« setembro 2004 | Entrada | novembro 2004 »

outubro 29, 2004

O Pivot Portela

Há um equívoco monumental que percorre toda a comunicação social (e associal), toda a classe política (e impolítica), ... enfim ... todas as forças “vivas” do país. E esse equívoco é a de que houve uma audição a Marcelo Rebelo de Sousa em sede da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Ora só quem não visionou aquelas duas sublimes horas é que poderá laborar nesse lamentável lapso.

O que aconteceu, na realidade e segundo as imagens demonstram, foi um espaço de comentário televisivo onde o analista Marcelo Rebelo de Sousa e o pivot Portela filho, assessorado por pressurosos e solícitos sub-pivôs, encenaram um programa que ficará certamente na memória. Infelizmente, o horário de expediente da Alta Autoridade para a Comunicação Social impediu que esse inolvidável momento televisivo fosse para o ar em horário nobre. Assim, o público só teve ocasião de apreciar excertos dos comentários de Marcelo Rebelo de Sousa. A brilhante actuação e o extraordinário brio profissional evidenciados pelo pivot Portela filho perderam-se deploravelmente pelo lastimável desencontro de horários.

E foi tanto o que o público ansioso perdeu! Sempre que Marcelo Rebelo de Sousa suspendia a sua exposição, certamente para tomar um merecido fôlego, Portela filho acorria diligente, «há reflexões sobre a comunicação social que gostaria que V.Exa partilhasse connosco» ... e Marcelo Rebelo de Sousa a partilhar ... «ocorreu-me agora o assunto X, certamente que V.Exa terá uma douta opinião sobre esta matéria» ... e Marcelo Rebelo de Sousa opinava doutamente. À direita de Marcelo Rebelo de Sousa, o Zé Garibaldi, nos intervalos em que deixava de cofiar o bigode, segredava ao Professor ... obviamente mais uma deixa para alimentar o espectáculo. Se não fosse o adiantado da hora e a senectude dos presentes, certamente chegar-se-ia ao momento em que Portela filho diria «encontrei imensa dificuldade no trânsito para chegar aqui. Seria exigir muito a V.Exa que partilhasse connosco as suas obviamente portentosas reflexões sobre o caos do trânsito citadino e os efeitos nele das obras do “Marquês”?» ... e Marcelo Rebelo de Sousa partilharia certamente ...

Foi perfeito!

Prevê-se a próxima extinção da Alta Autoridade para a Comunicação Social (apesar de Guilherme Silva ter conferido um inesperado valor àquele órgão); prevê-se uma próxima retoma da coluna de Marcelo Rebelo de Sousa. Depois do programa de anteontem, nenhum editor de TV tem qualquer outra alternativa: a próxima coluna televisiva de Marcelo Rebelo de Sousa terá obrigatoriamente como pivot Portela filho e alguns sub-pivôs indispensáveis, no mínimo, o bigode do Zé Garibaldi a ser cofiado por alguém, eventualmente pelo próprio.

Antes de ontem à noite ter visionado, na íntegra, este inesquecível momento televisivo, eu fazia uma ideia completamente diferente, e afinal abstrusa, do que era a AACS e quais os objectivos desta entidade quando efectuava aquilo que eu julgava, ingenuamente, serem audições.

Afinal a Alta Autoridade para a Comunicação Social não passa de um pivot colectivo para uma elite política fazer o seu show televisivo. Miguel Sousa Tavares, que quase chegou ao confronto físico com a Manuela Moura Guedes, deve estar roído de inveja. O sex-symbol da Lapa vai com certeza exigir a José Eduardo Moniz, agora que este está de tal forma fragilizado que o seu pivot de ontem se viu na emergência de lhe aplicar uma terapia enérgica e desesperada para lhe restaurar o ego, fazendo-lhe um panegírico sempre que se esperava que lhe fizesse uma pergunta, que o Moniz contrate Portela filho, em vez da megera, como pivot das terças-feiras.

Senão vai pedir para ser ouvido pela Alta Autoridade para a Comunicação Social, com carácter de urgência!

Publicado por Joana às 03:04 PM | Comentários (42) | TrackBack

outubro 28, 2004

A Vingança do Perdedor Eterno

Marcelo (por parte do pai) Rebelo de Sousa (por parte do padrinho) [ou vice-versa] andou meses a protagonizar Panurgo. Semana aqui, semana ali, lá ia mais um carneiro pela borda fora, sempre à espera que o rebanho o seguisse. Mas nada. Era exasperante. Nem alguns carneiros tresmalhados se interessavam pelas profundezas do oceano. Mas Panurgo-Marcelo é alguém cheio de expedientes. Expedientes que, para sua desdita, nunca evitaram que ele fosse um perdedor nato, mas apenas serviram para lançar lama sobre os outros. Dirigiu-se ao porão, pegou numa picareta deixada pela imprevidência de alguém, e zás! Golpeou o casco com uma violência potenciada pelos ódios acumulados e recalcados e com o engenho que sempre o celebrizou e que ele tem utilizado, com toda a dedicação, numa nobre e devotada causa – a sua.

Se o rebanho não ia ao fundo, então afundaria barco, tripulação, passageiros, todos! Todos ... menos ele. Fluctuat nec mergitur. Marcelo sempre se especializou em flutuar nos mares mais temerosos. Havia-se mesmo treinado, durante décadas, a flutuar em mares de vagas alterosas, fustigadas por ventos que ele próprio soprara. E sempre haveria barcos no horizonte que, embora em tempos queixosos dos expedientes de Panurgo-Marcelo, nesta hora não deixariam de o recolher, nem que fosse como recompensa de ter feito soçobrar o próprio barco.

Os perdedores natos, com manha suficiente para causarem danos e obterem fugazes instantes de glória, mas sem estatura política para obterem as vitórias que engrandecem, são perigosos. Quando não há estatura e sobeja a manha extremada pela ciumeira, as consequências podem ser catastróficas.

Mas deixemos a história trágico-marítima (ou cómico-terrícola). A primeira questão que coloco é se alguém acredita que Marcelo Rebelo de Sousa é pressionável ou influenciável. O próprio MRS afirmou que continuaria com o Jornal Nacional à sua disposição, e o Jornal Nacional, não se esqueça, é produzido em directo. Apenas, segundo as suas próprias afirmações, lhe teria sido pedido que fosse repensando o formato dos seus comentários.

É incompreensível que Marcelo Rebelo de Sousa abandonasse a TVI imediatamente, mantendo-se silencioso porque havia um “pacto de silêncio”, para, após semanas de especulações, fazer uma exposição repleta dos pormenores mais minuciosos e incriminativos, alegando que essa violação do “pacto” se devia a que Paes do Amaral já teria violado o pacto e atingido a sua honra, o que era falso, conforme descrevi no post anterior.

Simultaneamente houve o folhetim relativo à direcção do DN. Fernando Lima, que havia sido nomeado para o cargo, sob um coro de protestos da oposição, por ser um comissário do governo, demite-se, igualmente sob um coro de protestos da oposição(!!); fala-se na nomeação de Clara Ferreira Alves que, ao se aperceber que já circulava na comunicação social que iria ser a nova comissária política, recusa convite alegando “falta de condições”, enquanto o CR do DN considerava que «Clara Ferreira Alves não seria uma boa solução, tanto mais que desertara assim que surgiram as primeiras notícias a seu respeito». Agora foi nomeado um director interino, à espera de se sair deste imbróglio.

Não me parece por acaso estas duas ocorrência simultâneas. Vejamos o percurso de Marcelo Rebelo de Sousa nos últimos dois anos.

Marcelo Rebelo de Sousa fazia parte da facção do PSD que era contra a coligação. Todavia acabou por aceitá-la como um mal menor. Mas ao longo dos seus comentários dominicais manteve sempre uma postura muito crítica relativamente ao parceiro da coligação e ao seu líder.

A subida ao poder de Santana Lopes foi o detonador. Marcelo Rebelo de Sousa e outros membros do PSD, que haviam aceite a coligação a contra-gosto, uniram-se na crítica sistemática ao novo executivo. A coluna dominical de Marcelo Rebelo de Sousa passou a ser a principal referência crítica ao governo de Santana Lopes. Havia, é certo, críticas formalmente mais ferozes (a bocarra da Manuela Moura Guedes, por exemplo, e o terrorismo verbal de MST, também na TVI), todavia as de Marcelo Rebelo de Sousa eram mais eficazes, por serem mais bem estruturadas e por se basearem, normalmente, em factos em que a actuação do governo era discutível, ou mesmo claramente errada.

Todavia, o excesso de crítica demolidora acaba por banalizar a crítica. Essa banalização da crítica acompanhou um processo que já se arrastava há muitos meses: o espaço de comentários de MRS alongava-se excessivamente, penosamente mesmo, o que em televisão é mortífero, por muito bom comunicador que ele fosse. A homilia dominical estava a perder impacte. Por exemplo, o último comentário dominical acabou apressadamente para dar lugar à “Quinta das Celebridades”, apodada então por Marcelo, sarcasticamente, como “Quinta das Tias”. Julgo que foi a última frase que ele proferiu no seu último comentário

Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou assim as declarações ineptas de RGS, a conversa que teve com Paes do Amaral e as observações que ele lhe terá então feito, para transformar tudo numa cocktail mortífero que iria arremessar sobre o executivo de PSL e relançar o seu mediatismo. Passou displicentemente por cima do facto de se tratar de uma conversa entre amigos de há mais de 20 anos, cunhados, conversas onde não costuma haver formalismos e onde se discorre com o à vontade próprio de quem deposita confiança entre si. A questão é que Marcelo Rebelo de Sousa só tem respeito por uma pessoa: ele próprio; só tem uma ética: o seu interesse pessoal; só cumpre as promessas que faz a uma pessoa: a ele mesmo.

Portanto o que estamos a assistir é a golpes e contra-golpes palacianos dentro do PSD: os santanistas contra os anti-santanistas e vice-versa. É a luta entre a velha guarda do partido e os jovens ambiciosos que se perfilam atrás de PSL. O folhetim Marcelo, o folhetim DN, as controvérsias sobre o próximo congresso, etc., não passam de episódios "sangrentos" dessa luta.

É óbvio que não há censura. A forma como este assunto tem sido debatido, é prova disso. Quanto aos perigos com que nos acenam, eles resultam da presunção cândida de que o indústria da comunicação social é diferente das outras indústrias. Alguns ingénuos julgam que este negócio está imune ao funcionamento da economia e do mercado. Esses ingénuos julgam que os jornalistas em auto-gestão (que muitos confundem com isenção, cidadania e liberdade de expressão) deveriam prevalecer sobre os indicadores de rendibilidade. E depois, quem lhes paga os salários? Quando levarem o seu órgão comunicativo à falência, onde vão exercer a sua alegada liberdade de expressão?

