outubro 30, 2003

Irreflexões nas vésperas do debate orçamental

Os indicadores macroeconómicos do país acusam uma evolução positiva nos últimos dois anos, nomeadamente em 2003.

As diminuições do consumo privado e público conduziram a uma forte retracção da procura interna. Como a propensão marginal à importação é muito elevada, nomeadamente em flutuações marginais da procura interna, essa retracção conduziu a uma importante quebra das importações.

Como a quebra da procura interna foi parcialmente compensada pelo aumento das exportações (procura externa), esta conjugação de factores levou a um maior equilíbrio da Balança de Pagamentos (que passou de cerca de –9% do PIB em 2001 para uma estimativa de –2,5% em 2003) e, portanto, a uma situação mais saudável da economia portuguesa.

O facto de, com a crise internacional, as nossas exportações terem um aumento significativo, é um bom sinal.

Já mais preocupante é a forte quebra na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), embora o Governo afirme que se tratou do investimento menos produtivo e, por isso mesmo, de menor impacte no crescimento económico. Como nessa FBCF se contabilizam, certamente, os montantes despendidos nos estádios para o Euro 2004, não se me afigura que aquela afirmação seja de levar muito a sério.

No biénio 2002/3 o PIB deve manter-se com crescimento nulo (em termos reais). Mas o facto da parcela da procura externa líquida na formação do PIB aumentar significativamente é sintoma de um equilíbrio macroeconómico mais saudável.

O desemprego, ainda longe de atingir os valores médios europeus, tem crescido significativamente. Embora parte do desemprego possa vir a recuperar se houver retoma, existe um desemprego estrutural que não acredito que seja eliminado. Os recentes encerramentos de fábricas nos sectores dos têxteis e do calçado conduziram a um tipo de desemprego que, a menos que haja um programa sério e adequado de requalificação desses desempregados, não tem solução. Os salários em Portugal, embora baixos, são incomportáveis para muitas daquelas indústrias, que mudam de localização em busca de mão de obra mais barata.

Portanto, pode coexistir uma retoma com a manutenção do nível de desemprego, ou mesmo com um ligeiro aumento, embora o governo estime que deva haver uma recuperação do nível de emprego, reconhecendo contudo que em 2004 ainda continuará a haver um ligeiro aumento do desemprego.

A bolsa tem recuperado ligeiramente nestes últimos meses, após cerca de 2 anos em queda. Todavia, e apesar das baixas taxas de juro, que poderiam desviar as poupanças para o mercado accionista, este continua estagnado, embora com a pequena recuperação assinalada. É um sintoma claro que as expectativas dos investidores sobre a retoma económica são ainda pouco optimistas.

O crescimento do PIB em 2004 que o governo estima em 1%, embora existam outras estimativas um pouco mais favoráveis, terá que fazer-se à custa da procura externa, ou seja, de um crescimento das exportações. Seria um erro incentivar a procura interna através do abrandamento da contenção salarial. Seria igualmente um erro promover esse aumento através do investimento público não produtivo, excepto no que se refere às comparticipações do Estado português nos fundos estruturais, relativamente aos quais se deve ter a máxima cautela em não os perder por atraso de apreciação de candidaturas. Neste entendimento, a actual situação no Ministério do Ambiente é um caos, onde as candidaturas andam entre Cila e Caribdes e não são despachadas. Assim não!

Portanto, mesmo que o crescimento no próximo ano seja inferior ao da média europeia, desde que ele se face mercê do aumento da procura externa e apesar da estagnação ou crescimento diminuto da procura interna resultante da contenção salarial e do investimento público não produtivo, será bom para o país porque traz mais saúde à economia e diminui os desequilíbrios externos que, a longo prazo, são insustentáveis.

O PIB crescer sustentado pelo aumento da procura interna, que foi o resultado dos anos de governação socialista, conduz não só ao déficit orçamental, como ao desequilíbrio das contas externas e é insustentável a longo prazo, como se viu pelos resultados obtidos.

Todavia, para além do reequilíbrio dos principais parâmetros macroeconómicos, há a necessidade do desenvolvimento económico do país e de tomar medidas que incentivem esse desenvolvimento. E neste âmbito não me parece muito auspiciosa a prestação do governo.

O governo assemelha-se ao gestor de uma empresa em dificuldades de tesouraria que decide cortar draconianamente os custos: controla o relatório do relógio de ponto, as imputações de horas aos trabalhos, os fornecimentos, a facturação, as cobranças e entra às 7:00 e sai às 21:00 a esquadrinhar os papéis todos. É um trabalho de grande utilidade. Apenas falta a estratégia da organização e dinamização do aparelho produtivo da empresa e a estratégia de marketing para a necessária adequação às realidades do mercado. E essas falhas podem ser mortíferas, por muita contenção de despesa que haja.

Falta ao governo capacidade estratégica para um desenvolvimento sustentado da economia portuguesa. Não falta apenas ao governo. Falta ainda mais à oposição e falta, infelizmente, o que é muito preocupante, ao tecido empresarial português, embora haja exemplos pontuais que contrariem esta afirmação tomada como valor absoluto.

