Theias de aranha
O Ministro Theias é uma excelente pessoa, de trato simpático e de conversa agradável, mas denota uma grande incapacidade de decisão e, em virtude do seu perfil baixo, uma permeabilidade inquietante aos lobbies exteriores.
Por exemplo, o lobby das incineradoras, liderado pelo patrão de uma das centrais incineradoras portuguesas anda a pressionar para conseguir soluções noutros sistemas municipais e multimunicipais que levem à “necessidade” de uma 4ª linha de incineração. Do ponto de vista ambiental esta solução é de menor qualidade que outras, tais como a Digestão Anaeróbia, etc., nas quais esses sistemas estão mais interessados e apresentaram candidaturas aos fundos estruturais. E esta soluções são melhores quer do ponto de vista ambiental, quer do ponto de vista económico e financeiro.
Todavia, o Ministro, quando confrontado com os ambientalistas e com os dirigentes dos sistemas que candidatam soluções que incluam a Digestão Anaeróbia e outras formas de valorização orgânica, aparenta estar em completo acordo: o melhor é a Valorização Orgânica. Aparenta e tudo indicia que esteja.
Depois, por óbvia influência do lobby das incineradoras, pede, por intermédio dos seus serviços, novos estudos, com dados de base diferentes, eventualmente soprados pelo o lobby das incineradoras para obter resultados financeiros diferentes e que cotejados com os obtidos pela 4ª linha de incineração, coloquem esta solução com melhores indicadores económicos. Provavelmente estes “paus na roda” são introduzidos pelos serviços do ministério, ao serviço, não do ministro, mas do lobby das incineradoras. Mas o facto é que vêm de um ministério que ele tutela.
E no entretanto as candidaturas aos fundos estruturais continuam à espera …
Nota: O que acabei de escrever não significa que esteja contra as incineradoras. A incineração de R.S.U. (resíduos sólidos urbanos, não estou a falar de industriais ou perigosos) é um processo de “Valorização Energética”. Inclusivamente, de acordo com as normas actuais do Fundo de Coesão, nas Análises Custo-Benefício, um dos benefícios é o custo evitado do fuel na produção da energia equivalente, indicando o próprio Fundo de Coesão um valor unitário para aquele cálculo.
Por exemplo, a deposição de R.S.U. em aterros não é preferível à incineração do ponto de vista ambiental, pois os gases gerados (nomeadamente o metano) têm, ao que parece, um efeito mais nocivo que o CO2, no efeito estufa. O Biogás dos aterros pode ser aproveitado, mas apenas a partir da célula do aterro estar cheia. Uma parte importante dos hidrocarbonetos gasosos escoa-se para a atmosfera.
Todavia há o risco de, num futuro próximo, a energia da incineração de R.S.U. não ser considerada energia “verde” e portanto não ter os benefícios de que actualmente goza a nível do preço com que a vende à EDP.
A questão do ICN
Há duas coisas que têm que acontecer para bem do país. O ICN tem que ser mudado de alto a baixo e as florestas têm que estar sob a mesma tutela das áreas protegidas, seja ela qual for.
O desleixo governamental de décadas deixou em autogestão uma série de institutos pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Assim, em Portugal, começaram a ser classificadas áreas sob os mais variados pretextos: REN, rede natura, biótipo Corine, paisagem protegida, etc., etc. O país ficou todo classificado.
Quando se tentaram construir centrais eólicas, como elas têm que se situar em locais altos e menos habitados, verificou-se que não havia locais disponíveis: estavam todos classificados. Não se podiam abrir valas para a passagem dos cabos eléctricos porque se iria destruir a biodiversidade, as pás do equipamento eólico ameaçavam matar umas aves que tinham o hábito inveterado de passar por ali (como se as aves não fossem mais inteligentes que os seus defensores e capazes, ao fim de 3 ou 4 experiências desastrosas, de escolher outro percurso) … etc., uma desgraça.
Simplesmente a alternativa às centrais eólicas é o incremento da energia térmica e o não cumprimento dos protocolos de Quioto e das directivas da UE. Lá teve que ser: começaram a “desclassificar” as áreas em causa.
Outra ideia peregrina foi a de que a limpeza das matas e florestas destrói a biodiversidade. Não me refiro obviamente às queimadas, mas à desmatação, ripagem e frezagem executadas por meios mecânicos. Um distinto membro de uma protecção de uma liga de defesa da vida selvagem, em carta enviada ao Público, em Agosto, no rescaldo dos incêndios, era contra essa limpeza, dizendo que o que era necessário eram meios de prevenção e veículos todo-o-terreno. A desmatação liquidava a biodiversidade.
Aquele intelectual urbano amigo dos animais nunca deve ter visto uma floresta após meia dúzia de anos sem tratamento. As florestas ao encherem-se de mato ficam absolutamente intransitáveis. Não há veículo todo-o-terreno que lá entre! Só um tractor com a alfaia adequada que vai desmatando à medida que vai progredindo.
Aquele intelectual urbano amigo dos animais nunca deve ter visto mato a arder. A velocidade com que o fogo avança no mato, no verão, é medonha, é sinistra, é imparável. É muito difícil deitar fogo a uma árvore, mas se o mato à sua volta estiver a arder, a intensidade calorífica gera temperaturas elevadíssimas, as chamas passam à folhagem e aos ramos e rapidamente alastram às copas. Os caules não ardem, visto conterem muita humidade, mas as árvores não sobrevivem e terão que ser abatidas.
Ora muitos agricultores têm-se queixado que técnicos do Estado os impediram, em devido tempo, de proceder à desmatação de matas e florestas exactamente para proteger a biodiversidade.
Os técnicos que o fizeram, no seu desdém pela ignorância dos rurais, ainda não se devem ter dado conta da sua actuação criminosa, pois para eles apenas contam os imortais princípios da defesa da biodiversidade. Mesmo que o resultado seja o aniquilamento dessa biodiversidade. Mas aí há um alibi forte: a culpa é dos outros - quem pegou fogo, a mão criminosa, falta de meios dos bombeiros, etc..
Por isso o ICN (onde julgo que não há um único geólogo, como se a geologia não fizesse parte da natureza) terá que ser remodelado profundamente. Presentemente é uma organização perversa: paga pelo dinheiro dos contribuintes para criar situações calamitosas ao país.
Os ambientalistas
A Quercus é uma organização "interessante". Há uns 5 ou 6 anos atrás, quando a Resitejo lançou um projecto de Aterro Sanitário, no timbre das cartas da Resitejo aparecia a lista dos municípios do sistema: Alcanena, Chamusca, Constância, Torres Novas, Tomar, etc., etc, e ... a Quercus!
Em conversa com alguém da direcção da Resitejo perguntei, com a curiosidade dos meus verdes anos, como era possível a Quercus fazer parte de um sistema intermunicipal? A resposta foi que o Sr. Presidente (era então presidente o Presidente da Câmara de Alcanena) "tinha achado boa ideia, para eles depois não nos chatearem" ...
Ao fim de alguns meses, provavelmente devido aos reparos que suscitou, a Quercus desapareceu da lista ...
Outra actividade importante da Quercus é a de pedir financiamentos para a sua actividade. Não acho mal que se peçam financiamentos: a Quercus deve precisar de dinheiro para as suas actividades. Agora pedir financiamentos a empresas que trabalham na área do ambiente é eticamente reprovável.
A tentação de uma empresa dessa área será a de financiar a Quercus para que os seus projectos não sejam objecto de algazarra pública movida pela Quercus. E a Quercus? Como agirá em face de um projecto, executado por uma empresa sua financiadora, sobre o qual tenha dúvidas do ponto de vista ambiental?
Outra actividade dos grupos ambientalistas (e não me estou a referir especificamente à Quercus actual, nem aos jovens generosos que colaboram e se manifestam publicamente, mas às chefias), é a da elaboração de pareceres relativos a matérias sobre as quais começaram por manifestar estrepitosas dúvidas públicas, mas que depois vão deixando cair no olvido à medida que as elaborações dos pareceres lhes vão caindo nas mãos.
Enfim ... o país que temos.
As gaivotas das Berlengas
Havia, há anos uma actividade em Peniche que consistia na apanha de ovos de gaivota nas Berlengas e sua utilização na indústria de doçaria da terra. Como o faziam há séculos, sabiam as posturas que deviam recolher e quais as que deviam deixar para manter os efectivos da espécie. Havia um equilíbrio natural que durava há muitos séculos.
Apareceram os fundamentalistas dos animais, que só conhecem as espécies dos livros, que fizeram um clamor terrível, devidamente amplificado pelos meios de comunicação. A apanha foi proibida e sujeita a pesadas coimas.
Alguns anos depois, as gaivotas, sem o predador natural (os pescadores), tornaram-se uma praga que ameaçava todo o ecossistema das Berlengas: havia alguns répteis nativos em vias de extinção acelerada, etc. Um desastre ecológico! Então, os nossos aprendizes de feiticeiro tomaram a sábia decisão de envenenar as gaivotas.
Porém, as gaivotas têm, relativamente aos fundamentalistas dos animais, 2 vantagens:
- Aprendem com a experiência (coisa que não acontece com aqueles);
- Como não sabem ler, comportam-se face à natureza orientadas pelo seu instinto aperfeiçoado pela vivência de muitos milénios, enquanto aqueles só sabem o que vem nas revistas editadas por outros fundamentalistas dos animais.
Dada essa sua superioridade “filosófica”, as gaivotas, depois de algumas experiências desagradáveis, cedo se aperceberam que aquela mistela que lhes ofereciam não era boa para a saúde e tomaram a sábia e unânime decisão de não a comer mais.
Tomei conhecimento disto há 3 ou 4 anos. Depois soube que começaram aos tiros às gaivotas. Não sei como a questão evoluiu entretanto.
Enfim ... o país que temos.
Os indicadores macroeconómicos do país acusam uma evolução positiva nos últimos dois anos, nomeadamente em 2003.
As diminuições do consumo privado e público conduziram a uma forte retracção da procura interna. Como a propensão marginal à importação é muito elevada, nomeadamente em flutuações marginais da procura interna, essa retracção conduziu a uma importante quebra das importações.
Como a quebra da procura interna foi parcialmente compensada pelo aumento das exportações (procura externa), esta conjugação de factores levou a um maior equilíbrio da Balança de Pagamentos (que passou de cerca de –9% do PIB em 2001 para uma estimativa de –2,5% em 2003) e, portanto, a uma situação mais saudável da economia portuguesa.
O facto de, com a crise internacional, as nossas exportações terem um aumento significativo, é um bom sinal.
Já mais preocupante é a forte quebra na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), embora o Governo afirme que se tratou do investimento menos produtivo e, por isso mesmo, de menor impacte no crescimento económico. Como nessa FBCF se contabilizam, certamente, os montantes despendidos nos estádios para o Euro 2004, não se me afigura que aquela afirmação seja de levar muito a sério.
No biénio 2002/3 o PIB deve manter-se com crescimento nulo (em termos reais). Mas o facto da parcela da procura externa líquida na formação do PIB aumentar significativamente é sintoma de um equilíbrio macroeconómico mais saudável.
O desemprego, ainda longe de atingir os valores médios europeus, tem crescido significativamente. Embora parte do desemprego possa vir a recuperar se houver retoma, existe um desemprego estrutural que não acredito que seja eliminado. Os recentes encerramentos de fábricas nos sectores dos têxteis e do calçado conduziram a um tipo de desemprego que, a menos que haja um programa sério e adequado de requalificação desses desempregados, não tem solução. Os salários em Portugal, embora baixos, são incomportáveis para muitas daquelas indústrias, que mudam de localização em busca de mão de obra mais barata.
Portanto, pode coexistir uma retoma com a manutenção do nível de desemprego, ou mesmo com um ligeiro aumento, embora o governo estime que deva haver uma recuperação do nível de emprego, reconhecendo contudo que em 2004 ainda continuará a haver um ligeiro aumento do desemprego.
A bolsa tem recuperado ligeiramente nestes últimos meses, após cerca de 2 anos em queda. Todavia, e apesar das baixas taxas de juro, que poderiam desviar as poupanças para o mercado accionista, este continua estagnado, embora com a pequena recuperação assinalada. É um sintoma claro que as expectativas dos investidores sobre a retoma económica são ainda pouco optimistas.
O crescimento do PIB em 2004 que o governo estima em 1%, embora existam outras estimativas um pouco mais favoráveis, terá que fazer-se à custa da procura externa, ou seja, de um crescimento das exportações. Seria um erro incentivar a procura interna através do abrandamento da contenção salarial. Seria igualmente um erro promover esse aumento através do investimento público não produtivo, excepto no que se refere às comparticipações do Estado português nos fundos estruturais, relativamente aos quais se deve ter a máxima cautela em não os perder por atraso de apreciação de candidaturas. Neste entendimento, a actual situação no Ministério do Ambiente é um caos, onde as candidaturas andam entre Cila e Caribdes e não são despachadas. Assim não!
Portanto, mesmo que o crescimento no próximo ano seja inferior ao da média europeia, desde que ele se face mercê do aumento da procura externa e apesar da estagnação ou crescimento diminuto da procura interna resultante da contenção salarial e do investimento público não produtivo, será bom para o país porque traz mais saúde à economia e diminui os desequilíbrios externos que, a longo prazo, são insustentáveis.
O PIB crescer sustentado pelo aumento da procura interna, que foi o resultado dos anos de governação socialista, conduz não só ao déficit orçamental, como ao desequilíbrio das contas externas e é insustentável a longo prazo, como se viu pelos resultados obtidos.
Todavia, para além do reequilíbrio dos principais parâmetros macroeconómicos, há a necessidade do desenvolvimento económico do país e de tomar medidas que incentivem esse desenvolvimento. E neste âmbito não me parece muito auspiciosa a prestação do governo.
O governo assemelha-se ao gestor de uma empresa em dificuldades de tesouraria que decide cortar draconianamente os custos: controla o relatório do relógio de ponto, as imputações de horas aos trabalhos, os fornecimentos, a facturação, as cobranças e entra às 7:00 e sai às 21:00 a esquadrinhar os papéis todos. É um trabalho de grande utilidade. Apenas falta a estratégia da organização e dinamização do aparelho produtivo da empresa e a estratégia de marketing para a necessária adequação às realidades do mercado. E essas falhas podem ser mortíferas, por muita contenção de despesa que haja.
Falta ao governo capacidade estratégica para um desenvolvimento sustentado da economia portuguesa. Não falta apenas ao governo. Falta ainda mais à oposição e falta, infelizmente, o que é muito preocupante, ao tecido empresarial português, embora haja exemplos pontuais que contrariem esta afirmação tomada como valor absoluto.
O Código do Processo Penal português não pode andar à deriva, ao sabor das correntes e ventos que sopram dos diversos interesses instalados na sociedade portuguesa.
Não é possível após se terem agravado algumas normas do CPP e dada uma maior amplitude às escutas telefónicas, em face da pressão da opinião pública que clamava por maior segurança, agora que figuras mediáticas e politicamente poderosas estão a contas com a justiça, aparecerem políticos (que haviam sido os principais responsáveis pelo agravamento das medidas), os advogados e o seu bastonários (este advogando em causa própria, após o deslize cometido na sua conversa com António Costa) e, o que é mais espantoso, o próprio PR (contraditando opiniões anteriormente emitidas), a exigirem alterações ao CPP, o desagravamento das medidas de coacção e da latitude das escutas e o aumento dos direitos dos arguidos
A lei é a razão liberta da paixão. Não é pois desejável, e pode revelar-se perverso, legislar sob o império das paixões momentâneas de diversos sectores da sociedade portuguesa. Acresce que a opinião pública poderia ter aquele raciocínio típico do Zé Povinho, desconfiado por séculos de sujeição e de atropelos aos seus direitos: agora que poderosos estão com problemas com a justiça, mudam a lei para os safar.
Legislar ao sabor das paixões é, infelizmente, o que acontece no nosso país. Quando algo provoca celeuma na opinião pública, faz-se uma nova lei. Não importa se já existe legislação sobre a matéria e que apenas não é devidamente aplicada. Faz-se uma lei, o governo aparece no horário nobre com um discurso consabido sobre a sua excelência “legiferoz” e os ânimos ficam tranquilos: há lei! Habemus legem!
Esta prática tem que ser abolida dos nossos costumes legislativos. Temos que legislar com prudência, razão e avaliando os efeitos directos e colaterais da lei a promulgar. Não podemos andar à deriva das paixões do momento. E quando há uma lei, devemos aplicá-la e fiscalizar a sua aplicação.
Sempre fui, desde que me apercebi da situação, contra a escassez de direitos do arguido durante a instrução do processo Ao ser aplicada a prisão preventiva, deve fundamentar-se a acusação incluindo as provas suficientes para tal para que a defesa possa ou não recorrer. Ninguém deve estar preso sem culpa formada, mais do que o tempo indispensável – 2 a 3 dias. Mas a “culpa formada” tem que ser do conhecimento arguido, incluindo obviamente a sua fundamentação, mesmo que possa haver “provas surpresa” posteriormente.
O que está em causa é o instituto da prisão preventiva sem possibilidade dos arguidos e advogados saberem os fundamentos da acusação e a possibilidade dessa prisão durar meses e anos, sem se saberem os fundamentos, “mascarados” sob a designação do segredo de justiça.
Em contrapartida considero as escutas telefónicas, desde que controladas por procedimentos próprios de um Estado de Direito, um elemento indispensável para a investigação e às quais deve ser dada a máxima latitude possível.
Se o suspeito X telefona a Y sobre algo relevante para a investigação, pois que se escute Y e assim sucessivamente, desde que tudo seja devidamente controlado e feito de acordo com procedimentos que evitem perversões na utilização das escutas.
O argumento de dizer que quando se está na intimidade se usam liberdades de linguagem que podem ser mal interpretadas quando transcritas só colhe muito parcialmente.
Muitos portugueses são gente educada e os que o não são, deveriam habituar-se a sê-lo. Não dizer obscenidades aprende-se com o leite materno. Se se evita dizer palavrões apenas porque se está em sociedade é muito mau sinal. Trata-se de alguém que apenas tem um ligeiro verniz por cima da sua ordinarice. Verniz que estalará à mais ligeira mudança de pressão e/ou temperatura.
Concluindo, julgo que o que se está a passar deve ser analisado com prudência e reflexão e, quando as paixões tiverem serenado, e apenas então, repensar esta matéria e limar as arestas que houver a limar. Fazê-lo agora, nunca.
A pergunta é: pessoas que aparentam, ou julgam aparentar, ter um abismo político entre si, estarão, por esse motivo, nos antípodas uma do outra? Estarão certamente se interpretarem a adesão política como a adesão a um clube desportivo. Mas se essa adesão constituir apenas um epifenómeno e o que é estrutural é uma visão da sociedade baseada numa abordagem cultural e filosófica?
Comparemos Adam Smith e Marx. Há cerca de um século de distância entre um e outro, portanto qualquer comparação terá que ter em conta essa diferença temporal.
Ambos analisaram o comportamento da sociedade e dos seus agentes económicos do ponto de vista da produção e do consumo.
Adam Smith pôs a tónica no comportamento dos agentes económicos e na forma como esse comportamento, numa sociedade livre e sem coacções extra-económicas, consegue maximizar o bem estar social independentemente do facto dos agentes económicos apenas se interessarem pelo seu próprio ganho.
Escreveu Adam Smith “Na realidade, ele não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer …. só está a pensar na sua própria segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções. Nem nunca será muito mau para a sociedade que ele não fizesse parte das suas intenções. Ao tentar satisfazer o seu próprio interesse promove, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretende fazer. Nunca vi nada de bom, feito por aqueles que se dedicaram ao comércio pelo bem público.”
Esta formulação de Adam Smith foi a base da Economia Positiva e da teoria microeconómica ainda em vigor.
Marx pôs a tónica no devir social e na forma como o posicionamento dos agentes económicos face à produção e à propriedade dos meios de produção cria clivagens sociais, comportamentos diferenciados entre os grupos sociais que detêm essa propriedade e os grupos sociais não possidentes, clivagem essa que origina uma luta de classes que se torna o motor da sociedade e a leva, mais tarde ou mais cedo, a ser substituída por outra sociedade em que o posicionamento dos agentes económicos face à produção e à propriedade dos meios de produção seja diverso do da anterior.
Marx escrevia “A Economia Política parte da existência da propriedade privada; não a explica”. E tem razão nesse ponto. Mas tal constituirá uma razão de superioridade do pensamento económico de Marx sobre Adam Smith?
Marx escreve nos Manuscritos: “A alienação do trabalhador no objecto do seu trabalho, é expressa da seguinte maneira nas leis da Economia Política: quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem para consumir; quanto mais valor ele cria, tanto menos valioso se torna; quanto mais aperfeiçoado o seu trabalho, tanto mais grosseiro e informe o trabalhador; quanto mais civilizado o produto, tanto mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho tanto mais frágil o trabalhador; quanto maior a inteligência revela o trabalho tanto menos inteligente e mais escravo da natureza se torna o trabalhador”.
Esta texto poderá fazer as delícias de alguns mitómanos da esquerda radical. Mas terá sido confirmado pela história económica? O trabalhador tornou-se mais bárbaro e grosseiro à medida que o produto do seu trabalho se tornou mais aperfeiçoado e civilizado? É óbvio que não. Marx ficou preso, na sua análise, ao tempo e ao espaço das manufacturas de meados do século XIX.
Não será mais actual a afirmação de Adam Smith que “A real e eficaz disciplina exercida sobre o trabalhador não é a da sua corporação, mas a dos seus clientes. É o medo de perder o emprego que o refreia na prática de fraudes e lhe corrige a negligência. Uma corporação exclusivista necessariamente retira força a este tipo de disciplina. Há, nessas circunstâncias, um determinado grupo de trabalhadores que de certeza obterá emprego, seja qual for o seu comportamento”. Não foi a inexistência deste efeito de mercado que provocou a ineficiência económica do regime soviético? Que tornou, nesse regime, menos aperfeiçoado e civilizado o produto do trabalhador?
No seu sóbrio e prático raciocínio de um burguês britânico, Adam Smith ficou em muitos aspectos mais actual, ainda hoje, que Marx, embora a profundidade de análise deste sobre o devir histórico e social continue a ser uma peça imprescindível a quem queira estudar a história económica.
Estariam nos antípodas um do outro? Seria Marx de esquerda e Adam Smith de direita (no tempo de Adam Smith, esquerda e direita não tinham qualquer significado político) ?
Não, há uma estranha complementaridade entre ambos. Adam Smith preocupou-se com o funcionamento económico da sociedade em que vivia. E extraiu dessa observação conceitos extraordinariamente operacionais, ainda em vigor, embora relativizados pela necessidade da manutenção de um consenso social. Marx preocupou-se com as causas do devir social e histórico e estabeleceu uma teoria explicativa desse devir que continua a manter algum poder explicativo, embora a sua aplicação mecânica e absoluta se tenha revelado insuficiente e mesmo errónea.
Hobbes foi, politicamente, um apoiante devotado dos Stuarts e da monarquia reaccionária que aqueles tentaram em vão manter em Inglaterra, quer antes de Cromwell, quer durante a Restauração. Pelo contrário, Locke, meio século mais novo, era contra o regime dos Stuarts, e participou no movimento político que liquidou a Restauração e levou ao trono da Inglaterra Guilherme de Orange.
Hobbes é temível porque a sua doutrina é clara, radical e detestada. Os seus postulados relativos à natureza humana não são lisongeiros e as suas conclusões políticas são despidas de qualquer liberalismo.
A filosofia de Hobbes é materialista e mecanicista - a moral reduz-se ao interesse e à paixão. Na base de todos os nossos valores, há o instinto de conservação. O homem, por natureza, procura ultrapassar todos os seus semelhantes: ele não busca apenas a satisfação de suas necessidades naturais, mas sobretudo as alegrias da vaidade. As expressões pelas quais Hobbes o descreve são célebres: "Homo homini lupus", o homem é o lobo do homem; "Bellum omnium contra omnes", é a guerra de todos contra todos.
Assim sendo, o homem tem medo de ser morto ou escravizado e esse temor, em última instância mais poderoso do que o orgulho, é a paixão que vai dar a palavra à razão. É o medo, portanto, que vai obrigar os homens a fundarem um estado social e a autoridade política. No estado de sociedade, como no de natureza, a força é a única medida do direito. No estado social, o monopólio da força pertence ao soberano. É nesta doutrina profundamente individualista que Hobbes fundamenta o poder absoluto.
Escreve Hobbes no Leviatã: Antes que se possa utilizar das palavras justo e injusto, é preciso que haja um Poder constrangedor; inicialmente, para forçar os homens a executar seus pactos pelo temor de uma punição maior do que o benefício que poderiam esperar se os violassem, em seguida, para garantir-lhes a propriedade do que adquirem por Contrato mútuo em substituição e no lugar do Direito universal que perdem.
Quanto a Locke, este deriva a lei civil da lei natural, racional, moral, em virtude da qual todos os homens - como seres racionais - são livres e iguais, têm direito à vida e à propriedade e, na vida política, não podem renunciar a estes direitos, sem renunciar à natureza humana. Locke admite um estado primitivo da natureza antes do estado civilizado. Não, porém, no sentido brutal e egoísta de inimizade universal, como dizia Hobbes; mas com um sentido moral, em virtude do qual cada um sente o dever racional de respeitar nos outros a mesma personalidade que nele se encontra.
Mas em ambos há o mesmo individualismo que contestou a tradição cristã da lei natural. E é inegável que o individualismo de Hobbes a Locke marcou profundamente toda a tradição liberal ulterior. Enquanto princípio fundamental, data de Hobbes. As conclusões deste passarão dificilmente por liberais: todavia os seus postulados estão completamente impregnados de individualismo. Rejeitando os conceitos tradicionais da sociedade, da justiça e da lei natural, é sobre o interesse da sociedade e indivíduos distintos que Hobbes funda a sua teoria dos direitos e obrigações políticas.
Sob a forma de crença na igualdade moral de todos os homens, é ainda o individualismo que se encontra no pensamento político dos Puritanos. E o lugar que ele ocupa em Locke, por ser ambíguo, não é menos considerável por isso. Todas estas doutrinas ligam-se estreitamente à luta pela liberalização do Estado, luta na qual a teoria de Locke e dos puritanos constitui, em grau igual, a principal justificação.
E todos os desenvolvimentos subsequentes, Bentham, etc., assentam nas fundações colocadas por Hobbes.
Os problemas que levanta a moderna teoria da democracia liberal não são senão outra expressão da dificuldade essencial que já aparecia nas origens do individualismo: este é de facto a afirmação de uma propriedade, está ligado indissoluvelmente à posse, ou seja, à tendência em considerar que o indivíduo não é em nada devedor da sociedade da sua própria pessoa ou das suas capacidades, das quais é, por essência, o proprietário exclusivo. O indivíduo não é concebido nem como um todo moral nem como a parte de um todo social que o ultrapassa, mas como o seu próprio proprietário.
O indivíduo não é livre senão na medida em que é proprietário da sua pessoa e das suas capacidades. Ora a essência do homem é ser livre, independente da vontade dos outros e esta liberdade é função do que possui.
Nesta perspectiva a sociedade reduz-se a um conjunto de indivíduos livres e iguais, ligados uns aos outros enquanto proprietários das suas capacidades e daquilo que o exercício destas lhes permite adquirir, em suma, a relações de troca entre proprietários.
Quanto à sociedade política ela apenas se destina a proteger esta propriedade e a manter a ordem nas relações de troca.
Hobbes estará assim tão longe de Locke? O que é substantivo em ambos, não é similar? E as suas opções políticas não serão apenas um epifenómeno de somenos importância?
O PR abriu, com a sua alocução, a caça ao PGR. O bastonário da Ordem dos Advogados foi incisivo a disparar a primeira salva: “Ou o senhor procurador-geral da República põe termo a isto ou alguém tem de pôr termo ao senhor procurador-geral da República”. Esta frase, na Chicago dos anos 20, não teria qualquer ambiguidade. Nem na Chicago dos anos 20, nem na Lisboa do início do 3º milénio. Os ânimos agitaram-se nas tertúlias. Esperou-se que se derramasse sangue. Entreviam-se Fords T com meliantes dependurados, rostos façanhudos, de chapéu de coco e metralhadoras crepitantes, entre o Rato e S. Mamede
Mas, após os primeiros momentos em que a cabeça quente afecta o raciocínio, começa a sentir-se a necessidade de se ser mais comedido. O próprio Souto Moura ajudou a esse comedimento ao enviar uma carta a Júdice lembrando-lhe a necessidade de moderar a linguagem.