Por isso nunca existiu, quer em Portugal, quer provavelmente com mais incidência, no restante mundo ocidental, jornais e canais de televisão que permaneçam independentes do poder financeiro dos grandes grupos económicos. E certamente todos já cederam às influências editoriais dos patrões. Portanto, a comunicação social vive num precário equilíbrio entre a “isenção e liberdade de expressão” e as influências que contra elas se movem: interesses económicos, interesses partidários ou os interesses dos próprios jornalistas que dificilmente podem ser caracterizados como exemplos de “isenção, cidadania e liberdade de expressão”.

E é esse equilíbrio que assegura a isenção e liberdade de expressão. Certamente estas seriam letra morta se os jornalistas fossem deixados à solta, se os interesses económicos não encontrassem obstáculos e se os interesses partidários não se neutralizassem mutuamente. É do equilíbrio entre os interesses destes três candidatos à censura que resulta a liberdade de expressão.

O resto são fait-divers ... são jogos de poder. Marcelo é apenas um dos protagonistas destes jogos. Apenas o mais manhoso. Um protagonista que pôs a oposição a correr atrás do osso que lhe mostrou e que vai agitando porque isso lhe serve os seus actuais interesses.

Publicado por Joana às 11:39 PM | Comentários (19) | TrackBack

outubro 27, 2004

Amigos, amigos ... Negócios à parte

Ou, com amigos destes ... o melhor é ter só inimigos

Marcelo Rebelo de Sousa e Paes do Amaral são amigos (ou melhor ... eram); são familiares (ou melhor ... vamos a ver) e tiveram uma conversa de amigos, no bar de um hotel, num dia feriado. Coisas inocentes que amigos normalmente fazem ... ou melhor, coisas que amigos inocentes normalmente fazem, porque estes nem são, afinal, amigos ... e muito menos inocentes.

Estes amigos têm uma característica comum. São pessoas conhecidas e permanentemente sujeitas ao escrutínio público. Por isso não será de admirar que um deles (Paes do Amaral) tenha pedido ao outro (Rebelo de Sousa) que considerasse aquela conversa de “amigos” como "privada", que a tratasse "com reserva" e que não divulgasse o seu teor, o que MRS prometeu fazer.

Esta conversa foi o início de uma série de ocorrências que têm feito as delícias da comunicação social: Marcelo Rebelo de Sousa abandonou a sua homilia dominical na TVI; Gomes da Silva que, entre o agendamento da reunião “amigável” e a sua realização, cometeu a imprudência de dizer o que pensava das homilias de MRS, (obviamente um crime político, pois um político nunca deve dizer o que pensa), o que lhe valeu o ter-se tornado o mau da fita e servir de punching-ball; o PR recebe MRS em audiência solene; a AACS ressuscita plena de afã e de adrenalina; audições na AACS e na AR sucedem-se ... e entre cada ocorrência, o inefável ministro Gomes da Silva em permanente incontinência verbal.

A questão central desta soap opera seria a eventual existência de pressões governamentais que teriam obrigado Miguel Paes do Amaral a pressionar por sua vez Marcelo Rebelo de Sousa no sentido deste mitigar, nos comentários na TVI, a sua «opinião sistematicamente antigovernamental».

Na sua audição na AR, Paes do Amaral disse que apenas se tratou de «uma conversa de amigos» para Marcelo o aconselhar como «jurista» sobre «temas estratégicos para a Media capital». Afirmou que a conversa constituía informação privilegiada, e que portanto não poderia divulgar o seu conteúdo. Sobre as críticas do ministro a Marcelo, o presidente da TVI disse que não as considerou «suficientemente importantes para as encarar como uma forma de pressão». À questão sobre se teria pedido um crédito à Caixa Geral de Depósitos de que necessitava até 31 de Outubro para fazer face a uma situação decorrente de uma tomada de posição hostil da RTL, Paes do Amaral negou a existência do pedido de crédito e rejeitou qualquer cedência ao poder político por razões económicas ou financeiras. Em suma, Paes do Amaral negou peremptoriamente ter sofrido quaisquer pressões, directas ou indirectas, por parte do Governo e assegurou que a Media Capital «nunca beneficiou de nenhum favorecimento político».

Marcelo Rebelo de Sousa quis que a sua audição perante a AACS tivesse toda audiência possível, o que não é de estranhar, sabendo-se o seu empenho comunicativo. Depois, como providência cautelar para justificar o ir violar a privacidade que lhe tinha sido pedida sobre a conversa em questão, alegou, com a candura que todos lhe reconhecemos, que nunca esperou que Miguel Paes do Amaral tivesse revelado a conversa entre ambos e que precipitou a sua saída da TVI. A partir dessa razão sólida, MRS falou durante duas horas sobre Paes do Amaral, a TVI, o Governo, o ministro Gomes da Silva, o 1º Ministro, a comunicação social, etc., etc..

Mas Paes do Amaral nada havia dito sobre o conteúdo da conversa, referindo apenas que não tinha a ver com os seus comentários dominicais, mas com um pedido de conselhos sobre temas estratégicos para a Media Capital, de curto e médio prazo, que não podia revelar por se tratar de “informação privilegiada", como uma "conversa de amigos". Ora isto não é “revelar uma conversa”. Mesmo a frase de que se perceberiam melhor as razões da conversa daqui a 6 ou 9 meses, Paes do Amaral sublinhou, na AR, que se estava a referir a opções estratégicas do Grupo Media Capital.

Portanto Marcelo Rebelo de Sousa deu, como razão da sua loquacidade desta tarde, uma mentira, ou melhor, como diria Paes do Amaral esta noite, uma “imprecisão”.

Marcelo Rebelo de Sousa falou muito. Desenvolveu abundantemente alegados conceitos televisivos que Paes de Amaral lhe teria revelado, antes de lhe pedir que modificasse o formato da sua coluna. Isto não é uma conversa entre amigos de há mais de vinte anos e familiares. Durante esse longo período, MRS e MPA deveriam ter ficado a saber, pormenorizadamente, o que cada um pensa da actividade dos meios áudio-visuais em Portugal e das suas relações com o poder e com os grupos económicos. Parece-me plausível que Paes do Amaral tivesse pedido a MRS para modificar o formato da coluna, mas não faz sentido ele ter feito todo aquele preâmbulo descrito por MRS. Nomeadamente sobre o papel do Estado na manutenção da concessão do serviço televisivo e dos perigos daí advenientes, o que seria completamente insensato. Parece-me ainda menos sustentável que a teoria da cabala de Gomes da Silva.

Marcelo Rebelo de Sousa deu a entender que de facto houve uma conversa sobre «temas estratégicos para a Media capital», como Paes de Amaral dissera anteriormente, mas pormenorizou que esses temas tinham a ver com modificações da política editorial e de programação que iriam abranger toda a TVI e que o próprio formato dos seus comentários deveria sofrer algumas modificações. Aliás, Paes de Amaral também referira que o consultara igualmente na qualidade de «jurista».

Portanto, o que temos aqui é uma situação em que um PDG de uma empresa tem uma conversa “de amigos” com um consultor externo, onde lhe comunica as suas intenções de modificar a orgânica empresarial, modificações que também incluíam algumas alterações na forma e conteúdo da sua prestação. Como são amigos de longa data consultou-o sobre a generalidade dos negócios sem passar pelos canais hierárquicos. Aliás, a acreditar nas declarações do “consultor externo”, essas modificações poderiam mesmo abranger alguns desses “canais hierárquicos”.

E depois o “consultor externo” vem para a praça pública dar as dicas que entende sobre o “plano de reestruturação”. Numa empresa privada “normal” isto seria matéria para litígio: o “consultor externo” revelou matéria confidencial. Mas a comunicação social tem razões que só o coração conhece. Numa empresa de comunicação social só é possível falar-se publicamente em modificações quando essa empresa já está em estado de falência técnica. Até lá impera o sacrossanto direito dos jornalistas estarem em auto-gestão. É óbvio que há modificações, mas são feitas aos poucos, com todo o recato, sem alarido prévio e, principalmente, evitando consultar um “consultor externo”, amigo de longa data e, ainda por cima, familiar.

Todavia, este caso ainda vai dar muito que falar. Marcelo Rebelo de Sousa é um velhaco que usa a sua abundante loquacidade e o sofisma argumentativo de forma magistral. Mas Miguel Paes do Amaral, pelo que mostrou na audição na AR e hoje à noite, nas declarações que fez, não lhe fica atrás em algumas daquelas características, substituindo todavia a loquacidade e os sofismas argumentativos por um discurso milimetricamente preciso. Diz exactamente o que pretende, com uma linearidade e simplicidade extremamente convincentes, e nem uma palavra a mais (talvez ... algumas palavras a menos). Quanto ao resto parecem-me bem um para o outro. E as diferenças resultam apenas dos planos de intervenção: MRS é um político e fala demais, MPA é um empresário e só fala o indispensável.

Quanto ao ministro Gomes da Silva está a protagonizar o papel de “inocente útil”. Inocente, não no sentido de simples, singelo, ingénuo, mas na extensão de significado que se lhe atribui com frequência. Útil, porque cada vez que fala, os adversários do governo ficam abundantemente municiados para as refregas que se seguem.

Portugal está, de facto, ingovernável: se os mais encarniçados inimigos do Governo se encontram nas fileiras do principal partido governamental, como é possível pensar em consensos inter-partidários? Se nem intra-partidários os há!

Publicado por Joana às 11:55 PM | Comentários (28) | TrackBack

outubro 26, 2004

Sensibilidades e Paranóias

Das proveniência mais insólitas surgem inesperadamente as afirmações mais sensatas. Refiro-me às declarações de José António Saraiva, Director do Expresso, hoje, à saída da audição na AACS e no texto que publicou no Expresso Online.

A actuação do actual governo, ou de alguns dos seus membros, no que se refere às relações com a comunicação social, tem-se pautado por uma hipersensibilidade que não é compaginável com o calo que um dirigente político deve possuir no exercício das suas funções. É certo que, como José António Saraiva sublinha, a «paranóia por que enveredaram alguns meios de comunicação» e «esta barragem de ataques, processos de intenção e tentativas de destruição do Governo [que] está a lançar o país no caos» têm um forte potencial de enervamento.

Todavia o Governo tem legitimidade constitucional (independentemente daqueles que, à míngua de outra argumentação, o classificam de ilegítimo, semi-ilegítmo, ou ilegítimo e semi) e tem um horizonte estável de governação de cerca de 2 anos. Pois se o próprio Presidente da República já veio assegurar que não faz sentido convocar eleições antecipadas, «a não ser que haja alguém que esteja interessado em provocar incidentes». A tarefa do Governo é governar. Os ministros devem concentrar-se nessa tarefa e executá-la o melhor que souberem, dentro das estratégias programáticas que defendem. A boa ou má prestação do Governo só depende dele, das medidas que tomar para resolver os problemas dos portugueses e não de fait-divers.

Neste entendimento, o Governo deve deixar a gestão da sua imagem para os seus assessores de imagem e da comunicação social. Aliás, é o que acontece nas democracias “avançadas”: Os recados, as pressões e as solicitações são sempre feitos pelos assessores, por especialistas contratados para o efeito. São estes que criam os “factos políticos” que servem de contraponto às manobras dos adversários, ou da própria comunicação social, quando esta é hostil.

