outubro 23, 2003

Virtudes privadas, vícios públicos

Vejamos o rol dos delitos (não os qualifico, nem os diferencio porque me escasseia a formação jurídica) em que incorreu a direcção do PS ou, como diria Leporello:

Madamina, il catalogo è questo
……………………………………
Osservate, leggete com me

Violou o segredo de justiça pois conhecia diversas peças processuais, como resulta das conversas reveladas pelas escutas telefónicas.;

Ao que parece essa violação era sistemática e datava de 2 meses antes da detenção de P Pedroso;

Manteve a candidatura do irmão de Paulo Pedroso para o Conselho Superior de Magistratura, depois de saber dos indícios que pesavam Paulo Pedroso. É irrelevante o facto de João Pedroso ter sido contactado antes ou depois do PS ter conhecimento do caso. O que é relevante é que, quando ele foi empossado, o PS já sabia há algum tempo do caso;

O PS adoptou, nas semanas, dias e horas que antecederam a detenção de Paulo Pedroso uma política de tráfico de influências, de cunha, incompatível com as posições ocupadas pelos dirigentes que a levaram a cabo. Tal atitude pode igualmente ser interpretada como tentativa de obstrução à justiça ou obtenção de favores para indiciados, que julgo ser punível por lei;

Os dirigentes do PS mostraram um completo desprezo pelos fundamentos do Estado de Direito. Alguns desvalorizam as declarações, dizendo que as expressões utilizadas resultam de serem conversas entre amigos. Eu nunca utilizei aquele tipo de expressões em conversas, na intimidade ou não e não costumo ouvir de amigos, colegas ou pessoas com quem me relaciono profissionalmente, expressões daquele tipo. Porém o que está em causa não é a forma, mas o conteúdo das expressões. Pode ser secundário saber que os dirigentes do PS são uns ordinários. Não é secundário saber que acumulam a ordinarice com o desprezo pelo Estado de Direito e pelo princípio da separação de poderes.

Isto para não referir as ofensas à magistratura, porquanto as circunstâncias em que foram proferidas não parecem poderem ser entendidas como públicas.

Como podem agora os dirigentes do PS considerarem-se vítimas da violação do segredo da justiça e ameaçarem com tribunais, se foram eles próprios a admitirem que o haviam violado e utilizaram essa violação para favorecerem Paulo Pedroso?

Como podem, por exemplo, serem compaginadas os comportamentos acima relatados com o pedido sistemático de demissão do ministro Portas, que não era arguido, mesmo que houvesse razões para admitir que teria havido situações menos claras? Ou com os pedidos pontuais de demissão de diversos ministros?

Como podem dirigentes políticos com responsabilidades mostrarem, de forma tão evidente, que os valores que usam para julgar os outros, não se aplicam quando se julgam a si próprios?

Publicado por Joana em outubro 23, 2003 12:00 AM | TrackBack