O bastonário da Ordem dos Advogados, apercebendo-se dos contornos da situação em que se colocara, apressou-se a declarar que “como é óbvio, não pedi, não exigi, não ultimei, não fiz nada que possa ser interpretado como não querendo que o PGR continue”. Obviamente, não. Quem lesse a anterior mensagem, literalmente, deduziria, sem ambiguidades, que o bastonário da Ordem dos Advogados apenas quereria que o PGR fosse eliminado, que acabassem com ele. Nada de demissões ... apenas a liquidação física.
Os ânimos continuaram entretanto agitados: Anunciou-se que o PR iria receber o PGR. Perspectivava-se uma luta sanguinolenta, com o PGR a sair, cambaleando, com uma adaga cravada até aos copos, bem funda, no seu ego, enquanto na mão, tremelicando, um papel amarfanhado com a ominosa demissão escrita a sangue.
Afinal, após uma longa conversa de 40 minutos, Sampaio aparece a acompanhar Souto Moura até à saída do Palácio de Belém, no que foi descrito como um gesto de cortesia inédito.
Um dos erros em política é tomar os desejos por realidade ou, como diriam os clássicos, tomar a nuvem por Juno.
O que transparece claramente é que deve haver muita sujeira no que se refere à forma como a classe política geriu este processo durante aqueles dias horribilis. O que é normal, para quem conheça os hábitos portugueses. Todos se conhecem, bebem as bicas nos mesmos sítios e, quando fora do hemiciclo, quer nos Passos Perdidos, quer em outros passos quaisquer, são todos amigos e fazem-se mutuamente pequenos (e às vezes bem grandes) favores. E isto é um fenómeno que percorre transversalmente a classe política. Não é apenas apor o visto no requerimento da filha de um colega. Não é só um fenómeno intrapartidário, mas também interpartidário.
O Ministério Público deve ter em poder dele, no que toca ao processo Casa Pia, bastante material que indicia pequenas (e porventura grandes) acções de tráfico de influências, em que todos devem ter estado envolvidos, uns de uma forma mais activa, outros de uma forma mais passiva. A um amigo, dificilmente se recusa um pequeno favor …
E o PGR, com o seu perfil baixo e a sua fraca apetência comunicativa, é quem tem actualmente mais poder. Um poder que a lei o inibe de usar, mas que não deixa de ser um poder. É um poder potencial.
Nos tempos heróicos, a Pitonisa de Delfos, posta em transe pelos vapores telúricos, talvez com a mesma essência básica do suave aroma acanelado dos pastéis de Belém, debitava frases que serviam de referência a políticos, generais, mercadores de azeite, pastores e até a atletas que demandavam os Jogos Olímpicos, psicologicamente carenciados. A sua reputação era célebre. Os meios de comunicação da época asseguram que salvou a Grécia quando, instada por um Temístocles temeroso perante a inumerável hoste persa, o avisou para confiar nas suas muralhas de madeira.
Nem todos reverenciavam esta figura pública. O arconte de uma ilha perdida nos confins do Egeu apelidava aquelas alocuções de … banalidades. Mas tratava-se de um bárbaro ignaro, que vivia a expensas do tesouro da anfictionia e cuja proximidade da Ásia lhe dava mais a aparência de um sátrapa do que a de um dirigente de uma pólis.
Em Belém também se instalou uma pitonisa que, sobre os grandes (e pequenos) temas da política nacional, emite proposições que nunca são decifráveis em menos de 50 ou 100 interpretações diferentes e contraditórias. É uma pitonisa filosoficamente mais avançada, pois contém em si todos os momentos da dialéctica hegeliana (teses, antíteses, a afirmação e a sua negação) excepto as sínteses.
Felizmente para Temístocles, as difíceis comunicações da época impediram-no de demandar Belém, senão nunca teria havido Salamina e a história teria sido dramaticamente diferente. A trirreme de Temístocles estaria algures no Mediterrâneo, navegando em círculos, com os soldados no convés gritando teorias todas diferentes e contraditórias sobre a rota a traçar e, na coberta, a chusma de remadores, num alarido infernal, agitando perigosamente os remos e discutindo com o homem do tambor sobre o ritmo e direcção das remadas.
Sucede que surgem de repente, inopinadamente, frases com significado. Sampaio sentencia que houve uma “criminosa e despudorada violação do segredo de Justiça”. A frase em si continua banal. Há muitos meses que há criminosas e despudoradas violações do segredo de Justiça. A frase é banal, porque se refere a um assunto que a falta de ética de uma sociedade banalizou.
O que não é banal na frase é o PR a lançar apenas agora. Então o PR não tem convivido com violações do segredo de justiça nestes últimos meses? Então o PR, nos dias que antecederam a detenção de Paulo Pedroso, não soube de factos que eram, em si mesmo, uma violação do segredo de justiça? Foi apenas agora, que o seu nome aparece, embora indirectamente, envolvido, e a pressão sobre os seus amigos políticos se acentua dramaticamente, que o PR profere aquela frase?
No exercício das suas funções, o Presidente da República está, como referiu, “na posição singular de ter direito a toda a informação necessária e legítima e de, nessa posição, se relacionar com todos os órgãos do Estado e seus titulares”. Mas será legítimo receber informação que está sob segredo de justiça? E tê-la-á recebido?
O PR não esclareceu estas questões, nem o seu papel de oráculo da Grécia Clássica nos levaria a supor que ele o faria, mas carreou munições para a abertura da caça ao PGR.
O primeiro caçador que se lançou em campo foi o Bastonário da Ordem dos Advogados. O primeiro tiro foi … no pé. Infelicidades do dia da abertura da caça, ainda sem se ter traquejo nem treino. Aparecer agora a vituperar as escutas quando elas o indiciam como tendo "omitido" a sua alegada conversa com António Costa é de uma grande hipocrisia e de uma enorme fragilidade argumentativa, que mesmo a sua posição de bastonário não terá peso suficiente para resistir à contradita se a comunicação social quiser pegar no assunto.
E sabe-se como a comunicação social gosta de cozinhar em fogo lento aqueles que lhe caiem sob a alçada.
Virtudes e vícios do espectro político
Face a alguns comentários que li relativos aos textos sobre o PS e a Casa Pia, quero referir que nunca afirmei que a direita fosse mais ou menos virtuosa que a esquerda. O que referi foi a hipocrisia de uma certa esquerda (sublinho, uma certa esquerda) em postular como sendo ela a depositária das virtudes cívicas e da democracia em contraponto com a depravação e venalidade da direita.
Vícios e virtudes, espírito democrático e espírito totalitário há-os em todos os quadrantes políticos, embora em ambos os extremos do espectro político haja uma perversa tendência para considerar que os fins justificam os meus e que a verdade é a “nossa verdade”.
Nos textos anteriores apenas referi o pragmatismo da direita. Não falei em eficácia, como alguns comentadores me contrapuseram, nem nos seus princípios, que não vieram à colação.
Aliás tal não faria sentido porque eu própria referi a inabilidade do actual governo na gestão de alguns dossiês (o da Metropaço, p. ex.).
O governo actual não tem sido eficiente, no sentido económico do termo. É certo que recebeu uma herança desastrosa do governo PS (e quem finge não perceber isso, ou argumentar que essa herança tem um prazo de validade curto, é de uma enorme hipocrisia). O actual governo é, numa apreciação generalista, tecnicamente pouco competente, tirando algumas excepções, politicamente inábil e não tem tido coragem para tomar todas as medidas necessárias para colocar o país na rota certa, mas as críticas que eu vejo serem feitas são as dos anestesiados pelas facilidades e laxismo guterristas, dos saudosos da época em caminhávamos, tranquilamente para o abismo.
A questão é que as críticas que ouço me inquietam, porque prefiguram uma alternativa muito pior que o actual governo. O governo não será eficiente, mas a alternativa é absolutamente catastrófica.
Vender as jóias da família, mesmo que elas estejam a render pouco ou a dar prejuízo, não é necessariamente competência, embora se reconheça que dado o estado em que as finanças do país estavam seriam necessárias diversas medidas de emergência.
Quando eu escrevi que a direita é pragmática quis significar que ela, normalmente, não fica refém de princípios que entretanto se tornaram mitos e que perderam a sua força operacional.
E esse pragmatismo, na situação actual, em que o que se pede é que o governo faça uma gestão cuidadosa da coisa pública, é absolutamente imprescindível.
Princípios e virtudes da Esquerda
Os conceitos de direita e esquerda são relativos. A sua origem remonta à localização dos assentos que os representantes da nação francesa tomaram na sequência dos Estados Gerais de 1789. Foi essa escolha, aleatória na altura, que determinou esta classificação posterior.
Os Girondinos eram inicialmente de esquerda. Três anos depois eram a direita a abater. Eram os políticos mais brilhantes, cujas convicções melhor correspondiam aos interesses da sociedade francesa de então mas, mercê do facto da Assembleia Legislativa e da Convenção, posteriormente, terem ficado sujeitas à ditadura da Comuna de Paris e às manifestações de rua, acabaram na guilhotina. Isto foi conseguido pela vontade de pouco mais de 10% dos convencionais (a Montanha) e pelo terror que o centro (na maioria deputados da província) tinha da populaça armada pelas secções da Comuna e convocada, nos momentos decisivos, para manifestações ameaçadoras.
O resultado foi o aprofundamento do processo revolucionário, a aversão crescente contra a clique minoritária que se apoderara do poder, o Thermidor, o regime corrupto da Montanha anti-Robespierre (Barras e outros), o bonapartismo e a restauração dos Bourbons após a derrota de Napoleão.
Quem ler Condorcet, Brissot ou Vergniaud e os contrapuser a Sain-Just, Robespierre e Danton, onde detectará os princípios ou as virtudes? Certamente nos primeiros.
Todavia, Robespierre considerava-se virtuoso. Os seus apoiantes consideravam-no virtuoso e incorruptível. Mas enviou muitos milhares de inocentes para a guilhotina, incluindo os seus adversários políticos. E continuava sempre um homem cheio de princípios e pleno de virtudes. E o mesmo se passava com Saint-Just, o “anjo da morte”. E o mais paradigmático é que estas figuras sinistras são ciclicamente recuperadas, como virtuosas e representantes dos imortais princípios da liberdade e da democracia, pelos historiadores e sociólogos de esquerda.
Os princípios e virtudes da esquerda passam ao largo dos crimes praticados em nome desses princípios e dessas virtudes. E a esquerda é coerente, pois se esses crimes são praticados em nome desses imortais princípios e generosas virtudes, estão antecipadamente justificados.
Mutatis mutandis, o mesmo se passou durante a revolução bolchevique. Basta ler os “10 dias que abalaram o mundo”. Perigosas figuras de esquerda eram, poucos dias volvidos, considerados membros reaccionários da direita conspirativa. O relativismo entre o ser de esquerda ou o ser de direita era uma questão de dias e da velocidade do aprofundamento do processo revolucionário em curso.
A diferença entre a França e a Rússia residiu na duração: o regime da facção Robespierre durou cerca de 2 anos. O regime comunista durou mais de 70 anos.
Foram por isso cometidos muitos mais crimes na URSS, e nos países de regime comunista, que em 1793/94. Mas os princípios e as virtudes não ficaram desmerecidos por isso.
É por isso que há uma unânime condenação do nazismo e do fascismo (se exceptuarmos uma extrema direita muito minoritária), mas há uma enorme continência verbal ao referir os crimes praticados pela esquerda. Não é politicamente correcto. Passam normalmente em silêncio.
É por isso que há maus ditadores (os de direita) e bons ditadores (os de esquerda, ou apenas anti-americanos)
Vejamos o rol dos delitos (não os qualifico, nem os diferencio porque me escasseia a formação jurídica) em que incorreu a direcção do PS ou, como diria Leporello:
Madamina, il catalogo è questo
……………………………………
Osservate, leggete com me
Violou o segredo de justiça pois conhecia diversas peças processuais, como resulta das conversas reveladas pelas escutas telefónicas.;
Ao que parece essa violação era sistemática e datava de 2 meses antes da detenção de P Pedroso;
Manteve a candidatura do irmão de Paulo Pedroso para o Conselho Superior de Magistratura, depois de saber dos indícios que pesavam Paulo Pedroso. É irrelevante o facto de João Pedroso ter sido contactado antes ou depois do PS ter conhecimento do caso. O que é relevante é que, quando ele foi empossado, o PS já sabia há algum tempo do caso;
O PS adoptou, nas semanas, dias e horas que antecederam a detenção de Paulo Pedroso uma política de tráfico de influências, de cunha, incompatível com as posições ocupadas pelos dirigentes que a levaram a cabo. Tal atitude pode igualmente ser interpretada como tentativa de obstrução à justiça ou obtenção de favores para indiciados, que julgo ser punível por lei;
Os dirigentes do PS mostraram um completo desprezo pelos fundamentos do Estado de Direito. Alguns desvalorizam as declarações, dizendo que as expressões utilizadas resultam de serem conversas entre amigos. Eu nunca utilizei aquele tipo de expressões em conversas, na intimidade ou não e não costumo ouvir de amigos, colegas ou pessoas com quem me relaciono profissionalmente, expressões daquele tipo. Porém o que está em causa não é a forma, mas o conteúdo das expressões. Pode ser secundário saber que os dirigentes do PS são uns ordinários. Não é secundário saber que acumulam a ordinarice com o desprezo pelo Estado de Direito e pelo princípio da separação de poderes.
Isto para não referir as ofensas à magistratura, porquanto as circunstâncias em que foram proferidas não parecem poderem ser entendidas como públicas.
Como podem agora os dirigentes do PS considerarem-se vítimas da violação do segredo da justiça e ameaçarem com tribunais, se foram eles próprios a admitirem que o haviam violado e utilizaram essa violação para favorecerem Paulo Pedroso?
Como podem, por exemplo, serem compaginadas os comportamentos acima relatados com o pedido sistemático de demissão do ministro Portas, que não era arguido, mesmo que houvesse razões para admitir que teria havido situações menos claras? Ou com os pedidos pontuais de demissão de diversos ministros?
Como podem dirigentes políticos com responsabilidades mostrarem, de forma tão evidente, que os valores que usam para julgar os outros, não se aplicam quando se julgam a si próprios?
Decidi fechar, durante alguns dias, o acesso aos comentários.
Era uma medida que foi considerada indispensável, enquanto se analisa a implementação de outras soluções. Este blogue tem 3 semanas e já foram apagados mais de 2.000 comentários, se é que se pode chamar comentários àquilo.
O nível de educação e de civismo no nosso país é, e infelizmente tenho que o reconhecer em face do sucedido, muito rasteiro, muito baixo, muito mesquinho, muito ordinário.
Gente ordinária há em todos os quadrantes políticos Assim como gente boa e digna. Mas é de uma enorme hipocrisia uma certa esquerda (sublinho, uma certa esquerda) considerar-se ser ela a depositária das virtudes cívicas e da democracia e lançar tanta imundície num local onde apenas se pretendia discutir ideias.
Calculo que quem fez isto seja gente que se julga de esquerda mas que mantém com ela idêntica adesão conceptual à que, na Idade Média, se tinha às religiões reveladas, ou, actualmente, ao ser fã de um clube do bairro ou de um cantor pimba. Não há racionalidade, apenas fé e ódio por aqueles que não partilham a mesma fé. Sabe-se lá o que serão, politicamente, daqui a alguns anos. Ordinários, continuarão a ser, seguramente.
O PS refém das suas virtudes cívicas
A actual direcção do PS colocou o partido refém do processo da Casa Pia e do destino de Paulo Pedroso. Esta situação é o corolário de uma estratégia que começou na campanha eleitoral de Ferro Rodrigues e se aprofundou após a derrota eleitoral.
Ferro Rodrigues e os seus apoiantes puseram, desde que são a oposição, a fasquia muito alta. Assumindo-se, desde o início, como guardião da democracia portuguesa, alegadamente em risco de ser estrangulada pela “ofensiva antidemocrática” da direita, assumindo-se como guardião das virtudes cívicas, face a um governo que incluía um ministro alegadamente envolvido num mega-processo de gestão danosa, o PS tentou protagonizar um papel para o qual não tinha nem talento, nem meios, nem, objectivamente, virtudes.
Mesmo os casos graves do governo anterior, como o acordo danoso com a Metropaço, não beliscaram essa postura. A inabilidade do actual governo e a arrogância virtuosa de Ferro Rodrigues deram, perante a opinião pública, uma imagem de alguém que protagoniza o papel de vítima de uma cabala, e não de alguém que era responsável por um acto inequívoco de gestão danosa.
Enquanto isso, Paulo Portas era servido a todas as refeições. A sua demissão era diariamente exigida em nome das virtudes cívicas de que o PS era o fiel depositário. Não por pesar qualquer acusação sobre ele, mas porque havia suspeitas. E um ministro sobre o qual recaiam suspeitas é uma contradição no universo de virtudes políticas do PS.
Quando surgiu o caso Paulo Pedroso, o PS foi apanhado na armadilha da sua virtude imanente. Paulo Pedroso teria que estar inocente. Paulo Pedroso, como dirigente nacional de um partido virtuoso, era por definição virtuoso e obviamente inocente. Nem era possível admitir, perante a opinião pública, qualquer facto que fosse contrário àquela presunção. Se se postula uma teoria baseada em convicções, desdenha-se necessariamente do empecilho incómodo dos factos.
Mesmo quando um dos factos tenha sido a entrada do irmão de Paulo Pedroso no Conselho Superior de Magistratura, sob proposta do PS, numa altura em que a direcção do PS já sabia que Paulo Pedroso estava sob investigação, enquanto reclamava publicamente que outro nome proposto para o Conselho Superior de Magistratura constituía um escândalo, visto possibilitar a ingerência doutro partido político no funcionamento da justiça.
A truculência que Ferro Rodrigues usou durante um ano, quando atestava as suas próprias virtudes morais e cívicas e a ausência destas na área governamental, foi a mesma que utilizou no seu “dia mais longo”, 21 de Maio de 2003, quando declarou que se estava “cagando” para o segredo de justiça e que o processo não pode ser resolvido “num plano tão elevado”, mas antes “à canelada”.
Ao proferir aquelas afirmações, Ferro Rodrigues não se deu conta que, para quem as ouvisse ou soubesse delas, elas constituiriam uma contradição com a sua teoria de virtudes cívicas. Quando se têm convicções fortes, os únicos factos que interessam são os que comprovam a teoria. Os outros não existem.
E só pode duvidar disso quem estiver empenhado numa cabala contra o PS e contra a democracia.
O PS refém de Paulo Pedroso
Refém da sua virtude, o PS tornou-se, como corolário necessário, refém do processo da Casa Pia e do caso judicial de Paulo Pedroso. Não era a pessoa Paulo Pedroso que estava arguida do crime de pedofilia, mas sim o virtuoso dirigente do virtuoso PS, Paulo Pedroso, et pour cause.
Nesse entendimento não era um caso de pedofilia, do foro pessoal, que estava em justiça, mas um processo político, uma cabala, uma maquinação montada pelo aparelho judicial manipulado por obscuros adversários políticos. Assim, o PS politizou o caso Paulo Pedroso desde o início. Não enjeito a possibilidade de malevolência de algum ou alguns dos seus dirigentes na teoria da cabala. Mas ela decorre igualmente, ou foi facilitada, pela convicção que os dirigentes actuais do PS têm de si próprios, e dos outros, sobre ética, civismo, liberdade e democracia.
A libertação de Paulo Pedroso foi assim festejada como uma vitória política, não só pela forma como os dirigentes socialistas viveram os acontecimentos, mas também pelo local onde decorreram as manifestações de regozijo – a Assembleia da República.
Ao realizar o que foi, objectivamente, uma manifestação de desagravo, transmitida em directo por todos os meios de comunicação, o PS esqueceu-se que Paulo Pedroso continuava indiciado por mais de uma dezena de crimes de pedofilia, tendo unicamente sido alterada a medida de coacção aplicada. E esqueceu-se que o processo da Casa Pia ainda estava no início.
Logo a seguir, um segundo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, desta vez apreciando um recurso do advogado de Paulo Pedroso sobre a decisão do juiz Rui Teixeira em antecipar a reapreciação da prisão do socialista, é demolidor para as teses socialistas, criticando duramente o seu comportamento face ao poder judicial, considerando o recurso em causa uma "descabida e lamentável provocação processual" e acusando os recorrentes de só agora se preocuparem com as injustiças: "Lamenta-se, contudo, que a suposta injustiça das leis e rigor de procedimentos só sejam invocados e censurados em determinados momentos e perante certos arguidos que se julgam credores de um estatuto especial que não têm."
Face ao mal estar causado pela manifestação de desagravo na AR nos meios judiciais e nos meios políticos, mesmo entre os socialistas, o PS poderia ter mudado de táctica, repondo o processo onde ele nunca deveria ter saído: a esfera judicial. Mas não, prisioneiro de si próprio e da “verdade” que tinha construído, o PS aprofundou mais a politização do processo e da justiça em geral – permitiu o regresso de Paulo Pedroso à bancada parlamentar, apesar de estar na situação de arguido e soltou Ana Gomes em diatribes incendiárias, fazendo-se eco de boatos postos a correr por uma revista francesa meses atrás.
O regresso de Paulo Pedroso é uma situação insustentável para o maior partido da oposição. É ter em permanência o processo da Casa Pia na sua bancada parlamentar. É viver quotidianamente em função das evoluções do processo mais importante e mediático da sociedade portuguesa dos últimos anos. É usar para si um critério diametralmente oposto ao que usou durante mais de um ano para Paulo Portas.
O PS refém de Ferro Rodrigues
Ter permitido a Ana Gomes verter a sua incontinência verbal sobre o sistema judicial aprofundou o fosso entre o poder judicial e a actual direcção do PS.
A justiça não é ministrada por pessoas sem memória nem emoções. Nem sempre, na aplicação da lei, a razão se liberta da paixão. Neste processo, que envolve gente poderosa e muito mediática, não é a primeira vez, nem será a última, que a acusação é tentada a usar a comunicação social como "arma de arremesso" para contrapor as suas teses aos excessos de despeito e de demagogia da defesa e às teses que esta igualmente carreia para a comunicação social.
O vir a lume das escutas telefónicas é mais uma etapa em todo este processo, que deveria ser deixado apenas na esfera judicial mas que extravasou dela, e que coloca a direcção socialista numa situação extraordinariamente embaraçosa.
O teor das escutas evidencia um total desprezo pelas instituições democráticas, pelo poder judicial e pelo princípio da separação de poderes. As escutas mostram que os dirigentes do PS conheciam dados processuais que estavam em segredo de justiça, o que lhes retira autoridade moral para protestar contra a violação do segredo de justiça que a divulgação destas escutas constituem, e que se empenharam nas semanas, dias e horas que precederam a detenção de Paulo Pedroso em utilizarem os seus conhecimentos, políticos e outros, no sentido de interferirem no processo e de favorecerem a situação do seu dirigente. O que se designa sumariamente por tráfico de influências ou, num vernáculo mais genuíno, por cunha.
O desprezo que o líder do principal partido da oposição confessa ter pelo segredo de justiça é politicamente demolidor e será sempre um elemento que virá a lume em qualquer eleição futura a que ele se apresente. Muitos eleitores questionar-se-ão se será possível escolherem para primeiro-ministro e terceira figura do Estado um político que se comporta desta forma e evidencia tal desprezo pelos fundamentos do Estado de Direito.
Órfão do poder, o PS não soube constituir internamente uma alternativa à liderança truculenta de Ferro Rodrigues. O primeiro aviso público, demasiado tardio, partiu de Mário Soares: "Se eu pudesse dar algum conselho a algum deputado, o que não é o caso porque não tenho categoria nem autoridade, o que lhe diria, … , é que em matéria política pela boca morre o peixe".
Os factos que vieram a lume este fim de semana suscitaram, de acordo com a comunicação social, a maior inquietação entre os próceres socialistas. Francisco Assis, líder do PS/Porto, é citado como tendo afirmado que «O PS não pode estar acorrentado a este caso de pedofilia, que prejudica fortemente o partido. Os portugueses não podem ter a suspeita de que o PS está a alimentar uma guerra contra parte do sistema judicial».
Frases como «ou ele abre caminho para sair por si ou terá de ser o partido a pedir-lhe para o fazer, reunindo os notáveis e fazendo-lhe ver o óbvio»; ou «há que pôr fim a este plano inclinado»; ou ainda: «Se Ferro saísse seria um alívio para o partido» apareceram em diversos meios de comunicação como tendo sido proferidas por importantes membros do PS.
Todavia, a declaração mais óbvia e a que, provavelmente, melhor reflecte a actual situação interna do PS é a de que «Ferro não tem margem para se manter, mas não parece que queira sair por si». Na verdade, quando a primeira reacção do núcleo ferrista ao conteúdo das escutas é que tal constituía "a prova que faltava que isto é um processo político", quando se fazem, internamente, apelos patéticos à intervenção do Presidente da República, já que “o próprio Sampaio é envolvido num processo judicial e político” pela divulgação das escutas, sem se aperceberem que esse pedido pode corroborar eventuais alegações de que já teria havido uma tentativa de intervenção do PR aquando da detenção de Paulo Pedroso, tudo indicia que aquele núcleo duro do PS vai continuar a apostar na politização do processo e na pressão sobre o sistema judicial.
O PS refém da deriva esquerdista da sua direcção
Ferro Rodrigues declarou ontem nos Açores que estes últimos desenvolvimentos constituíam “ameaças muito fortes ao PS e à democracia”. Foi igual a si próprio. O PS é, por definição, pelo postulado Ferro Rodrigues, o depositário da democracia e das virtudes cívicas, o tabernáculo onde estas estão em permanente lausperene. Algo que menoscabe essa verdade absoluta constitui um atentado à democracia e ao PS, visto o PS ser a democracia, e a democracia ser o PS.
Um dos estereótipos mais queridos da esquerda radical é o da esquerda ser a portadora da virtude e da honestidade, em contraponto à direita, que é a portadora do vício e do peculato. Uma esquerda que amarra os factos ao leito de Procusta das suas convicções até terem um “formato” que não ponha em causa as suas opções políticas e ideológicas, ou os seus princípios virtuosos. As excepções apenas confirmariam aquele postulado absoluto.
Foi a essa esquerda radical, portadora de mitos, incapaz de uma leitura dialéctica da realidade social em permanente mutação, extasiada por se supor agente de um processo histórico absoluto e inevitável, que Ferro Rodrigues hipotecou a condução política do PS.
Uma esquerda que agita os seus princípios, sem se aperceber que entretanto ficaram reduzidos a mitos, e que fica ideologicamente desarmada e sem soluções viáveis face a uma direita pragmática. Uma esquerda que arruina o país, abandona o barco quando vê que este se dirigia para o abismo e aparece depois a protagonizar o papel de vítima.
A deriva esquerdista do PS, imposta por Ferro Rodrigues e o seu núcleo, constitui o substracto ideológico que tem sido o motor da política contraditória do PS, julgando publicamente os outros por critérios elevados de ética e de apego à democracia e ao Estado de Direito, mas que considera despiciendos e inaplicáveis quando se julga a si próprio. Que é truculento e agressivo quando detecta um desempenho alegadamente menos virtuoso nos outros, e que é igualmente truculento e agressivo quando o confrontam com a sua própria carência de virtudes, porque criticar as atitudes da direcção socialista constitui uma grave ameaça à democracia e ao PS (o que, de facto, é o mesmo pois o PS está refém da sua direcção) e um sintoma de que a liberdade corre sérios riscos.
Um PS (ou melhor, uma direcção do PS) que, sem se dar conta, está a utilizar os conceitos que levaram aos totalitarismos: a convicção absoluta da verdade de que é portador; a de que a verdade é a nossa verdade; a de que a esquerda pode agir, sem estar espartilhada por concepções burguesas do Estado de Direito, porque é ela que é o motor necessário do progresso histórico e social; a de que à direita apenas lhe resta a sarjeta da história e, portanto, tudo o que ela faça ou proponha é uma acção celerada que apenas visa comprometer o futuro da humanidade e os amanhãs que cantam.