É um equívoco pensar que o eleitorado julga apenas, ou principalmente, pelo que a comunicação social diz. Cavaco teve maiorias absolutas contra a hostilidade da comunicação social. Reagan tinha contra ele parte significativa da comunicação social e ganhou dois mandatos. G. W. Bush está perante uma mobilização maciça da comunicação e dos meios artísticos mais sonantes e tem fortes hipóteses de ser reeleito. Até Sharon Stone veio proclamar a sua adesão a Kerry (não sei, neste caso, se o uso imoderado do picador de gelo no sexo não terá efeitos contraproducentes em algumas mentes menos inovadoras na arte de amar...) ... und so ... und so ... und so.

O ministro Gomes da Silva foi de uma inabilidade extrema. Era óbvio que as suas queixas se inseriam numa luta interna do PSD. Se ele quisesse mandar recados à TVI começaria pela Manuela Moura Guedes que zomba, com acinte e permanentemente, de tudo o que o Governo decide, diz, pensa ou ela prevê que ele venha a dizer ou a pensar. Só a boca dela é um insulto ao público. O próprio sex-symbol da Lapa, MST, estaria bem à frente do Marcelo na fila dos credores de queixas do ministro. Todavia, o gambito Marcelo, que sacrificou a sua homilia dominical pelo papel de vítima do sistema, tornou as queixas do inábil ministro num assunto nacional que dominou, e ainda domina, as atenções da comunicação.

E conseguiu arranjar um modo de vida para a AACS. Essa venerável e precocemente decrépita instituição encontrava-se no desemprego oculto. Os Alto-autoritários entreolhavam-se entediados, enquanto esperavam o despedimento colectivo. Agora arranjaram matéria prima para laborarem até às calendas gregas. Nestas audições, cada vez que um nome ou uma instituição são citados, agendam-se logo reuniões para ouvir cada um dos mencionados. Gomes da Silva cometeu o lapso de falar no Público e no Expresso. Foram, acto contínuo, agendadas reuniões com os respectivos directores. JMF balbuciou a PT: foi imediatamente agendada uma reunião com o Presidente da PT. Se este se descair e referir que foi a mulher a dias que lhe entregou a comunicação da AACS, lá será agendada uma reunião com a mulher a dias do Presidente da PT ... e assim sucessivamente. É uma teia de Penélope que nem necessita de desfiar de noite.

Se o ministro Gomes da Silva estivesse calado e se as suas queixas tivessem seguido outros trâmites, certamente os resultados seriam muito mais positivos para os seus objectivos. Ao menos poderia ter-se instruído previamente, lendo o livro do Arons de Carvalho ...

Os meios de comunicação, nomeadamente os de referência, estão enfeudados ao «politicamente correcto» dos valores que lhes colonizaram as mentes. Mas têm algumas características “aproveitáveis”: sabem muito menos do julgam saber, são muito mais incultos do que julgam ser e regem-se mais pelo efeito que pretendem produzir (nomeadamente as TV’s) do que pelo rigor da informação. Isto é um húmus magnífico para nutrir e criar tudo o que a imaginação apenas alcança. Especialistas de marketing político encontram aqui abundante matéria prima para produzirem factos políticos, económicos e sociais que não servirão não só de antídoto, como de catalizador de adesões. O jornalista português, na sua desdenhosa sobranceria, é, por isso mesmo, manipulável, com toda a facilidade, por qualquer bom especialista de imagem. A sobranceria e o desdém é a mãe e o pai de todos os logros.

Mas para tal é preciso o Governo governar bem, com firmeza e coerência e deixar aos especialistas da matéria a estratégia da comunicação. Senão, as decisões acertadas que o Governo possa tomar - e já se viu que, nalgumas áreas, este Executivo não pretende ficar pela mera gestão corrente de dossiers impopulares e que se arrastavam há décadas - ficam sempre prejudicadas num ambiente perturbado por incidentes gerados artificialmente, que o desgastam sem necessidade, por razões que não têm directamente a ver com a governação.

Aliás, os ensinamentos dos adversários são por vezes úteis. Marcelo Rebelo de Sousa passou dois anos a criticar Durão Barroso pela ausência de uma estratégia de comunicação que lhe permitisse tirar partido das medidas que o Governo tomava, ao mesmo tempo que chamava a atenção para a existência de dirigentes do PSD com máquina montada para lhes cuidar da imagem - referindo então o exemplo de Santana Lopes ou de Luís Filipe Meneses. Onde se prova que MRS era um grande teórico das análises, mas um péssimo analista das práticas: Santana Lopes está a revelar que, ou não tem máquina montada, ou esta está gripada.

Ou então, em vez de entregar tarefas a especialistas, entregou sinecuras a boys.

Publicado por Joana às 11:23 PM | Comentários (13) | TrackBack

outubro 25, 2004

O Arrendamento Urbano

A nova Lei do Arrendamento Urbano, na sua actual formulação, vem acabar com uma situação que era insustentável, que havia levado os centros urbanos à decadência e à ruína, pervertido o mercado do arrendamento e da construção e gerado desequilíbrios profundos na sociedade portuguesa. Nessa óptica ela era necessária e é bem-vinda.

Todavia os efeitos que ela se propõe atingir só o serão a longo prazo. A curto e a médio prazo não haverá outros reflexos para além de uma actualização substancial das rendas de algumas dezenas de milhares de áreas urbanas. E mesmo a longo prazo ela só terá efeito significativo se outros factores que desincentivam o arrendamento forem eliminados. Vejamos porquê:

Em primeiro lugar acho muito duvidoso que vá ter um grande efeito dinamizador no mercado do arrendamento. Fala-se das centenas de milhares de casas que estão devolutas. Muitas estão devolutas porque não têm condições de habitabilidade, mas o imóvel onde se situam tem fogos alugados por preços irrisórios e o senhorio não tem quaisquer incentivos em fazer obras de reabilitação, que serão caríssimas, e para as quais não terá retorno, mesmo com a actual lei. Na maioria dos casos o senhorio nem tem dinheiro para fazer obras, nem aptidão para as mandar fazer. Nestes casos a solução melhor para o senhorio seria este vender o edifício a algum promotor imobiliário, mais apto a utilizar os benefícios que a nova lei lhe concede. Todavia, na situação actual, dificilmente encontrará um promotor que lhe pague o montante que ele acha justo. O mais provável é que esta situação se continue a arrastar.

Outro caso são casas semi-devolutas. Os inquilinos já não moram lá, por diversos motivos (o mais vulgar será por se terem reformado e ido viver para a terra deles). Nestes casos estes inquilinos dificilmente poderão manter o arrendamento com os novos valores e estas casas poderão ir para o mercado de arrendamento.

Todavia uma parcela importante das casas devolutas deve-se ao facto dos senhorios terem receio de arrendar as casas. Actualmente, arrendar uma casa é jogar à roleta russa. O inquilino paga os 2 primeiros meses (incluindo o de caução), às vezes mais um ou outro, e depois fica tranquilamente à espera de ser despejado judicialmente. Há a acção de despejo ... depois uma acção de execução da sentença, para a polícia ou a GNR ir proceder coercivamente ao despejo, e depois uma acção para tentar receber as rendas em atraso. As 2 primeiras podem demorar 2 anos, ou às vezes mais, a produzirem efeito. A 3ª não leva geralmente a nada. O inquilino e o fiador são normalmente insolventes. A prestação de uma garantia bancária no valor de um ano de rendas poderia ser uma solução. Todavia os bancos só prestam garantias a quem tem activos, o que só acontece, e nem sempre, em arrendamentos comerciais e de habitações de luxo. E se o senhorio for exigente em matéria de fiador (alguém com bens), o mais certo é não arranjar inquilino com essas garantias.

Adicionalmente o senhorio arrisca-se a receber a casa em situação tal que tenha que despender uma soma elevada em obras de beneficiação. Se se somar os custos dos processos (incluindo os advogados) e os custos das obras de beneficiação, o senhorio irá perder muito dinheiro com o arrendamento. Esse factor de risco tem feito subir o valor das rendas. Estima-se que mais de 40% desse valor é um factor de risco. Todavia é falacioso pensar que se o senhorio pedir menos pela renda, terá um inquilino mais “honesto”. A experiência mostra que são ocorrências independentes. O raciocínio do senhorio é que quanto mais receber inicialmente pela renda, menos perderá com o negócio. Ou então pura e simplesmente desiste de arrendar e deixa ficar o fogo devoluto que se vai degradando aos poucos. E ao fim de alguns anos o dilema é: faz obras para o colocar no mercado do arrendamento, ou deixa andar? E a resposta, alimentada pela experiência, é a de que não vale a pena gastar um cêntimo se não sabe se o vai recuperar. Esta é uma questão incontornável no arrendamento urbano.

Portanto, só será possível dinamizar o mercado de arrendamento se se agilizar o despejo das casas no caso de não pagamento das rendas, responsabilizando igualmente os inquilinos pelo estado em que deixam as casas. E encontrar formas simplificadas de cobrança coerciva para as rendas não pagas e para os estragos que os inquilinos fizeram nas casas onde moraram. A lei actual apenas vai ter efeito sobre os contratos antigos, que normalmente estão estabilizados (um inquilino com uma renda antiga dificilmente cometerá a imprudência de arranjar matéria para ser objecto de uma acção de despejo). Portanto, apenas a longo prazo terá um efeito benéfico.

Na situação actual, mais casas no mercado de arrendamento não irão produzir alterações significativas nos montantes das rendas nos novos contratos. Hoje em dia, a oferta “potencial” já é muito superior à procura, logo, aumentar essa oferta “potencial”, não irá, obviamente, ter reflexos no preço de equilíbrio. Esse preço, o preço actual, incorpora um factor de risco enorme decorrente da incerteza que o senhorio tem sobre se o inquilino cumpre ou não o contrato. E esse factor de risco não é eliminado com a actual lei. O que é importante é tornar essa oferta “potencial”, oferta efectiva.

Uma última questão. Há maior “benevolência” com os arrendamentos comerciais que com os de habitação. Quer na lei do governo, quer nos comentários da oposição. Nos meios de comunicação são mais frequentes imagens de comerciantes recalcitrantes que de moradores em pânico. Ora a habitação tem uma função social, enquanto o arrendamento comercial é um factor de produção. Faz sentido proteger algo que tem uma função social, enquanto subsidiar a produção tem tido sempre efeitos económicos, a longo prazo, negativos. Basta ver como o comércio dito tradicional perdeu qualidade, se tornou obsoleto e tem constituído um factor de desqualificação dos centros urbanos.

