferente dos restantes países da UE15.
Temos sim um peso da economia paralela superior ao do resto da UE15, embora similar aos países da Europa mediterrânica, que, segundo estimativas, ronda o quinto do PIB. Mas a incidência da economia paralela tem a ver com o grau de desenvolvimento económico e da qualidade da administração pública de cada país. Não é uma doença, mas um sintoma. As complicações burocráticas e legislações confusas e contraditórias incentivam a ficar fora do sistema.
A ineficiência da justiça também não é atractiva para a economia paralela. Uma sociedade baseada na economia de mercado, para funcionar adequadamente, tem que ter um sistema judicial que assegure o cumprimento dos contratos. Se a nossa justiça não conseguir esse desiderato, se um acordo verbal não tem um valor significativamente inferior ao de um contrato escrito e registado, então tanto faz uma unidade económica laborar na legalidade ou não, desde que a sua dimensão seja pequena.
Além do mais, todos colaboramos na economia paralela. Quando fazemos obras em casa, exigir factura equivale a pagar mais 19% de IVA. Quem é o abnegado combatente da evasão fiscal que exige factura? E que garantia teríamos, nesse caso, que o mestre de obras declarasse aquele valor?
O combate à evasão fiscal deve ser feito, e com vigor, em nome da justiça e da ética fiscais e não na esperança de sustentar os níveis absurdos de despesa pública a que chegámos. Deve ser feito para diminuir a carga fiscal das empresas, aumentar a sua competitividade e atrair investimento estrangeiro, e não para deitar dinheiro à rua. Quanto à economia paralela, poderemos diminuir o seu nível se simplificarmos os procedimentos administrativos e legais, eliminarmos os entraves burocráticos e agilizarmos a justiça. E simultaneamente criarmos incentivos para que os clientes finais exijam facturas dos serviços que lhes prestam. O Estado foge a esses incentivos porque pretende ganhar em todos os tabuleiros. No saldo final acaba por perder.
Vejamos os números apresentados recentemente por Medina Carreira no seu artigo do Titanic(*), já citado noutro local:
As colunas 2 e 4 representam o peso percentual da despesa em termos das receitas fiscais.
O ritmo anual médio do crescimento daquelas rubricas, durante o período de 1980-2004 foi, segundo cálculos meus:
Se o elevado crescimento dos custos da segurança social pode ser explicado pelo envelhecimento da população, o mesmo não acontece com as despesas de educação e da saúde, atendendo à péssima qualidade dos serviços prestados. As colunas 2 e 4 mostram a progressiva incapacidade fiscal para o financiamento da despesa pública. Em 1980 a despesa era 28% superior à receita fiscal e em 2004, 38%. O Estado tem sustentado este défice estrutural com receitas extraordinárias, desde as privatizações, até aos malabarismos destes dois últimos anos.
A situação agravou-se durante os governos de Guterres. A despesa pública total subiu de 42% (1990) para 46 % do PIB (2002). Todavia o aumento, expurgado dos juros da dívida pública, foi muito maior: de 33,5% para 43,1%, porquanto o peso dos encargos com a dívida pública caiu de 8,5% para 2,9% (cerca de 5,6% do PIB!). E aquele pesado aumento não inclui os custos gerados naquele período, mas que ficaram para ser pagos nos anos vindouros, como as SCUTs, que durante aquele período foram receitas fiscais (IVA, IRS, IRC, etc.) e, a partir deste ano, pagamentos a inscrever como custos orçamentais. A diminuição dos juros (pela adesão ao euro) e a obras no sistema faça agora e pague depois maquilharam uma situação absolutamente desastrada.
Numa entrevista a A Capital, Medina Carreira afirmou que Portugal é o 17.º país da UE25 a produzir riqueza e o 3.º a pagar ao pessoal público. É uma situação que não se poderá manter.
Esta situação acima sumarizada conduziu a que a economia portuguesa entrasse em derrapagem em 1999, estagnação que se agravou com a recessão da Zona Euro e com as medidas restritivas que o governo de Durão Barroso tomou para conter o descalabro das contas públicas. Todavia, esta contenção é difícil, porque implica contenção com as despesas do pessoal e com as despesas sociais, o que é altamente impopular.