Um PS que tem que arrepiar caminho rapidamente, a bem da saúde das instituições políticas portuguesas, da democracia e do Estado de Direito. O país precisa de um PS como força de oposição capaz.
Para protagonizar o papel actual do PS já existe o Bloco de Esquerda.
Escrevia Aristóteles que a Lei é a razão liberta da paixão.
O caso Casa Pia, para a maioria dos comentadores, é a “paixão liberta da razão”.
O Processo Penal português, que no início deste caso era defendido com acendrada devoção pelos que confiavam na justiça portuguesa (todos!), tornou-se, após a prisão de importantes figuras do meio artístico e político, num clausulado ominoso, devassador da privacidade, castrador da liberdade, molesto para a democracia e uma injúria para a tranquilidade e acrisolada devoção pela causa pública de “destacados políticos com uma longa carreira de serviço público”.
Os casapianos Namora e Granja eram, inicialmente, os meninos queridos dos mídia, tornaram-se após aquelas prisões, em narcisistas que aparecem em todas as televisões (como se antes não aparecessem!), opinando para tudo o que é jornal (como se antes não opinassem!), desdobrando-se em “declarações populisto-judicialistas” (como se antes não se desdobrassem!), e desempenhando papéis de inquisidores morais dos tais destacados políticos.
Gente que personificava, ainda há poucos meses, uma justiça em que todos devíamos confiar, o PGR Souto Moura, que foi nomeado quando António Costa era o Ministro da Justiça, etc., não passam hoje, para os mesmos que os elogiavam, de tenebrosos chefes e familiares do Santo Ofício.
Neste on-line, os correligionários de alguns dos detidos (ou visados) desdobram-se em críticas à justiça, à sua idoneidade e à sua equanimidade.
O Nicolau Santos, no Expresso, comparou P Pedroso e Ferro Rodrigues a Sacco e Vanzetti; apoiantes socialistas têm comparado a situação dos detidos a um pogrom, aos cárceres da Inquisição; etc., etc.
Exprimi aqui, por diversas vezes, o meu incómodo pela situação da justiça portuguesa quanto ao segredo de justiça e à forma como são aplicadas as medidas de coacção. Em Portugal prende-se para investigar de preferência a investigar para prender. O segredo de justiça e a prisão preventiva são utilizados para mascarar a pouca eficiência de uma investigação demasiado morosa e provavelmente frágil na obtenção dos elementos de prova. É a administração pública que temos!
Sucede, todavia, que eu tenho essa opinião como matéria de princípio. Outros passaram a tê-la apenas pelo facto de agora estarem detidos dirigentes políticos que idolatram e antes, mortais despiciendos.
Pior, agora a fúria contra a justiça não poupa nada, nem ninguém. Os juizes são parciais, os procuradores são inquisidores persecutórios, a PJ é uma organização que trafica cocaína e que utiliza o pó para corromper testemunhas e jornalistas. Muitos comentadores, na net e fora dela, analisavam o conteúdo de um blog que a si próprio se intitulava “muito mentiroso” comparando as “provas” nele aduzidas com as alegadas provas que têm aparecido na comunicação social.
Se o debate sobre esta questão era, anteriormente, difícil, na situação actual, com figuras públicas e políticos detidos, está completamente viciado.
Espera-se que a justiça consiga que razão se mantenha liberta da paixão, porque no que toca à comunicação social, aos frequentadores deste fórum e de outras tertúlias reais ou virtuais, verifica-se, na maioria dos casos, que a razão não prevalece em face da paixão.
Escrito em 3 de Setembro de 2003
Como já se aperceberam, aqueles que se deram ao trabalho de passar uma vista de olhos por este sítio e ler os comentários ... agora poucos, pois alguns eram de tal forma ordinários que os apaguei, a falta de nível e a malevolência de alguns internautas (um ou dois, mas que multiplicam os nicks!) são impressionantes.
Mas, sejamos pragmáticos, este é o país que temos. Sou, sempre fui, uma iconoclasta. Divirto-me a despedaçar a manipulação orwelliana da palavra, onde quem exalta as “forças democráticas” e as “amplas liberdades” constrói sociedades de uma absoluta perversão totalitária e aqueles que ficam extasiados pela “Democracia Participativa” têm um completo desdém pela opinião dos outros, que caiem na mais absoluta intolerância, e nos “comentários de taverna”, quando a coberto de nicks na net ou, quando em manada, vandalizam montras, carros, mobiliário urbano, etc..
Aliás, não serei eu uma adepta do laissez faire …? Então tenho que agir em conformidade! Cito-me Bernard de Mandeville e esse espantoso livro “A Fábula das Abelhas: Ou velhacos transformados em gente honesta” escrito no início do século XVIII, onde se pode ler, logo no prefácio:
“O que, no estado da natureza, faz o homem sociável, não é o desejo que tem de estar em companhia, nem a bondade natural, nem a piedade, … . As qualidades mais vis, frequentemente as mais odiosas, são as mais necessárias para torná-lo apto a viver com o maior número. São elas que … mais contribuem para a felicidade e prosperidade das sociedades.” … e, mais adiante:
“Grandes multidões pululavam … atropelando-se para satisfazerem mutuamente a luxúria e a vaidade. Consequentemente cada parte estava cheia dos vícios mas, no seu todo, o conjunto era um paraíso.”
Ou, como escreveu Adam Smith, meio século depois: “cada indivíduo … ao tentar satisfazer o seu próprio interesse promove, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretende fazer.”
Portanto, neste microcosmos dos debates na net, ao prosseguirmos o nosso próprio interesse, mesmo que alguns o façam da forma mais vil ou odiosa, maximizamos o bem-estar geral. E como? Porque, ao sermos confrontados com argumentos em contrário, ou apenas com o insulto soez, pensamos melhor e mais profundamente as questões, treinamos o nosso estilo e capacidade de polemizar, aperfeiçoamo-nos a pôr a nu as fragilidades da argumentação (mesmo insultuosa) alheia, em converter os insultos na ignomínia de quem os proferiu, etc.
E, simultaneamente, exercemos, mesmo sem ser esse o nosso objectivo, uma acção pedagógica, pois alguns dos que seriam tentados em ir pela via do insulto fácil, poderão aperceber-se que ganharão em ter uma intervenção mais séria e ponderada.
Como diria Mandeville, no seu “anarquismo”, cepticismo cínico e utilitarismo … “no seu todo, o conjunto ser um paraíso”.
Eu apareço por na net porque me divirto com este microcosmos onde coexistem comentaristas de alto gabarito ou simplesmente interessantes (a maioria), com frustrados, intolerantes, néscios etc.. E, ao prosseguir este meu interesse lúdico estarei, mesmo se não fosse esse o meu objectivo, a concorrer para a melhoria do universo comentador, aperfeiçoando-me simultaneamente. E a concorrer para que a net atinja o Óptimo de Pareto!
A tese de Mandeville, depois retomada e aperfeiçoada por Adam Smith de que os vícios privados ( egoísmo interesseiro, ambição e desejo de lucro) se transformam, no final do processo de produção, distribuição e consumo, em vantagens para toda a comunidade, originando uma ordem funcional mais eficiente do que qualquer outra forma resultante de tentativa de organizar a economia na base de um planeamento centralizado, foi genial, nomeadamente tendo em conta ter sido escrita numa época em que toda a vida económica e social estava completamente espartilhada por regulamentos e hábitos consuetudinários. Foi absolutamente notável.
Um feito espantoso!
Há um equívoco monumental, quer na comunicação social, quer na comunidade dos comentadores da net, entre eles os do Expresso online, sobre Ana Gomes.
Quer as declarações acerca de José Lamego, classificadas por este como "insinuações reles" e "impropério grosseiro", quer a sua habilitação, já a correr nas conservatórias e nas finanças, de herdeira do defunto blogue "muitomentiroso", são atitudes que de forma alguma poderiam ser assacadas a alguém com responsabilidades políticas e membro de órgãos de topo de um partido da área do poder .
É certo que, desde que o PS se encontra na oposição, os seus dirigentes enveredaram por tácticas de terrorismo parlamentar e de chicana política que se pensaria serem impróprias pela sua herança histórica e, principalmente, por ser um partido que teve, e terá certamente, responsabilidades governativas.
Mas esta peixeirada, as "insinuações reles" e a criação de um blogue no mídia-espaço que é a continuação lógica e perfeita do blogue "muitomentiroso", que se apagou, ou foi apagado, ingloriamente, do ciber-espaço, é demais, mesmo tendo em conta a truculência e a chicana política dos actuais dirigentes socialistas.
Portanto é de recusar liminarmente a hipótese de que Ana_Gomes é alguém com responsabilidade política e membro de órgãos de topo do PS.
O que está a acontecer, e peço-vos que acreditem em mim, a bem da sanidade mental do país e da saúde democrática das nossas instituições, é a consequência da criação do blogue http://www.muitomentirosa/ana_gomes.tv&jornais.blogspot/peixeirada.ps/, powered by Ferro.Rodrigues.chicana.ps.
Estou a escrever isto e a entrever sorrisos trocistas, risos escarninhos e testas franzidas de dúvidas e hesitações entre muitos de vocês. Muitos contestam: então não a temos visto em carne (e abundante!) e osso, na TV? E a voz dela, bem colocada e estridente, como convém a quem apregoa peixe fresco?
Ilusão meus queridos amigos (e não menos queridos inimigos)! Ana_Gomes é a mais recente inovação tecnológica do software nacional, já prenunciada no “Disclosure” (aquele filme longínquo, de 1994, onde a Demi Moore assedia o M. Douglas). Foram introduzidas novas facilidades, a imagem virtual já não necessita de bater as asas e consegue ser reproduzida sentada numa cadeira televisiva, a descer a Avenida da Liberdade, no tejadilho de uma camioneta a arengar as massas, nos estúdios de rádios locais, etc..
É óbvio que há bugs que terão que ser corrigidos. Os programadores equivocaram-se na relação entre os pixels horizontais e verticais e a imagem do nick Ana_Gomes aparece demasiada larga para a altura (ou vice-versa). Já foram dadas instruções aos programadores para se reduzirem em 50% os pixels horizontais e se aumentarem os verticais. Igualmente, o sintetizador terá que ser aperfeiçoado por forma a que os sons que aquele nick emite não sejam tão estridentes, tão incómodos.
Mas o facto é que Ana_Gomes está a caminho do estrelato e do reconhecimento internacional. Não pela via política, é óbvio, mas isso também está fora de questão, porquanto ela se tornou num dos nicks mais ordinários do espaço virtual … e olhem que a experiência do meu blog e da frequência da net, indica-me que é uma competição onde é difícil de se atingir o topo.
É seguro, quase tanto como as confidências do "muitomentiroso", que Ana_Gomes vai dar origem ao próximo remake do Disclosure, o Disclosure.pt. Barry Levinson já está a trabalhar no assunto e Michael Crichton prometeu um argumento reforçado (e ele conhece bem Portugal e a TAP).
Há ainda uns aspectos enfabulatórios do argumento a ultimar como, por exemplo, quem assedia quem. Mas isso deixo à vossa imaginação. Sugestões que tenham, queiram dirigi-las a Michael Crichton, quer directamente, quer por meu intermédio.
Portanto, José Lamego, quando diz Ana Gomes está a destruir a credibilidade que o PS acumulou em matéria de política externa nos quase 30 anos que levamos de vida democrática … e que "O PS merece melhor e diferente", você está equivocado. Trata-se apenas de um nick da net, Zé Lamego, um reles e ordinário nick.
Finalmente, depois de inúmeros recursos, infindáveis alegações, incontáveis despachos, réplicas, tréplicas, etc., o PS viu a medida de coacção ser modificada e a prisão preventiva a que estava sujeito, ter sido transformada em termo de identidade e residência. O representante do PS neste drama judicial e nacional é Paulo Pedroso. Foi ele que representou o PS no Estabelecimento Prisional de Lisboa, é ele que deu o BI e o endereço para o termo de identidade e residência.
Como Paulo Pedroso apenas era o representante do PS neste caso, não foi em casa dele que se festejou a sua libertação e ocorreram os abraços efusivos, os beijos, as lágrimas rebeldes, os soluços comovidos. Seria impróprio. Estar-se-ia a fulanizar um caso que é assumido por todo um partido.
Os festejos e as manifestações de desagravo ocorreram na Assembleia da República. Foi aí que o PS, através de Paulo Pedroso, indiciado em nome do PS por mais de uma dezena de crimes de pedofilia, fez uma manifestação de regozijo e desagravo, transmitida em directo por todos os meios de comunicação.
Tenho expresso, por diversas vezes, o meu incómodo pela situação da justiça portuguesa quanto ao segredo de justiça e à forma como são aplicadas as medidas de coacção. Em Portugal prende-se para investigar de preferência a investigar para prender. O segredo de justiça e a prisão preventiva são utilizados para mascarar a pouca eficiência de uma investigação demasiado morosa e provavelmente frágil na obtenção dos elementos de prova. Nesse entendimento, a reformulação da medida de coacção poderá ser um acto positivo.
Todavia, é a primeira vez que uma medida de coacção é imposta a um colectivo. O juiz Teixeira, na inexperiência dos seus verdes anos, julgou estar a impô-la a um indivíduo. O Tribunal da Relação, na sua ingenuidade, ajuizou que estaria a reformulá-la face a alguém indiviso. Equívoco. Paulo Pedroso foi apenas o delegado do PS ao caso Casa Pia. Toda a actuação pública do PS não deixa quaisquer ambiguidades sobre esta matéria.
Como irá evoluir este caso? É normal, em matéria de representatividade, haver substituições. O PS não irá pedir a substituição de Paulo Pedroso por alguém menos cansado por este processo longo e penoso? Se for deduzida acusação, quem será o representante do PS no banco dos réus? Será Ferro Rodrigues? Perfila-se todavia, a figura belicosa de Ana Gomes cujas arremetidas verbais prenunciam que se estará a fazer a tão apetecido e mediático lugar. Será ela a próxima representante do PS?
Só o futuro o dirá. O presente é demasiado repugnante para fornecer quaisquer indícios.
José António Lima, quem está a teus pés, implorando perdão, é a Joana, relapsa e contumaz, que te referiu como “o paradigma de um homem azedo, amargurado e sem sentido de ética”, que insinuou que quando, além do teu actual corrector ortográfico, te instalarem um corrector de ideias … “não sei o que vai acontecer … provavelmente, teremos que passar sem o JAL”, que … e …eu sei lá!
JAL, alguém, incredulo, pôs ultimamente a correr que eu, inclusivamente, te punha “os cornos”. Se o fiz, JAL, desde já te afirmo que foi sem intenção. Pelo menos sem boa intenção! Também dessa imperdoável colocação (refiro-me aos “cornos”) te suplico o perdão.
Mas JAL, abri agora o teu sítio do Senado e tu não merecias isto! Está intransitável ... são montes de preservativos espalhados por tudo quanto é sítio, e fui eu, naquela série irreflectida de escritos, tenho que o reconhecer, que abri a Caixa de Pandora!
JAL, perdoa-me ter aberto essa caixa. E eu, que estava ingenuamente convencida que era apenas uma singela caixa onde a minha tetravó guardava as jóias da família. Mas não … era aquela caixa fatal!
E nada fazia prever tão catastrófico desenlace. Tinhas escrito um artigo sobre o Senado, lugar privilegiado onde os pares da república (ou do reino), as “venerandas figuras na reserva da Nação” (as da equipa principal foram jogar para o estrangeiro) discorrem e deliberam, com a nobreza que a sua proveniência e a excelência do cargo exigem, sobre problemas da maior importância para o país e para o mundo.
Depois de o escreveres, colocaste-o no Expresso online, esperando ansiosamente que os comentadores do fórum, cientes do superior problema que tinham entre mãos (ou entre teclas) o debatessem com a perspicácia e a elevação que o tema exigia e vertessem ideias capazes de figurarem na tua “bolsa de ideias” para futuras utilizações em situações de menor inspiração e sem ter Portas a jeito de malhar.
Mas, JAL … e permite que te dê um abraço comovido e partilhe contigo a dor que te trespassa a alma e dilacera o espírito, abrir o teu sítio do “Senado” e vê-lo pejado de preservativos é uma punhalada aleivosa e imerecida no teu ego e no agora menos que provável Senado da Nação. É uma lança celerada que trespassa uma carreira votada à formação e desinformação de várias gerações de portugueses. JAL! Tamanha quantidade de preservativos nem por detrás do sombrio arvoredo de Monsanto, nem no relvado mais recôndito do Parque Eduardo VII, nem em casa do embaixador ***, nem … em sítio algum!
JAL, eu sei que não acreditas em mim. Sei que me desmereci na credibilidade perante ti. Sei que quando o paquete da redacção for para Timor, serás tu que terás que ir passear a Besta à rua. Sei que te tenho envenenado a tua vida jornalística. Sei que tenho sido a tua Némesis! Sei isso tudo, JAL!
Mas JAL … é a teus pés, com o rosto lavado em lágrimas que, neste soluço comovido, protesto a minha inocência. JAL! Não tenho nada a ver com esta avalanche de preservativos que se abateu sobre o teu Senado. Estou inocente do teu infortúnio. Rogo-te que acredites. Nem um único preservativo arremessei para o teu Senado, nem diafragmas, nem pílulas, … nada!
E não apenas inocente. Partilho, do meu coração, a angústia que alanceia a tua alma e tortura a tua mente. Tens o meu ombro para chorares à vontade. Tens mesmo os dois ombros! Chora, JAL, quanto mais as lágrimas forem copiosas, melhor será o meu desempenho, logo à noite, no concurso de Miss T-Shirt molhada! Nestes momentos supremos, chorar alivia o espírito e lubrifica a função ocular. E sei que bem precisas de uma coisa e da outra, pois a tua visão política não tem andado nada bem.
Bob, venho humildemente confessar que errei. Lamentável equívoco! A nossa civilização tem gente sensata, mas também insensata, amável, mas também irascível, intelectualmente brilhante, mas também analfabeta total ou funcionalmente (como eu ingenuamente pensei que fosse apenas esse o seu caso), etc.. Porém, age segundo esquemas lógicos comuns sedimentados por uma vivência multisecular. As nossas idiossincrasias já fazem parte do nosso património genético.
E assim, quando lêem o texto dos outros, apreendem os respectivos conceitos (quando o conseguem) e argumentam em conformidade. Não o esquartejam no leito de Procusta, o tornam irreconhecível e deitam os bocados aos cães. E discutir restos é tarefa para o pessoal da recolha dos RSU e não para mim.
Na verdade, Bob, você é de outra civilização. O que é substantivo em si, face aos meros ícones que o ligam à net (teclados, monitores, etc.), é o bracelete entrançado de sisal que lhe enfeita o tornozelo, o osso que lhe perfura orgulhosamente o nariz, a pedra enorme embebida no seu lábio inferior, que você chocalha ritmicamente quando se dirige ao P Pedroso, o soberbo cocar coberto com penas amarelas, pretas e vermelhas agitadas ao vento, as palhinhas que lhe tapam o períneo e as pinturas guerreiras que lhe esmaecem nas faces e ao longo do corpo, juntamente com a missanga e as conchas que se lhe dependuram nas orelhas.
Na sua memória perpassam os avatares de uma vida no seio da natureza primitiva que o rodeia: circuncidado em criança pelo sílex afiado do feiticeiro da tribo, que ainda hoje se penitencia pelo resvalar lamentável do golpe; a sua caçada, ao iniciar a idade adulta, onde os jovens da tribo foram, disparados, atrás da onça, e você, empolgado, em sentido oposto, atrás dos gambozinos e a única coisa que apanhou foi uma descompostura dos anciãos extenuados após 2 semanas à sua procura.
É verdade que desde que o G7 anunciaram, há anos, que ia ser promovido o uso da informática no 3º mundo, e lhe dependuraram o PC oferecido à tribo num embondeiro distante, para o manterem prudentemente longe da senzala, numa savana a perder de vista, que você tecla caracteres latinos, embora encadeados de forma aleatória e desconexa (excepto quando descamba para a má criação). Todavia, os conceitos que existem são cliques ao estilo dos quiocos, Ugh’s guturais e ásperos.
Enviarem-lhe missionários? Nem pensar nisso, pois correm o risco de acabarem no caldeirão, para você partilhar, de uma forma mais concreta, o Conhecimento com eles.
A melhor solução é deixá-lo aí, na civilização a que pertence, em equilíbrio com o ecossistema de que faz parte. Ainda tem uma idade tenra. Ao pé de si sou, de facto, uma espécie de avó! Mais alguns séculos (ou milénios) e estará civilizado.
E é aí que eu o vou deixar, Bob! Não tenho vagar, nem paciência, para manter diálogo com uma civilização tão diferente e primitiva.
Escrito em 2003-10-08
O Ministro Pedro Lynce exarou um despacho contrariando, alegadamente, a legislação vigente.
As bombardas da comunicação social assestam-se sobre ele: irregularidade! Prevaricação! Crime punível com prisão maior! Grilheta no pé, já! O PGR vai investigar.
O Ministro demite-se imediatamente. Os panegíricos são imensos: homem de grande estatura moral! Foi induzido em erro pelo Director-Geral! Vítima de uma cabala! Pessoa competentíssima! 47 especialistas e docentes de Direito juram que o ministro não violou a lei, antes pelo contrário, podia fazer aquele despacho e ele era legal. O PGR vai investigar.
Rui Trigoso, sem conhecimento do Lynce (desculpa, ó Lynce, este tratamento, mas na situação em estás, ele deve ser o mais polido que recebes…), tentou mudar a lei, obviamente para favorecer a Diana. Mas Trigoso não tem status para ser bombardeado pela comunicação social: É o ministro Martins da Cruz que é o culpado. Tem todas as condições para isso: é profundamente antipático e tem uma filha com 19 nas provas específicas o que é indecente para a nossa mediocridade. O Ministro Martins da Cruz demite-se! O PGR vai investigar.
Amanhã descobre-se que afinal foi a Diana que convenceu o namorado, familiar de Rui Trigoso e de Requicha Ferreira, a congeminar toda esta trama: a comunicação social bombardeia o gang dos 4 e a SIC Notícias faz 10 horas seguidas de emissão sobre esta conspiração que abala os fundamentos do Estado. Diana demite-se de filha de Martins da Cruz. O PGR vai investigar.
Mais meia dúzia de dias volvidos e outra investigação jornalística vem provar que afinal se trata de uma maquinação urdida por um ex-namorado da Diana para se vingar de ela o ter abandonado. Outra investigação, mais aprofundada, exibe, sem margens para dúvidas, que ela o abandonara por ter sabido ter ele tido, anteriormente, uma relação pecaminosa com Paulo Portas. O PGR vai investigar.
Felícia Cabrita vem, finalmente, após uma investigação laboriosa, conduzida conjuntamente com o JAL, descobrir que o ex-namorado da Diana era afinal um traumatizado e que a ligação com o Portas teria ocorrido na mais tenra adolescência. O rapaz não se lembrava da idade porque não costumava andar com o BI. Apenas garantia que os encontros ocorriam numa vivenda chamada “Sodoma e Gomorra” e que uma das posições era o 666. O PGR vai investigar.
Paula Portas não é constituído arguido porque o 666 não é crime público. Aliás, exegetas diversos, consultando tratados da especialidade: o Kamasutra, a Arte de Amar do Ovídio, o Satyricon do Petronius, o Burro de Ouro do Apuleio, o Decameron, toda a vasta obra do divino Marquês, Hilda Hilst, Henry Miller, Anaïs Ninn, mesmo a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica da Natália Correia … tudo, não conseguiram encontrar qualquer referência àquela alegada perversidade. O PGR vai ler toda aquela literatura.
A oposição exige a demissão do Portas porque o facto de ele ter sido arrolado como testemunha do caso do 666 era indício seguro da sua culpabilidade e da inexistência de condições para continuar como ministro. O Expresso enche 35 edições semanais sucessivas com relatos sobre a perversidade do 666. Paulo Pedroso coloca 412.825 comentários no online. pyrenaica passa a paquete da redacção do Expresso e agente da Catherine Deneuve em Portugal. O PGR vai fazer uma post-graduação em Aritmética para aprender a contar até 666.
Balsemão adquire a Besta numa pet-shop, convencido que era um fetiche sexual. Desiludido encarrega o paquete da redacção da tarefa de, todas as 6 horas, levar a Besta à rua, para passear pelos candeeiros e árvores defronte do Expresso. O município aplica uma coima ao Expresso pela quantidade de dejectos da Besta na via pública. O PGR vai analisar o corpus delicti. Todo o corpus delicti é transportado para a Procuradoria em camiões cisterna.
Escrito em 2003-10-07
Fiquei perturbada. Vi a sessão dos “Prós e Contras” sobre o Casino de Lisboa e nunca mais me reencontrei. O meu ego, que tanta exaltação tem provocado, ficou espalhado pela sala, os meus conceitos dispersos e subvertidos. Socorrendo-me de Marx, estou em plena umwältzung!
Vi o Presidente da CML, que quando Secretário de Estado da Cultura confundia violinos com pianos e o Chopin sabe-se lá com quem, ser incensado até às lágrimas pelos mais distintos actores e actrizes da nossa terra, agradecendo-lhe penhorados e comovidos o projecto para um casino no Parque Mayer, como alavanca para uma revitalização sustentável das salas de espectáculo naquele antigo espaço lúdico lisboeta.
Ao seu lado, Assis Ferreira que, a ter em conta alguns textos do Expresso, seria o futuro sinistro representante, no coração de Lisboa, das tríades macaenses, essa figura nefasta, atrás do qual se perfilaria a sombra ominosa de Stanley Ho, era idolatrado pelos mesmos artistas, de olhos humedecidos por lágrimas rebeldes, como um mecenas empenhado na manutenção da vida teatral, dos seus empregos, enfim ... a sua tábua de salvação no desespero de uma actividade sem segurança nem compensação financeira. Pior! Era certificado como uma figura ímpar no panorama cultural português! Um desespero!
Ah! Como então segui a torrente argumentativa do Miguel Portas, as variações que ele foi executando sobre o tema do pecado do jogo, variações que começaram em ré e que, à medida que aumentava a hostilidade dos artistas da plateia (ó como compreendo ser o lugar dos artistas no palco e nunca na plateia!!), foram andando de nota em nota até acabar num perfeito dó, menos que sustenido. E reconheçamos quanto os artistas foram injustos, porquanto os argumentos do M Portas eram intelectualmente elevados e só não colheram porque os artistas estavam demasiado preocupados com as pequenas misérias deste mundo: exercer a sua profissão, pagar a renda de casa, comer um bife de quando em vez, ... enfim ... coisas materiais mesquinhas.
Estava siderada! Pois quê? Os artistas a beatificarem um play-boy de direita e um intelectual de esquerda a exorcizar o pecado? Estaria eu no Universo Anti-matéria?
Mas perder uma batalha não é perder a guerra e eu esperava, fremente de ansiedade, pelo último e definitivo argumento: o do espectro da abertura da Caixa de Pandora; e quem melhor para o brandir esse instrumento escatológico-cultural do que o Eduardo Prado Coelho, o paradigma do intelectual português, o elefante branco da nossa cultura.
Assim, esperei tranquilamente que EPC pusesse cobro a tal destempero. Já antegozava EPC chamar em seu, em nosso, auxílio Wedekind, Alban Berg, Pabst ,... dar-nos a dramática e telúrica visão de Lisboa, no último acto, subindo lentamente a escada, um punhal alvejando na sombra, e Lisboa, cambaleando, esvaindo-se estripada pelo infame Stanley Ho, em travesti de Assis Ferreira, num cenário claro escuro do expressionismo alemão (sim, eu sei que Pabst não era nem exactamente alemão, nem exactamente expressionista, mas o meu pretensiosismo não resiste a este arroubo linguistico).
E a cena terminar apoteoticamente com a entrada do Exército de Salvação, Santana Lopes escapulindo-se silenciosamente numa viela escura, ainda não recuperada pela DMCRU, Graça Dias a rufar os tambores e a distribuir sopa aos artistas e o Miguel Portas a glosar estrofes sobre os pecados do jogo e da agiotagem nos parques de estacionamento dos casinos. Estrofes legendadas apenas em alemão, para tranquilidade do nosso espírito e sossego da nossa mente.