Há ainda nesta questão uma situação paradoxal, ou talvez não: no que toca à evasão fiscal, os lojistas são quem tem pior fama. Provavelmente têm a fama e o proveito. É espantoso que, para além dos impostos, também não queiram pagar uma renda justa. E mais espantoso que meios de comunicação e políticos veiculem as suas posições. Dá ideia que o cérebro dessas entidades tem um septo: numa das partes disserta-se sobre a imoralidade da evasão fiscal dos comerciantes relapsos; na outra sobre a imoralidade dos infelizes comerciantes ficarem sob o gládio dos senhorios. O septo não permite transferência de informação entre as duas partes.

Nota - Ler ainda:
Lei do Arrendamento Urbano

Publicado por Joana às 07:57 PM | Comentários (12) | TrackBack

outubro 24, 2004

Estudantes, Polícias e Mídia

Cerca de duas centenas de estudantes da Universidade de Coimbra tentaram invadir uma reunião extraordinária do Senado Universitário. Em face das intenções dos alunos, o reitor Seabra Santos pediu a intervenção da polícia para assegurar o funcionamento regular dos órgãos universitários. Dos confrontos entre os estudantes e a polícia resultou, segundo os jornais, um polícia ferido com alguma gravidade e a detenção do caloiro, que alegadamente o terá agredido, pelo crime de ofensas corporais.

Haver manifestantes que não respeitem os órgãos democráticos, tentando chantageá-los pelo recurso à violência e haver intervenções policiais que degeneram em hematomas e detenções é uma “outra normalidade” da vida em democracia. Neste entendimento, não haveria matéria para estranheza.

Todavia houve situações de estranheza. Ou talvez não, neste país «velho sem emenda».

Em primeiro lugar os canais televisivos transmitiram imagens que tendiam a privilegiar os confrontos físicos, a acção de força policial e os protestos dos estudantes contra a alegada violência policial, em face das causas que estiveram na sua origem. Transmitiram, com emoção, a velada de estudantes em frente da prisão onde estava detido o colega. Os estudantes contestatários foram profusamente entrevistados, para verberarem a violência policial. Quem desconhecesse a questão teria ficado com a sensação que toda aquela conflitualidade havia sido gratuita. Os estudantes teriam sido vítimas inocentes de violência policial desnecessária e gratuita.

Não pretendo com isto afirmar que a Televisão quis ser tendenciosa. Provavelmente foi tendenciosa porque quis privilegiar o confronto físico e a velada nocturna apenas porque eram imagens mais poderosas, com mais impacte mediático, que uma vetusta sala cheia de académicos atemorizados à volta de uma mesa, condenando verbalmente o «comportamento antidemocrático» dos estudantes, designadamente a invasão de uma sala com o incompreensível e pouco apelativo nome de «Sala dos Capelos», enquanto roíam nervosamente as unhas. Nesta ocorrência, a comunicação escrita relatou os factos com bastante mais objectividade e isenção.

Graves foram as declarações de um alegado dirigente de uma associação pró-sindical da polícia. Afirmou que a polícia era obrigada a situações como aquela pelo facto dos políticos não resolverem os problemas. Admitindo que não fosse uma forma maquiavélica de fornecer razões àqueles que contestam organizações sindicais nas polícias, aquele alegado dirigente mostrou como não se deve comportar a polícia num Estado de direito. Não foram os «políticos» que chamaram a polícia, mas sim o reitor da Universidade de Coimbra. Os problemas estavam resolvidos, apenas aquelas duas centenas de estudantes não concordavam com a solução. A polícia havia sido chamada para evitar a invasão do Senado por aqueles estudantes em fúria e não para obter concessões dos estudantes sobre alguma matéria. Matéria (o pagamento das propinas) sobre a qual, aliás, há um enorme consenso nacional e onde os estudantes contestatários estão completamente isolados.

O Estado de direito tem que se defender de quem contesta a legitimidade das suas decisões de forma violenta. Os meios de comunicação (e muito menos elementos da polícia) não devem dar uma imagem distorcida dessa legitimidade, sob pena de estarem a fomentar a violência, a contestação pela contestação e a anarquia social.

Bem melhor andou o caloiro que esteve detido uma noite. Entrevistado à saída, e sem abdicar das suas opiniões, revelou uma maturidade que infelizmente não tem sido compartilhada por muitos colegas seus.

Mas o Estado também não pode demitir-se, por desleixo, da sua defesa. Segundo Seabra Santos, os incidentes não podem ser punidos pelas instituições universitárias, por não estar regulamentado o regime disciplinar aplicável ao Ensino Superior definido na Lei de Autonomia, aprovada em 1988, há 16 anos! Ficam assim impunes os autores dos distúrbios pelo facto de, até agora, a Assembleia da República, inexplicavelmente, ainda não ter regulamentado o regime disciplinar aplicável aos estudantes do ensino superior. Apenas o regime disciplinar aplicável aos professores e aos funcionários foi regulamentado e está em vigor. Aparentemente a AR deverá ter achado (se é que achou alguma coisa) os professores e os funcionários muito mais propensos a indisciplinas, acções violentas e a vandalismos que os estudantes.

Publicado por Joana às 11:36 PM | Comentários (13) | TrackBack

outubro 20, 2004

CAPITAL Times

Com pompa e circunstância, num editorial assinado pelo seu director, o jornal A Capital declarou publicamente o seu apoio a Kerry.

É importante que neste esconso esquecido dos States, surja um jornal que siga as pisadas dos grandes jornais de referência do seu país, de um jornal da sua cidade mais emblemática, o New York Times, e, também ele, pequenino embora, na sua distante e provinciana cidade, tome a clara, pública e inequívoca decisão de apoiar um dos candidatos, neste caso, Kerry.

No próximo dia 2 de Novembro lá veremos todos os fiéis leitores d’A Capital (eu nem sou leitora fiel, nem estou recenseada) alinhados em extensa e obediente fila, a deporem, convictos, o seu voto em Kerry. E será um enorme motivo de satisfação para Luís Osório que todos os grandes eleitores deste longínquo e ignorado desvão dos States venham a engrossar, no colégio eleitoral, o número dos votos de Kerry.

No que toca às questões da política interna, a matéria é mais controversa. Neste esconso insalubre dos States os meios de comunicação têm como ponto de honra tomarem compulsivamente partido e exigirem publicamente, com idêntica e compulsiva fé, que seja reconhecida a sua evidente independência e óbvia neutralidade.

Os nossos meios de comunicação tomam partido porque tal é um imperativo moral, filosófico e político. O facto de ser sempre o mesmo, não menoscaba a sua independência e neutralidade: Pertencem todos ao mesmo quadrante político e ideológico, confluíram todos ali, quem não comunga das suas opiniões é, se está humildemente calado, um ignaro, ou, se reponta, um intolerante fundamentalista. Em ambos os casos indignos de partilhar do mester que eles próprios açambarcaram.

A mesnada jornalista reproduz-se em circuito fechado e é ciosa da sua armadura ideológica e das causas que defende. As causas são comuns pois todos os elementos da mesnada comungam dos mesmos ideais e se arregimentam sob o mesmo estandarte. Pôr em causa a sua independência e a sua neutralidade é uma ofensa evidente: os valores não se questionam.

É por isso que neste desvão dos States, no que concerne às questões internas, os órgãos de comunicação não proclamam, publicamente, a sua linha política. Esta apenas resulta, necessariamente, de um imperativo filosófico comum.

Publicado por Joana às 10:30 PM | Comentários (35) | TrackBack

O Fundamentalismo Laico

Não estava nos meus planos pronunciar-me sobre o «caso Buttiglione». Não sou crente, quer por opção própria, quer pelo ambiente em que fui educada. Não acho que a homossexualidade seja um «pecado», nem que o casamento exista para «permitir que as mulheres tenham filhos e contem com a protecção de um homem que cuide delas». Todavia julgo que este «caso» ganhou contornos que não me permitem ficar indiferente.

Sou favorável a que se dê protecção às mães solteiras, mas reconheço que uma criança criada apenas pela mãe (ou apenas pelo pai) não é uma boa solução. É indispensável, a uma educação equilibrada, a existência da figura da mãe e da figura do pai. A criança precisa de ambas. É claro que estou a comparar situações comparáveis: gente com igual capacidade de educar os seus filhos ... pois, às vezes, mais vale só que mal acompanhada. Pelas mesmas razões duvido que homossexuais vivendo em união tenham capacidade para criar um filho de uma forma equilibrada. Poderia acontecer que num ou noutro caso não desse maus resultados. Todavia as crianças não são cobaias e não devemos permitir experiências que moldarão a sua personalidade adulta de forma irreversível. Bem bastam as que são criadas por entidades de assistência social por não haver alternativa. Portanto, quando Buttiglione fala da importância da família como matriz indispensável a uma educação equilibrada e afirma que uma criança criada por uma mãe solteira não é uma boa solução, concordo com ele.

E concordo, sobretudo, porque essa constatação de Buttiglione é do foro moral e não pretende traduzir essa concepção na lei, pelo contrário, pois ao reconhecer essas dificuldades fica subentendida a necessidade de terem maior protecção. Do mesmo modo que não concordando com Buttiglione sobre o «pecado» da homossexualidade, considero que essa posição é do foro exclusivamente moral e religioso, e que Buttiglione não pretende que ela tenha tradução na lei.

Buttiglione limitou-se a referir aos membros da comissão do Parlamento Europeu, a distinção kantiana entre a moral e o direito. Uma coisa é a «lei» moral, outra a lei de um Parlamento. Buttiglione afirmou aí: «não renuncio à minha moral, mas não pretendo que o Parlamento a siga», ou seja, é contrário à discriminação legal dos homossexuais sem renunciar à sua consciência de condenação moral.

Para os membros da comissão não foi suficiente. Segundo Buttiglione, eles queriam «de mim uma profissão de fé sobre a bondade moral da homossexualidade. Isto significava exercer uma violência sobre a minha consciência». E queixou-se que «fui discriminado porque sou católico, mas não abjuro», sublinhando: «Ninguém pôs em dúvida a minha competência, ou a minha capacidade. Censurou-se uma posição moral. Colocou-se em grave perigo a liberdade de expressão».

Segundo ele, foi vítima de um lobby animado por «preconceitos contra as suas convicções morais e religiosas ... uma consciência que eu não trocarei por um lugar»

Na verdade, o presidente do Parlamento europeu, o socialista espanhol Josep Borrell apenas o atacou por delito de opinião: «não queria, enquanto cidadão espanhol, ter um ministro da justiça que pensa que a homossexualidade é um pecado». Para Borrell o grave é o que Rocco Buttiglione pensa, não o que decide enquanto político.

O que é paradoxal, ou talvez não, em toda esta controvérsia, é que o conservador Rocco Buttiglione se portou com inteiro respeito pela tolerância e pelas opiniões dos outros, separando a moral do direito, e foram os defensores do laicismo que se portaram com intolerância, misturando a moral e o direito e subordinando aquela a este. Foi Buttiglione que mostrou solidez de carácter, ao não ter abdicado das suas convicções morais na audição no Parlamento Europeu quando sabia, à partida, que estas não eram «politicamente correctas» e que iriam contra a corrente dominante naquele areópago.