Neste entendimento é fácil perceber que o próximo governo, qualquer que ele seja, terá uma tarefa complicada e os concorrentes às eleições terão que iludir os portugueses durante a campanha eleitoral, se quiserem conquistar o poder. Neste contexto percebe-se a polémica de hoje sobre se o PS aumenta ou não o IVA para 20%, com Miguel Frasquilho a garantir, talvez com excessivo optimismo, que quaisquer alterações na carga fiscal de um governo liderado pelo PSD no futuro serão no sentido da diminuição e não do aumento das taxas de imposto, enquanto Sócrates prometeu ontem "mexer" nos impostos, apenas não explicando qual o sentido da mexida.
Em qualquer dos casos é provável que seja o PS mais pressionado a aumentar os impostos que o PSD, visto a sua base eleitoral não aceitar cortes na despesa pública. Quanto a medidas estruturais que permitam à economia portuguesa aumentar a produtividade e a competitividade internacional, mesmo que sejam tomadas, só sortirão efeito algum tempo depois. Além do que essas medidas estruturais irão bulir com interesses corporativos, nomeadamente os lobbies sindicais, o que também será uma dor de cabeça para Sócrates.
(*) Quadro extraido do blogue "Grande Loja do Queijo Limiano"
Nota:
Ler igualmente
Haverá vida para além do Pacto?
O Manto Habitual da Hipocrisia
No editorial de hoje do DN critica-se, embora com a forma velada adequada à deferência devida às vacas sagradas, a sugestão feita pelo PR, ainda que com sua a proverbial ambiguidade, na mensagem de Ano Novo. Outros matutinos discorrem sobre o mesmo alvitre.
O editorialista afirma que há vida para além do pacto. A minha resposta é não. E não de forma liminar. Com o actual espectro político, não há vida para além do pacto. A questão que se coloca é se há condições para esse pacto se concretizar. A questão que se coloca é saber até quando Portugal sobreviverá sem uma revolução completa do seu actual modelo económico e financeiro. A questão que se coloca é saber o que sucederá primeiro: se um pacto de regime, ou se a convulsão e a destruição do actual espectro político.
Na actual conjuntura como é possível haver um pacto de regime quando o PS não reconhece os erros financeiros que cometeu durante o governo de Guterres? Se nem sequer reconhece que as SCUTs foram um erro e, pior que não reconhecer, pretende persistir nesse erro?
Como é possível pactos de regime entre partidos que continuam a utilizar os Resíduos Industriais Perigosos, uma questão puramente técnica, como arma de arremesso político, inviabilizando em cada legislatura o que estava praticamente implementado na legislatura anterior?
Como é possível pactos de regime entre partidos que têm opiniões tão opostas sobre, por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde? Embora haja, dentro do PS, opiniões muito minoritárias favoráveis à reforma que estava a ser implementada, porém contestando-a por preferirem boys diferentes (cf. Correia de Campos).
Como é possível estabelecer um pacto de regime sob os auspícios de um PR que viciou as regras do jogo, dissolveu uma AR com uma maioria estável e comportou-se como alguém que estava a fazer um favor partidário?
Como é possível que após dois anos e meio de crispação política, primeiro com o terrorismo parlamentar do PS, no período da sua deriva esquerdista, e depois com a crispação provocada pelas manobras do PR já aqui descritas noutros locais, com as feridas e traumas que tal terá deixado, estabelecer um pacto de regime?
Qualquer tentativa actual de promover um pacto de regime seria olhada com suspeição. Todas as suspeitas são possíveis: Será que o PR tem receio que o PS não consiga uma maioria absoluta e ele seja acusado de desestabilizar o país? Será que querem que o meu partido se alie ao outro partido para ser responsabilizado pela impopularidade da política do outro partido? Será que querem que o meu partido se alie ao outro partido para este ficar com os louros finais de uma política que ele havia impedido que meu partido fizesse enquanto governo?