Fora do alcance das câmaras, JA Lima esmolava junto dos transeuntes, para a meritória obra do Expresso, a de eliminar quem não está de acordo com as suas concepções político-culturais. As câmaras evitavam-no discretamente para que, nesse momento de suprema exaltação anti-pecaminosa, ninguém pudesse reparar que, com o azedume que o caracteriza,, quando algum transeunte recalcitrante não deixava cair o seu obulo no regaço do JAL, era objecto das mais tonitruantes sevícias verbais e escritas.
Mas quê, quando todos pensávamos sorver dos lábios do nosso elefante branco a salvação da nossa culturazinha, no momento supremo em que o nosso “intelectual way of life” estava à beira do abismo mais definitivo, sabe-se, por um descuido (seria?) lamentável de um daqueles artistas tresmalhados na plateia, que EPC também colaborava nos espectáculos de Assis Ferreira.
É verdade, EPC colocava todo o seu imenso talento, talento que todos nós lhe reconhecemos e ele o reconhece, mais que todos nós, ao serviço de Assis Ferreira, de Stanley Ho, do pecado, do jogo, da agiotagem, dos parques de estacionamento, dos arrumadores, das tríades de Macau em Lisboa. Pelo caminho um rasto de sangue: Lulu, Lisboa, os gatos vadios do Parque Mayer, as brisas transversais do Jardim Botânico, o nosso meio intelectual, tão pequenino, tão deliciosamente acanhado.
Fiquei desfeita e, como certamente se percebe, foi em estado de perfeita subversão conceptual que, com o único dedo que ainda me restou, teclei estas linhas.
J
Escrito em 23-12-2002
Este é um caso tipicamente português.
Uma jovem passa quase toda a sua vida discente a transferir-se de país em país, ao sabor da vida profissional paterna e sobrevivendo aos respectivos sistemas educativos e curriculares.
À partida, numa situação de desfavor e mais penalizadora no que respeita quer às notas, quer à apreciação segundo os critérios curriculares portugueses, face a estudantes que fizeram toda a sua carreira no nosso sistema curricular.
No último ano, para manter a família unida, o pai dela cometeu a imprudência de a transferir para o ensino em Portugal. Ao fazê-lo, não teve, ou não quis ter, em atenção que ela deixava, formalmente, de estar ao abrigo da lei que permite a entrada na universidade de estudantes que completaram no estrangeiro o equivalente ao 12º ano.
Depois, com o facilitismo português, o pai pensou em contornar a lei. Isso foi uma irregularidade. A lei, neste caso e noutros similares, é injusta. Uma jovem que estudou toda a sua vida escolar no estrangeiro, excepto o último ano, não é abrangida pela lei, enquanto que outro jovem que apenas foi ao estrangeiro fazer os anos necessários para tal, é abrangido por ela. Mas a solução era alterar a lei e não, atendendo a que era filha de um ministro, contorná-la.
Quando a minha irmã mais nova, no 9º ano, decidiu ir para Arquitectura, e como ninguém acreditava que ela pudesse vir a ter notas suficientes, o meu pai chegou a pôr a hipótese de transferi-la para Macau, para aí fazer o 10º, 11º e 12º. Não era complicado do ponto de vista logístico, pois ele tinha, na altura, negócios lá e deslocava-se com alguma frequência àquele território. Desistiu porque quer os meus pais, quer a minha irmã, eram de opinião que o que ela ganharia numa entrada assegurada, não compensava o afastamento familiar e a menor qualidade de ensino. Ficou cá, e fez bem. Mas conhecemos outros que utilizaram essa possibilidade e outras relacionadas com as regiões autónomas, familiares no estrangeiro, etc., etc. Tudo formas “legais”. Formas não impostas por uma situação de facto, mas utilizadas para tornear o espírito da lei.
Esta jovem, que segundo a SIC disse, até tinha médias elevadas, foi trucidada pela pela azelhice do pai mas, principalmente, pelo nosso provincianismo bacoco, pela nossa mediocridade maledicente, pela nossa ânsia de deitar abaixo tudo o que julgamos ter mais sucesso que nós.
No meio desta peixeirada toda, das horas de emissão da SIC e SIC Notícias de ontem sobre ela, o meu pensamento vai para esta miúda, para o que deve estar a sofrer, arrastada sem qualquer culpa nesta imundície grosseira. Com o tempo e a saliva que meios de comunicação e políticos gastaram com isto, a jovem deve estar, agora, apavorada, julgando que cometeu um crime hediondo.
Só lhe resta de facto a opção de ir estudar para o estrangeiro. Aqui já não teria ambiente para o fazer. Não lhe desejo que esqueça isto. Desejo sim que ela se lembre disto e o tome como exemplo, se aplique nos estudos, ultrapasse estas peixeiradas por cima e regresse, com a qualificação necessária para servir o país, pelo menos a parte sã deste país. Portugal é muito mais que estes incompetentes e abjectos que voltejam, quais abutres, sobre ela.
Portugal terá que ser mais que toda esta mediocridade.
É nela que penso e não nos ministros, incompetentes, e na oposição, maledicente, incapaz e estéril.
É por isso que nós nunca sairemos da cauda da Europa. É por isso que o que nós infelizmente merecemos, são governos como o do Guterres, que nos embalem e nos levem, sorridentes, felizes e desleixados, para o abismo da penúria, um vórtice que nos suga e pelo qual sentimos uma atracção fatal.
Portas, Barrancos e Desportos Radicais
Portas tem sido alcandorado, pela generalidade dos meios de comunicação, e pelos líderes de uma esquerda completamente vazia de ideias, em elemento imprescindível de qualquer governo, actual ou futuro.
A partir de agora, qualquer político, de qualquer quadrante, após um triunfo nas legislativas, com ou sem maioria absoluta, ponderará na necessidade de um “seguro” político, de uma providência cautelar contra a mais que certa contestação política: correrá a oferecer a Portas a pasta de Ministro de Estado com uma pasta adicional – Defesa, ou Juventude e Desportos, ou mesmo pastas inovadoras, como a Senectude e Bisca nos bancos de jardim, ou Cultura, Feiras, Romarias e música pimba, ou … … etc., etc. (qualquer serve).
Ter Portas no governo é sinónimo de tranquilidade para o restante elenco governativo e, principalmente, para o 1º Ministro. Portas é o “bouc émissaire” de todo o mal da governação: real, virtual, imaginado ou inventado.
Aproveitando as Festas de Barrancos sugere-se a nova teoria política do “Quite governativo”: o 1º Ministro deixa que se agite o capote (o Ministro Portas, já se vê) e a toirama (meios de comunicação e líderes da oposição, está claro!), raspando furiosamente os cascos no chão da arena política, investe, com a luminosa inteligência bovina, na direcção obsessiva do capote, enquanto o diestro (o 1º Ministro, como é evidente), após o passe, cumprimenta com uma vénia os aficcionados, olhando sobranceiro o percurso da alimária que sem um derrote, empurrada pela inércia da arremetida e pela baixa produção de ideias de um cérebro mais vocacionado para a omelete de mioleira, do que para conceptualizações políticas, que continua perseguindo uma realidade virtual e inexistente, até se enfeixar nas tábuas.
Reparo agora que estou a ser injusta para com a toirama. O toiro, após a lide, é conduzido ao seu destino final. A sua actuação foi a primeira e a última de uma curta e intensa carreira artística. Ninguém se atreveria a fazê-lo correr outra vez, não se desse o caso de ele se ter apercebido que deveria ter marrado, de preferência, no toureiro. São animais que aprendem com a experiência!
Enquanto isso, meios de comunicação e líderes da oposição são imunes a aprender com a experiência. Todavia, surpreende menos a falta de ideias do que a dureza do revestimento craniano. Depois de tantas arremetidas a finalizarem enfeixados nas tábuas, os nossos “artistas” da política e dos mídia revelam uma notável capacidade de regeneração do revestimento craniano. Então o José António Lima é notável!
Escrito em 1-Setembro-2003
Tenho estado ligada ao financiamento de alguns projectos que se desenvolvem no Alentejo e tenho verificado a dificuldade em arranjar mão de obra local para a sua execução, apesar do desemprego existente e, pior que isso, a dificuldade em arranjar pessoal para assegurar a exploração.
No caso da exploração, as empresas optam por importar pessoal, normalmente técnicos e pessoal qualificado, da zona de Lisboa e, às vezes, também imigrantes. Constróem pequenas moradias nas imediações, dão boas condições e têm o pessoal que querem. Conseguem-se bons níveis de produtividade porque o ambiente de trabalho é bom, conhecem-se todos, a vida é tranquila, há horas para tudo, isto é, parece que o tempo rende muito mais do que em Lisboa, e não há aquele stress urbano que corrói a vontade de trabalhar.
Há gente no Alentejo empreendedora e com espírito de iniciativa. Infelizmente é uma minoria. A população alentejana está envelhecida e, na maioria, não tem espírito de iniciativa nem para fazer filhos.
Penso que o desenvolvimento do Alentejo passa por investimentos maciços na indústria e agricultura, mas também pela transplantação de populações para lá (senão será dinheiro deitado à rua). E essa população deverá ser procurada principalmente nos nossos centros urbanos superpovoados (mormente Lisboa-Setúbal) mas também, complementarmente, na Europa de Leste. Aliás, já há muito imigrante de Leste a trabalhar em montes alentejanos.
Esse influxo de sangue novo poderá ter, cumulativamente, um efeito sinérgico na população local e fazer com que ela perca os hábitos ancestrais do fatalismo e do deixar andar.
22 de Setembro de 2003
Este Agosto, aproveitando um dia enfarruscado, menos propício para a praia, fomos dar uma volta pelo barrocal, essa extensa e montanhosa região algarvia que a divide do Alentejo.
É uma região desolada de uma beleza agreste e vazia de gente. Parámos num local que nos haviam indicado onde havia turismo de habitação, um restaurante e venda de artigos regionais mel, doçaria, olarias, mobiliário regional, etc..
Tirando os proprietários e, eventualmente, alguma velhota que tinha sobejado da debandada geral, tudo o resto era gente do Leste.
A rapariga que nos acompanhou e ia tomando nota do que queríamos era ucraniana ou moldava. Tomava notas, fazia contas com uma máquina de calcular, fazia comentários, etc., tudo com um grande à vontade.
Suspeito que parte daqueles artigos regionais, bem portugueses eram feitos pelo pessoal do Leste que fazia girar o negócio.
Aquelas tarefas não eram complicadas nem pesadas. A questão é que os portugueses não querem viver ali por se acharem, ao que julgo, longe da civilização. E a civilização para eles é a vida pouco confortável e inóspita que levam nos grandes centros urbanos.
22 de Setembro de 2003
Há uns 3 ou 4 anos, estávamos no Algarve, num lugar que frequento desde que me conheço, e almoçámos, num restaurante onde somos habitués, com os meus pais e um casal amigo deles (e meu), cujo marido era um deputado do PC.
Em conversa com a dona do estabelecimento, o meu pai, por brincadeira, referiu que, para além de já ter 3 ucranianas na cozinha, havia agora uma jovem ucraniana a servir à mesa que, toda despachada, tinha chegado à nossa mesa e dito, interrogativamente: arrôche de chócoch, à espera que lhe apontássemos onde devia colocar o tacho de barro com os chocos.
A senhora, pondo a mão em cima do ombro do nosso amigo deputado que ela conhecia não só por ser uma figura mediática mas também por já dever ter ali aparecido mais vezes, disse ( com evidentes segundas intenções!):
- Sabe, com o rendimento mínimo garantido e com o subsídio de renda de casa, muita da malta jovem daqui não quer trabalhar. Além do que estes, eu explico como é e eles aprendem facilmente e fazem bem, enquanto que com os nossos farto-me de explicar e nunca fazem como eu quero!
Fez-se um silêncio. Tememos o pior. Aquele nosso amigo era um homem de convicções fortes e, embora com bastante charme, era conhecido pela capacidade argumentativa e agressividade nos debates televisivos. E não só na TV: eu e ele, apesar da estima que tínhamos um do outro, e eu tive sobejas provas do afecto que ele tinha por mim, havíamos tido discussões bravias sobre os mais variados temas. Estávamos quase sempre em desacordo, mas sempre amigos!
Mas não. Os políticos na intimidade são muito mais tolerantes e abertos do que aparentam nos mídia (nem todos ). Ele fez um sorriso compreensivo, ela afastou-se delicadamente e ele comentou para nós:
- Pois é muito complicado fazer-se a fiscalização do RMG. Depois há a questão dos ciganos que não têm rendimentos declarados é de facto muito complicado.
Se os políticos portugueses tivessem a coragem de dizer em público aquilo que dizem em privado aos amigos em quem depositam confiança, Portugal seria um país muito mais tolerante, aberto, civilizado e desenvolvido.
22 de Setembro de 2003
No sábado fomos almoçar a um restaurante numa aldeola algures no Ribatejo. Ao lado estava um numeroso grupo (18 adultos, dos quais 7 mulheres, e 2 crianças) que, pelas conversas, nos pareceram parte de Leste e em parte portugueses. O convívio era animado, a mesa lauta, as relações com a empregada que servia à mesa eram de uma grande camaradagem e, no fim, quase todos tomaram o café à portuguesa. Uma das miúdas devia ser da idade do meu mais velho, cerca de 7 anos, e andaria já na escola. Trocaram olhares curiosos normais nestas idades.
Depois de se irem embora, e em conversa com o patrão, ficámos a saber que apenas um, o engenheiro como nos disse, era português. Todos os outros era ucranianos e empregados numa empresa vitivinícola da terra. Estavam há mais de 2 anos em Portugal e tinham trabalho em permanência pois além do amanho da vinha e das vindimas, a empresa tinha linhas de engarrafamento e conseguia uma laboração com uma certa continuidade. Curiosamente a admissão daquele pessoal permitiu expandir linhas de serviço, na área da industrialização da produção, que não existiam anteriormente. Eles viviam em anexos dentro da propriedade e ao fim de semana vinham sempre almoçar ali.
No Ribatejo, nomeadamente nos concelhos de Santarém, Cartaxo, Rio Maior e Azambuja, os que eu conheço melhor, calculo que possa haver cerca de 10% de imigrantes. Nos quiosques, o Expresso e o Público estão lado a lado com jornais em cirílico editados pela comunidade russa e ucraniana. Num hipermercado onde costumo ir, em cada 3 ou 4 carrinhos, um é transportado por alguém do Leste, homem ou mulher. Têm cartões Multibanco, comportam-se como nós e só os distinguimos quando falam uns com os outros. Cá fora têm quase sempre um carro, cuja matrícula indicia uma certa vetustez, mas que funciona.
Dentro dos centros urbanos(Santarém e Azambuja - que é também zona suburbana de Lisboa) notam-se mais os brasileiros que trabalham na restauração e comércio. Mas fora desses centros urbanos só se vê gente de Leste. Estão disseminados por tudo quanto é sítio.
No que respeita à imigração de Leste nós temos em Lisboa uma imagem que não é a mesma que se tem na província. A vida em Lisboa é complicada, principalmente para os imigrantes, enquanto que nas zonas rurais eles levam uma vida muito mais estável e aparentam estar bem instalados. A nossa visão em Lisboa é enviesada pela situação daqueles que, sem emprego, dormem ao relento ou se socorrem de expedientes para sobreviverem.
22 de Setembro de 2003
Pelo que me apercebi do discurso de P Portas, a intervenção dele foi muito exagerada pelo Pacheco Pereira e também por outros comentadores.
Embora na altura não tivesse concordado com algumas afirmações produzidas por P Portas sobre esta matéria, fiquei depois muito surpreendida pelo clamor do Pacheco Pereira e de outros sobre a xenofobia do discurso etc..
Discordei, mas de forma algum me pareceu xenófobo. Continuo todavia a pensar que essa parte do discurso foi uma contemporização com algumas posições tomadas antes das eleições. Uma forma de mostrar a alguma direita que há coisas que não estão esquecidas.
Mas não há dúvida que Portas ligou o fluxo migratório ao desemprego ao declarar (e peço desculpa se não for rigorosa, pois não me lembro exactamente dos termos dele) que não se devia permitir a imigração enquanto existisse a actual situação de aumento do desemprego.
Ora o desemprego em Portugal é um fenómeno estrutural fruto da baixa qualificação ou da qualificação inadequada para os trabalhos que há.
E o grave é que o desemprego coexiste com falta de mão de obra em muitas actividades e com a desertificação rural. Na agricultura, nos períodos de ponta não existe mão de obra. Quando se pede autorização para a contratar, se se esperasse por essa autorização, quando ela viesse, se viesse, as colheitas ter-se-iam perdido entretanto. Aliás, mesmo fora desses períodos de ponta, muita dessa mão de obra seria benvinda.
Grande parte das necessidades de mão de obra sentem-se em pequenas empresas ou unidades de exploração, agricultura, restauração, etc., que não conseguem fazer ouvir a sua voz.
Falar em contingentação por exigência do mercado de trabalho é incorrecto. Um mercado para funcionar, ou mesmo para existir, tem que ser livre, ou pelo menos livre dentro de certos limites. Para isso tem que haver alguma liberdade de imigração. Terá que ser uma liberdade “vigiada” no que respeita à proveniência e qualificação dos imigrantes, mas será dessa liberdade em conjugação com o funcionamento do mercado que se chegará a um equilíbrio. Isso é fundamental para a nossa economia. Não se consegue convencer quem foi despedido de uma têxtil a mudar de ramo, excepto, talvez, se for para uma actividade similar. Prefere sempre o subsídio de desemprego.
O desemprego não aumenta pela imigração. Pelo contrário, a imigração permite a ocupação de certos postos de trabalho que, sem ela, ficariam vagos. E a possibilidade de muitas actividades económica aumentarem a sua laboração terá um efeito positivo e dinamizador na economia e indutor de emprego.
Terá que ser o mercado, funcionando com a máxima transparência possível, a definir os quantitativos discriminados pelas actividades e geograficamente. As centenas de milhares de imigrantes de leste que estão espalhados pelos lugares mais recônditos do país não vieram após cálculos sobre a capacidade do mercado. Vieram, espalharam-se pelo país, e encontraram trabalho porque havia (e continua a haver) falta de mão de obra. Hoje têm, na sua quase totalidade, empregos dignos, produzem, descontam para o Estado e Segurança Social, e têm um efeito altamente positivo na nossa economia.
Tem todavia que haver uma política de imigração que privilegie a qualificação, o reagrupamento familiar e a integração social dos imigrantes, facilitando a sua legalização e mesmo a sua nacionalização, nomeadamente dos que estão integrados e com família constituída.. Uma política fortemente selectiva no que respeita ao tipo de qualificação, mas aberta, pois Portugal precisa, mesmo na situação actual, de muita mão de obra. Pergunto: está-se a fazer alguma coisa nesse sentido?
Os problemas de exclusão, o tráfico de pessoas, as máfias, a criminalidade organizada, os pedintes nas esquinas, os "limpa pára-brisas" compulsivos nos cruzamentos e os pedinchões nos semáforos resultam exactamente dessa ausência de política de imigração, do mau funcionamento dos serviços de fronteiras e das forças policiais.
Fechar não é solução: prejudica a economia portuguesa e não fecha totalmente, porque os palops conseguem entrar de uma forma não detectável, nem que seja para levar os familiares às consultas do Amadora-Sintra; os palops e os ciganos romenos... Este “fechar” permite apenas a entrada do refugo.
A questão é que se está confundir uma política de imigração aberta com o laxismo em que temos vivido. Eu sou absolutamente contra esse laxismo e a ausência de selectividade na imigração. Todavia, desde que haja selectividade, sou favorável a uma política de imigração agressiva que permita colmatar as carências actualmente existentes e que tenha efeito dinamizador na nossa economia.
Portanto o que se tem que fazer é ter os serviços respectivos a funcionar e bem, ter uma política muito selectiva sobre a imigração, mas bastante aberta (e não laxista).
Nós não precisamos de mais gente não qualificada, amontoada em guetos nos subúrbios de Lisboa. Precisamos de gente qualificada e gente, muita gente, no interior do país para relançar muitas actividades que estão em declínio.
17 de Setembro de 2003
Um dos paradigmas da forma como em Portugal se analisam os assuntos é a discussão sobre os incêndios. Basta ler o artigo do Nicolau Santos no Expresso online e a maioria dos comentários.
Fala-se do calor. É evidente que temperaturas anormalmente elevadas, como as deste ano, e teores de humidade muito baixos facilitam a propagação dos incêndios. Mas sempre houve calor nesta época e há cada vez mais incêndios.
Fala-se dos meios de combate aos incêndios e da descoordenação. Todavia, de ano para ano, de há muitos anos para cá, têm vindo a aumentar em quantidade e em qualidade os meios de combate, e os incêndios são cada vez maiores e mais incontroláveis.
Fala-se em mãos criminosas e na teoria da conspiração. Todavia, quando se apanham os pirómanos verifica-se que se tratam de pequenas vinganças, ou de pirómanos patológicos. E sempre houve pirómanos e sempre houve ajustes de contas nos meios rurais.
A questão de fundo é a progressiva e acelerada desertificação rural cujo processo tem que ser parado e fazê-lo regredir.
Escrevo desertificação rural e não desertificação do interior porque o abandono da agricultura e da silvicultura acontece no interior, mas também no litoral, mesmo perto dos grandes aglomerados urbanos.
As terras têm que ser limpas e tratadas. As matas e florestas têm que ser limpas. O nosso país tem que ser amanhado e cuidado. Não podemos deixar os campos agrícolas transformarem-se em baldios e as florestas encherem-se de mato e absolutamente intransitáveis.
A velocidade com que o fogo avança no mato, no verão, quer façam 30º, quer façam 40º, é medonha, é sinistra. É muito difícil deitar fogo a uma árvore, mas se o mato à sua volta estiver a arder, a intensidade calorífica gera temperaturas elevadíssimas, as chamas passam aos ramos e rapidamente alastram às copas. Os troncos não ardem, devido à humidade interior, mas as árvores, com a folhagem e a ramagem carbonizadas, ficam incapazes de sobreviverem.
Há meia dúzia de anos assisti a um início de incêndio e, se não fosse estarmos lá (era fim de semana) e se não fossem os meios de que dispúnhamos junto ao local da ocorrência, não sei o que teria acontecido. Mesmo assim, o velhote que andava a enfardar o mato, e cujo descuido esteve na origem do sinistro, foi internado no hospital com queimaduras. Diversas árvores ficaram com ramos e folhagens queimadas e três delas tiveram que ser abatidas, pois não tinham hipóteses de sobrevivência. Tudo durou poucos minutos; nem foi preciso chamar os bombeiros nem houve tempo para tal!
É claro que o grau de abandono a que chegaram os campos e florestas portuguesas não permite que de um ano para o outro a situação seja reposta. É por isso que temos de começar já. Tem que haver algo semelhante às Leis das Sesmarias, mas aplicáveis no século XXI, no sentido de repovoar o interior e fomentar a agricultura e silvicultura em todo o país.
E o Estado, para além de repensar um novo ordenamento rural para o país, tem que dar o exemplo: a Tapada de Mafra estava a seu cargo. Se ela não estava limpa, a culpa é do Estado, ou mais directamente, da instituição que a tutelava.
Senão vamos passar os verões, até ganharmos juízo, a bramir contra o calor, contra as mãos criminosas, contra a descoordenação dos meios, etc. contra a nossa impotência.
Fatal como o destino, como discorre o pensamento urbano do Nicolau Santos no Expresso online.
15 de Setembro de 2003
O discurso de Portas sobre a imigração é de uma grande superficialidade e serve apenas para agradar a uma direita pouco avisada, que vê na imigração a origem de todos os males.
A questão fulcral é que, na sua quase totalidade, os portugueses que estão no desemprego não aceitariam exercer as actividades que os imigrantes executam. E isso é reconhecido pela maioria dos empresários, de direita ou sem ser de direita. Portanto, é um discurso estéril, pois se for posto em prática terá contra ele a quase totalidade dos agentes económicos.
Poderá dirigir-se aos desempregados. Quando o desemprego cresce a insegurança é má conselheira, mas estou convencida que a maioria dos desempregados se apercebe que nunca iria aceitar empregos que estão ocupados por imigrantes: ou são pouco atractivos, ou não tinham qualificação para os preencher.
Por outro lado, P Portas não tem sabido exercer o cargo de Ministro de Defesa como se esperaria de um político com as ambições dele. Tem sido bastante melhor que os anteriores, mas isso não é um grande elogio, dada a extrema fraqueza daqueles.
Portas tem sido salvo pelos ataques pessoais, cegos e estúpidos, que a esquerda lhe tem movido, e que têm obscurecido a avaliação do seu desempenho como ministro.
Julgo que, de facto, se trata de um erro de casting. Portas tem uma imagem que não cola com a imagem que se espera de alguém que superintende militares. Uma pasta em que fizesse sobretudo intervenções de caracter político seria mais adequada. Manter-se apenas como Ministro de Estado ou, por exemplo, ir substituir Figueiredo Lopes, como sugere o JAL, embora tal possa causar engulhos no PSD. Em qualquer dos casos, P Portas tem um discurso com tendência para a superficialidade que terá que corrigir.
Todavia, é de sublinhar que a pasta da Defesa é muito ingrata: quando se discute a atribuição de verbas orçamentais, a multidão de tontos que anda pela comunicação social, por aqui e por outros locais de má língua, considera que qualquer dinheiro atribuído às Forças Armadas é deitado à rua. Depois quando se verifica que as Forças Armadas não conseguem cumprir as suas missões por falta de verbas, troçam do estado delas.
Parecem que têm um septo no crânio que não permite que as sensações e as percepções que chegam a um dos lobos do cérebro (se é que conseguem chegar), transitem e seja confrontadas com as que chegam aos lobos restantes.
17 de Setembro de 2003
O golpe de 11 de Setembro e a carnificina que se lhe seguiu foi acto criminoso que, julgo, recebeu a reprovação geral, mesmo nos USA, cujo governo e a CIA estiveram por detrás da intentona.
Não tive a vivência daqueles acontecimentos, mas lembro-me das cenas pungentes de “Missing” do Costa-Gravas que julgo reflectirem bem a atmosfera no Chile, naquela época, com milhares de pessoas dentro do estádio. Um horror.
O Presidente Allende tinha sido democraticamente eleito. É certo que com apenas 36% dos votos e a escassos milhares de votos do segundo candidato. As forças que o apoiavam eram igualmente muito minoritárias no Congresso. Mas aqueles que estavam contra deveriam ter deixado funcionar as instituições. E a maioria deve ter deixado, pois o golpe foi feito por uma clique, fundamentalmente militares, aproveitando a enorme tensão e clivagem social existentes, as manifestações de apoiantes e opositores, greves selvagens e a deterioração económica com uma inflação de 1.000% ao ano.
É uma situação que lembra, em alguns aspectos, a situação social e económica da Alemanha nos anos que precederam a subida ao poder de Hitler.
E lembra porque, também no Chile, as forças que preconizavam reformas profundas da economia e da sociedade não souberam construir consensos sobre as reformas a fazer de forma a construir uma ampla base social de apoio a elas. Em vez de consensos deixaram-se enredar em lutas quer com os adversários políticos, quer dentro da coligação presidencial e permitiram que o país resvalasse a anarquia e a desordem. Ora, no Chile como na Alemanha, a anarquia e a desordem, quando endémicas, só servem, normalmente, a extrema-direita.
Não souberam começar pelas reformas mais urgentes e consensuais, relativamente às quais haveria uma base de apoio mais dilatada. Espartilhado entre as forças mais radicais da coligação, que não abdicavam das reformas mais profundas, e o resto do país que estava a ser mobilizado contra essas reformas, o Presidente Allende não conseguiu arranjar espaço de manobra para promover um consenso nacional que lhe era vital, em face de ser minoritário no Congresso.
Um dos factores que se apontam para o caos económico no Chile em 1973, foi o papel das multinacionais quer a nível da procura externa, quer no apoio às forças hostis ao governo de Allende. Todavia, quando se pretendem nacionalizar empresas estrangeiras, que normalmente produzem para mercados no exterior, é da mais elementar prudência avaliar previamente os efeitos dessas nacionalizações.