A União Europeia assenta em valores, em que o respeito pela diferença e pela pluralidade são dois princípios fundamentais. Neste entendimento, a simples ideia de colocar em discussão a liberdade de consciência e de opinião de um comissário de formação e fé católica, contestando a distinção laica entre moral e lei, entre moral e direito, tem um carácter fundamentalista, releva do obscurantismo. O laicismo, neste caso, renegou os seus princípios de tolerância e de separação da moral e do direito, ao contestar politicamente quem tinha opiniões morais contrárias às suas.

Vital Moreira, no seu blogue, escreve que «Os fundamentalistas religiosos como Rocco Buttiglione tendem geralmente a impor os seus valores religiosos a todos por via de lei». Mas são os fundamentalistas laicos que pretendem vetar Buttiglione ao quererem impor os seus valores à consciência moral de Buttiglione. E poderia, talvez com mais propósito, escrever-se que «Os fundamentalistas laicos como Vital Moreira pretendem (a) impor os seus valores morais a todos por via de lei» ... com a perversão de o fazerem em nome da liberdade e da tolerância.

O voto contrário da comissão, pela diferença mínima, não é vinculativo. Tudo indica que Durão Barroso manterá a sua decisão de ter Buttiglione como comissário da Justiça. Mas esta controvérsia vai deixar marcas profundas. Buttiglione é um filósofo e político de reconhecido mérito, independentemente das suas convicções morais, foi conselheiro e é amigo pessoal de João Paulo II, e estas posições podem reforçar as convicções, nos meios católicos, de que há em Bruxelas um preconceito anti-católico que se traduz na criminalização de uma fé e de uma cultura que constituem uma das matrizes da própria civilização europeia.

Publicado por Joana às 12:01 AM | Comentários (22) | TrackBack

outubro 19, 2004

Perspectiva-se um novo blog

Na audição desta manhã perante a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) a propósito das declarações que proferiu dois dias antes da saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI, Rui Gomes da Silva mostrou que tem mais vocação para gerir um blog do que para Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Desconheço se o ministro Gomes da Silva sabe o que diz. Uma coisa é certa: não devia dizer o que sabe (admitindo que sabe ...). E quando se tem o vício de se dizer o que sabe (ou o que julga saber), sem saber se sabe o que diz, o mais adequado é fazê-lo num blog, em vez de o fazer na qualidade de ministro.

Por outro lado o ministro Gomes da Silva alargou o conceito de cabala, brilhantemente iniciado por Ferro Rodrigues e a anterior direcção do PS: há as cabalas objectivas e as cabalas subjectivas (as que existem independentemente da vontade de as constituir).

Talvez por isso mesmo o PS e o BE, os grandes adeptos da pretérita teoria da cabala, saíram imediatamente a terreiro, contestando o ministro. As grandes teorias envolvem sempre estas disputas acérrimas entre os seus precursores: ódios, invejas, todos a atropelarem-se para verem reconhecida a sua paternidade, etc..

Mas houve algo de substantivo nesta audição: O ministro Gomes da Silva provou, embora julgo que não fosse essa a sua intenção, que não há censura no Governo. Se houvesse, o ministro Gomes da Silva já teria sido calado há algum tempo.

Publicado por Joana às 11:48 PM | Comentários (13) | TrackBack

Raul Proença e Jaime Cortesão sobre o 19 de Outubro de 1921

Estes dois textos a seguir apresentados são reveladores das contradições dos seareiros. Por um lado, simpatizavam com o movimento, «por melhores que sejam as intenções dos seus dirigentes», por outro lado ficaram estupefactos de horror perante o seu desfecho. Mas mesmo na descrição dos horrores, Cortesão, aliás então bastante próximo dos anarquistas, escreve: «Os crimes da noite de 19 de Outubro, que vitimaram desde um presidente de ministério a um operário». Um 1º Ministro, e os outros altos dirigentes, não eram vítimas suficientes para tamanha repulsa. Era importante acrescentar ... «um operário».

Simultaneamente o disparar em todas as direcções, meter no mesmo saco tudo e todos, só servia (e serve) para branquear as verdadeiras causas, cujo enunciado todos temiam, pois todos estavam, quer directa, quer indirectamente, implicados.

Os Últimos Acontecimentos

Mais uma vez a mais perigosa das utopias levou este país à epilepsia da desordem, já o tínhamos previsto. Nem foi surpresa para ninguém. Desta vez, porém, a impotência do movimento revolucionário revelou-se tão formidável, que eu julgo-o de incontestável beneficio educativo para o país. Ele lançou talvez o definitivo descrédito sobre o processo. Pôs a claro as ilusões que o determinaram, as mentiras em que se baseia, as consequências que traz consigo. E' um processo em franca liquidação Não cremos que ele possa tornar a arrastar grandes massas de homens; e aos que nos perguntavam no dia seguinte à revolução se ela tinha sido o triunfo da Seara Nova, nós poderíamos ter respondido que sim: pois que contribuirá, mais do que nenhuma outra, para demonstrar que só uma profunda acção educativa e social poderá trazer a este povo os benefícios que ela até agora tem esperado do motim e das revoluções improvisadas. A tese da Seara Nova recebeu mais uma confirmação. A gravidade dos factos compreendemo-la, mas não nos deixamos vencer por ela. Não cremos que seja este o último dia da nossa vida, e o dia de amanhã só tem— quem sabe?—que lucrar com as tristezas e as misérias do dia de ontem. Aprenderemos, fatalmente teremos que chegar a aprender à custa dos nossos desatinos e do nosso sangue. Experiência dolorosa, trágica, mas nem por isso menos salutar e necessária.
Não duvidamos das boas intenções dos organizadores do movimento revolucionário que acabou de se produzir. Simpatizamos com muitas das ideias do seu programa. Coincide em muitos pontos com a nossa a sua orientação política Não podemos deixar de reconhecer a nobre e dolorosa verdade que há na sua condenação de todo o passado da Republica. Mas já no primeiro numero da nossa revista afirmámos duma maneira categórica que «todos os processos de assalto revolucionário, em que o poder é tomado por surpresa, Sem o esclarecimento prévio do país sobre as intenções dos seus dirigentes, só poderão esperar da nossa parte, e sejam quais forem os princípios de que pretendam inspirar-se, a mais formal e indignada condenação »
Não temos de alterar uma só palavra ás afirmações que fizemos. Continuamos a acreditar que o país só poderá salvar-se depois duma profunda conversão das consciências, duma renovação da mentalidade, dum vasto movimento democrático em que todas as soluções sejam debatidas, esclarecidas e vulgarizadas; numa palavra, depois que se conquiste para um dado plano de reformação uma opinião publica perfeitamente consciente de si mesma, que permita a solução viável e segura de todos os problemas, sem receio de que, dum momento para o outro, falte aos «salvadores» a base da sua acção política. Continuamos a julgar que é um crime decidir da surte do país sem o país ser esclarecido e consultado Continuamos a rotular de «môsco» político o sistema que consiste em abrir as portas do Terreiro do Paço, na calada da noite, pela gazua das revoluções. Queremos fazer a revolução que pregamos à luz do dia, por processos enérgicos, mas pacíficos, em que toda a consciência nacional colabore, e não admitimos nela os criminais-natos que buscam nos movimentos revolucionários uma derivante aos seus instintos antisociais e a satisfação das suas perversas tendências destruidoras.
E a verdade é que, quando um movimento sedicional se produz nas circunstancias do actual, por melhores que sejam as intenções dos seus dirigentes, a baixa vasa humana dos sectários acha neles ocasião asada para exercer os seus instintos de morte e de rapina. Uma meia dúzia de homens caiu varada pelas balas dos assassinos. Prosternemo-nos perante os seus cadáveres. Choremos sobre todos eles as desditas da Pátria. Não perguntemos qual foi a sua política, quais os! seus erros, e os seus nomes Não nos atrevamos sequer a fazer distinções. Foram homens que caíram, vitimas dos erros e dos crimes de nós todos --dos deles próprios também. Vitimas de tudo o que fizemos e do que não fizemos; do que dissemos e do que calámos; do que praticámos e do que consentimos; do nosso egoísmo e do nosso silencio; da ignorância profunda em que deixámos o povo; da nossa falta de ideal, de espírito democrático e visão total das realidades. O sangue dos que caíram deve tingir as mãos de nós todos; e a sua ultima agonia devemos senti-la todos na garganta.
Nos lamentáveis sucessos cabe grande parte de responsabilidade aos dirigentes da Revolução. Porque o mais grave do caso é que podem não ter sido propriamente uns facínoras os homens que mataram António Granjo. Soldados broncos, sem nenhuma espécie de cultura, sem a menor noção das questões políticas e do grau de responsabilidade dos políticos nas desgraças nacionais, talvez julgassem que, se estavam empenhados, eles, soldados da Ordem, em fazer uma revolução contra o governo dum determinado homem, é porque esse homem era um criminoso culpado dos delitos mais graves. Exercendo esse selvagem morticínio, porventura eles teriam julgado praticar um acto de justiça sumaria. Dura e tremenda lição para os que, de aqui em diante, se lancem em movimentos revolucionários que podem armar, como este, os braços dos assassinos - dos que matam pelo prazer de matar ou pelo desejo de desforra, ou dos que assim praticam por considerarem tais actos perfeitamente justificados dentro da lógica e da moral revolucionarias.
O que vai sair de aqui? Quem é bastante estulto para esperar a salvação? Quem acredita ainda nas fraudes revolucionarias? Quem esperará ver nos ministérios que imediatamente se seguirem outra coisa que não sejam ministérios de simples expediente administrativo? E isto quando a força das coisas e a própria lógica das circunstancias nos não levarem para uma ditadura militar, com toda a opressão do sistema militar, e o predomínio dos interesses militares.
Nós, que fizemos o voto de dizer toda a verdade, e de conservar sempre acesa a sua chama luminosa, levantamos a nossa voz de protesto e acusação. Acusamos os de ontem e os de hoje. Os que já fizeram o mesmo e agora condenam nos outros, e os que, para corrigir os erros passados, começam por seguir os métodos do passado. Acusamos os partidos da oposição que conheciam o que se ia passar, e nada fizeram para evitar a catástrofe. Acusamos os que fomentaram todas as desordens, os que fizeram silencio sobre todos os desvarios demagógicos (Afonso, Sidónio e tantos outros), que não tiveram uma palavra de condenação e de proscrição para os miseráveis que, dizendo-se seus partidários, desmentiam todos os sentimentos da humanidade. Acusamos os potentados da finança, os últimos dos pervertidos morais (exploradores, especuladores, açambarcadores, falsificadores, inimigos do Povo, criminosos sacrílegos) que vivem de sugar todo o sangue da nação pelas ventosas da sua ambição desmedida. Acusamo-nos a nós próprios por só agora termos tido este grito, por só agora jogarmos a bem da nação o nosso próprio destino.
Desanimamos definitivamente? Não, cremos ainda. E sobretudo cremos na mocidade, que nós subtrairemos ás ilusões sub-humanas do snobismo, por ser ela aquela parte da nação que melhor pode compreender o nosso gesto e as nossas palavras, por não ter feito ainda do coração a lama asquerosa onde vegetam os baixos sentimentos do egoísmo e da rapina. Compete à mocidade portuguesa o destino mais belo do mundo: fazer duma nação vergonhosa, presa ao vilipêndio de todas as nações, uma nação humana e digna, capaz de se instituir em exemplo de virtude e de trabalho. Que a mocidade responda ao nosso apelo; siga o nosso exemplo; diga como nós: Basta! E como nós se lance na grande aventura de dar à Pátria a salvação. Só assim o sangue dos mortos fecundará a terra em que que nascemos!
20-Outubro-1921. R. P.