Publicado por Joana em outubro 30, 2003 09:31 PM | TrackBack
Comentários

Sempre a admirei, por todas as suas qualidades e os seus inúmeros atributos.

Não me admirei pela forma como você lutou com denodo contra este tipo abjecto. Ele não a conhecia, porque você é tanto mais determinada quanto mais a querem destruir.

Posso não concordar consigo em muita coisa, mas não queria deixar de lhe dizer isto.

Afixado por: Admirador Condicional em outubro 31, 2003 12:44 AM

heeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee

Afixado por: poker@lho em outubro 31, 2003 01:21 AM

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Afixado por: poker@lho em outubro 31, 2003 01:24 AM

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Afixado por: poker@lho em outubro 31, 2003 01:24 AM

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Afixado por: poker@lho em outubro 31, 2003 01:24 AM

CARA (O)JOANA II (JOÃO II):

Estamos perante uma leitura possivel do Orçamento.
Aliás,qualquer tipo de leitura orçamental não é fácil e presta-se às mais variadas interpretações.
O espelho da politica governamental está expresso no Orçamento.Aprecio escutar a discussão na AR sobre tal documento,porque consigo tirar as ilações sobre o poder da minha "economia doméstica",face às grandes opções do OE.
O meu âmbito "microeconómico" tem sempre algo a ver com o OE.
Falta-me formação académica para analisar com algum detalhe um OE.Por isso,gosto de ler ou ouvir as apreciações dos nossos analistas politicos do dominio económico.
Ouvi com alguma seriedade a expressão do PR,quando da sua entrevista,abordar a questão da consolidação orçamental,depois de dois anos a apertar o cinto,com as restrições em matéria de aumentos salariais.
E ouvi igualmente a questão do "abrir dos cordões à bolsa" por altura das eleições legislativas.
Todos os governos têm tendência para esta manobra e os eleitores,falhos de memória,depressa esquecem os sacrificios feitos e voltam-se para tal miragem,satisfeitos com os resultados dos sacrificios,visto o governo ter conseguido alimentar a ilusão do bem estar conseguido.
Ganhas as eleições,as restrições voltam e os eleitores voltam também à lengalenga da critica aos governos e aos politicos não cumpridores das promessas da esperança.
Contendo-se a inflação pela diminuição da procura interna,significa que o consumidor apertou o cinto.Canalizou algumas economias para as suas contas poupanças?
A analista não nos diz se houve algum aumento significativo neste dominio,embora cite algum movimento bolsista favorável.
Houve uma quebra significativa das importações.Mesmo no dominio alimentar isso verificou-se?
A conjugação dos factores internos e externos levou a um maior equilibrio da Balança de Pagamentos. Quereria dizer Balança Comercial?
Quanto à Balança de Pagamentos teve alguma influência a diminuição de 8% nas remessas dos nossos emigrantes? Como foi o movimento turistico em Portugal para a Balança de Pagamentos?
Cita o aumento significativo das nossas exportações mau grado a crise internacional.Conquistámos novos mercados ou as exportações foram para os mercados tradicionais?
Os USA compraram têxteis a Portugal devido à gripe na Asia? Compraram vinhos ao nosso país,devido ao contencioso com a França?
Beneficiámos em alguma coisa com o apoio de Portugal aos USA na questão do Iraque?
A Inglaterra aumentou o stock de compras a Portugal? Foi a Espanha o nosso principal país para as exportações?
Quais foram as exportações mais beneficiadas? Os países com fortes comunidades portuguesas pesaram neste movimento com o consumo de produtos nacionais portugueses?
Considera que a diminuição do IRC das empresas vai beneficiar o seu Capital Fixo ou ele vai alimentar a bolsa das mais -valias a aproveitar na compra de mais algum Mercedes?
O nosso PIB vai continuar a depender da parcela da procura externa? A economia europeia está com sintomas de recuperação? O PM holandês diz que não.
Os USA dão sinais de recuperação.As locomotivas da UE,a Alemanha e a França, não vão cumprir o Pacto de Estabilidade e conseguiram um prazo alargado para 2005.

A taxa de desemprego eleva-se e destabiliza o tecido social.Não poderemos aproximar-nos da média europeia nessa matéria.O desemprego dito estrutural faz parte do sistema capitalista.Esse não é preocupante.

A "deslocalização" de certas indústrias compreende-se.Vão haver fundos estruturais para mais dez países às portas da UE.As sanguessugas vão colar-se nesses países.
E os nossos desempregados desses sectores? Há alguma hipótese de movimentação populacional para recuperação florestal do país? A quem irão ser entregues as ajudas comunitárias devidas aos incêndios? Os proprietários das terras queimadas promoverão a recuperação? Onde é que eles se encontram? Na emigração muitos deles e nas migrações internas para junto do litoral?

A continuidade da contenção salarial que implicações pode ter nas legislativas de 2006? Mantém-se o aperto para controlo do consumo interno?

O euro 2004 vai proporcionar dividendos assinaláveis para a Balança de Pagamentos?