Não o fazer é suicidário. É claro que depois podemos lamentarmo-nos do comportamento das multinacionais, mas é a lógica de funcionamento delas. Por exemplo, em Portugal, a seguir ao 11 de Março, o governo apenas nacionalizou capitais portugueses. Teve o cuidado de não mexer no capital estrangeiro provavelmente para evitar situações como a do Chile. É evidente que, na sua maioria, as nacionalizações acabaram por se revelar perniciosas para o funcionamento da nossa economia, mas isso é um assunto que não vem para aqui.
Há interpretações sobre os acontecimentos de 1973 no Chile que conferem à política externa americana um papel absoluto no que se passou. Todavia, por muita “movimentação norte americana para desestabilizar o governo” que houvesse, nada teria acontecido se não fosse o radicalismo estéril e estúpido de parte das forças que apoiavam Allende que não perceberam, ou não quiseram perceber, que com o reduzido apoio eleitoral que tinham dificilmente poderiam levar a cabo reformas que alterariam completamente a estrutura económica e social do Chile.
A menos que o fizessem à força … simplesmente a força estava do outro lado. Os Bolcheviques, com 24% do eleitorado, tomaram o poder e dissolveram a Assembleia Constituinte, mas tinham nas mãos a maioria do exército, revoltado contra uma guerra mal conduzida. No Chile, não. No Chile houve várias tentativas de golpe de Estado durante Allende que falharam. Isto deveria ter sido um aviso para os grupos mais radicais que o apoiavam. Mas essa gente não tem, nem nunca teve ou terá, qualquer discernimento político.
Depois da ascensão de Hitler ao poder, a III Internacional fez mea culpa e reconheceu os erros enormes do KPD que facilitaram a ascensão dos nazis. E isto aconteceu no tempo de Estaline. A esquerda actual, ainda hoje, passados 30 anos, tem dificuldade em fazer uma análise similar. Será que a esquerda actual precisa de um Dimitrov? Ou será que, nesta matéria, ainda tem muito que calcorrear, até atingir a capacidade de auto-crítica de Estaline?
Eu penso que se a situação fosse gerida de outra maneira pela coligação de Allende não teria havido base social que possibilitasse o golpe de Estado. Isto é, dificilmente os americanos teriam encontrado gente para organizar o golpe com o êxito que ele teve.
É um facto que os autores do golpe de 11 de Setembro cometeram horrores e os seus patrocinadores (CIA e governo dos USA) foram cúmplices dessa barbaridade. Quem viveu essa época quer fosse favorável ao governo de Unidade Popular, quer fosse apenas uma pessoa de bem, ficou certamente horrorizada pelo que leu ou assistiu durante esses dias fatídicos.
É compreensível que essas pessoas, que conseguem discorrer com objectividade e frieza sobre factos não vividos, não tenham o distanciamento suficiente para analisarem a história chilena de 1970-74 com frieza. Quando se fala em erros cometidos pelo governo de Unidade Popular essas pessoas olham para os membros desse governo e não vêem políticos. Vêem vítimas torturadas e assassinadas e sentem como um insulto o acusá-las de algo. E reagem com muita acrimónia, mesmo se depois acabam por concluir que houve um comportamento suicidário da parte do governo e de grupos radicais, como o MIR.
Uma coisa que sempre me chocou foi o relato de muitos que escaparam com vida contarem as denúncias de que foram alvo: vizinhos, colegas, etc.. Li, em diversas ocasiões, vários relatos desses. Havia um ódio enorme no Chile daquela época. A sociedade chilena tinha agravado, nas semanas que antecederam o golpe, a profunda clivagem em que já vivia, para limites insuportáveis, com os radicais de esquerda a pretenderem armar operários e camponeses (julgo que foram distribuídas muitas armas), os radicais de direita a pedirem a intervenção do exército e o governo convencido que com umas mudanças de comando (uma delas colocara Pinochet num lugar de confiança) tinha resolvido a situação e que o exército seria “apolítico”.
11 de Setembro de 2003
Leni Riefenstahl foi uma figura ímpar na história do cinema. Idolatrada em surdina por muitos, execrada por outros, Leni Riefenstahl foi uma mulher talentosa e uma grande personalidade artística.
Depois de diversos filmes utilizando como décor a montanha e a sua figura atlética e desportiva, e em que colaborou, entre outros, com Pabst, realizou o galardoado Das Blaue Licht antes de ser a intérprete do mito Nazi da renascença nacional, o culto da virilidade, saúde e pureza, realizando o documentário sobre o Congresso de Nuremberga - Triumph des Willens (1935), o maior filme de propaganda jamais realizado e que ganhou a medalha de ouro do Festival de Veneza e a medalha de ouro da Exposição Mundial de Paris (1937), entre outros prémios. O efeito destas imagens, combinando as paradas, as bandeiras, os efeitos de luzes e o dramatismo da música de Wagner, os poderosos acordes da abertura de Rienzi e de trechos dos Nibelungen, submergindo completamente o individual na massa imensa e informe dos participantes era poderosíssimo e ficou como paradigma do filme de propaganda. Passou há poucos anos na nossa cinemateca.
O filme seguinte foi Olympia, sobre os Jogos Olímpicos de 1936, também largamente premiado internacionalmente, que se manteve, durante décadas como referência indispensável sobre o que é um documentário desportivo. Vi, há menos de um ano, um longo documentário sobre este filme e é espantoso como, há 67 anos, com os meios técnicos de então, foi possível fazer aquele filme.
Era uma mulher com personalidade. E pessoas com personalidade não tinham lugar durável no regime nazi. Goebbels, elogiando-a nos discursos públicos, odiava-a. Leni afastou-se, ou foi afastada.
A seguir à guerra, enquanto gente que se tinha mantido fiel até ao fim ao regime era recuperada, Leni manteve-se igual a si própria. Não entrou em desculpabilizações nem em actos de contrição. Quem quisesse aceitá-la como ela era, que o fizesse. Foi a primeira vítima da Berufsverbot e o seu nome tornou-se maldito. Os americanos deixaram-na em paz, mas os franceses prenderam-na. Não lhe perdoaram o terem-lhe outorgado a medalha de ouro da Exposição Mundial de Paris. Ao punirem-na, julgaram redimir-se pela sua atitude capitulacionista nas vésperas da guerra.
Já na década de 60 decidiu encetar uma carreira como fotógrafa e foi para o sul do Sudão. Os seus livros Die Nuba e Die Nuba von Kau mostram que continuava o seu interesse pela beleza e força física, pelo erotismo da forma. Continuou a sua actividade e ainda há 3 ou 4 anos, perto dos 100, fazia fotografia submarina.
Era demasiado grande para continuar apenas maldita. Se o seu nome continuava maldito, nomeadamente na Alemanha, para a consciência culposa de muitos, os prémios internacionais começaram a chover.
E ela manteve-se igual até à morte. Hoje.
9 de Setembro de 2003
Uma piscina no campo, um arvoredo frondoso ao redor, afastado apenas o suficiente para permitir a total insolação no verão e evitar a sujidade da queda das folhas no outono. Um relvado fofo. Um comprimento suficiente para não se passar a maior parte do tempo nas viragens.
De meia em meia hora um mergulho, umas piscinas feitas “à vontade”. No intervalo a espreguiçadeira, uma bebida refrescante, o bronzear quente e suave do reflexo do sol no espelho de água, a luminosidade cálida e sensual que nos envolve. O Assim Falou Zaratustra que se abre, uma página que os olhos percorrem sem se fixar e o livro a resvalar, lentamente, abandonado ao sabor de uma doce sonolência, perante o olhar indignado e desiludido do Nietzsche.
Ao longe, muito ao longe, por detrás dos olhos semicerrados pelo insustentável peso das pálpebras, o alegre e despreocupado chilrear dos pequenos, igualmente indiferentes ao Nietzsche, sob o olhar vigilante da competente e diligente empregada ucraniana dos avós.
Ao entardecer, uma ou outra andorinha, em voo rasante por sobre a água, molha o bico naquela mistura de água, cloro e algicida … sobreviverá? Adaptar-se-á às novas realidades ecológicas?
Francamente não percebo como há quem abandone o campo … como é incompreensível este estranho fenómeno da desertificação rural de que tanto se fala. Que total ausência de bom gosto! Não se está bem assim?
Reconheço que é incómodo o ruído abafado que periodicamente sobrevem quando o temporizador liga a electrobomba de recirculação e filtragem … mas daí ao abandono dos campos !
31 de Agosto de 2003
Estive cerca de uma semana em Moscovo, por motivos profissionais, e aproveitei para fazer um fim de semana alargado em São Petersburgo.
Em São Petersburgo percorri alguns dos ícones da minha adolescência e da adolescência, maturidade e senectude de muitos de vocês: o cruzador Aurora, que a minha imaginação e as imagens do A Revolução de Outubro do Eisenstein me faziam supor muito maior;
... a Praça do Palácio, onde perpassam os intensos planos do A Revolução de Outubro com os operários, soldados e marinheiros a avançarem sobre a mole imensa do palácio;
...o imponente, mas elegante, portão de ferro, encimado pela águia bicéfala dourada, a ser derrubado pelos revolucionários ao assalto do Palácio de Inverno;
... o gabinete do Palácio de Inverno (Ermitage) onde Ovseenko aprisionou os membros do Governo Provisório;
...o Smolny (a Catedral e o convento), a belíssima sede do Soviete de Petrogrado durante os dias que abalaram o mundo, situado na ainda Praça da Ditadura do Proletariado (!!);
...o Palácio Kchessinskaya, quartel geral dos bolcheviques, depois de ter pertencido à célebre bailarina Kchessinskaya, favorita do czar, de cujas varandas Lenine arengava às massas no outono quente de 1917, situado na rua que começa no cais em frente da Fortaleza de S.Pedro e S.Paulo e acaba no ancoradouro do Aurora ( uma situação predestinada );
... o Palácio Yussopov onde, dois anos antes, tinha sido assassinado Rasputine; a Perspectiva Nevski (4,5 kms de comprimento), elegante e estuante de vida, a austera Fortaleza de S. Pedro e S. Paulo e a sua catedral, onde repousam os restos mortais dos Romanov, incluindo os últimos, fuzilados pelos bolcheviques e recentemente transladados; etc., etc..
e a Gare da Finlândia, onde, em 1917, chegou Lenine, depois de uma viagem que começou na Suiça e foi patrocinada pelo Estado Maior Alemão com o fito de lançar a Rússia no caos e liquidar a frente leste (as estratégias políticas de vistas curtas dão sempre mau resultado a longo prazo )
Lugares em que a espantosa beleza arquitectónica só cede às lembranças da história de que eles foram palco.
Acontecimentos de um extraordinário impacte, que excitaram a imaginação de tantos milhões de seres humanos e que conduziram ao maior embuste político, social e económico de que a história tem notícia.
Para além destas memórias da história política próxima, há inúmeros locais e monumentos de grande beleza. Entre eles avulta, claro, o Teatro Mariinsky, onde brilharam Chaliapine, Pavlovna, Kchessinskaya e, mais recentemente, a performance do Boris Godunov na espantosa encenação (póstuma ) do Tarkovsky.
Queria referir que em São Petersburgo me aconteceu uma coisa inesquecível. Inesquecível para mim, cidadã de um país de segunda
Os nossos anfitriões convidaram o nosso grupo (éramos 3, dois alemães e eu) a assistir a um espectáculo folclórico no Palácio Nicolaievksi (o Truda, durante o período soviético).
Nos jardins do palácio ouviam-se os últimos acordes do Star Spangled Banner interpretado por 3 tocadores que estavam numa álea do jardim. Mais ao longe, um numeroso grupo de americanos desaparecia no interior do palácio. O nosso anfitrião, que ia à frente, deve ter segredado algo aos músicos e estes irrompem com o hino alemão. Os meus colegas pararam deliciados. Quando terminaram o hino alemão (em versão obviamente reduzida, pois o afluxo turístico não permitia perdas de tempo) os 3 ignotos tocadores dos jardins do Palácio Nicolaievksi, após um hiato de poucos segundos, para ganharem fôlego (eram instrumentos de sopro), arrancam com A Portuguesa! Fiquei speechless!
Pois quê? Eu, uma cidadã de um país invisível, ignorado das raias de Espanha até aos confins da Alemanha, precisava vir ao extremo norte da Europa, às margens do Neva, para encontrar gente que sabia de nós, conhecia o nosso hino e era capaz de o tocar!
Pode alegar-se que há bastantes portugueses que, actualmente, visitam São Petersburgo: no Ermitage cruzei-me com um numeroso grupo de portugueses ao qual uma jovem guia russa explicava, num português perfeitíssimo, sem qualquer sotaque, as técnicas e conceitos da pintura flamenga. Mas haverá certamente muitíssimos mais turistas portugueses em Madrid, Paris, Londres, Roma, Berlim, etc., e não me consta que, nesses países, alguém se desse ao incómodo de aprender a tocar A Portuguesa.
O facto é que na Europa da UE somos ignorados. Não por maldade ou acrimónia simplesmente não sabem que existimos. E é gratificante, tão longe de Portugal, saber que nos conhecem.
1 de Setembro de 2003
O país, ou melhor, a comunicação social e os mídia-dependentes (nomeadamente os políticos), estão ávidos de informação. Tudo é esmiuçado até ao mais ínfimo pormenor. A DGS decidiu que vão ser analisadas com a máxima profundidade todas, e uma a uma, as certidões de óbito emitidas a partir de 1 de Julho.
Se restarem dúvidas, é óbvio que se prefigura uma medida imprescindível para a prosperidade do país - exumarem-se os corpos de todos os falecidos naquele período e entregá-los à observação detalhada dos Institutos de Medicina Legal.
Aliás, a informação é preciosa neste domínio: a televisão declarou que a falta de informação sobre o calor provocou muitas mortes. As pessoas estão de tal maneira dependentes da informação que só notam os factos depois de serem informados dos mesmos. Sem essa informação prévia nada feito. Estou a ouvir um pastor de Oleiros, 45º à sombra, a contestar agastado: calor? Não sei de nada. Aqui na serra não temos televisão.
Assim, se a minha casa estiver a arder e eu tiver cometido a imprudência de ter desligado a TV, ou de ter sintonizado o Canal Hollywood, as labaredas consumir-me-ão enquanto eu, tranquilamente desinformada, não esboçarei qualquer tentativa de apagar o fogo, ou mesmo de fuga.
Incapazes de resolvermos os problemas, impotentes após gerações de desleixos e incúrias, descobrimos a nossa especialidade: dissecar os resultados, reais ou imaginários, dos nossos desleixos.
Somos uma espécie de sociedade só com médicos legistas. Não fazemos profilaxia nem tratamos as maleitas, mas realizamos análises post-mortem com todo o rigor.
18 de Agosto de 2003
O Público apresentou em meados de Agosto uma reportagem extremamente negativa sobre o Alqueva, onde predominavam a superficialidade e a falta de rigor. A análise aos Relatórios e Contas da EDIA, por exemplo, era uma vergonha do ponto de vista técnico.
Perguntar-se-á: então não teria sido preferível o Público munir-se de um técnico de contas competente? Ingenuidade! Se os meios de comunicação portugueses se munissem de pessoal qualificado na elaboração de reportagens deste tipo, perdia-se 99% do sensacionalismo da notícia. Como diria Eça: deve cobrir-se a nudez monótona da verdade, com o manto diáfano da fantasia ou, mais recentemente, Kelly, fazer-se o sex up da verdade.
O empreendimento do Alqueva é um projecto a 20 anos, do qual a 1ª fase é a construção da barragem. Barragem cujo enchimento ainda não deve ter atingido os 40% do volume médio. O empreendimento está no começo.
Após este conjunto de notícias e reportagens, o Público pôs uma questão aos seus leitores: Acha que a barragem do Alqueva serve para alguma coisa? Se os leitores do Público acreditassem no seu jornal, a resposta seria um rotundo Não!
Surpreendentemente, a resposta foi um rotundo Sim (72%)! Esta resposta mostra como os receptores dos meios de comunicação não são tão estúpidos como os jornalistas, do alto do seu desdém pelos ignaros a quem vendem gato por lebre, acreditam.
Dias depois, no mesmo jornal, uma reportagem noticia que os preços dos terrenos da área do perímetro de rega da barragem tinham disparado para valores 3 e 4 vezes superiores e que empresários espanhóis se apressavam a comprar aqueles terrenos, vizinhos de uma barragem que não servia para nada.
Dirão: que bela lição! Digo eu: uma lição só aproveita quem quer aprender. Lições destas há-as todos os dias e o aproveitamento dos alunos é nulo. O estreito segmento social onde se arregimentam os nossos jornalistas é caracterizado pela satisfação íntima da detenção da verdade absoluta e de que quem não partilha dessa verdade é inculto, estúpido, reaccionário, alguém cujo único lugar possível é a sarjeta da história. Os factos ajustam-se sempre à sua mundividência é apenas uma questão de interpretação dos mesmos e de realçar aqueles que se encaixam e de considerar despiciendos aqueles que contrariam a verdade a revelar. Muitos dos nossos jornalistas não se detêm perante o empecilho incómodo dos factos porque só detectam os que estão de acordo com o que pensam e interpretados no sentido correcto. Tudo o resto é irrelevante.
Mesmo quando os factos apontam para o contrário, como o caso do estranho comportamento dos empresários espanhóis, os jornalistas portugueses mostram à evidência que o seu cérebro está compartimentado por septos. A informação que circula num lóbulo não é transferida e confrontada com a informação que circula no lóbulo vizinho. O cérebro séptico dos jornalistas não consegue aperceber-se que aquelas 2 reportagens se contradizem e que se uma está certa, a outra será falsa.
28 de Agosto de 2003
A questão David Kelly é claramente matéria que não nos diz respeito:
1 – O Sr. David Kelly era uma homem que prezava a sua honorabilidade, sabia que devia lealdade à instituição de que era funcionário e apercebeu-se que as suas eventuais declarações a Andrew Gilligan, bastante amplificadas segundo se depreende das afirmações que produziu no parlamento no âmbito da sua audição, o colocavam numa posição com a qual a sua honra, e o respeito que devia a si próprio, não podiam continuar a conviver.
Em Portugal, os detentores de cargos da Administração Pública, ou parte significativa deles, não sentem quaisquer pruridos em contar aos jornalistas tudo o que lhes apraz, satisfazerem vinganças mesquinhas, pessoais ou políticas, ou apenas a sua sede de protagonismo. Basta ver como os despachos e autos cobertos pelo segredo de justiça são conhecidos na íntegra ou em partes importantes, cá fora, ainda antes que os interessados deles tenham conhecimento. E isto é mais grave que um atropelo de ética – é uma violação grosseira da lei.
2 – A BBC, pode ter feito um mau jornalismo mas, em face da situação que se gerou, soube assumir as suas responsabilidades e revelar a sua fonte.
Em Portugal, os meios de comunicação portugueses não fariam declarações públicas, como as que a BBC fez, revelando a sua fonte. Para os jornalistas portugueses, ou parte significativa deles, a sua liberdade informativa está acima das instituições e sobrepõe-se a quaisquer questões de ética, respeito pela dignidade e privacidade da pessoa humana, atropelos à lei, etc.
3 – O Parlamento Britânico foi firme perante as fugas de informação e fez uma audição em que as questões relativas à obrigação de lealdade do servidor público prevaleceram sobre disputas partidárias ou opiniões divergentes sobre a questão das razões da guerra. O Parlamento Britânico sabe separar as instâncias e as situações em que se devem discutir uma e outra questão e que as eventuais razões, ou ausência delas, numa, não justificam o comportamento na outra.
Os parlamentares portugueses, ou parte significativa deles, não têm nem coragem política, nem autoridade moral para tomar uma atitude idêntica. Aliás, mesmo que alguns o quisessem fazer, e ao invés do acontecido no Parlamento Britânico, as querelas partidárias prevaleceriam sobre questões éticas e o debate afundar-se-ia na esterilidade sem futuro em que decorre a nossa vida política.
21-Julho-2003
Escreve-se frequentemente: Hegel defendia a transformação apenas ao nível do Pensamento , enquanto Marx Isso não é rigoroso. A verdade é que, para Hegel, o motor da transformação é a Razão num processo dialéctico que caminha para a Ideia Absoluta, em que se realiza a plena identidade do sujeito com o objecto. Em vez de o sujeito ter o objecto como algo fora de si, exterior a si, alheio a si, agora, reconhece o objecto como idêntico consigo mesmo. A Ideia Absoluta é, pois, a verdade absoluta, e a necessidade de a atingir, o motor da história. Eu diria que a Ideia Absoluta é uma verdade absoluta que a história persegue sem nunca a atingir
Aliás, só se pode compreender a dialéctica hegeliana em ligação com a revolução e a destruição do mundo feudal, e isso não se passou no Pensamento. O seu papel foi traduzir filosoficamente o movimento revolucionário da época. Ela é revolucionária também quanto à forma:
a) Separação dos dados imediatos, ruptura radical com o que existe, novo começo.
b) Princípio da oposição e da negação.
c) Princípio da mudança e do desenvolvimento incessantes - o salto qualitativo.
Toda a ideia tem três momentos: primeiro apresenta-se (a tese); opõe-se a si mesma (a antítese); e, finalmente, regressa a si mesma conciliando tese e antítese (a síntese).
Portanto, em ambos, Hegel e Marx, a transformação ocorre na prática. A diferença é que motor dessa transformação é, em Hegel a Ideia, a Razão, e em Marx são as forças produtivas e as relações de produção, i.e., a forma como o Homem e as forças produtivas se relacionam entre si no processo produtivo.
Para Hegel, sendo a História um aperfeiçoamento do Espírito, é necessariamente um crescimento de liberdade. Os factos da História comprovam isto. Nas primeiras civilizações, apenas um era livre (o Faraó, por exemplo) e os demais, escravos. Depois, vieram civilizações como a grega, a romana, em que alguns eram livres (as oligarquias privilegiadas, as aristocracias) e os demais, escravos. Finalmente chegaremos a um estado na História em que ninguém será escravo e todo serão realmente livres.
Todavia para Hegel, ao contrário de Marx, é a Razão quem dirige a História. Existe uma "astúcia da Razão", que utiliza os homens da História universal, imbuídos que são, regra geral, da sede do poder, da glória, da ambição, para através destes objectivos egoístas trazerem para a humanidade uma liberdade maior, um estado superior de civilização.
Em Marx, e cito o prefácio à Zur Kritik der Politischen Ökonomie: Na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um grau de desenvolvimento determinado das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura económica da sociedade, a base concreta sobre a qual se alicerça uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas de consciência social determinadas. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência.
Sobre o que se designou depois por Materialismo Histórico, Marx pouco mais adiantou. Todavia, entre os seus epígonos, os conceitos de «relações de produção» e de «forças produtivas» são, com muita frequência, utilizados sem que necessariamente se saiba aquilo de que se abstraiu na formação de tais conceitos. Quando os epígonos de Marx falam das relações recíprocas entre «relações de produção» e «forças produtivas», geralmente menosprezam o número infinito de fenómenos concretos, de homens, de coisas e de acções pelos quais essas relações, expressas de maneira abstracta, surgem concretamente na realidade.
Engels teria consciência disso, pois numa carta a Borgius, em 1894, frisou que, e eu cito isto frequentemente, por julgar que se trata de um passo importante de um dos fundadores do marxismo, o desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso, literário, artístico, etc., assenta no desenvolvimento económico. Mas reagem todos, uns sobre os outros, e sobre a base económica. Mas isto não porque a situação económica seja a única causa activa, e tudo o resto não passe de acção passiva. Pelo contrário, há uma acção recíproca.
Isto é, Marx, na sua luta contra o idealismo hegeliano, levou a que os seus epígonos transformassem a teoria numa simplificação mecânica e unilateral do desenvolvimento histórico na medida em que só destacam as grandes transformações qualitativas do sistema social mas não tem em devida conta os processos complexos e prolongados que as preparam, nomeadamente o desenvolvimento concreto dos interesses e da estrutura social, subestimando a liberdade da acção individual e ignorando as motivações da acção subjectiva.
Em Hegel havia idealismo, mas havia dialéctica; no Marxismo soviético o idealismo foi substituído pelo mecanicismo e a dialéctica por um escolasticismo axiomático.
É essa a razão de os regime marxistas terem falhado miseravelmente ... de Marx só tinham os chavões.
9-Julho-2003
Sempre considerei P Portas, enquanto político na oposição, um cabotino. Enquanto ministro fui todavia obrigada a reconhecer que tem tido um desempenho que me parece razoável, embora fique sempre incomodada com o cabotinismo de algumas das suas intervenções públicas porventura intelectualismo meu em excesso .
Porém, sempre me insurgi contra a campanha de maledicência contra P Portas, campanha veiculada pelo Expresso e outros órgãos de Comunicação Social e amplificada pelo PS e oposição em geral.
E insurgi-me porque lançar torrentes de lama, repetidamente, sobre um político, em vez de discutir o seu desempenho como estadista, inquina todo o debate político português, fragiliza as instituições democráticas e é um boomerang que acabará sempre por atingir quem lança a lama e, por acréscimo e infelizmente, todo o mundo político e a democracia portuguesa.
Recuando ao mundo da Grécia Clássica, diria que esta questão faz lembrar um dos trabalhos de Hércules: A limpeza dos estábulos de Áugias.
Áugias era um rei grego que possuía grandes rebanhos de gado, cujos currais nunca tinham sido limpos. Assim o estrume e as bostas tinham vários metros de profundidade e hectares de área. Eristeu, outro rei, ao tempo patrão de Hércules e pouco respeitador da legislação laboral, ordenou ao herói que limpasse os estábulos num dia. Hércules analisou a forma como os excrementos se tinham acumulado, desviou o curso de um rio para os locais exactos e uma enxurrada de água, imensa e purificadora, varreu toda a imundície para longe. Foi assim como se tivesse ido depor, em Monsanto, sobre a Moderna.
Regressando à Cultura Lusitana Actual, vemos que o resultado de uma estratégia de maledicência política, e de teorias de conspiração absurdas, levou a oposição, após a limpeza dos estábulos de Áugias, à mais completa astenia política e um político sem carisma e que, há pouco mais de um ano, ninguém dava nada por ele, à confortável posição de líder incontestado. Pior era impossível!
Mas, apesar dos resultados negativos, a falta de siso dos que-se-julgam-fazedores-de-opinião não tem limites, como se vê continuadamente por alguns parágrafos aqui e além. Por exemplo, Miguel Veiga diz que Portas mostrou um «comportamento inqualificável e desleal», revelador de «falta de carácter e dignidade», «quase canalha». Estas declarações de Veiga são, para Nicolau Santos, no seu texto de hoje no Expresso online, uma verdade absoluta. No que se refere a Portas não há contraditório. O homem tem sempre o prejuízo da dúvida, como já o tinha tido quando as afirmações de um arguido, acusado do desvio de milhões de contos, é que faziam fé.
Não sei se P Portas e Nogueira de Brito terão um problema de carácter. Eventualmente tê-lo-ão. Mas Nicolau Santos, J.A.Lima e outros, esses têm-no seguramente.
24-Junho-2003
Um investimento da grandeza do Aeroporto da Ota tem que ser analisado com muito rigor.
Em primeiro lugar há que saber se o volume de tráfego, quer com base nas previsões actuais, quer baseado numa eventual procura adicional por melhoria das condições desta oferta, viabiliza tal investimento. Onde ir buscar essa procura adicional?
Mas, por sua vez, as condições da oferta terão que ser bem avaliadas: há infra-estruturas de suporte na área? Um aeroporto intercontinental não pode ficar no meio de um descampado.
Parte substancial desses investimentos seria feita por agentes económicos privados. Estarão esses agentes económicos dispostos a fazer tais investimentos? Para o fazerem teriam que acreditar que o projecto geraria um volume de tráfego suficiente.
O Aeroporto da Ota e o TGV teriam um impacte enorme nos voos domésticos, ou seja, na Portela e nas Pedras Rubras. E na aviação comercial portuguesa?
Comparando com os aeroportos estrangeiros que conheço, a Portela é, de longe, exceptuando o do Luxemburgo, o menos movimentado. Como é que essa situação se inverteria com o novo aeroporto. Onde se iria gerar a procura para o viabilizar?
Até agora só tenho ouvido tiradas políticas sobre esta matéria, ou profissões de fé.
Mas a fé, em matéria económica, é como a sequência das virtudes teologais:
Começa-se com fé, a meio do projecto tem-se esperança, e no fim está-se na caridade.