Em aditamento ao seu artigo «Crise Nacional» Jaime Cortesão escreveu:

Nota.—Tínhamos escrito estas palavras, antes dos últimos acontecimentos revolucionários. Não temos que alterar uma única. Ao contrario, aqueles factos vieram confirmar e agravar muitas das nossas afirmações. Cremos, ao invés dos dirigentes revolucionários, que a crise nacional se agravou temerosamente nestes dias. A boa vontade dos homens não pode modificar dum dia para o outro os vícios e defeitos, que representam a obra e a infiltração dos anos ou dos séculos.
Referimo-nos atrás ao desfecho que a crise nacional fatalmente há de ter, se a tempo não nos emendarmos:—«depois dalguns dias de desordem sanguinária, em que todos, todos temos a perder, a tutela estrangeira, clara ou disfarçada». Não estávamos, todavia, convencidos que os factos viessem confirmar tão completa mente essas palavras. Os crimes da noite de 19 de Outubro, que vitimaram desde um presidente de ministério a um operário, seguidos dos «desejos» do corpo diplomático devem bastar como sinal e amostra, para convencer os mais incrédulos da inadiável urgência de mudar inteiramente de caminho.
JAIME CORTEZÃO

Publicado por Joana às 07:50 PM | Comentários (7) | TrackBack

A Seara Nova e o 19 de Outubro

O nº2 da Seara Nova saiu a 5 de Novembro e trazia, sobre a noite sangrenta, um artigo de Raul Proença e uma adenda de Jaime Cortesão a um artigo seu (A Crise Nacional), que apresentamos noutro local .

A Seara Nova apresentou-se sempre como a opinião daqueles que queriam ter uma opinião que não fosse apenas um interesse camuflado. Para ela o país era um lamaçal de corrupção, a grande imprensa como o Diário de Notícias e O Século, apenas servia a oligarquia financeira e o resto dos jornais era um mero instrumento de partidos comprometidos na corrupção.

Os seareiros seriam a revolta dos intelectuais de esquerda contra o regime. Mas intelectuais de diversos quadrantes também desprezavam o regime republicano. Curiosamente, e apesar da polémica de Raul Proença contra o Integralismo Lusitano, em Dezembro de 1923 apareceu a Revista dos Homens Livres que congregava seareiros (António Sérgio, Raul Proença e Jaime Cortesão), integralistas (António Sardinha e Pequito Rebelo), o monárquico conservador Carlos Malheiro Dias, o ex-franquista Agostinho de Campos, o sebastianista Afonso Lopes Vieira (que pretendia «aportuguesar» Portugal) e muitos outros, numa miscelânea heteróclita, todos unidos contra «a finança e os partidos».

António Sérgio, ao escrever nessa revista, na nota de abertura, propunha a procura «duma ideia nacional, de uma finalidade portuguesa, anterior e superior às finalidades partidárias». Numa tentativa de justificar a união de todos aqueles intelectuais de tão diferentes e opostos quadrantes, acrescentava que «a grande linha divisória, nestes nossos dias, não é a que separa as direitas das esquerdas; é, sim, a que distingue [...] os homens do século XX dos homens do século XIX». A «nação», entidade que Sérgio define como um fim e não como uma realidade existente, deveria ser o quadro desta confluência de opiniões. Nenhuma destas opiniões diferencia António Sérgio de intelectuais de direita, ou mesmo fascistas, que emitiam então opiniões semelhantes.

Mais tarde, na revista Lusitânia (1924-1927), dirigida pela figura prestigiada e consensual de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, seareiros e integralistas voltaram a colaborar nesse mesmo objectivo de «enquadrar-se no grande movimento de recriação do espírito da pátria».

Quando toda a elite cultural de um país, da direita à esquerda, se une contra um regime, que despreza, há certamente algo de muito errado e muito maléfico nesse regime.

É certo que um seareiro, António Sérgio, foi tentado pelo poder, e chefiou o Ministério da Instrução no governo de Álvaro de Castro, a partir de Dezembro de 1923, experiência que, aliás, só durou dois meses. A Seara Nova prometeu então manter no Governo «a nossa atitude da oposição». Ora esta é uma posição absurda. Não é possível, nem sério, estar num governo e ser simultaneamente opositor desse governo. Governar obriga a concessões, mas os seareiros que detinham, segundo eles, o monopólio da razão não eram adequados a quaisquer concessões. Na maioria dos casos estariam eventualmente certos, como a tentativa de António Sérgio em obrigar a que os funcionários do seu ministério cumprissem os horários, medida que foi altamente impopular e polémica (!?). Aliás o governo caiu sob a ameaça de greves do funcionalismo.

Depois da implantação do salazarismo, a Seara Nova, e os líderes republicanos, em Portugal e no exílio, dedicaram-se à piedosa tarefa de branquearem a 1ª República. Os motivos podem concitar muita simpatia. Lutava-se contra a Ditadura e os seus opositores sentiam-se na obrigação de defender o regime da 1ª República que era o que tinham de palpável, o único exemplo nacional que poderiam opor ao regime ditatorial. Mas o facto é que esse branqueamento era falso e era uma mistificação histórica. A 1ª República havia concitado contra ela todas as forças do país. Os últimos líderes republicanos, principalmente António Maria da Silva, eram unanimemente execrados pela sua baixa estatura ética, caciquismo eleitoral, corrupção, etc.. A 1ª República caiu e afundou-se no mar de lama que ela mesmo tinha produzido.

Condenada por todos, a 1ª República cairia sempre e em qualquer circunstância. Todos, desde a Seara Nova à Cruzada Nun’Álvares pediam a Ditadura. Não se referiam, certamente, ao mesmo tipo de Ditadura. Mas quando ela apareceu, começou por ser uma ditadura de republicanos moderados (Mendes Cabeçadas) para rapidamente passar para as mãos da direita e depois de Salazar.

Publicado por Joana às 07:43 PM | Comentários (4) | TrackBack

19 de Outubro de 1921

O 19 de Outubro de 1921 foi o fim da 1ª República. Formalmente ela continuou até 28 de Maio de 1926. Pelo meio, alguns episódios grotescos de um regime em degenerescência: as governações de António Maria da Silva, o carbonário tornado o chefe todo poderoso do PRP e dos respectivos caciques, directas ou por interpostos testas de ferro; a eleição de Teixeira Gomes para a Presidência da República, uma manobra de Afonso Costa para tentar regressar ao poder; a renúncia de Teixeira Gomes quando percebeu que nem conseguia o regresso de Afonso Costa, nem passaria de um títere nas mão do odiado chefe do PRP: renunciou e abandonou o país no primeiro barco que zarpou da barra de Lisboa com destino ao estrangeiro.

Entre o assassinato de Sidónio Pais e os massacres de 19 de Outubro de 1921, Portugal, teoricamente um regime parlamentar, viveu sob uma ditadura tutelada pelos arruaceiros e rufias dos cafés e tabernas de Lisboa e pela Guarda Nacional Republicana, uma Guarda Pretoriana do regime, bem municiada de artilharia e armamento pesado, concentrada na zona de Lisboa e cujos efectivos passaram de 4575 homens em 1919 para 14 341 em 1921, chefiados por oficiais «de confiança», com vencimentos superiores aos do exército. A queda do governo de Liberato Pinto, o principal cacique e mentor da GNR, em Fevereiro de 1921, colocou as instituições democráticas na mira dos arruaceiros e pretorianos do regime a que se juntaram sindicalistas, anarquistas, efectivos do corpo de marinheiros, etc.. O governo de António Granjo, formado a 30 de Agosto, era o alvo.

O nó górdio foi o caso Liberato Pinto, entretanto julgado e condenado em Conselho de Guerra por causa das suas actividades conspirativas. Juntamente com o Mundo, a Imprensa da Manhã, jornal sob a tutela de Liberato Pinto, atacavam diariamente o governo, tentando provar, através de documentos falsos, que o Governo projectava o cerco de Lisboa por forças do Exército, para desarmar a Guarda Nacional Republicana. No Diário de Lisboa apareceram, entretanto, algumas notas relativas ao futuro movimento. Em 18 de Agosto, um informador anónimo dizia da futura revolta: «Mot d'ordre: a revolução é a última. Depois, liquidar-se-ão várias pessoas».

O coronel Manuel Maria Coelho era o chefe da conjura. Acompanhavam-no, na Junta, Camilo de Oliveira e Cortês dos Santos, oficiais da G. N. R., e o capitão-de-fragata Procópio de Freitas. O republicanismo histórico do primeiro aliava-se às forças armadas, que seriam o pilar da revolução. Depois de uma primeira tentativa falhada, em que alguns dos seus chefes foram presos e libertos logo a seguir, o movimento de 19 de Outubro de 1921 desenrolou-se num dia apenas, entre a manhã e a noite. Três tiros de canhão disparados da Rotunda pela artilharia pesada da GNR tiveram a sua resposta no Vasco da Gama. Passavam à acção as duas grandes forças da revolta. A Guarda concentrou os seus elementos na Rotunda; o Arsenal foi ocupado pelos marinheiros sublevados, que não encontraram qualquer resistência; núcleos de civis armados percorreram a cidade em serviço de vigilância e propaganda. Os edifícios públicos, os centros de comunicações, os postos de comando oficiais caíram rapidamente em poder dos sublevados. Às 9, uma multidão de soldados, marinheiros e civis subiu a Avenida para saudar a Junta vitoriosa. Instalado num anexo do hospital militar de Campolide, o seu chefe, o coronel Manuel Maria Coelho, presidia àquela vitória sem luta.

Em face da incapacidade de resistir, às dez da manhã, António Granjo escreveu ao Presidente da República: «Nestes termos, o governo encontra-se sem meios de resistência e defesa em Lisboa. Deponho, por isso, nas mãos de V. Ex.a a sorte do Governo...» António José de Almeida respondeu-lhe, aceitando a demissão: «Julgo cumprir honradamente o meu dever de português e de republicano, declarando a V. Ex.a que, desde este momento, considero finda a missão do seu governo...» Recebida a resposta, António Granjo retirou-se para sua casa. Eram duas da tarde.