O euro 2004 fomentará um assinalável consumo interno de produtos exclusivamente nacionais?

Não acha que neste mometo seria necessário uma espécie de "New Deal" para a recuperação acelerada,com investimentos do Estado,que fomentariam o investimento privado,conforme disse o PR?

Entende que o Ministro do Ambiente já deveria ter sido substituido?

Sobre o nosso tecido empresarial,já muito se disse e escreveu.

Angola,Moçambique,Brasil são mercados apeteciveis e rentáveis?

Acredita nas consequências favoráveis da visita de Barroso a Angola, em termos de curto prazo?

Esse "espaço económico",quase decalcado do projecto de Correia de Oliveira,tem viabilidade para Portugal ou dentro de mais algum tempo teremos de voltar a perdoar a divida externa de Angola ou Moçambique?

Valeria a pena apostar no reforço da UNITA e da RENAMO para conter os "corruptos" governamentais?

Eis algumas das dúvidas dum sujeito sem formação académica adequada à interpretação orçamental,nomeadamente a vertente macroeconómica.
A minha "microeconomia" já me preocupa o suficiente.

Afixado por: ZEUS8441 em outubro 31, 2003 10:30 AM

Esta é uma matéria que vai estar em foco nas próximas semanas. E estaria mais se não fosse o eclipse do PS.

Não sei se o governo consegue manter a sua política de contenção, em face das necessidades eleitorais. Eventualmente irá conseguir em 2004, mas não a partir daí. Espera-se que entretanto haja uma retoma.

Não acredito na retoma rápida da França e da Alemanha. Fala-se da herança de Guterres, mas a herança de Jospin é muito pior. Jospin tomou medidas absolutamente demagógicas que são uma bomba ao retardador para a economia francesa.

Quanto à Alemanha, embora potencialemnte em melhor situação, a política de Schröder não me parece que facilite a retoma.

Resta-nos acreditar na retoma americana e no factor de indução dessa retoma na UE.

Acho as dúvidas do Zeus, na generalidade, muito pertinentes.

Afixado por: L M em outubro 31, 2003 12:04 PM

Cito-lhe as conclusões de Ferraz da Costa na análise ao orçamento de 2004:
Não é realista pensar que é possível, muito menos que é desejável, em termos de promoção do desenvolvimento económico, continuar a aumentar a punção fiscal, o que estimularia ainda mais a evasão fiscal e a injustiça que lhe está associada. Só por miopia ou por enviesamento ideológico é possível pensar que, a bem ou a mal, os contribuintes continuarão a alimentar este monstro que se tornou insaciável a partir de 1990.

Com o crescimento de outras receitas – privatização e fundos comunitários – também não é realista contar.

A política orçamental portuguesa deixou de ser, nas regras actuais, sustentável.

Está encostada à parede... ou à beira do abismo.
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Que tal?

Afixado por: SL em outubro 31, 2003 03:49 PM

E já agora:

As despesas correntes e as despesas primárias subiram continuamente até 2000 e o “aperto” que tantos consideram insuportável, exagerado e até desnecessário, se conseguiu que as despesas totais baixem uns “míseros” 0.8% – de 48,5 para 47,7% –, não impediu, no entanto, que as despesas correntes primárias continuem a subir de 38,4 para 39,1%.

Verifica-se mais uma vez o que já se sabia: sem mudanças muito significativas na Administração Pública e nas práticas dos diversos Ministérios a margem de manobra do responsável pelas Finanças é muito reduzida.

O crescimento dos encargos com pessoal é assustador, tanto no seu peso percentual como, principalmente, em termos absolutos, pois que quase triplicam em 20 anos. E se é certo que em 2004 – na previsão orçamental, depois veremos as realidades das contas – o peso do pessoal se reduz de 15,2 para 14,3%, em compensação as transferências correntes que contém as transferências para a Segurança Social e para a Caixa Geral de Aposentações aumentam de 15,6 para 16,4, reflexo imparável duma previdência desajustada das realidades demográficas e da antecipação continuada da idade de reforma.
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Esta análise mostra uma situação tenebrosa.

Afixado por: SL em outubro 31, 2003 03:51 PM

Esras suas considerações foram confirmadas nestes últimos dias pelo final da discussão do orçamento e pelo relatório do BP

Afixado por: Vitapis em novembro 22, 2003 03:52 PM

Essa sua caracterização da ministra está perfeita

Afixado por: Gros em novembro 26, 2003 10:06 PM

Essa sua caracterização da ministra está perfeita

Afixado por: Gros em novembro 26, 2003 10:06 PM

Essa sua caracterização da ministra está perfeita

Afixado por: Gros em novembro 26, 2003 10:06 PM

Esta reflexão mantém-se perfeita passados quase dois meses. É o melhor elogio.

Afixado por: Humberto em dezembro 4, 2003 11:57 PM

eheheheheheheheee

Afixado por: z em junho 16, 2004 01:32 AM

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Afixado por: z em junho 16, 2004 01:32 AM

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Afixado por: z em junho 16, 2004 01:33 AM

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