Para haver um pacto de regime teria que haver uma pacificação na esfera política. Essa pacificação é possível? O PS não tem condições internas para um pacto de regime. O espectro político dentro do PS é demasiado amplo para permitir tal. Sócrates poderia subscrever muitas das reformas que a república necessita. Todavia Sócrates está à direita do espectro político do PS e só foi eleito por ele ser o portador da miragem do aparelho socialista em regressar às sinecuras do poder.
Sócrates não conseguiria resistir, internamente, a uma política reformista. Só conseguiria fazê-lo se comprasse o aparelho com prebendas públicas, como o que Guterres andou a fazer. Mas ao fazê-lo, compraria essas adesões com o empolamento da despesa pública. Seria uma contradição: Sócrates fazer reformas para diminuir a despesa pública e pagar essas reformas com o aumento da despesa pública necessário para subornar a sua clientela partidária. E como reagiria o outro partido do pacto?
Portanto, no futuro próximo as pontes estão cortadas entre os dois maiores partidos. Todavia, de uma forma ou de outra, a constituição terá que ser revista de modo a adequá-la ao funcionamento eficiente de uma economia de mercado; o sector público terá que ser emagrecido substancialmente; a justiça e o funcionamento da administração pública profundamente desburocratizados; a cidadania ser entendida como um contrato entre o cidadão e o Estado que o representa e assegura as condições para o exercício eficiente da sua actividade, e não uma relação entre um Estado omnipresente, tutelar, gastador, um Moloch devorador, e um cidadão indefeso e que só sobrevive capazmente enganando esse mesmo Estado.
Assim sendo, fatalmente acabará por haver em Portugal uma maioria suficientemente lata para que tal suceda. Só assim se ultrapassarão os actuais impasses. Como tal poderá vir a suceder é uma previsão que não ouso fazer. Só prevejo que não será num futuro próximo. Nas actuais circunstâncias não existem condições políticas para isso.
Sampaio foi sempre, desde os tempos de Presidente da CML, um irresoluto, acoitando essa faceta, que é, em Portugal, virtude promocional entre gestores públicos e muitos líderes políticos, atrás do biombo da ambiguidade e das frases pítias. Por isso mesmo, diversas vezes o cognominei aqui de Pitonisa de Belém, exactamente por sempre pautar as suas afirmações por um estilo redondo, dúbio, susceptível de ser interpretado das mais variadas e contraditórias maneiras, e cada maneira certificada pelos seus exegetas com fundamentação sólida e consistente.
Sampaio transporta em si, em permanência, dois dos três momentos do percurso da Razão de Hegel: a afirmação e a sua negação. Só não consegue nunca a sua conciliação e superação numa síntese. Por isso Sampaio não caminha para a Ideia Absoluta, antes vagueia, errático, sem ideias, nem Razão. Nele não há a "astúcia da Razão". Há a astúcia santimonial.
Durante um lustro, Sampaio assistiu imperturbável à delapidação dos dinheiros públicos, ao acumular de erros económicos e financeiros e, pior que erros, a acções objectivas de transferência de compromissos assumidos, de custos reais, para décadas futuras, malbaratando as vacas gordas do ciclo alto com medidas de despesa pró-cíclicas e comprometendo o ciclo baixo que viria depois com a herança acrescida de ter de solver os custos ocorridos, mas não pagos, no ciclo alto.
Sampaio foi cúmplice desta política criminosa de delapidação e penhora do erário público para satisfazer ambições eleitoralistas. Durante essa época promulgou imperturbavelmente todas as medidas que Guterres lhe apresentou e nunca se lhe ouviu nada mais, para além das suas banalidades costumeiras. Mesmo quando Guterres se apercebeu, talvez apenas parcialmente, do impasse em que se encontrava, quando se apercebeu que tinha exaurido o erário público e penhorado o futuro e que, mesmo assim, estava esgotado eleitoralmente, Sampaio, mesmo nessa situação extrema em que Guterres se resolveu demitir, ainda tentou a continuidade de um governo PS. A continuidade do governo daqueles que tinham conduzido Portugal ao abismo.