O PR recusou-se a ceder aos sublevados. Afiançou que preferiria demitir-se a indigitar um governo imposto pelas armas. Às onze da noite, ainda sem haver solução institucional, Agatão Lança avisou António José de Almeida que algo de grave se estava a passar. Perante tal, conforme descreveu depois o PR, «Corri ao telefone e investi o cidadão Manuel Maria Coelho na Presidência do Ministério, concedendo-lhe os poderes mais amplos e discricionários para que, sob a minha inteira responsabilidade, a ordem fosse, a todo o transe, mantida».

Passando a palavra a Raul Brandão (Vale de Josafat, págs. 106-107), «Depois veio a noite infame. Veio depois a noite e eu tenho a impressão nítida de que a mesma figura de ódio, o mesmo fantasma para o qual todos concorremos, passou nas ruas e apagou todos os candeeiros. Os seres medíocres desapareceram na treva, os bonifrates desapareceram, só ficaram bonecos monstruosos, com aspectos imprevistos de loucura e sonho...».

Sentindo as ameaças que se abatiam sobre ele, António Granjo buscou refúgio na casa de Cunha Leal. Cunha Leal tinha simpatias entre os revoltosos (tinha aliás sido sondado para ser um dos chefes do movimento, mas recusara) e Granjo considerou-se a salvo. Todavia, a denúncia de uma porteira guiou os seus perseguidores que tentaram entrar na casa de Cunha Leal para deter António Granjo. Cunha Leal impediu-os, mas a partir desse momento ficaram sem possibilidades de fuga porque, pouco a pouco, o cerco apertara-se e grupos armados vigiavam a casa. Apelos telefónicos junto de figuras próximas dos chefes da sublevação, que pudessem dar-lhes auxílio, não surtiram efeito.

Perto das nove da noite compareceu um oficial da marinha, conhecido de ambos, que afirmou que levaria Granjo para bordo do Vasco da Gama, um lugar seguro. Cunha Leal vacilou. Granjo mostrou-se disposto a partir. Cunha Leal acompanhou-o, exigindo ao oficial da marinha que desse a palavra de honra de que não seriam separados. Meteram-se na camioneta que afinal não os levaria ao refúgio do Vasco de Gama, mas ao centro da sublevação.

A camioneta chegou ao Terreiro do Paço onde os marinheiros e os soldados da Guarda apuparam e tentaram matar António Granjo. Cunha Leal conseguiu então salvá-lo. A camioneta entrou, por fim, no Arsenal e os dois políticos passaram ao pavilhão dos oficiais. Um grupo rodeou Cunha Leal e separou-o de Granjo, apesar dos seus protestos. Os seus brados levaram a que um dos sublevados disparasse sobre ele, atingindo-o três vezes, um dos tiros, gravemente, no pescoço. Foi conduzido ao posto médico do Arsenal.

Entretanto, vencida a débil resistência de alguns oficiais, marinheiros e soldados da GNR invadiram o quarto onde estava António Granjo e descarregaram as suas armas sobre ele. Caiu crivado. Um corneteiro da Guarda Nacional Republicana cravou-lhe um sabre no ventre. Depois, apoiando o pé no peito do assassinado, puxou a lâmina e gritou: «Venham ver de que cor é o sangue do porco!»

A camioneta continuou a sua marcha sangrenta, agora em busca de Carlos da Maia, o herói republicano do 5 de Outubro e ministro de Sidónio Pais. Carlos da Maia inicialmente não percebeu as intenções do grupo de marinheiros armados. Tinha de ir ao Arsenal por ordem da Junta Revolucionária. Na discussão que se seguiu só conseguiu o tempo necessário para se vestir. Então, o cabo Abel Olímpio, o Dente de Ouro, agarrou-o pelo braço e arrastou-o para a camioneta que se dirigiu ao Arsenal. Carlos da Maia apeou-se. Um gesto instintivo de defesa valeu-lhe uma coronhada brutal. Atordoado pelo golpe, vacilou, e um tiro na nuca acabou com a sua vida.

A camioneta, com o Dente de Ouro por chefe, prosseguiu na sua missão macabra. Era seguida por uma moto com sidecar, com repórteres do jornal Imprensa da Manhã. Bem informados como sempre, foram os próprios repórteres que denunciaram: «Rapazes, vocês por aí vão enganados... Se querem prender Machado Santos venham por aqui...». Acometido pela soldadesca, Machado Santos procurou impor a sua autoridade: «Esqueceis que sou vosso superior, que sou Almirante!». Dente de Ouro foi seco: «Acabemos com isto. Vamos». Machado Santos sentou-se junto do motorista, com Abel Olímpio, o Dente de Ouro, a seu lado. Na Avenida Almirante Reis, a camioneta imobiliza-se devido a avaria no motor. Dente de Ouro e os camaradas não perdem tempo. Abatem ali mesmo Machado Santos, o herói da Rotunda.

Não encontraram Pais Gomes, ministro da Marinha. Prenderam o seu secretário, o comandante Freitas da Silva, que caiu, crivado de balas, à porta do Arsenal. O velho coronel Botelho de Vasconcelos, um apoiante de Sidónio, foi igualmente fuzilado. Outros, como Barros Queirós, Cândido Sotomayor, Alfredo da Silva, Fausto Figueiredo, Tamagnini Barbosa, Pinto Bessa, etc., salvaram a vida por acaso.

Os assassinos foram marinheiros e soldados da Guarda. Estavam tão orgulhosos dos seus actos que pensaram publicar os seus nomes na Imprensa da Manhã, como executores de Machado Santos. Não o chegaram a fazer devido ao rápido movimento de horror que percorreu toda a sociedade portuguesa face àquele massacre monstruoso. Mas quem os mandou matar?

O horror daqueles dias deu lugar a uma explicação imediata, simples e porventura correcta: os assassínios de 19 de Outubro tinham sido a explosão das paixões criadas e acumuladas pelo regime. Determinados homens mataram; a propaganda revolucionária impeliu-os e a explosão da revolução permitiu-lhes matar. No enterro de António Granjo, Cunha Leal proclamou essa verdade: «O sangue correu pela inconsciência da turba—a fera que todos nós, e eu, açulámos, que anda solta, matando porque é preciso matar. Todos nós temos a culpa! É esta maldita política que nos envergonha e me salpica de lama». No mesmo acto, afirmaria Jaime Cortesão: «Sim, diga-se a verdade toda. Os crimes, que se praticaram, não eram possíveis sem a dissolução moral a que chegou a sociedade portuguesa».

Com o tempo, os republicanos procuraram outras explicações. Não podiam aceitar a explicação simples que teria sido a sua acção, o radicalismo da sua política, a imundície que haviam lançado desde 1890 sobre toda a classe política, a sua retórica de panegírico aos atentados bombistas (desde que favoráveis), aos regicidas, a desencadear tanta monstruosidade. Significava acusarem-se a si próprios. Outras explicações foram aparecendo, sempre mais tortuosas, acerca dos eventuais culpados: conspiração monárquica; Cunha Leal (apesar de ter sido quase morto); Alfredo da Silva (apesar de, nessa noite, ter escapado à justa e tido que se refugiar em Espanha) uma conspiração monárquica e ibérica; a Maçonaria (a acção da Maçonaria sobre a Guarda, impelindo-a para a revolução, era constante, mas isso não significa que desse ordens para aqueles crimes)

Os assassinados na Noite Sangrenta não seriam, entre os republicanos, aqueles que mais hostilidade mereceriam dos monárquicos. Eram republicanos moderados. O furor dos assassinos liquidara homens tidos, na sua maior parte, como simpatizantes do sidonismo. Não se tratava de vingar Outubro de 1910, mas sim Dezembro de 1917. Carlos da Maia e Machado Santos foram ministros de Sidónio Pais. Botelho de Vasconcelos, coronel na Rotunda, às ordens de Sidónio Pais. Se as matanças de 19 de Outubro de 1921 foram uma vingança terão de ser referenciadas à República Nova e não ao 5 de Outubro. Aliás, num gesto significativo, os revolucionários libertaram o assassino de Sidónio Pais.

Há na Noite Sangrenta factos que se impõem de maneira evidente. A 20 de Outubro, a Imprensa da Manhã reivindicou para si a glória de ter preparado o movimento, mas repudiou as suas trágicas consequências, especialmente a morte de Granjo. Ora anteriormente, dia após dia, aquele diário havia acusado e ameaçado Granjo, injuriando-o sistematicamente. Como podia agora lavar as mãos da sua morte? Aliás, a atitude dos assassinos foi concludente: depois de matarem Machado Santos, dirigiram-se na camioneta da morte à Imprensa da Manhã para lhe agradecerem o apoio e para aquela publicar os nomes dos que tinham fuzilado o Almirante. Um deles confessou mais tarde que Machado Santos havia sido localizado por informações de jornalistas da Imprensa da Manhã. Os assassinos procuravam a satisfação e a glória de uma obra realizada, no diário matutino onde se proclamara a necessidade dessa realização.

Os assassinos nunca esperaram ser castigados. Mesmo durante o julgamento sempre esperaram a absolvição. Quando foram condenados, entre gritos de vingança e de apoio à «República radical», alguns acusaram altos oficiais de não terem autoridade moral para os condenarem, pois estavam por detrás da carnificina. Os assassinos tinham, de certo modo, razão: eles tinham agido dentro da lógica que o republicanismo tinha instilado neles. Em todos os regimes que nascem e se sustentam no crime e no terror (por muito justa que a causa possa ser), há sempre o momento (ou os momentos) em que a revolução devora os próprios filhos.

Para terminar devo referir que nem Manuel Maria Coelho, nem nenhum dos «outubristas», conseguiu formar um governo estável. O horror fez todos os nomes sonantes recusarem fazer parte de um governo de assassinos. Menos de dois meses depois da revolução, António José de Almeida, em 16 de Dezembro de 1921, entregou a chefia do ministério a Cunha Leal.

A GNR foi pouco a pouco desmantelada e reduzida a uma força de policiamento rural.

A república ficara ferida de morte.

Nota - sobre este assunto ler igualmente:
A Seara Nova e o 19 de Outubro
Raul Proença e Jaime Cortesão sobre o 19 de Outubro de 1921

Publicado por Joana às 12:44 AM | Comentários (11) | TrackBack

outubro 18, 2004

Os Negativos dos Políticos

Ou um país às avessas

O Orçamento de Estado para 2005 e o seu debate promete, a avaliar pelos prenúncios, novos e estimulantes avanços em matéria de política e de economia. A Direita apresenta um orçamento que acusaria de ser despesista e de esquerda, se estivesse na oposição, e a Esquerda ataca o orçamento com os argumentos que a direita usaria se estivesse no seu lugar. Muitos mestres da ciência política têm afirmado que estão esbatidas as diferenças entre esquerda e direita. A experiência portuguesa obrigá-los-á a aprofundar essa tese. Há uma importante diferença, mas essa diferença já não é apenas o local onde se sentam no hemiciclo. A diferença é se apenas se sentam no hemiciclo, ou se se distribuem entre o hemiciclo e os assentos governamentais. O lugar no hemiciclo apenas afecta algumas figuras de retórica. A diferença não é entre ser de esquerda ou ser de direita. É entre ser-se governo ou ser-se oposição.

