Em primeiro lugar queria confessar-vos uma coisa: G W Bush, juntamente com Groucho Marx, são as minhas figuras preferidas no que toca ao non-sense. Ambos esgrimem com mestria essa figura de retórica, mas o primeiro tem aquele toque divino de quem o faz sem se aperceber da genialidade que acabou de produzir. Enquanto há artistas incompreendidos, Bush é um artista que não se compreende a si próprio, senão teria abandonado o petróleo para se dedicar à comédia.
Em segundo lugar considero que quaisquer acções militares contra o Iraque (ou contra quem quer que sejam) deveriam ter a concordância da ONU.
Não é que eu considere o Conselho de Segurança depositário de uma ordem internacional justa. A Rússia, que tem direito de veto, conseguiu protelar a resolução da questão jugoeslava e se não fosse a sua dependência económica, ainda teríamos situações coloniais absurdas nos Balcãs. Em contrapartida, os USA poderão comprar a abstenção ou o apoio da Rússia e China com o fechar de olhos sobre Tchetchénias e Tibetes para apoiar uma intervenção no Iraque, sem que para tal possa haver razões jurídicas consistentes.
Aliás, a Europa assistiu de braços cruzados à tentativa do 5º exército mais forte da Europa em manter pela força a Croácia, a Bósnia e depois o Kossovo, dada a sua fraqueza militar e os seus fantasmas históricos - a França ainda via a Sérvia como a sua antiga aliada da 1ª Guerra Mundial e os croatas como aliados dos nazis na 2ª Guerra Mundial. Ora os croatas fizeram o que os palestinianos têm feito. Desesperados pela opressão, sem ajudas da comunidade internacional, arranjaram ligações perigosas na miragem de sobreviver: os croatas em 1940-5 com os nazis, os palestinianos com os terroristas e, na Guerra do Golfo, com Saddam, etc.
Foram os States que, como na 2ª Guerra Mundial (e em menor grau na 1ª G G), vieram resolver o problema. Como o resolveram na questão da invasão do Koweit e como ajudaram a resolver na questão de Timor. Onde estava a Europa então?
Há uma grande incompreensão na Europa (refiro-me aos intelectuais bem pensantes politicamente correctos que dominam os meios de comunicação) pela realidade americana. Talvez maior que a incompreensão dos americanos pela Europa. Basta comparar os comentários do bored in the US, com outros comentários. Parecem pessoas de planetas diferentes.
A relação da Europa com os USA lembra, mutatis mutandis, a relação dos gregos (os gregos da época da decadência) com o Império Romano. Arrogavam-se da sua história anterior e de uma cultura superior, troçavam do utilitarismo e de uma certa puerilidade dos romanos, mas viviam, embora desdenhosamente, sob a sua protecção. Mas enquanto Roma deixou uma herança liguística, jurídica e administrativa notável, a Grécia, para além da sua herança filosófica (vastíssima, mas toda ela anterior ao período romano), não deixou mais nada.
Nota: Relativamente à questão palestiniana, considero que os USA, pressionados pelo lobby judeu, têm desenvolvido uma político de apoio incondicional a Israel que não é correcta do ponto de vista do Direito Internacional e que fragiliza o Ocidente perante a opinião pública árabe. Os países islâmicos têm que fazer a mesma evolução que a Europa fez nos séculos XVIII e XIX, no caminho da sociedade laica. Ora a política americana fomenta o populismo fundamentalista e fragiliza os movimentos renovadores. Nós estamos a armar ideologicamente os fundamentalistas, da mesma forma como a França, a seguir à 1ª Guerra Mundial, com a sua política chauvinista de exigência absurda de reparações e ocupação da Renânia para as garantir, armou ideologicamente o movimento nazi e promoveu a ascensão de Hitler ao poder.
23-Janeiro-2003
Publicado por Joana em outubro 1, 2003 04:52 PM | TrackBackQueria felicitá-la pela lucidez da sua análise, que continua actual
Afixado por: GPinto em novembro 5, 2003 12:02 AMExcelente texto que, quase um ano depois não falhou em nada
Afixado por: VSousa em novembro 19, 2003 03:12 PMPeço perdão, mas isto não entrava e devo ter carregado demasiado na tecla
Afixado por: VSousa em novembro 19, 2003 03:13 PM