Por isso quando afirmou que "Para que possa haver mais e melhor crescimento económico não podemos continuar a viver com os défices e a dívida pública que acumulámos nos últimos anos. Infelizmente, o ano de 2004 também ficou aquém do que se esperava", Sampaio ocultou sob o manto habitual da ambiguidade, a nudez crua e forte que os «os défices e a dívida pública que acumulámos nos últimos anos» foram justamente nos anos em que ele promulgou as medidas de Guterres que conduziram a tal.
Sampaio afirmou na sua mensagem de Ano Novo que "A dificuldade da consolidação orçamental não pode justificar que se vão adiando as verdadeiras soluções, recorrendo-se a mecanismos contabilísticos, que podem servir para atenuar momentaneamente a situação mas não resolvem o problema de fundo". Esqueceu-se todavia de acrescentar que ele foi o principal empecilho a essas soluções, quer pelo seu veto, quer pela ameaça latente do veto. Mas não estava só. Tinha a suportá-lo uma Constituição completamente desadequada ao funcionamento de uma economia de mercado.
Ora a experiência mundial mostra que apenas nos países onde a economia de mercado funciona bem, há prosperidade e desenvolvimento. Onde a economia de mercado não funciona adequadamente, por dificuldades institucionais, há a crise, a miséria e o subdesenvolvimento. Onde a economia de mercado não funciona por haver uma economia estatizada, o desenvolvimento que se consegue pelo sacrifício das gerações mobilizadas para essa tarefa, acaba por se revelar ilusório, não sustentável, e resvalar para a estagnação e miséria.
Quando Sampaio declarou que "Tive de enfrentar uma sucessão imprevista de crises governamentais e assegurar, por todos os meios constitucionais, o máximo de estabilidade política e institucional. Fi-lo, tendo em conta o interesse nacional, em nome da necessidade de responder à preocupante situação económica e orçamental, que é estrutural e ameaça condicionar duradouramente o nosso desenvolvimento", referia-se obviamente às crises que ele próprio engendrou e propagou. Foi ele que, depois de apoiar Durão Barroso na candidatura a Presidente da Comissão Europeia, manteve o país suspenso durante várias semanas, para tomar uma medida que é a normal em qualquer país civilizado e com uma democracia estável. Foi ele que esteve quatro meses a meter paus na roda à actuação do governo, empolando ou incentivando, directa ou indirectamente, todas as acções (ou omissões) do governo que pudessem servir de alimento à mesquinhez e à propensão para o boato e mexeriquice nacionais.
Foi ele que, finalmente, tomou a acção inovadora de dissolver a Assembleia da República por, ao que parece, discordar do governo, em vez de demitir este. E escrevi «ao que parece», porque Sampaio também inovou ao dissolver a AR sem explicar o porquê, remetendo para «razões conhecidas por todos».
Sampaio falou em "melhorar regras e metodologias de gestão orçamental, despolitizar questões estritamente técnicas. Mas quem politizou essas questões estritamente técnicas? Foi o partido ao qual Sampaio pretende dar de mão beijada o poder; foi o partido responsável pelo desconchavo das regras e metodologias de gestão orçamental durante os anos de 1995-2002, caucionado por Sampaio.
Sampaio reconheceu a dificuldade de fazer a consolidação orçamental num contexto de fraco crescimento económico e de rigidez da despesa pública", mas alertou, no entanto, que o uso de mecanismos contabilísticos não resolve o problema de fundo. Mas o que restava aos governos de Durão Barroso e Santana Lopes além dos mecanismos contabilísticos? Pois se as medidas estruturais foram e seriam sistematicamente vetadas? Então o PR algema o governo e depois acusa-o de falta de habilidade manual?
Também não é para ser levada a sério a afirmação de Sampaio do seu apego pela estabilidade e que as próximas eleições reforçarão a legitimidade governativa. O seu alegado apego à estabilidade ficou provado pelo seu comportamento desde que se colocou a hipótese de Durão Barroso ir para Bruxelas. E se os próximos presidentes da república imitarem Sampaio, nunca mais haverá legitimidade, legislaturas completas, estabilidade, ficando as futuras Assembleias da República à mercê de sondagens ou dos humores presidenciais.