Haverá uma outra componente, que muitos assinalam, que é a componente geoestratégica. Mas essa componente existe apenas como valor potencial. Só se tornará real, se tivermos competência para a valorizarmos. Temos um valor altamente estratégico, que é o porto de águas profundas de Sines que, com infra-estruturas adequadas, incluindo uma boa ligação ferroviária ao centro da Europa, teria uma importância económica muito superior à de qualquer aeroporto intercontinental, até porque teria uma procura assegurada. Que é que se tem feito? Nada!
2-Junho-2003
Meios de comunicação escrevem que, segundo consta do processo “Casa Pia”, Ferro Rodrigues esteve presente em sessões pedófilas, mas não teve relações pedófilas.
O processo está, embora não pareça, em segredo de justiça. Como esse sigilo fatal me impede, a mim, desventurada mortal, sem ligações aos omniscientes meios políticos e da comunicação social, conhecer factualmente o porquê daquele aparente paradoxo, vou tentar, aqui, em diálogo com o meu teclado e sob o olhar circunspecto do meu monitor, deduzir razões sólidas que expliquem esta embrulhada.
Estaria como espectador? Não é possível. O horror público que Ferro Rodrigues manifestou por tais actos impedi-lo-ia de assistir a eles, por muito baratos que fossem os bilhetes e confortáveis as poltronas da plateia.
Seria como encenador? Como produtor? Como arrumador? Nunca, pois então estaria indiciado como acusado de lenocínio e sujeito a uma caução.
Então em que circunstâncias Ferro Rodrigues esteve presente? A resposta é liminar: apenas circunstâncias em que ele desempenhasse um papel absolutamente passivo.
Não restam assim dúvidas. A crer no que os meios de comunicação escrevem e no que alguns líderes socialistas temem, Ferro Rodrigues só poderia estar presente como adereço. Não há outra alternativa possível.
Mas que adereço? Um líder da principal força da Oposição não pode ser um adereço qualquer: um jarro com algumas flores murchas, um preservativo abandonado ao acaso da acção, um cigarro que aliciadoramente se estende a uma mão juvenil …
Ferro Rodrigues teria que ser um adereço com um protagonismo à altura do seu estatuto e que tivesse em conta os seus atributos físicos.
O adereço Ferro Rodrigues, com o protagonismo que a sua posição exige e a função que a sua carantonha impõe, só podia ter um uso: o de meter medo aos miúdos.
Está explicado: Ferro Rodrigues foi usado como adereço em sessões sado-masoquistas!
P.S. Comentário a mim própria:
Alguns dos que se derem ao trabalho de ler-me (incluindo eu própria!) poderão achar estas deduções pouco sólidas e porventura cruéis. Estamos no nosso direito. Todavia, depois de um fim de semana de manchetes do Expresso e do CM que violam a ética jornalística (se é que ela existe em Portugal), de sucessivas declarações fluidas do PGR e da “água metida” por alguns dirigentes socialistas, com declarações que são uma pressão inqualificável sobre a justiça e as testemunhas (na sua maioria menores), julgo que as minhas deduções não menoscabam a solidez e a crueldade com que esta questão está a ser tratada pelos meios de comunicação, pelo PGR e por alguns dirigentes socialistas.
26-05-2003 20:45:00
Nicolau Santos, no Expresso, compara o caso Paulo Pedroso ao caso que Sacco e Vanzetti.
Houve um caso que certamente mereceria mais ser chamado à colação do que Sacco e Vanzetti. É o caso Dreyfus.
Dreyfus foi acusado, baseado em provas circunstanciais inicialmente frágeis, mas que os inquiridores conseguiram fortalecer com depoimentos sólidos de peritos de grafologia (Dreyfus era acusado de ter escrito um documento que apareceu na Embaixada Alemã).
Dreyfus foi condenado. Tempos depois, o Coronel Picquart, um militar da velha escola, lendo os elementos processuais detectou uma série de incongruências. Isso levantou uma tempestade no serviço de informações militar e Picquart é afastado e enviado para uma missão perigosa no norte de África.
Para colmatar as fragilidades, o novo encarregado do caso, o Major Henry começa a falsificar documentos para fortalecer as provas processuais.
O assunto transita para o domínio público, Zola publica J'accuse no L'Aurore, é julgado e condenado por difamação. Mas o assunto começa a ganhar um grande empolamento e o novo Ministro da Defesa assegura no parlamento que as provas são categóricas. E estava convencido disso. Para calar a opinião pública, encarrega um oficial de confiança de analisar o processo.
Rapidamente as falsificações de Henry são descobertas. Este confrontado com as falsificações é preso e suicida-se na cadeia. E o processo esboroa-se. Quem havia escrito o bordereau era Esterhazy e Dreyfus é amnistiado e pouco depois reintegrado.
Este foi um caso típico em que a Justiça (neste caso a Justiça Militar) comete um erro pela forma ligeira com que aborda o processo e, depois, jogando à defesa, tenta tudo para que esse erro não seja descoberto, forjando inclusivamente provas, a coberto do segredo de justiça, naquele caso em virtude de ser considerada matéria confidencial que punha em risco a segurança nacional.
Lembrei-me deste caso quando, após uma carta aberta de Carlos Cruz, juizes e magistrados saíram à liça defendendo a sua dama. Na altura isso constituiu, para mim, motivo de preocupação.
Dizia Aristóteles que a Lei é a razão liberta da paixão. Espera-se que os juizes e magistrados encarregados deste caso tenham a cabeça fria, para evitar cair situações similares. Os jornalistas, os comentadores e afins ... haverá pouco a fazer: é a paixão liberta da razão.
Nota: O caso Sacco e Vanzetti não aconteceu no Massachusetts dos anos 50, como por gaffe escreveu Nicolau Santos, mas sim dos anos 20 e não se pode comparar a crise de valores nessa época, com as revoluções, a ascensão dos fascismos na Itália e noutros países da Europa, a hiperinflação, etc., com a época actual.
A gaffe de Nicolau Santos é monumental. Considero imprescindível, para um economista, saber o que ocorreu na década de 20. A crise económica e social, a hiperinflação na Alemanha, o pagamento de reparações da Alemanha à França (com a ocupação por esta da Renânia como caução) e que teve o efeito paradoxal, para as ideias económicas de então, de promover o arranque da indústria alemã e a estagnação da indústria francesa, os desequilíbrios económicos que concorreram para o crash de Outubro de 1929 e a crise subsequente e que, no conjunto, levaram à reformulação do pensamento económico que culminou na publicação da General Theory of Employment, Interest and Money de Keynes e na revolução keynesiana, devem ser do conhecimento obrigatório dos economistas.
Portanto, Nicolau Santos tinha a obrigação de não cometer semelhante gaffe.
Trazer à colação o caso Sacco-Vanzetti pelas razões que referi acima é absolutamente despropositado.
Teria, por exemplo, mais cabimento, como escrevi acima, citar o caso Dreyfus que é um caso paradigmático da justiça (neste caso a Justiça Militar) que, perante a fragilidade do processo e face à pressão de parte da opinião pública se perverte, forjando provas para se defender.
A Justiça Militar francesa teve então, dentro de si, gente honrada que soube distinguir o essencial do acessório e compatibilizar a honra da instituição com o imperativo da verdade. Todavia, se não tivesse havido a pressão da opinião pública exterior, não se sabe se os elementos sãos da instituição militar teriam força para fazerem emergir a verdade.
Infelizmente trata-se de uma gaffe menor no conjunto do artigo. A gaffe maior de Nicolau Santos é a de politizar a honestidade e a virtude definindo estas qualidades como atributos de uma determinada cor política. Foi essa perversão maniqueísta: a de que nós, os do nosso lado, somos, por definição, os bons, os virtuosos e os detentores da verdade, que deu sustentação teórica às carnificinas dos regimes totalitários, de esquerda e de direita, e à perversão da democracia americana, no início da década de 50, com a Comissão de Actividades Anti-Americanas do Senador McCarthy.
26-Maio-2003
Segundo a Comunicação Social, Ferro Rodrigues intenta processar quem o caluniou, ou seja, as testemunhas que alegadamente referiram o seu nome no caso da rede pedófila.
Portanto Ferro Rodrigues pretende processar menores por alegadas calúnias. Ora processar menores, ainda por cima vítimas de abusos sexuais, se eles forem representados por advogados habilidosos, pode revelar-se uma tarefa espinhosa e contraproducente, mesmo que os testemunhos sejam calúnias ou equívocos. Como pretende Ferro Rodrigues sustentar durante anos um processo sórdido, com “revelações” saindo a conta-gotas na comunicação social? Seria um desgaste de imagem terrível.
Um arguido pode defender-se destes testemunhos, em tribunal, desacreditando-os ou lançando dúvidas sobre a sua veracidade. Quem não é arguido, mas está referenciado no processo, dizer que está à disposição da justiça para o que esta entender, pois está seguro da sua inocência, e que tudo o que vem escrito nos jornais não passam de erros ou calúnias (*). Processar menores, alegadas vítimas da rede pedófila, será sempre, e nomeadamente se for um político, um acto desastrado.
Porém, Ferro Rodrigues não pretende processar menores. Pretende sim pressionar a justiça e atemorizar as testemunhas.
Ferro Rodrigues que enquanto Ministro da tutela da Casa Pia (de que também foi Paulo Pedroso), não fez nada para pôr cobro ao que então se passava, pretende agora pressionar e atemorizar testemunhas, que são os menores que foram vítimas de abusos enquanto ele tutelava a Casa Pia.
Não é a primeira vez que Ferro Rodrigues aparece com uma truculenta e pretensa autoridade moral a ilibar-se de quaisquer responsabilidades. Fê-lo vergonhosamente na questão da Metropaço, onde agiu com uma grande irresponsabilidade e ligeireza, sendo politicamente responsável por o erário público ter sido “aliviado” de 40 milhões de contos e se comportou na Comissão de Inquérito com a desfaçatez de quem sabe que em Portugal os disparates políticos não sofrem punição.
Este fim de semana, Ferro Rodrigues foi igual a si próprio: um líder sem estatura política que tenta protagonizar uma inocência através da truculência e de falar grosso. Um líder que tenta transformar casos do domínio privado, trazendo-os para o domínio político, arrastando o próprio partido, como se fosse todo o PS que estivesse envolvido na rede pedófila, ou que este caso fosse um caso político.
(*) Mas nunca exigir uma certidão do processo, ou uma declaração de inocência, pois seria suposto Ferro Rodrigues não ter sabido do caso há 15 dias, porquanto o processo estava, e está, em segredo de justiça, com a agravante de Ferro Rodrigues ser um dos responsáveis políticos pelo regime de segredo de justiça e de prisão preventiva existente no CPP.
25-Junho-2003
Sou uma leiga nesta matéria mas na minha opinião, o advogado da Fátima Felgueiras tem razão no que se refere à justiça portuguesa.
Não estou a defender a atitude de FF, que foi imprópria como cidadã e como política. Já aqui exprimi a minha opinião sobre esta matéria e sobre as acusações que pesam sobre ela, e considero que, para além de FF, trata-se de um problema que afecta todos os partidos com expressão autárquica. Repito, todos, sem excepção.
A justiça portuguesa é anacrónica e o segredo de justiça foi desviado do seu espírito original. Actualmente destina-se a mascarar a incompetência e o desleixo dos juizes e do processo de instrução, evitando que haja acesso ao que está a acontecer no processo.
O instituto jurídico que foi instituído há séculos na Inglaterra, o habeas corpus, não existe em Portugal, onde uma pessoa pode estar detida meses e anos sem que ela e o seu advogado saibam os fundamentos da sua acusação.
É óbvio que depois o representante do Sindicato dos Juizes vem fazer uma defesa corporativa da sua classe, classificando as opiniões do advogado brasileiro de hilariantes. Esse senhor pode falar com toda a sobranceria porque ninguém lhe pode pedir explicações, faz o que entende, como entende e e da forma discricionária que entender, mascarando a sua autocracia sob o nome pomposo de segredo de justiça.
Portanto Portugal tem que pôr limitações ao segredo de justiça e à duração da prisão preventiva se pretender ser um Estado de Direito. É evidente que são os casos mediáticos que têm vindo a acontecer que começam a despertar a opinião pública para esta situação calamitosa. Antes o desgraçado, ignoto, que caía nas malhas desta justiça bafienta estava feito e nada transparecia para o público.
Presentemente temos uma justiça terceiro-mundista que funciona assim:
Numa primeira fase investiga-se alguém, envia-se o processo a um juiz de instrução e este interroga o investigado, detido com grande aparato mediático, e propõe uma medida de coacção relativamente à qual quer o indiciado, quer o seu advogado de defesa (que não esteve presente) não conhecem os elementos processuais que a fundamentam. E fica em prisão preventiva.
Na fase seguinte, a família e amigos do indiciado (ou arguido) lamentam-se perante os meios de comunicação carreando informações que não são contraditáveis, porque só as instâncias judiciárias conhecem o processo.
Na 3ª fase, elementos das instâncias judiciárias fazem chegar aos jornalistas (ou estes inventam) informações que se destinam a justificar as medidas que tomaram, mas que ninguém sabe se são verdade ou não, visto o processo estar "em segredo de justiça".
E assim se inicia um julgamento na Praça Pública.
14-Maio-2003
Aproveitando a ocasião de Habermas ter sido galardoado como Prémio Príncipe das Astúrias de Ciências Sociais 2003, gostaria de contrapor Habermas a Marx, um humanista cosmopolita face a um filósofo que o empenhamento político acabou por lhe datar em muito o seu pensamento.
Habermas acha que Marx reduziu a filosofia - e o poder crítico que esta ainda dispunha em Kant e Hegel - a uma mera ciência instrumental e, assim sendo, incapaz de dar conta de outros domínios importantes na compreensão da sociedade e da história em geral, tal como a prática orientada para a comunicação, capaz de combater formas de repressão social e convergir para a emancipação da humanidade. Assim, segundo Habermas, o que não é pensado por Marx é o processo geral de emancipação da humanidade, pois que reduziu a reflexão ao nível instrumental através da categoria trabalho.
Embora reconhecendo a relevância da questão levantada por Habermas, um dos pontos que considero primordial é a perspectiva redutora relativa à forma como Marx interpreta o devir histórico que levou a que os conceitos de «relações de produção» e de «forças produtivas» sejam, com muita frequência, utilizados sem que necessariamente se saiba aquilo de que se abstraiu na formação de tais conceitos. Quando «marxistas» falam das relações recíprocas entre «relações de produção» e «forças produtivas», geralmente menosprezam o número infinito de fenómenos concretos, de homens, de coisas e de acções pelos quais essas relações, expressas de maneira abstracta, surgem concretamente na realidade.
Mas os pensadores marxistas mais clarividentes tiveram consciência de como o devir histórico em Marx poderia ser encarado de uma forma redutora. Engels, no fim da sua vida, tomou seguramente consciência disso, pois numa carta a Borgius, em 1894, frisou que o desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso, literário, artístico, etc., assenta no desenvolvimento económico. Mas reagem todos, uns sobre os outros, e sobre a base económica. Mas isto não porque a situação económica seja a única causa activa, e tudo o resto não passe de acção passiva. Pelo contrário, há uma acção recíproca.
Infelizmente para o aperfeiçoamento do pensamento marxista, os sucessores de Engels Kautsky e Bernstein foram menosprezados e menorizados com o emergir de Lenine e o triunfo do bolchevismo, e o pensamento marxista ficou cristalizado.
14-Maio-2003
A atitude do grupo dos 4 faz lembrar, pela esterilidade da proposta, o pessoal que, nos fóruns da net, lança imprecações angustiantes contra os américas e clama exaltado por uma Europa, ali ... ao virar da esquina, poderosa e capaz de enfrentar os EUA.
Escreve-se:
Todos sabemos que temos grandes cientistas só que por falta de meios ou vontade dos responsáveis estão todos no estrangeiro porque não repatriá-los dar-lhes condições
Resposta: Faça-se! Mas note-se que isto não se faz nem num ano, nem numa década, mesmo que se comece já! E serão os EUA que têm culpa de não se ter começado a fazer? Não ... somos nós.
Escreve-se:
Porque razão sendo Europeus não temos o direito a ter uma força dissuasora inteiramente Europeia?
Resposta: Têm. Mas quando chega a altura de se discutirem os orçamentos para a defesa todos se cortam. Os que agora clamam aqui pela defesa europeia e contra a superpotência americana, são os mesmos que, quando se fala em comprar equipamento militar, ridicularizam os governos e vociferam contra o despesismo inútil. E serão os EUA que têm culpa de não estarmos equipados militarmente? Não ... somos nós.
Todavia, para se fazer tudo isto, é preciso dinheiro, é precisa uma economia forte. Ora o PIB dos 15 da UE é 20% menor que dos EUA e a capitação do PIB europeu é 65% da do PIB dos EUA.
Os EUA dominam a maioria dos nós das fileiras de produção onde a inovação e o efeito motor sobre o restante tecido económico maior importância têm: Informática, electrónica, comunicações, etc. Ao longo dos anos muitos têm vaticinado a ultrapassagem da economia americana pela japonesa, alemã, etc. Todavia isso nunca acabou por acontecer. A indústria destes países não domina os nós vitais do tecido industrial nem tem a capacidade de inovação para ocupar novos nós que entretanto se vão criando..
É por isso que, contrariamente ao vaticínio de alguns economistas apressados, a economia americana ultrapassa as crises com grande vitalidade, gerando emprego com grande rapidez e versatilidade, ao contrário da europeia, pesada e lenta a modificar-se. É claro que isto também terá a ver com a regulamentação do mercado de trabalho, mas não só.
Isto não é ser anti-europeia. São factos. É estéril varrer os factos para debaixo da alcatifa e aparecer de peito feito a bradar pela Europa. Temos é que ver porque é que a Europa está assim e trabalhar para que ela possa ser alternativa aos EUA. Mas isso não se consegue com retórica. O seu canhoneio verbal contra os EUA não leva a nada.
Esta atitude dos 4 está inserida na desastrada política francesa de se pôr em bicos de pés, nostálgica de anteriores glórias, e que tenta arrastar parte da Europa para lhe dar peso face aos EUA. É uma manobra divisionista na Europa, porque qualquer líder europeu sensato sabe que, nem agora, nem num futuro próximo, a Europa poderá ser alternativa aos EUA, mesmo que comecemos já a trabalhar para o ser.
Para tal temos que melhorar a performance económica, que modernizar e dotar de tecnologia avançada as nossas forças armadas e criar condições para os cérebros europeus regressem.
É inútil carpir, soltar lamentos e enxovalhar os EUA. Não conduz a nada. Quanto muito melhorará a função hepática dos mais exaltados. Temos é que fazer melhor que eles.
28-Abril-2003
Este fim de semana, após a leitura do Expresso, a minha carreira política, que me aprestava para encetar, ruiu fragorosa e irrevogavelmente, sem sequer ter começado.
Fiz uma análise retrospectiva a alguns momentos da minha vida e tenho de vos confessar que sou uma criminosa, pior, uma criminosa contumaz, relapsa!
Não foram, nem dois, mas vários almoços e jantares que, aproveitando-se da minha débil condição feminina e da minha inexperiência no mundo do crime, me foram pagos por outrem. Estiveram envolvidos nesta série de crimes hediondos empresas diversas, bancos (até o BEI ... ah! Aqueles jantares no Luxemburgo devem ter custado fortunas, mais do que a factura justamente denunciada esta 6ªfeira) e mesmo, pasmem!, uma ou outra autarquia (não!, não assaquem este crime ao Isaltino porque desta co-autoria está ele livre!).
Como fui trouxa! Mais que o Portas! Quando eu, no fim de cada uma daquelas malfadadas refeições, me aprestava para pagar a minha parte, havia sempre um cavalheiro solícito que, sorridente e peremptório, me dizia: nem pense nisso! Homessa! Tinha mais que ver!
E eu, sorridente, tomava aquilo por cavalheirismo, talvez algo anacrónico, quando afinal se tratava de uma manobra sórdida e funesta para comprometer o meu futuro político!
Reparem que é um crime que está ao alcance de qualquer um. Não é uma fraude apenas passível de ser realizada por um banqueiro, um patrão de indústria, um autarca, enfim!
Qualquer um de nós, à mais leve negligência, pode cometer este crime hediondo. Por não ser suficientemente rápida a chamar o empregado, já entrei, por diversas vezes, na delinquência, quando um comensal mais pressuroso se adianta e pede a conta.
No desespero de evitar resvalar para o crime, por duas ou três vezes, naqueles momentos de angústia, pisquei o olho ao empregado, mas ele interpretava mal o sinal e entregava a conta ao meu acompanhante e a mim, discretamente, um papel com um número de telefone.
O país tem que se mobilizar para resistir a esta criminalidade que invade o nosso país e corrói todo o tecido social.
Se um membro do governo sujeito a esta suspeita não se redime dela é o descalabro moral do país.
27-Abril-2003
Obrigado Zeus! Sei que me fez o maior elogio de que é capaz! Extasiado pela minha “superior cultura”, como diz, não podendo conceber que o nível cultural não esteja total e directamente correlacionado com o nível de testosterona no sangue, olha-me com sublime admiração e exclama: És homem! Tens que ser homem!
Celeste Cardona, a mulher que com férrea determinação subiu a pulso na vida, arrisca-se, no próximo Congresso do PP, a ser interpelada pelo nosso Zeus, com a veneração que ela lhe merece: Cardono! Vieste hoje com traje escocês? O kilt vai-te lindamente! Esse padrão é de algum Imortal? E a Cardona a sorrir-lhe, embaraçada, com aquele arrepanhar de lábios que parece uma cãibra.
E Paulo Portas a levar um abraço, bem possante, e a ser-lhe sussurrado ao ouvido: Paulo, és o máximo! Como está a tua testosterona? Toma atenção, menino!
Porque Zeus, por detrás das novas tecnologias, nets, etc., no que respeita à condição feminina parou no tempo e no espaço em que as sécias, abanando nervosamente os leques, açafatadas nos canapés, chilreavam brejeirices em surdina enquanto os peraltas das redondezas glosavam algum mote galante. E Zeus, de rosto fechado e indiferente a galanteios, vaidoso na sua casaca enchouriçada na gola e fina de abas, com sapato de fivela de latão, areada tão a preceito que parecia de prata.
Lembra-se, Zeus, de acompanhar o Manique a inspeccionar as damas às portas dos templos, avaliando se a cava dianteira descobria o peito a mais, se as pregas da saia deixavam adivinhar a conjunção voluptuosa de qualquer perna e se a fímbria se erguia do solo mais de um ou dois palmos e consentia a ostentação do tornozelo acima dos sapatinhos. E confesse que deve ter ajudado à redacção da circular que intimava as modistas a “não confeiçoarem os trajes femininos com a concisão lacónica que os figurinos indicavam, e que fazia que muitas damas se apresentassem em pública quase nuas”. Tanto a visão dos nossos tornozelos alvejando por baixo da fímbria, lascivamente subida, intimidava o Intendente!
Mas o seu momento de glória aconteceu quando, ao saber que Mme Entremeuse, presa por suspeita de contrabando, se havia queixado com veemência ao camarista do príncipe regente, você lançou as bases de uma teoria alternativa dos caracteres sexuais secundários. Você foi então peremptório: Uma mulher não ousaria nunca tomar semelhante expediente! A vida do regente corre perigo! Não é uma mulher; é um homem!
E o Manique, para lhe sossegar a consciência, lá a mandou prender novamente e determinou que o corregedor do Bairro Alto, acompanhado de um escrivão e de um físico examinassem a recalcitrante francesa para certificar o seu sexo.
Como vê, Zeus, não foi a primeira vez que você aplicou os seus conceitos sobre os caracteres secundários de diferenciação sexual!
Mas onde Manique sobretudo o apreciava era nas paradas, no seu posto de sargento-mor, à frente dos ordenanças, uniforme coçado pelos anos, peruca desbotada ao vento, agitando o bicórneo, bradando, com o seu poderoso vozeirão, vivas ao trono e ao altar, e dardejando imprecações tonitruantes à pedreirada que começava a levantar a cabeça com as ideias que vinham da França. Quantas vezes Manique lhe havia elogiado a postura: portugueses desta têmpera, é o que precisamos!
Pois é Zeus, você, nestas matérias, já era um anacronismo no fim do século XVIII.
21-Abril-2003
Não tenho qualquer estima ou consideração pelos vultos do miguelismo, embora tivesse achado piada ler alguns panfletos do Agostinho de Macedo, nomeadamente as Gaitadas do Anão dos Assobios. Há todavia uma figura que eu considero de excepção, a do Visconde de Santarém.
O Visconde de Santarém foi o maior nome da historiografia portuguesa do século XIX. As suas obras, nomeadamente o portentoso Quadro Elementar, foram as mais relevantes da nossa historiografia. Tem uma dimensão diferente da de Herculano, o nosso Michelet. Baseia-se na erudição, extraordinária, e não na capacidade de interpretação social e política que Herculano tinha. Enquanto Herculano era um historiador, o Visconde de Santarém era um especialista em Paleografia e Diplomática.
Foi um apoiante do absolutismo e Ministro dos Negócios Estrangeiros de D. Miguel. Favorável a um entendimento com os liberais, foi despedido por D. Miguel para, meses depois, ser despedido de Guardião da Torre do Tombo pelos liberais, entretanto triunfantes.
Exilou-se em Paris e aí viveu até à morte, trabalhando sempre na história portuguesa, fazendo estudos para sustentar e apoiar a Política Ultramarina dos Governos Liberais, frequentemente a pedido destes.
Valha a verdade que alguns líderes liberais, p. ex., Sá da Bandeira, da ala esquerda do liberalismo, pediram-lhe que regressasse. Nunca o fez. A direita venerava-o e Sardinha, no auge do Integralismo Lusitano, prefaciou-lhe as Memórias para a História e Theoria das Cortes Geraes. Este prefácio, de mais de 250 páginas(!), liquidou a memória do Visconde. Os politicamente correcto nunca lhe perdoaram ter, muitas dezenas de anos após a sua morte, deixado prefaciar-se por António Sardinha.
A sua memória existe apenas nos alfarrabistas, onde o Quadro Elementar e outras das suas obras são disputadas a bom preço.
16-Abril-2003
Em Fevereiro de 1258 os Mongóis tomaram e saquearam Bagdade, massacraram centenas de milhares de habitantes e o último califa abássida e, mais grave do que isso, durante os anos em que Hulagu Khan dominou aquela região, todo o sistema de canais, açudes e redes de irrigação que haviam sido construídos e desenvolvidos ao longo de vários milénios foi vandalizado e destruído, eliminando a capacidade de sobrevivência da população existente e arrastando um enorme declínio populacional.
Em 2003, o Museu de Bagdade foi pilhado e vandalizado e a Biblioteca Nacional foi incendiada. Testemunhos de civilizações milenárias de uma região que foi o berço da nossa civilização foram liquidados em poucos minutos.
Bagdade tinha sido capturada pelo exército americano, mas foram elementos da população iraquiana que pilharam e vandalizaram museus, bibliotecas, hospitais, para além de ministérios, edifícios governamentais e casas particulares.
O exército americano, que havia tomado a cidade seria, em teoria, o responsável pela ordem e segurança dentro dela. Terá a desculpa da rapidez do descalabro iraquiano, dos seus reduzidos efectivos, da continuação de bolsas de resistência e da surpresa, do inesperado e da rapidez das pilhagens do Museu e da Biblioteca. Mas a sua incapacidade de assumir as responsabilidades que a sua vitória militar o obrigava será uma mancha que a história recordará muito para além de qualquer outra ocorrência desta guerra.
Mais revoltante é o comportamento dos vândalos de Bagdade. A inutilidade do saque e destruição é incompreensível. Quem destrói peças de museu e incendeia bibliotecas não terá qualificação para roubar peças de arte para seu desfrute pessoal ou para vender a coleccionadores endinheirados. Foi puro prazer destrutivo que levou à pilhagem e vandalismo.
Os iraquianos podem desculpar-se que não passou de uma minoria não significativa e que se tratava de uma sociedade vivendo sob uma ditadura opressiva e feroz cuja queda criou um vazio de poder e a quebra das cadeias de comando das estruturas administrativas. Mas muito mal vai um povo que não tem, dentro de si, forças sãs que imponham um mínimo de respeito cívico. Em 1910 e em 1974, o poder em Portugal caiu na rua, e não houve pilhagens ou latrocínios. Em 1910, populares guardavam os bancos e outros locais para evitar tentações. Diversos países da Europa foram ocupados e libertados durante o último conflito. Não me lembro de algum museu ou biblioteca assaltada durante a ausência dos poderes institucionais.