Critiquei aqui, por diversas vezes, a inabilidade do governo de Durão Barroso. Apesar dos obstáculos dos vetos presidenciais e de uma Constituição protectora dos interesses corporativos e contrária aos interesses nacionais, Durão Barroso poderia ter feito mais e melhor. Já o mesmo não direi de Santana Lopes. Este não teve quaisquer condições de governação e serviu apenas para preencher o interregno da liderança do PS. Logo que este acabou, o PR tirou o tapete debaixo dos pés de Santana. Com isto não pretendo afirmar que Santana Lopes seria um bom 1º Ministro. Quero apenas escrever que não lhe deram possibilidade de o provar isso, ou o oposto.
A quase totalidade dos princípios que Sampaio enunciou como boa política, também os tenho defendido aqui. Mas eu tenho-os defendido porque acredito neles e quero vê-los concretizados. Sampaio defende-os, tendo antes torpedeado a sua concretização. É a diferença entre defender algo em que se acredita, ou apregoar frases que despidas de conteúdo real, soam a hipocrisia.
Finalmente Sampaio parece defender um pacto de regime para "os dois grandes objectivos" a atingir: saúde das finanças públicas e a competitividade da economia. Se eu não conhecesse Sampaio, acharia paradoxal ele defender um pacto de regime agora e não o ter feito antes, tendo em vez disso colaborado com o PS na obstrução às medidas estruturais que, bem ou mal alinhavadas, a coligação tentou implementar. Então declarava emocionado que havia vida para além do orçamento.
Mas não é paradoxal. Sampaio pretende que, após o eventual triunfo do PS nas eleições de Fevereiro, o PSD seja atrelado ao carro do vencedor para avalizar medidas insuficientes baseadas na retórica e não em acções adequadas e realistas.
Frases como "ultrapassar velhos reflexos que tendem a subordinar o funcionamento do sistema de protecção social a interesses corporativos ou a soluções desactualizadas e sem futuro" ou "É preciso construir um novo contrato social" pois "as mudanças indispensáveis à recuperação da competitividade e da produtividade, essenciais para o crescimento económico, exigem uma forte contratualização política e social", podem ser entusiasticamente ditas por milhares de políticos em centenas de locais diferentes. São suficientemente ambíguas para permitirem depois as leituras mais contraditórias. Servem para tudo.
Sampaio não pretende o pacto de regime para resolver os problemas do país. Aliás, ele está equivocado sobre os problemas do país, pois se não o estivesse teria demitido Guterres ainda durante a 1ª legislatura. Sampaio apenas pretende utilizar a actual fragilidade do PSD, e as dissenções internas deste partido, para o amarrar a medidas insuficientes e inadequadas. Assim, a credibilidade de um eventual próximo governo PS seria preservada por um PSD a servir de permanente bode expiatório.
Ler ainda:
Haverá vida para além do Pacto?
Neste início de ano venho aqui formular uma promessa, a mim própria e a quem me lê, gostando ou não: Não desisto.
Vou seguir a mesma linha que é a defesa intransigente do meu país, do seu bem estar económico e social e das políticas económicas e sociais que entendo serem as adequadas para sair da estagnação e enveredar pela via da prosperidade.
E faço-o, independentemente de motivações partidárias. Nunca estive, nem ambiciono estar, enfeudada a nenhum partido. Sempre prezei a minha liberdade de pensar e de dizer o que penso. Isso não é incompatível com, ao defender determinadas políticas, poder estar conjunturalmente, por esse facto, a favor de um dado partido e contra outro. Ou mesmo estando em desacordo com todos, ser obrigada a optar pelo mal menor. Mas mesmo quando aceito o mal menor, não entoo loas ao mal. Mal é sempre mal. Combaterei assim o mau e o péssimo, mas saberei hierarquizá-los.
Continuarei a criticar, venham donde vierem, a hipocrisia, a demagogia, as falácias dos vendedores de ilusões, a mesquinhez mórbida, a inveja sórdida e tudo o que tem contribuído para que Portugal esteja na situação actual. Ridendo castigat mores continuará a ser a minha divisa predilecta, mesmo quando me escasseia o engenho para a usar como gostaria.