Os nazis destruíram livros, mas foi uma destruição organizada, perpetrada por um regime que odiava a cultura cosmopolita.
Em situações de grande instabilidade acontecem assaltos e pilhagens a estabelecimentos de artigos de consumo. Acontecem no Ruanda e acontecem nos USA. Assaltar, pilhar e vandalizar museus e incendiar bibliotecas é porém o sintoma do estado de degradação económica, social e civilizacional a que chegou um povo submetido décadas a uma tirania totalitária, omnipresente e atrofiante.
Nestas situações de grande calamidade, a sociedade civil tem, com grande frequência, capacidade de gerar consensos e de tomar nas suas mãos a condução do seu próprio destino. Espera-se que, passado o estupor pela queda de um regime que não deixava saída e se ameaçava eternizar, a sociedade civil iraquiana seja capaz de reconstruir um país mais justo e mais moderno.
13-Abril-2003
A resistência iraquiana está a esboroar-se, ninguém sabe onde pára os 350.000 homens do exército regular nem a guarda republicana, provavelmente dizimada e/ou dissolvida no ambiente, etc. Só lutam alguns kamikazes islâmicos, vindos do exterior, mas sem competência militar.
O impagável Ministro da Propaganda continua a falar de um Iraque que só existe na sua imaginação e a promover visitas guiadas aos hospitais para mostrar crianças, mulheres e idosos feridos que constituiriam, na sua imaginação delirante, 95% dos feridos.
Saïd al Sahhed espera, como Goebbels, pelo Milagre da Casa do Brandeburg, neste caso, pelo cansaço da opinião pública internacional face às imagens televisivas da suas visitas guiadas. Mas Saïd al Sahhed não tem à sua disposição, como Goebbels em Berlim, as Waffen SS, fanáticas, mas competentes, que retardaram semanas a fio a avalanche do Exército Vermelho. Aliás, Saïd al Sahhed não passa de uma paródia terceiro-mundista de Goebbels.
Nunca acreditei na retórica das chefias iraquianas e islâmicas. Fiquei vacinada durante a 1ª Guerra do Golfo, jovem e crédula estudante universitária, quando verifiquei, com o desenrolar dos acontecimentos, que a realidade era absolutamente contrária às expectativas geradas em mim pela retórica dos dirigentes iraquianos.
Nelson, antes do início da Batalha de Trafalgar, fez a seguinte proclamação:
“A Inglaterra espera que cada um de vós cumpra o seu dever”.
Esta frase singela e determinada, despida de floreados e retórica, constitui, para mim, o mais belo exemplo do apelo ao patriotismo e ao pundonor. Nem louvaminhas pomposas à sua nação, nem injúrias desdenhosas à nação contrária.
Independente das razões morais e do Direito Internacional desta guerra (aliás, sobre ela exprimi a minha opinião dias antes de ter começado) há virtudes de outros povos que deveriam servir de exemplo para nós. A determinação, a objectividade, a perseverança e o patriotismo sereno e firme dos anglo-saxónicos deveriam constituir um exemplo para nós, para a nossa retórica patrioteira e estéril.
Eça escrevia que a nossa verborreia patriótica era a das frases delicodoces que na noite anterior se teria dito a “uma andaluza barata”. Mutatis mutandis, a situação hoje não é, infelizmente, muito diferente.
Nota: Há muitas imprecações nos fóruns da net e em meios de comunicação, lançando apelos lancinantes à resistência dos iraquianos e à guerrilha.
Trata-se obviamente de gente que acredita na retórica de Mohammed Saïd Al-Sahaf e na existência do Iraque virtual que ele, desde há semanas, se afadiga a construir.
Também é fácil, teclando tranquilamente frente ao monitor, exigir bravura, determinação e ferocidade para punir e liquidar a malvada América. Não se corre qualquer risco.
Porém, a realidade tem mostrado que, para além dos elementos mais próximos do regime e dos kamikazes importados dos países islâmicos vizinhos, os iraquianos não têm combatido ou, quando o fazem, fazem-no porque são obrigados. Aliás, Saïd Al-Sahaf já fez mais que uma declaração pública ameaçando os soldados iraquianos pela sua fraca determinação. Aparentemente, na primeira oportunidade, dissolvem-se no ambiente que os rodeia.
O regime de Saddam é um regime despótico e sangrento que se impôs pelo terror. Poucos terão vontade de o defender, embora muitos tenham sido obrigados a isso. É pouco provável que, para além de algumas bolsas isoladas dos kamikazes islâmicos e de milícias fanáticas, mais alguém o defenda. Não me parece que, num futuro imediato surjam guerrilhas.
Todavia, se a coligação, depois de ter vencido a guerra, não souber vencer a paz, é bem provável que comecem a aparecer focos de rebelião que possam dar origem a uma guerra de guerrilhas.
07-Abril-2003
O artigo “A lei do mais forte”, de F. Madrinha do Expresso, é de um grande farisaísmo. A única intervenção militar que foi aprovada pela ONU, segundo me parece, foi a da Guerra da Coreia e isso deveu-se à ausência temporária da URSS do Conselho de Segurança, e, em certa medida, a primeira guerra do Golfo.
Todas as outras intervenções militares foram feitas sem o aval da ONU e, quanto muito, baseadas em resoluções anteriores de interpretação controversa.
Quantas tentativas de solução de conflito foram vetadas, quer pela URSS (cerca de metade dos vetos expressos), quer pelos USA, nomeadamente as resoluções que pretendiam obrigar Israel a cumprir as determinações internacionais, quer pelos outros membros permanentes?
É esta “a ONU tal como a conhecemos desde 1945” e não a que você mitificou. A que “se tem revelado um forum precioso para esbater e dirimir conflitos” mas não “para os … resolver pela força, quando absolutamente necessário”, porque tal nunca aconteceu.
Alguns líderes socialistas têm dito que não é possível estabelecer comparação com o Kossovo, porquanto neste caso se trataria de uma intervenção humanitária. Humanitária? Bombardear maciçamente a Sérvia e destruir-lhe a infra-estrutura económica e a capacidade de subsistência é uma acção humanitária?
Milosevic era um ditador e genocida. Mas seria pior que Saddam? Não há quaisquer diferenças, do ponto de vista do Direito Internacional, entre a intervenção no Kossovo e no Iraque, excepto o menor apoio actual da comunidade internacional, nomeadamente da europeia.
Todas as intervenções militares, quer as que tinham “boas” intenções, impedindo genocídios, atentados continuados à liberdade ou aos direitos dos povos, quer as que tinham “más” intenções, as de exterminar os movimentos de libertação ou de emancipação: Vietname, Afeganistão, Checoeslováquia, etc., foram feitas ao absoluto arrepio da ONU. E a ONU sobreviveu. E sobreviveu porque é sempre preferível haver uma ONU do que haver um vazio.
Não sou do tempo (excepto a intervenção soviética no Afeganistão) em que as intervenções mais graves aconteceram. Certamente muitos piedosos articulistas deveram então ter composto epitáfios para a ONU, carpindo sobre o “golpe fatal para a instituição”. Mas ela resistiu e fortaleceu-se.
A ONU não tem capacidade, actualmente, para impor as liberdades, direitos e garantias individuais em toda a orbe. Ainda existe a lei do mais forte, mas cada vez mais temperada pela consciência colectiva.
No caso do Iraque, os USA já se aperceberam, apesar da retórica da ala dos falcões, das suas limitações, embora sejam, actualmente, a única super-potência, com um poderio bélico sem comparação com os restantes países.
Será o fortalecimento da consciência colectiva que irá, progressivamente, mais lentamente do que muitos de nós desejaríamos, robustecer a ONU.
E numa ONU robustecida e actuante não haverá lugar para este tipo de intervenções, não só pela intervenção em si, como porque nunca seria permitida que emergisse e actuasse na impunidade uma figura sinistra como Saddam, ou como Milosevic, ou como outros que ainda estão no poder nos respectivos países.
Mas para isso temos que aprender a ser tolerantes e democratas, a respeitar as opiniões dos outros, não interpretarmos as querelas políticas como lutas clubistas e lembramo-nos que votar numa eleição, num dado partido, é apenas a expressão de uma opinião transitória face a uma dada conjuntura política, económica e social, e que poderá ser mudada na eleição seguinte, e nunca um ferrete que colocamos a nós próprios e que nos impede de raciocinar com clarividência.
19-Março-2003
A descida do Maelstrom - Bush
Actualmente, o mundo faz lembrar a forma irreversível como as potências europeias, incapazes de dirimir os seus interesses com prudência e ponderação, foram conduzidas para a terrível conflagração da 1ª Guerra Mundial, embora a situação seja, quantitativamente, muito distante e se espere que os seus efeitos sejam muito menos devastadores.
A administração Bush foi incapaz de analisar, com objectividade, o sentimento da comunidade internacional, agastada com a sua sobranceria e sem compreender a sua política errática e sem coerência. Vítima do seu unilateralismo, a administração Bush avançou para uma guerra sem se aperceber que teria muita dificuldade em promover uma coligação alargada, nas condições em que actuou.
A partir de uma certa altura, Bush, na via por onde tinha enveredado, já não tinha alternativa para a guerra, a menos que retirasse e deixasse Saddam a vangloriar-se que havia derrotado o Grande Satã e numa posição política muito mais forte que anteriormente.
A descida do Maelstrom - Saddam
Saddam fiou-se em demasia no patrocínio da França e da Rússia, contando com os avultados interesses económicos que aquelas 2 potências tinham no Iraque. Durante 12 anos fez gato-sapato da comunidade internacional, não se desarmando e mantendo ou ampliando, porventura, o seu arsenal bélico. Apenas nos últimos meses, com Bush “ad portas”, começou a aceitar as inspecções e o desarmamento a conta-gotas, negando a existência de armas, para reconhecer a sua existência tempos depois, e assim sucessivamente.
Mas mesmo assim, Saddam não se demite. Saddam está, como os dirigentes nazis nos últimos meses da guerra, à espera do “Milagre da Casa de Brandenburg”, que permitiu a Frederico o Grande, da Prússia, salvar-se de uma coligação mortífera da Áustria, Rússia e França, por rotura imprevisível dessa mesma coligação, numa altura em que a posição de Frederico era desesperada. Quando Roosevelt morreu, Goebbels viu aí um sinal de que esse milagre estaria próximo o que, felizmente, não veio a acontecer.
Do mesmo modo Saddam agarra-se à esperança que algo aconteça que trave a máquina militar americana – pressão francesa e russa; efeitos “colaterais” reais ou empolados, que aumentem a hostilidade da opinião pública mundial e, principalmente, americana e que tornem insustentável a posição de Bush; etc..
A descida do Maelstrom – Chirac e Putine
A França e a Rússia, na defesa dos seus interesses petrolíferos no Iraque, seguiram durante os últimos anos uma política concertada de apoio a Saddam, ajudando ao enfraquecimento progressivo das inspecções e facilitando, mesmo que essa não fosse, porventura, a sua intenção, a manutenção da política dissimulada do ditador iraquiano.
Mais recentemente, a França, pela sua declaração peremptória e definitiva sobre o uso do veto, ficou sem possibilidade de recuar, sem perder a face e, simultaneamente, deu alento a Saddam na sua obstinação.
E assim, mercê de uma incapacidade em dirimir uma situação no interesse geral da comunidade internacional, o mundo vai ser arrastado para uma guerra cujas consequências são imprevisíveis.
A descida do Maelstrom – Que consequências ?
Quando digo que as consequências são imprevisíveis não me refiro ao resultado militar imediato, embora o prolongar da guerra possa trazer muitas complicações aos anglo-americanos, devido ao aumento da hostilidade da opinião pública.
Refiro-me à eventual escassez de crude, se não for possível evitar o incêndio dos poços de petróleo, e à consequente degradação da situação económica mundial e em Portugal, em particular.
Refiro-me à “gestão” do Iraque no após-guerra com o vazio de poder e 3 grandes grupos étnicos a digladiarem-se entre si, com a Turquia à espreita, no que toca ao Curdistão, e o Irão à espreita, no que toca aos shiitas.
Refiro-me às eventuais novas linhas de força que possam emergir na Arábia Saudita, etc., etc..
O pai Bush, para ter algum apoio dos países árabes, prometeu uma nova via para a questão palestiniana. Foram dados passos interessantes na direcção certa. Todavia, o assassinato de Rabin fez inverter o processo e, hoje em dia, o falcão Sharon e o corrupto Arafat estão num impasse cuja principal vítima é o povo palestiniano, mas em que o povo israelita também é seriamente fustigado.
É vital sair desse atoleiro e retomar o processo de paz e seria importante que a administração Bush se apercebesse disso e agisse em conformidade, visto serem os USA que sustentam militarmente, e não só, o Estado de Israel.
Nas Lages fez-se menção à viabilização de um Estado Palestiniano. Veremos se é apenas retórica ou se se trata de algo consistente.
18-Março-2003
A política da Administração Bush conduziu os USA a uma situação em que qualquer escolha é má:
Se não fazem a guerra, Saddam vai vangloriar-se de ser o herói que fez dobrar a cerviz aos USA, que derrotou os americanos e tornar-se num líder carismático para as massas árabes humilhadas pelo conflito israelo-árabe. Seria um cenário absolutamente insuportável para os USA.
Se fazem a guerra, terão que enfrentar uma opinião pública hostil e cuja hostilidade crescerá exponencialmente à medida que as televisões começarem a dar imagens de cadáveres chamuscados, crianças mutiladas, etc., etc. Uma guerra na qual os USA não podem expor-se a que dure mais que alguns dias, pois se se eternizar, tal terá repercussões imprevisíveis sobre o comportamento da opinião pública internacional e mesmo americana. Será um cenário de consequências imperscrutáveis, mas que tudo indica que será o considerado “menos mau” pelos USA.
Por sua vez Chirac conduziu a União Europeia a uma situação em que será sempre perdedora. A UE, para ter uma voz credível, teria que ter uma política externa coerente e apoiada por uma força militar com operacionalidade capaz de fazer valer essa política. Até agora a UE nem sequer tem sabido gerir as questões europeias, como no caso da ex-Jugoeslávia, onde foram os americanos que, por diversas vezes, tiveram de vir resolver os problemas que a UE se mostrava incapaz de o fazer, quer por falta de força militar, quer por falta de unidade de acção.
Uma UE nesta situação não se pode dar ao luxo de tomar posições tão “drásticas” como Chirac e Schröder tomaram. Poderá pressionar, com alguma discrição, a Administração Bush a inflectir a sua política. Tomar atitudes mais abertamente definitivas é entrar numa via que desemboca num beco sem saída. Contar com a Rússia é errado, pois esta não é uma aliada fiável. Não seria a primeira vez que os USA a comprariam por um prato de lentilhas.
Na situação actual, se a França usar o direito de veto irá criar graves complicações de relacionamento com os USA e dividir a UE. Se o não fizer, perderá credibilidade internacional e será acusada de se ter deixado amarrar ao carro de triunfo americano. E com a perda de credibilidade da França e Alemanha, é também a UE que perde credibilidade.
A UE deveria repensar toda a sua estratégia ao nível de defesa e de política externa comum para não se deixar cair numa armadilha destas. Os europeus têm vivido sob a protecção militar americana. Ao deixarem chegar as suas forças militares ao nível irrisório de operacionalidade em que se encontram (excepto as britânicas), os europeus aceitaram, tacitamente, viverem na dependência militar americana. Esqueceram-se que essa política tinha um custo: o de se verem na contingência de aceitarem as decisões da política externa americana com a margem de manobra que os dirigentes dos USA houverem por bem determinar.
Presentemente, qualquer que seja o desfecho, este será mau para a UE. Pior, irá diminuir a sua já pequena capacidade de influenciar as decisões americanas.
Resta-nos as discussões bizantinas das comadres zangadas: a de saber quem desuniu mais a UE: se a decisão “de grande potência”, do eixo Paris-Berlim, de se opor à política americana, se o manifesto do grupo que definiu como prioritária, acima de tudo, a aliança com os USA.
O Dilema Português
Falando agora sobre a posição portuguesa, eu queria sublinhar o seguinte:
Há os diversos dados que nos são exógenos:
A Administração Bush conduziu a política externa americana para um beco cuja única saída é a guerra. Qualquer outra opção, na situação a que se chegou, é pior para o governo americano que não fazer guerra.
Que não haja quaisquer dúvidas, os USA irão mover todas as influências e gastar o que for necessário, para obter a maioria no Conselho de Segurança.
Se obtiverem a maioria, mesmo que haja vetos, eles farão a guerra escudados na existência de uma maioria viciada por vetos injustos e minoritários.
Se verificarem que não vão conseguir maioria, o que não acredito, não se arriscarão a propor qualquer moção e farão a guerra baseados na moção anteriormente aprovada, com a argumentação que irão desenvolver consoante o relatório Blix
O novo relatório Blix será, como de costume, passível de várias leituras e dará argumentos quer àqueles que querem continuar com as inspecções, quer aos que querem ir já para a guerra.
Portanto:
Como, à luz do Direito Internacional, não há fundamentação para a guerra, nós não a devemos apoiar, se não houver aval da UN. Portanto, o governo português tem andado mal em apoiar ostensivamente, e sem condições, a intervenção americana no Iraque.
Os USA vão fazer a guerra, e isso é um dado. Logo Portugal não pode, na defesa dos seus interesses estratégicos, tomar uma atitude de confronto relativamente aos USA. Não evita a guerra e complica o seu relacionamento internacional. Seria uma atitude puramente quixotesca. A França não é uma aliada fiável e não sei se, em face da votação no Conselho de Segurança, não irá desistir, à última hora, do direito de veto. Portanto o Presidente da República andou mal ao condenar ostensivamente a mais que provável intervenção americana no Iraque. E logo ele, que quando fala, costumava dizer coisas que podem ser interpretadas de centenas de maneiras diferentes e contraditórias!
Parece-me que Portugal deve manter um perfil baixo neste jogo diplomático, e evitar tomar posições claras e definitivas sobre esta matéria, não descurando a aliança americana mas não se comprometendo em demasia.
Durante séculos, desde a Restauração, os sucessivos governos portugueses souberam manter o equilíbrio das relações externas, agradando (ou não contrariando) gregos e troianos. Só falharam perante a impaciência excessiva de Napoleão. Mesmo assim aguentaram a questão durante algum tempo. Durante a 2ª Guerra Mundial, Salazar conseguiu manobrar de forma a manter o país fora do conflito e, adicionalmente, convencer Franco a não entrar na guerra ao lado dos alemães, o que era vital para Portugal, pois com a Espanha ao lado dos alemães, Portugal teria que escolher entre aliar-se aos alemães ou ser ocupado pela Espanha e Alemanha, como durante a invasão de Junot, quando foi ocupado pelas tropas francesas e espanholas.
É esse sentido de equilíbrio e de proporções que precisamos neste momento.
10-Março-2003
Começo pela questão base: a do acordo.
Numa empreitada pública, em que o Dono da Obra é uma entidade pública, nunca devem ser feitos acordos deste tipo, com a alegação de que seria pior a questão ir para tribunal.
Uma empresa privada pode fazer isso, que só tem que prestar contas a si própria, mas uma entidade pública tem que prestar contas ao Estado e aos contribuintes e, agindo assim, fica sempre a suspeita sobre a bondade da sua decisão.
Obras que incluam túneis são obras complicadas em que a atribuição de responsabilidades não é fácil. Os empreiteiros defendem-se com o facto das zonas geológicas serem diferentes das expectáveis (normalmente as sondagens efectuadas durante os estudos são insuficientes) e as propostas estão armadilhadas para conseguirem, durante a execução, adicionais em virtude da insuficiência da informação constante da consulta.
Neste entendimento, o despacho de Jorge Coelho também não fazia lei. Um ministro não pode, por despacho, mesmo baseado num parecer de LNEC, substituir-se aos tribunais (ou às comissões de arbitragem).
Mas da mesma maneira, quer Ferro Rodrigues, quer o seu secretário de Estado não deveriam ter tomado a atitude de validarem a decisão do CA do Metro. Essa aceitação custou 40 milhões de contos a todos nós.
Foi muito deselegante a forma como o ministro e o seu secretário de Estado alijaram as suas responsabilidades para o CA do Metro, mas foi apenas falta de estatura política, pois tal não constitui crime.
Em face disto, entendo que, na questão do acordo com a Metropaço há 2 vertentes que são distintas:
1 A administração do Metro tem autonomia e, portanto, se se verificar dolo no acordo, só esta é criminalmente responsável.
A maioria, ao enviar as actas da Comissão de Inquérito ao PGR devia estar equivocada. Gestão danosa é de quem gere e quem gere é o CA do Metro.
2 Os ministros do Governo PS agiram com uma grande irresponsabilidade e ligeireza em todo este processo, são politicamente responsáveis por o erário público ter sido aliviado de 40 milhões de contos e comportaram-se na Comissão de Inquérito com a desfaçatez de quem sabe que em Portugal os disparates políticos não sofrem punição.
Quanto à maioria foi de uma inabilidade extrema. O que é que ela esperava do PGR?
Se acreditavam que o PGR poderia ter tomado outra atitude, são de uma extrema incompetência.
O PGR não é o Supremo Tribunal Administrativo, nem o Tribunal de Contas. Analisam as situações de diferentes ângulos e com competências diferentes.
20-Fevereiro-2003
A vingança de Camões, ou de como eu não me tenho eximido a esforços para aplacar as iras patrióticas
Sabem quem plagiou Camões?
Não, não foi a Orquestra Vermelha! Pior ... muito pior!
....
O próprio Marx!
É verdade, esse malvado plagiou o nosso vate na Ideologia Alemã, e nem se deu ao trabalho de o traduzir (ele nem devia saber português). Muito pior que a Clarinha, que passou horas no AltaVista a traduzir o New Yorker.
É claro que Marx substituiu as nossas Tágides pelas Spreides, mais berlinenses, mas menos formosas.
Aqui vai o excerto, estando entre <> as notas do editor.
6. Das hohe Lied Salomonis oder Der Einzige
Cessem do sabio Grego, e do Troiano,
As navegacoes grandes que fizeram;
Calle-se de Alexandro, e de Trajano
A fama das victorias que tiveram
------------------------------------------
Cesee tudo o que a Musa antigua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
E vós, Spreïdes minhas - -
Dai-me huma furia grande, e sonorosa,
E naõ de agreste avena, on frauta ruda;
Mas de tuba canora, e bellicosa
Qus o peito accende, e o côr ao gesto mudai,
<Verstumme denn, was weiser Griechen Ahnen,
was Troias Söhn' auf weiter See vermocht;
von Alexandern schweige, von Trajanen,
der Ruf der Siege, die ihr Arm erfocht ...
------------------------------------------
Verstumme, was die Muse grauer Zeiten
besang, vor andern, größern Herrlichkeiten!
Und ihr, der Spree Jungfrauen ...
Leiht mir Begeisterung, die mächtig schalle,
nicht, wie von rauher Flöt' und wildem Rohr,
nein, von der Tuba stolzem Kriegeshalle,
der Wangen rötet, Geister hebt empor ...>
gebt mir, o Nymphen der Spree, ein Lied, wie es würdig ist der Helden, die an Eurem Ufer wider die Substanz und den Menschen kämpfen, ein Lied, das über alle Welt sich verbreitet und in allen Landen gesungen wird - denn es handelt sich hier um den Mann, der getan hat,
Mais do que promettia a força humana,
< was niemals Menschenkraft vollbracht >
mehr als die bloß "menschliche" Kraft zu leisten vermag, um den Mann, der --
edificára
Novo reino que tanto sublimára,
<... errichtete
ein neues Reich ... in ferner Zone>
der ein neues Reich gestiftet hat unter entferntem Volk, nämlich den "Verein"
- es handelt sich hier um den
- tenro, e novo ramo florescente
De huma arvore de Christo, mais amada,
<- zarten Sproß, am Baume neu entfaltet
dem Christus sich vor allen zugewandt,>
um den zarten und jungen, blühenden Schößling eines von Christo vorzugsweise geliebten Baumes, der nicht weniger
certissima esperança
Do augmento da pequena Christiandade,
<zum sichern Hoffnungsstern erkoren,
daß wachse stets die kleine Christenheit>
die gewisseste Hoffnung des Wachstums ist für die kleinmütige Christenheit - es handelt sich mit Einem Wort um etwas "Noch nie Dagewesenes", um den "Einzigen".
07-Fevereiro-2003
Much ado about nothing
Reina uma falta de humor notável entre os críticos ao meu texto anterior, para não falar de outras faltas, porventura mais graves.
Qualquer nick sensato teria percebido que eu estava na brincadeira. Aliás, brincadeira que vinha na sequência de um outro comentário anterior sobre o Eça, a Clara e o bei de Tunes.
Nunca esteve no meu intuito comparar o talento da CPC com o engenho e arte de Camões. Aliás o absurdo da comparação fazia parte da brincadeira.
Afinal não se brinca com os símbolos pátrios: bandeira, hino, Camões (!?).
Ora o que eu ignorava, e que aprendi sob o látego furioso dos patriotas da literatura era que Camões, para além de se ter libertado da lei da morte teria passado a ícone pátrio, indiscutível. A indignação fez ferver as teclas de diversos comentadores tendo, inclusivamente, alastrado a outros artigos.
Tornei-me célebre bem célebre à maneira de Eróstrato, mas não se pode ter tudo!
Sendo assim pedia a todos os que tiverem edições dos Lusíadas comentadas, onde os anotadores foram laboriosamente indicando as fontes que serviram de inspiração a Camões, que fizessem delas um gigantesco auto-da-fé. Essas anotações menoscabam o sentir da alma lusa, devem ser consideradas traição e liminarmente exterminadas.
É interessante verificar que à medida que os Lusíadas são menos lidos, se vão tornando mais indiscutíveis. No limite, quando ninguém os ler (espero sinceramente que tal não venha a acontecer, apesar dos esforços do nosso sistema educativo), tornar-se-ão um valor absoluto, uma espécie de cachecol verde-rubro que se agita nos estádios.
Quanto à questão das precedências, Petrarca viveu 200 anos antes de Camões e Virgílio uns 1500 anos antes. Quanto a Tasso, contemporâneo de Camões, seria interessante saber se teria havida alguma influência. Os livros foram editados quase em simultâneo, embora ambos os autores tivessem trabalhado neles longamente. Provavelmente foram ambos beber inspiração às epopeias da Antiguidade Clássica.
Mas isso deixo para os investigadores literários, que eu sou apenas uma diletante curiosa e iconoclasta perante uma iconocracia de gente sisuda e ignara.
Nota: Aqueles que na ânsia patriótica, que só lhes fica bem, de exautorar a infame traidora que, a soldo de alguma potência estrangeira, estava a enlamear o vate ilustre que, a par da geração de ouro, é o suporte da nossa auto-estima nacional, julgo que exageraram um pouco.
Quando eu quis comparar o início do exórdio da Eneida de Virgílio com a primeira estrofe dos Lusíadas, escrevi «As armas e barões assinalados ...», e as reticências foram postas, partindo do princípio que vocês sabiam o resto. Para a próxima prometo que ponho o 1º Canto na íntegra. E se ainda assim acharem pouco, pespegos-lhe com a obra completa.
A net que se cuide!
Quanto a Petrarca, a diferença entre "Questa anima gentil che si departe...» e a «alma minha gentil que te partiste », resulta da cacofonia introduzida pela tradução em português. Se você sabe alguma coisa de italiano vê que não há qualquer difereça de sentido. Parecia-me evidente, mas reconheço que vocês, no desvairado tropel dos vossos corcéis, de alabardas em punho, viseiras cerradas e cabelos hirsutos, carregando sobre esta pobre traidora contumaz e pérfida, não tiveram tempo para se aperceberem disso.
07-Fevereiro-2003
Clara Pinto Correia e Camões
Invejosos
Os meios de comunicação e os comentadores da net falam da CPC, mas Camões, andou a plagiar tudo o que era vate italiano (e latino) teve direito a um feriado nacional e a ser protagonista da alma e raça lusas!
Então o Petrarca:
«Questa anima gentil che si departe...» não è igual a «alma minha gentil que te partiste
», com a diferença que não tem aquela cacofonia irritante de «al...ma ... minha»
O exórdio dos Lusíadas tem muito a ver com Tasso, Gerusalemme liberata, como por exemplo, entre muitos:
Canto l'arme pietose e 'l capitano
che 'l gran sepolcro liberò di Cristo.
Tem a ver com Que eu canto o peito ilustre lusitano»
Assim como o início do exórdio da Eneida de Virgílio:
ARMA virumque cano, Troiae qui primus ab oris
Italiam, fato profugus, Laviniaque venit
litora, multum ille et terris iactatus et alto
vi superum saevae memorem Iunonis ob iram;...
tem o mesmo conceito de «As armas e barões assinalados ...»
Não era Eça que dizia que a cultura e as ideias lusitanas eram importadas pelo paquete do Havre? Agora são importadas pela net é mais barato e dá milhões ...
Os únicos intelectuais lusitanos que eu conheço e que foram retintamente originais, foram os do grupo da Seara Nova (Sérgio, Aquilino Ribeiro, RaúlBrandão, etc.)
Ah! ... esquecia-me do Nuno Rogeiro. Julgo que não há ninguém, em qualquer parte do globo terráqueo, que tivesse a lata de dizer o que ele diz.
07-Fevereiro-2003
Clara, Eça e o bei de Tunes
Riamos, minha cara Clara, riamos aqui a este canto, abraçadas uma à outra! Como se vê, estes honrados comentadores ignoram as amarguras, as necessidades do jornalismo ... a quererem que não plagiasses! Ingénuos! Se não plagiasses, não podias fazer os artigos: e tinhas forçosamente que os fazeres!
Eu conheço essa situação, Clara: é medonha. Na véspera dizes ao Director da Visão, com a voz a tremer:
Palavra de honra. Amanhã tens lá o artigo, first thing in the morning (a Clara está muito anglo-saxónica...). Juro-te pela salvação do meu ego!
E lá chega a hora de entregar. E as folhas ali estão, lívidas, vazias: é necessário enchê-las com coisas extraídas do nosso interior.
É trágico. A parte da carcassa humana a que primeiro se recorre é ao cérebro, depósito de ideias, adjectivos e teorias; sacode-se o crânio nada sai do crânio.
Maldição! Recorre-se então ao peito, asilo dos afectos e sentimentos generosos. Arranha-se convulsivamente o peito o peito fica mudo como o crânio.
Inferno! E então os crentes rezam à Virgem e os ateus invocam a morte, a doce aniquilação da matéria. Sabes o que fez o Eça numa destas agonias? Agarrou ferozmente na pena e deu uma tunda desesperada no bei de Tunes!
Clara, nós vivemos uma época mais fácil. A ti bastou-te ir à Net . A golpes de google, The New Yorker, altavista translations, e outras ferramentas de tecnologia avançada, lá conseguiste sobreviver à hora fatal da prometida entrega do artigo
06-Fevereiro-2003
Portas está para os intelectualóides urbanos, assim como o Belzebu medievo para o Torquemada.
Não há nada a fazer!
Há óleo derramado: Imprevidente Portas! Não te demites?
Há óleo recolhido: Despesista Portas! Para quando a demissão?
Condecora postumamente: Portas celerado! Lá estás tu a lançar poeira nos olhos … e se te demitisses?
Não condecora: Portas injusto! E não te demitem?
No julgamento da Moderna, alguém cita tê-lo visto a tomar uma bica no bar: Portas relapso! Não tens condições políticas para continuar! Rua!
Ninguém o cita: Portas corruptor! Subornas as testemunhas e não te demites! Fora!
Abre Arquivos: Portas perverso! Essa é para inglês ver! Apresenta a demissão e pira-te!
Fecha os arquivos: Portas censor! Estás a mais! Sai!
Portas explica: Portas pavão! Lá estás tu em bicos dos pés! Demissão, já!
Portas não explica: Portas esquivo! Que fazes no Governo? Não tens vergonha em não te demitires?
Há chuva: E este nefando Portas que não larga o tacho!
Há sol: Ah, Portas malvado! Demite-te!
É bom termos um Portas.
Redime os nossos pecados. É o exutório dos nossos medos e ódios. É o nosso bode expiatório, “le bouc émissaire”. É o pharmakos da Atenas clássica.
É o cordeiro de Deus (ou Portas do Diabo): “Portas Diaboli, qui tollis peccata portucallensis, miserere nobis”
É por não ter um Portas que Bush acabou por ganhar uma fixação em Saddam e enviar toda a parafernália militar para o Golfo Pérsico.
Portas abominável, torpe, depravado, cruel, traiçoeiro, facínora … Belzebu escapou ao Torquemada, mas tu, Grande Satã, não escaparás ao José António Lima!
27-Janeiro-2003
O vício da tese que se os outros são totalitários, nós respondemo-lhes da mesma moeda é um terrível engano.
Foi a América do Mcarthysmo que perdeu o respeito da Europa e facilitou a propaganda dos movimentos de esquerda, intelectuais e artistas, o apelo de Estocolmo, etc., que promoveu o modelo soviético, o esquecimento das purgas estalinistas, dos processos de Praga e que justificou o esmagamento da Hungria no quadro de uma luta contra a conspiração do capitalismo americano. A Black List fez mais pela propaganda do regime soviético e por denegrir a imagem dos USA, do que salvou os USA de uma imaginária conspiração soviética.
Fidel Castro está sustentado em Cuba pelo boicote americano. É esse boicote que obscurece as razões da decrepitude da economia cubana e facilita a manutenção de um totalitarismo visto como tentativa de defesa de Cuba contra o inimigo exterior.
Foi a abertura USA-URSS no fim da era Reagan, que facilitou a rápida evolução soviética e a implosão do seu regime. O que não foi conseguido pela guerra fria e por uma política ameaçadora, aconteceu com o degelo das relações.
É o nosso regime democrático, a nossa sociedade tolerante, que constitui a nossa superioridade e tem permitido o nosso desenvolvimento e a nossa prosperidade.
Mas ao escrever isto, não significa que pactue com a visão da esquerda bem pensante de que se é branco e rico, é culpado, se é de cor e pobre, é inocente, de que há sempre desculpa para o ditadorzeco que rouba os seus concidadãos e reclama indemnizações pelo tráfico de escravos de há mais de 150 anos e de que nós teremos que estar sempre com má consciência perante o terceiro mundo.
Também não pactuo com atitudes como as dos sete países da União Europeia que se abstiveram na votação para a presidência do Comité das Nações Unidas para os Direitos Humanos, para a qual foi eleita a Líbia, para não ofenderem os estados africanos, a quem competia indicar o candidato à presidência do comité dos Direitos Humanos. E muito menos com os 33 países que votaram a favor da Líbia.
E não posso deixar de apoiar os USA que, com o Canadá, votaram contra.
23-Janeiro-2003
Em primeiro lugar queria confessar-vos uma coisa: G W Bush, juntamente com Groucho Marx, são as minhas figuras preferidas no que toca ao non-sense. Ambos esgrimem com mestria essa figura de retórica, mas o primeiro tem aquele toque divino de quem o faz sem se aperceber da genialidade que acabou de produzir. Enquanto há artistas incompreendidos, Bush é um artista que não se compreende a si próprio, senão teria abandonado o petróleo para se dedicar à comédia.
Em segundo lugar considero que quaisquer acções militares contra o Iraque (ou contra quem quer que sejam) deveriam ter a concordância da ONU.
Não é que eu considere o Conselho de Segurança depositário de uma ordem internacional justa. A Rússia, que tem direito de veto, conseguiu protelar a resolução da questão jugoeslava e se não fosse a sua dependência económica, ainda teríamos situações coloniais absurdas nos Balcãs. Em contrapartida, os USA poderão comprar a abstenção ou o apoio da Rússia e China com o fechar de olhos sobre Tchetchénias e Tibetes para apoiar uma intervenção no Iraque, sem que para tal possa haver razões jurídicas consistentes.
Aliás, a Europa assistiu de braços cruzados à tentativa do 5º exército mais forte da Europa em manter pela força a Croácia, a Bósnia e depois o Kossovo, dada a sua fraqueza militar e os seus fantasmas históricos - a França ainda via a Sérvia como a sua antiga aliada da 1ª Guerra Mundial e os croatas como aliados dos nazis na 2ª Guerra Mundial. Ora os croatas fizeram o que os palestinianos têm feito. Desesperados pela opressão, sem ajudas da comunidade internacional, arranjaram ligações perigosas na miragem de sobreviver: os croatas em 1940-5 com os nazis, os palestinianos com os terroristas e, na Guerra do Golfo, com Saddam, etc.
Foram os States que, como na 2ª Guerra Mundial (e em menor grau na 1ª G G), vieram resolver o problema. Como o resolveram na questão da invasão do Koweit e como ajudaram a resolver na questão de Timor. Onde estava a Europa então?
Há uma grande incompreensão na Europa (refiro-me aos intelectuais bem pensantes politicamente correctos que dominam os meios de comunicação) pela realidade americana. Talvez maior que a incompreensão dos americanos pela Europa. Basta comparar os comentários do bored in the US, com outros comentários. Parecem pessoas de planetas diferentes.
A relação da Europa com os USA lembra, mutatis mutandis, a relação dos gregos (os gregos da época da decadência) com o Império Romano. Arrogavam-se da sua história anterior e de uma cultura superior, troçavam do utilitarismo e de uma certa puerilidade dos romanos, mas viviam, embora desdenhosamente, sob a sua protecção. Mas enquanto Roma deixou uma herança liguística, jurídica e administrativa notável, a Grécia, para além da sua herança filosófica (vastíssima, mas toda ela anterior ao período romano), não deixou mais nada.
Nota: Relativamente à questão palestiniana, considero que os USA, pressionados pelo lobby judeu, têm desenvolvido uma político de apoio incondicional a Israel que não é correcta do ponto de vista do Direito Internacional e que fragiliza o Ocidente perante a opinião pública árabe. Os países islâmicos têm que fazer a mesma evolução que a Europa fez nos séculos XVIII e XIX, no caminho da sociedade laica. Ora a política americana fomenta o populismo fundamentalista e fragiliza os movimentos renovadores. Nós estamos a armar ideologicamente os fundamentalistas, da mesma forma como a França, a seguir à 1ª Guerra Mundial, com a sua política chauvinista de exigência absurda de reparações e ocupação da Renânia para as garantir, armou ideologicamente o movimento nazi e promoveu a ascensão de Hitler ao poder.
23-Janeiro-2003
Reflexões com a morte de João Amaral como pano de fundo
A luta entre renovadores e a ala ortodoxa do PC não vai sair do impasse. Os conservadores estão prisioneiros da sua ortodoxia e dos chavões leninistas e da III Internacional e os renovadores, para além de pedirem um congresso, não têm qualquer ideia visível sobre a política portuguesa.
Aliás, o problema da esquerda portuguesa, actualmente, é o de ser um deserto de ideias. A esquerda rege-se por princípios, mas os princípios, se não forem permanentemente validados e reajustados face a uma realidade mutante, tornam-se chavões. A direita é mais pragmática e, numa época de crise, como a que atravessamos, consegue uma aderência maior à realidade.
A esquerda precisa urgentemente de reavaliar a sua estratégia a curto e a longo prazo. A longo prazo, a esquerda que se reclama do marxismo devia reler Marx, principalmente a parte mais teórica (e menos datada) porque se tornou claro que a sociedade sem classes já não está ali ao virar da esquina
O marxismo e a história
Na minha opinião, a teoria marxista é um resumo simplificado e unilateral do desenvolvimento histórico na medida em que só destaca as grandes transformações qualitativas do sistema social mas não tem em devida conta os processos complexos e prolongados que as preparam, nomeadamente o desenvolvimento concreto dos interesses dos diferentes segmentos sociais e da estrutura social mais complexa do que a historiografia marxista tenta fazer crer
Tal representa uma subestimação do desenvolvimento progressivo, contínuo e a longo prazo, e ao mesmo tempo uma sobrevalorização do significado dos «avanços revolucionários» na história. Daí também que o papel histórico das classes e dos interesses que se opuseram ao sistema estabelecido e foram levados a combatê-lo tenha sido unilateralmente privilegiado, enquanto os interesses sociais favoráveis a um desenvolvimento da actividade humana, contínuo, progressivo, tanto económico como não económico, foram pura e simplesmente esquecidos, simplificados ou identificados com os interesses «revolucionários» (Notar, p.ex., a forma como o regime feudal se diferenciou durante a Alta Idade Média, a época do desenvolvimento dos concelhos, p. ex. em Portugal, a evolução da sociedade francesa entre a Fronda e a Revolução Francesa, etc.)
A concepção mecânica da necessidade histórica e a subestimação da liberdade de acção individual exprimem-se na ignorância das motivações da acção subjectiva. Deste ponto de vista são sobretudo as necessidades e os interesses dos homens que ficam fora do campo de reflexão dos «marxistas»; e mesmo a questão relativa ao papel dos interesses humanos na história e na economia, etc., é rechaçada como «psicologismo subjectivista»
A concepção marxista original do desenvolvimento da classe operária no capitalismo avançado não se confirmou. A classe operária não constitui a maioria, não está pauperizada e já não é a portadora exclusiva e decisiva do desenvolvimento social. A intelligentsia técnica e económica tornou-se a força motriz decisiva do desenvolvimento das forças produtivas sociais.
Um caso paradigmático foi a revolução bolchevique e a evolução do Estado Soviético. Foi a primeira vez que na história se edificou uma formação social, inclusive no seu sistema económico, de acordo com uma concepção teórica. A instauração do regime bolchevique correspondeu ao estabelecimento de modelos sociais e económicos pré-estabelecidos, pela força, sem quaisquer contemplações pela vontade das populações, como foi o caso da colectivização forçada.
Ora isto é a ideia como motor da história! O Estado Soviético não se baseava no marxismo, mas sim no hegelianismo! Foi Hegel, sem querer, o inspirador teórico daquele evento e do que se seguiu. Todo o movimento comunista, a partir da III internacional se baseia no hegelianismo-leninismo!
Mas em Hegel, a Ideia Absoluta era uma verdade absoluta que a história persegue sem nunca a atingir. Era o motor da história e do aperfeiçoamento humano. A ideia do Estado Socialista era um estereótipo escolástico, oposto à dialéctica hegeliana. Seria portanto um hegelianismo-leninismo amputado da dialéctica.
O materialismo histórico criou a ideia geral de que a força motriz do desenvolvimento da sociedade é sobretudo a produção, que se reflecte sempre na existência de camadas sociais distintas, de interesses sociais contraditórios e que conduz finalmente, por força da sua própria contradição interna, à transformação revolucionária de todo o sistema social. Porém, só as transformações das relações económicas que trouxeram consigo um desenvolvimento social superior, mais produtivo e eficaz economicamente, puderam impor-se e manter-se. Todas as tentativas revolucionárias, levadas por visões idealistas, que não corresponderam às necessidades económicas e não conseguiram gerar novos sistemas económicos viáveis, ruíram rapidamente como a revolta dos escravos de Spartacus, como o movimento dos Hussitas e diversos movimentos «milenários» e, mais lentamente e com maiores custos, como o Estado Soviético e as democracias populares da Europa de Leste.
Só uma análise científica concreta dos interesses sociais pode realmente descobrir-lhes o conteúdo e função na sociedade.
Teorias que num dado momento eram objectivamente verdadeiras e ao mesmo tempo serviam o interesse de um grupo social que lutava por transformações progressistas da sociedade podem, num estado de evolução posterior, imobilizar-se em teorias insuficientes, unilaterais ou mesmo falsas; da mesma maneira que um grupo social, outrora progressista, se pode tornar transmissor de interesses muito conservadores.
Os próprios conhecimentos produzidos por Karl Marx, por muito importantes que na sua época tenham sido, eram apenas os conhecimentos histórica e humanamente limitados de só indivíduo; por isso, qualquer tentativa de os apresentar como definitivos, encerrados e irrefutáveis, transforma-os em dogmas ideológicos que deixam de ter a ver o que quer que seja com a ciência
A esquerda agora
No que respeita ao curto prazo, há a necessidade de gerir uma sociedade baseada na apropriação privada dos meios de produção que, conforme pretendi demonstrar nos textos anteriores, não tem alternativa a curto e a médio prazo. Essa gestão terá que se basear na eficiência económica e no consenso social. Para haver consenso social é preciso distribuir riqueza. Mas distribuir riqueza, mantendo o sistema a funcionar com prosperidade e de uma forma sustentável. Distribuir o que não há é ilusório e conduz, mais tarde ou mais cedo, ao endividamento, à crise e ao atraso económico.
Quando A Guterres ganhou as eleições de 1995, tinha esta concepção, ou pelo menos eu julguei que ele a tinha e teve o meu apoio. Todavia foi incapaz de promover qualquer política coerente, viu-se arrastado pelos lobbies do aparelho PS, nomeadamente o do Grande Porto, promoveu, ele próprio, ou deixou que promovessem, a criação de mais lobbies e os sucessivos governos tiveram uma gestão cada vez mais laxista e ruinosa, até se chegar à demissão de Guterres.
Todavia, Guterres mostrou, na tomada de decisão de demitir-se, uma clarividência e consciência da situação em que o país estava e da impossibilidade de ele próprio rectificar a situação, que não era acompanhada pelos seus pares, nomeadamente (e citando apenas como exemplo) por G de Oliveira Martins que, apesar de excelente pessoa, nunca percebeu quanto era o deficit e fez uma triste figura ao longo dos últimos 4 meses do governo de Guterres.
Julgo, para terminar, que a esquerda deveria fazer uma profunda reflexão sobre a actual situação. António Barreto e outros têm vindo a terreiro com reflexões e ideias novas.
Todavia, o que vem para a ribalta é aquele grupo parlamentar truculento e maledicente que terá que mudar rapidamente de estilo. Os parlamentares socialistas não se podem comportar como o BE, que nunca terá responsabilidades governativas, nem como os kamikases dos fóruns da net, que vivem a coberto dos nicks. O PS é um partido da área do poder e tem que se comportar como tal.
12-Janeiro-2003
É importante e vital para a moralização dos costumes em Portugal e para haver uma relação de maior confiança entre o cidadão e o Estado, que ninguém fique acima da lei, e que os crimes ou delitos perpetrados por qualquer cidadão que seja, não fiquem impunes.
Nesse entendimento, as acusações que têm sido deduzidas contra gente que, anteriormente, gozava do privilégio de uma certa impunidade, constituem um acto importante de higiene social.
Todavia, os métodos que estão a ser utilizados para ouvir as testemunhas, a forma com as testemunhas passam, durante o depoimento, a serem constituídas arguidas, as medidas de coacção utilizadas, todo o espectáculo dramático que está a ser dado a estes processos, releva mais de uma justiça terceiro-mundista, que de um Estado de Direito.
O Pimenta Machado não deve ser flor que se cheire e eu sempre tive muitas dúvidas sobre o comportamento ético dele. Mas uma caução de 1 milhão de euros!?? Porquê uma quantia tão abissal? Não consigo encontrar uma explicação razoável.
A Fátima Felgueiras, em face das acusações que lhe foram deduzidas, deixou obviamente de ter condições para exercer o mandato. Deveria ser ela, ou o PS, ou os restantes vereadores PS a reconhecerem isso e a tomarem as medidas adequadas. Ou então, os restantes partidos da vereação a pressionarem para tal. Mas o juiz não devia poder suspender-lhe o mandato. Ela não é funcionária pública, é uma titular de um cargo para o qual foi eleita pelo povo.
Será que, para finalmente levar os poderosos à justiça, teremos que ter estes métodos primitivos de aplicar justiça?
Será que a magistratura está a tentar obter protagonismo mediático, emulando a Maria José Morgado?
Diz-se que até se ser declarado culpado, beneficia-se da presunção de inocência, como é timbre de um Estado de Direito. Todavia, todo este aparato não cria a imagem de que aquela gente é irremediavelmente culpada?
E imaginemos que alguns deles são, em julgamento, declarados inocentes. Não perderá o povo português confiança na justiça ao ver toda ou parte desta gente, a que já atribuiu o labéu de culpada, ser declarada inocente?
08-Janeiro-2003
Desconheço-o!! Afinal você é mestre em Etelvinas Cardonas. Você sabe tudo dela ... Doutorou-se em Celeste Cardona e aposto que a sua agregação terá como tema uma aula sobre essa ministra malvada.
Quanto ao Reverendo G. Berkeley, Bispo de Coygne ser solipsista, nada feito! Estive ao jantar no Olimpo, absorvendo ambrósia, mel e arroz de lingueirão, a conferenciar com ele, para o convencer a vir a este fórum para debater o imaterialismo e o empirismo escolástico connosco, e provar que ele não advogava que a consciência do sujeito cognoscente é a única existente, mas nada.
O homem tem aquela teimosia própria de bispo anglicano em terras da Irlanda. Uma espécie de reverendo Paisley. Aquele nem se consegue demover se o IRA o atacar à bomba!
E depois, entrincheirado atrás do «esse est percipi», ele negou a existência do ze da esquina, a existência do Expresso, a existência deste site e chegou a negar a minha própria existência, cada vez que eu lhe virava as costas. Aliás disse-me na cara que não sabia se eu existia, a única coisa que podia saber era a ideia que tinha de mim. Pior, ao ter essa ideia, nada lhe garantia que eu existisse, ou que, se existisse, tivesse algo a ver com essa ideia.
Mais, a ideia que ele tinha do exterior tinha sido produzida por um espírito absolutamente perfeito e seria uma hipótese absurda supor que as ideias tivessem qualquer suporte material. Os objectos exteriores são quimeras, garantiu-me.
Ainda me passou pela mente dar-lhe um par de estalos, mas depois, penetrando mais fundo no pensamento do nosso bispo, concluí que tal não adiantaria nada. Ele ficaria apenas com a ideia dos estalos, por muito dolorosa que fosse, mas sempre incapaz de saber se os estalos existiriam exteriormente à ideia. Quanto muito poderia começar a ter dúvidas sobre a perfeição do tal espírito superior ao produzir-lhe ideias tão dolorosas.
Convenhamos que é difícil dialogar assim. É quase tão mau como que dirimir Celestes Cardonas consigo, aqui no fórum. Frequentemente dava por mim a apalpar-me, indecisa sobre a minha própria existência. Então, quando lhe citei Hume, o homem foi aos arames! Ainda está ressentido com as críticas que este lhe fez. Acho que continuam a evitar-se quando se passeiam pelo Olimpo! Aliás, para ele, Hume não existe. É apenas uma ideia obtusa sem suporte material!
26-12-2002 22:13:00
Não generalizemos e não sejamos maniqueístas.
Há na Administração Pública muita coisa a funcionar e alguma a funcionar bem. O Instituto Hidrográfico não tem mostrado competência e dedicação? Não há muitos professores dedicados e competentes? Nos serviços de saúde não há pessoal com brio e saber?
A questão é que a máquina estatal, como entidade em geral, funciona com grande ineficiência e desprezo pelos seus concidadãos. E isso dá ao cidadão comum um quadro muito desagradável do funcionalismo público.
A agravar isto, verifica-se que a estratégia sindical, tal como é protagonizada, dá a noção de que visa sobretudo defender a mediocridade instalada e a concepção de posto de trabalho como asilo. Por exemplo, estas últimas intervenções do representante sindical dos trabalhadores dos impostos são profundamente abjectas e constituem um paradigma do comportamento sindical no nosso país.
No âmbito universitário as decisões sobre currículos, numerus clausus e outras, são tomadas para satisfazer compadrios e clientelismos em detrimento dos interesses nacionais e pedagógicos.
Esta feudalização de pequenos centros de poder defensores de interesses corporativos agravou-se sobremaneira durante o período guterrista. Hoje, governar o país é muito mais difícil do que há 6 anos. Qualquer pedra em que se mexa surgem clamores indignados de todos os pequenos interesses instalados.
A solução terá que passar pela introdução generalizada, em todos os níveis, de procedimentos de qualidade, de formas de avaliação de desempenho e de premiar ou penalizar o desempenho do pessoal. É isso que se está a generalizar nos privados e que fatalmente se terá que estender à função pública, porque senão o país não sairá da cepa torta.
13-Dezembro-2002
A questão da crise do ensino tem a ver com toda a sociedade portuguesa e com os sucessivos governos.
1 - Do ponto de vista da família há a demissão dos pais das tarefas de educar os filhos, delegando na escola essa tarefa, o que esta não consegue assumir, nem tem vocação para tal. Isto leva à perca de valores da juventude e à forma laxista como encara as suas obrigações escolares.
2 - Houve sucessivos erros curriculares, o primeiro dos quais, o mais monstruoso, foi o fim do ensino técnico. É típico dos países sub-desenvolvidos terem um ensino clássico razoável, mas um ensino profissional inexistente. Em Portugal, com "a melhor das intenções", para combater o elitismo, ainda antes do 25 de Abril, começou a perseguição ao ensino técnico, liquidando este e mediocratizando o clássico. Levará anos a formar professores do ensino tecnológico capazes. Ora um dos problemas graves do mercado de trabalho é a ausência de qualificação intermédia.
3 - A escola não soube responder ao aumento da escolaridade. A culpa é obviamente das sucessivas instâncias governativas.
4 - Os professores foram perdendo o brio profissional, a sua competência média diminuiu e a acção dos sindicatos tem ajudado muito a isto, pois apenas se interessam no aumento de salários e diminuição da carga laboral, não tendo qualquer apetência para questões de deontologia profissional e qualificação pedagógica.
5 - Incapaz de resolver os problemas, os governos apenas têm atacado os sintomas: facilitam as passagens de ano, diminuem o nível de exigências, etc.
Todos nós temos culpa da situação actual da nossa educação.
Bem, dizer estas coisas é fácil. Se o próprio David Justino as diz...
A questão é fazer e implementar as reformas.
Reformar a máquina do Estado exige muita competência, muito discernimento e muita coragem política.
Não se reforma com palavras, reforma-se com acções em todos os níveis da máquina do Estado.
Tem que haver procedimentos de qualidade, aferição de desempenho, reafectação e optimização de recursos e, em acréscimo e como corolário, flexibilização laboral e possibilidade de emagrecimento da função pública.
Todavia, qualquer tentativa de reforma, por mais ligeira e inconsequente que seja sofre a contestação generalizada de quem se sente inseguro. Empola-se tudo o que é controverso e ignora-se tudo o que é benéfico.
Os meios de comunicação empolam a contestação, pois normalmente são os porta-vozes de tudo o que é mais mesquinho na nossa sociedade e fica tudo "em águas de bacalhau".
E o que resta são boas intenções e algumas carpideiras refugiadas nestes fóruns, como nós.
O Império Romano caiu, entre outros factores, porque não foi capaz de manter uma máquina administrativa cada vez mais autofágica, que sugou toda a seiva da sociedade. Nos seus últimos tempos, patrícios inscreviam-se como escravos, para se subtrairem a um fisco impiedoso! Veja-se a que formas de evasão fiscal se chega quando o fisco aperta!
Tornar a administração pública, e o ensino em particular, eficiente e de qualidade, é a tarefa mais importante da nossa sociedade.
Se não o fizermos nunca sairemos da nossa pinderiquice actual.
21-Dezembro-2002
Querido Admirador e Caluniador – Dr Jekyll e Mr. Hyde
Você que é, alternadamente, Dr Jekyll e Mr. Hyde, tem aqui um espaço que eu lhe reservei, para me insultar à vontade e à descrição. E, em cada 20 ordinarices, dedicar-me um poema.
Não calcula o enlevo com que vejo você esmerar-se para que me atribuam a medalha de ouro dos Blogues, pelo número de comentários que tenho.
Se eu não tivesse apagado cerca de 150 comentários, já a teria ganho ontem. Como cometi essa imprudência, que espero você me desculpe, só hoje tive a glória de atingir o primeiro lugar.
Um primeiro lugar imerecido, não tanto pela quantidade, mas pela qualidade dos comentários.
Você até agora tem feito um esforço meritório no que toca à quantidade. Estou-lhe reconhecida.
Tente agora fazer idêntico esforço no que respeita à qualidade.
Tem este espaço à sua disposição. … até ao crash do servidor…
Escrito em 2003-10-17