Tentarei manter o ritmo de um texto por dia. Mais que isso não é compatível com a minha vida profissional e familiar. Portanto tentarei encontrar um equilíbrio entre manter este blogue vivo e evitar cair na banalidade da repetição, para onde seria forçosamente arrastada se enveredasse pelo frenesim destas últimas semanas.
Tentarei manter o mesmo rigor de análise e a mesma defesa da verdade, como até aqui. Não pactuarei com boatos nem com as piadas de caserna. A maioria dos blogues portugueses vive da graçola fácil, superficial e baseada, na maioria das vezes, em boatos. Em vez de chalacearem à mesa da pastelaria ou do café, é mais modernaço contarem as mesmas histórias simplórias, chocarreiras e falaciosas na net. Fazê-lo na net, até lhes confere um cunho de veracidade que pode iludir ingénuos, mas que visa, principalmente, quem a priori quer acreditar, quaisquer que sejam os argumentos e a sua fundamentação e veracidade. É cavaqueira estéril de pastelaria para ociosos frequentadores de pastelarias.
Sempre que julgar oportuno, devido a efemérides ou por outro motivo qualquer, e julgar que tenha interesse em ser divulgado, continuarei a postar textos sobre assuntos históricos.
Nesta matéria seguirei os procedimentos que tenho utilizado. Total rigor na apresentação dos factos. Factos são factos. Se escrevo que Afonso Henriques conquistou Lisboa em 1147, não me sinto na obrigação de noticiar o local onde me certifiquei da data. É irrelevante. Nem os historiadores o fazem, quanto mais num blogue onde pretendo apenas partilhar, com quem me lê, alguns temas históricos que considero de interesse. O mesmo sucederá com enunciados de teoremas, definições ou matérias similares. O mesmo sucederá com textos coevos. Se eu, por exemplo, citar algum edital, missiva ou documento coevo, não me sinto obrigada a referir o livro ou site donde extraí a citação, para além da referência nominativa de editais, cartas ou manifestos. Eu assegurar-me-ei da fidedignidade dos textos. Quem tiver dúvidas sobre os mesmos que as tire.
Outro tanto não acontecerá com factos que julgue controversos. Nessas ocasiões citarei as fontes em conflito. Foi o que fiz, por exemplo, quando apresentei as 2 versões ligeiramente contraditórias do texto de Flávio Josefo em que ele falava sobre Cristo.
Na quase totalidade dos temas históricos que abordei, utilizei-os para fundamentar opiniões sobre temas actuais, políticos e sociais. Quer nesses casos, quer noutros, as opiniões e conclusões que emito são minhas. Opiniões não são factos. Se apresentar a opinião de outrem sobre um dado acontecimento, certamente que a referenciarei.
Quem tiver motivos para duvidar do rigor dos textos que eu redigir, que o faça, que eu discutirei a respectiva veracidade. Nunca me furtei a discussões.
Mas não voltarei a envolver-me em controvérsias sobre sites da net com frases semelhantes. Quando um auto-nomeado Inquisidor-mór da blogosfera cita um site, alegadamente reputado, cujas frases que transcreve são cópias absolutamente textuais de trabalhos da maior historiadora medieval francesa do século passado ou cita sites com transcrições idênticas a um trabalho escolar executado há 12 anos, eu pergunto-me se esta controvérsia não será completamente estulta e desfasada da realidade que vivemos. Se entidades conhecidas e reputadas colocam textos na net sem o rigor académico de uma dissertação de doutoramento, só por malevolência se pretenderá exigir isso de mim.
E quem quiser ser malevolente, que o seja, pois não posso impedir.
Como escreveu Molière, no Tartufo, pela boca de Cléante:
«Hé! voulez-vous, Madame, empêcher qu'on ne cause?
Ce seroit dans la vie une fâcheuse chose,
Si pour les sots discours où l'on peut être mis,
Il falloit renoncer à ses meilleurs amis.
Et quand même on pourroit se résoudre à le faire,
Croiriez-vous obliger tout le monde à se taire?
Contre la médisance il n'est point de rempart.
A tous les sots caquets n'ayons donc nul égard ;
Efforçons-nous de vivre avec toute innocence,
Et laissons aux causeurs une pleine licence.»