Ou melhor, estamos a ver as imagens dos políticos não reveladas: não vemos os positivos, a revelação, mas apenas os seus negativos.

Este orçamento estimula o consumo em lugar da poupança. A redução, embora ligeira, da carga fiscal dos escalões mais baixos irá incentivar o consumo, enquanto a eliminação dos benefícios fiscais diminui os incentivos à poupança, embora se reconheça que alguns daqueles produtos tinham perdido qualidade e apenas eram subscritos na miragem de uma diminuição à colecta que dificilmente compensaria os parcos benefícios que traziam. Ora o aumento do consumo das famílias num país com elevada propensão marginal às importações agrava o défice das contas com o exterior.

Quanto à questão da taxa de IRC não me parece que a sua manutenção tenha um efeito importante. Durão Barroso havia prometido um choque fiscal. Todavia há factores que pesam muito mais na decisão de investir ou não em Portugal que uma descida das taxas de IRC: a burocracia; a baixa qualificação da mão de obra; a pouca mobilidade laboral; a lentidão exasperante da justiça; a “normalidade” dos atrasos excessivos do pagamento das facturas, etc., etc..
Em contrapartida a proposta de um limite mínimo de 15% fixado no Orçamento do Estado para a taxa efectiva de IRC, que uma esquerda dificilmente se atreveria a propor, poderá ter efeitos imprevisíveis. Em primeiro lugar numa queda bolsista induzida pela diminuição dos dividendos distribuídos por acção. Depois nos eventuais efeitos induzidos quer por esta queda, quer por decisões que as empresas atingidas (principalmente os bancos) irão tomar. Ora a introdução desta taxa mínima, a quebra do sigilo bancário sem aviso prévio, as restrições mais apertadas às operações nos off-shores são medidas de muito forte impacte. É uma medida fiscalmente justa obrigar os bancos a subirem a sua contribuição para a receita do Estado, mas muitas vezes medidas mais graduais são mais eficazes a longo prazo. Aumentos fiscais bruscos incentivam manobras defensivas mais elaboradas. Vejamos se Bagão Félix tem capacidade para lhes fazer frente.

Tudo que tenha a ver com matéria fiscal tem que ser sempre avaliado com muita cautela. A eficiência das medidas fiscais depende do comportamento dos contribuintes. A prática ensina que as variações das taxas fiscais são “amortecidas” por aqueles comportamentos. Um aumento fiscal excessivo incentiva a evasão fiscal e vice-versa. Se a carga fiscal é elevada o contribuinte, ao avaliar o risco da evasão fiscal, pode concluir que é um risco estatisticamente compensador. Se a carga fiscal baixa, o contribuinte terá mais incentivos a ser “bem comportado”.

Quanto às previsões em que se baseia o orçamento (um crescimento económico de 2,4% e uma inflação de 2%) estão em consonância com diversas projecções internacionais. As dúvidas assentam quase em exclusivo na questão do preço do petróleo, que se situa neste momento na casa dos 50 dólares, contrapondo o ministro das Finanças 38,7 dólares o barril como preço médio para 2005. Estas previsões constituem um risco elevado face à volatilidade actual do preço do crude, mas são a mesma base, ou mesmo mais conservativa, dos restantes países europeus. Quando se faz um cenário têm que se prever como evoluirão determinados parâmetros. Não deve ser nem pessimista, nem optimista mas tomar como referência as previsões internacionais.

Há outras previsões mais falíveis. Basta que as portagens nas SCUTs se atrasem, ou que o tráfego não seja o esperado, e as receitas dessas portagens muito inferiores ao que o governo previu, para se ter um buraco orçamental. Todavia como continua a haver o recurso às receitas extraordinárias, é uma questão de usar mais ou menos esse expediente, para o qual parece não haver cura.

Quanto à questão do populismo, este orçamento nada tem de populista. A baixa do IRS traduz-se num aumento pouco significativo do rendimento disponível para os mais carenciados. Adicionalmente, as empresas irão utilizar o argumento relativo a esse aumento do rendimento disponível por via fiscal, para serem mais prudentes nos aumentos salariais. Em contrapartida a classe média, nomeadamente a média-alta, é fortemente atingida. O governo vai distribuir pouco a muitos a partir de tirar muito a poucos. Mas estes poucos (20 a 30% da população) têm muita influência pública e eleitoral.

Ou seja o governo não vai contentar muitos e vai desagradar muito a poucos, com a agravante de que vai desagradar sobretudo à sua base natural de apoio.

Publicado por Joana às 06:55 PM | Comentários (14) | TrackBack

outubro 15, 2004

Fábulas de La Louçã

1 - A fábula da vaca e da galinha

Uma vaca e uma galinha ficaram um dia fechadas, acidentalmente, numa sala. Foi um acidente deplorável para os donos da casa porquanto estes tinham muita estima num enorme tapete de Arraiolos que se estendia, magnificamente, pela maior parte do chão da sala. A chave não aparecia. A vaca mugia persistentemente. A galinha cacarejava aflitivamente. Foi o pânico.
Com a mulher aos gritos, o marido deu uma saltada à arrecadação de onde trouxe um pé-de-cabra, um dos mais importantes equipamentos da profissão que exercia no turno da noite.

A porta foi arrombada, ruindo fragorosamente, a galinha saltitava desajeitadamente, a vaca, de espanto, enfiou um dos cornos num canapé Luís XV, penas esvoaçavam pela sala. Mesmo no centro do tapete emergia um novo objecto.
- É um ovo! – exclamou a mulher.
O homem correu a apanhá-lo. Sacudiu a mão nervosamente a mão e comentou:
- Talvez seja. Mas olha que foi a vaca que o pôs!

Moralidades:
1. As aparências iludem;
2. Nunca se contraria uma mulher em pânico;
3. Manter sempre tapetes de Arraiolos (a menos que sejam feitos na China) fora do alcance de vacas e galinhas.

2 - A fábula do Marcelo, do Paes e do Rui

Uma tarde La Louçã fechou numa sala Marcelo Rebelo de Sousa, a criticar o Governo, o presidente da Media Capital, a ter negócios com o Governo, e o ministro dos Assuntos Parlamentares, a acusar Marcelo de fazer comentários de ódio ao Governo. La Louçã abre a porta, aparece um ovo e é corrido o professor Marcelo.

- Quem é que pôs o ovo? Perguntou o fabuloso fabulista

Elementar, caro La Louçã, foi o professor Marcelo. Foi por isso que ele saiu a correr, envergonhado. O patrão apropriou-se do ovo, sob a alegação de ter sido posto por alguém que efectuou a postura ao seu serviço e o ministro dirigiu um ofício ao ministro das Finanças a pedir que fosse liquidado o Imposto de Mais Valias sobre o ovo.

Moralidades:
4. Nunca abras uma porta de repente, pois pode sair de lá o professor Marcelo a correr;
5. Nunca ponhas um ovo, estando o patrão na mesma sala;
6. Nunca te apropries de um ovo com um ministro a assistir, pois podes ser obrigado a pagar as Mais Valias e uma coima por não teres entregue a declaração;


3 - A fábula de La Louçã e da Drago

Um dia, o fabulista La Louçã e a fabulosa Ana Drago fecharam-se numa sala que dá para os Passos Perdidos. Quando Mota Amaral, indignado, arrombou a porta, havia, dentro da sala, e para além deles, um ovo.

- Quem é que pôs o ovo? Perguntou incrédula a Representação Nacional.

Elementar, caríssima Representação, foi o fabulista La Louçã. Ana Drago assumiu já há tempos o compromisso público, por escrito, que nunca serviria de incubadora em nenhuma circunstância.

Moralidades:
7. A frequência dos Passos Perdidos não é aconselhável a quem tenha o colesterol elevado;
8. La Louçã faz da política uma fábula e da fábula a sua política

Entretanto La Louçã vai enviar o ovo para o barco das Women on Waves, para prevenir a hipótese de ele estar galado.

Publicado por Joana às 11:49 PM | Comentários (21) | TrackBack

O Desastre de Cravinho

Ou como as SCUTs, mesmo virtuais, podem produzir desastres aparatosos.

O debate mensal, quinta-feira passada, na Assembleia da República, foram as forcas caudinas de Cravinho, sob as quais passou, repassou e trespassou, sem honra nem atenuantes, até que António José Seguro pôs termo a tão penosa situação pedindo à mesa o agendamento de uma conferência de líderes, pedido cujo único objectivo era o de pôr ponto final a tanto sofrimento. Quem não assistiu ao visionamento do debate não pode fazer ideia da catástrofe que o mesmo constituiu para João Cravinho.

Estabelecer parcerias público-privadas para construir auto-estradas não é, em si, um erro. Pode ser um óptimo negócio, desde que bem conduzido. Que essas auto-estradas tenham portagens virtuais também não constitui, em si, um erro. Mas foi um enorme erro não se ter visto a sua exequibilidade face a um planeamento financeiro a longo prazo e o ter-se utilizadas as receitas fiscais geradas pelas obras (IVA, IRC das empresas e IRS dos trabalhadores envolvidos) e induzidas por estas no restante tecido económico, para uma política de expansão da despesas pública que, pela sua rigidez, agravou o ónus a ser herdado nos anos futuros. Todavia Cravinho era apenas o «pai» da construção. Certamente que ao ministério das Finanças de então caberão igualmente responsabilidades pela ligeireza com que o seu financiamento futuro foi encarado. Todavia estes não terão sido os maiores erros cometidos em todo este processo.

Quando se contrata uma obra com um empreiteiro, ou um concessionário (que pode incluir, para além do(s) empreiteiro(s), uma entidade financiadora, uma entidade exploradora, etc.) deve ter-se um clausulado seguro, não existirem indefinições sobre o programa e sobre os projectos de construção. Todas as alterações de programa e dos projectos geram custos adicionais aos empreiteiros (na construção propriamente dita e nas imobilizações do estaleiro) e estes sabem fazer-se ressarcir, pesadamente, junto do dono da obra.

Ora as SCUTs, nomeadamente as iniciais (e de custos mais elevados) foram lançadas sem estudos de impacte ambiental (obrigatórios para a obtenção de financiamentos do BEI ou de outras instituições comunitárias), portanto sujeitas a alterações de traçado ao sabor dos resultados dos estudos. Foram lançadas sem as expropriações feitas, o que é um suicídio, porque, em caso de desacordo, a posse administrativa não é pacífica, haverá demoras, custos adicionais, escolhas difíceis entre parar uma obra ou pagar um valor excessivo por um terreno em litígio, etc.. Além do mais este processo foi passado para as mãos das concessionárias, para o resolverem de forma expedita ... mas à custa do erário público. Tudo isto originou um custo exorbitante, tornando o valor médio, por quilómetro, das portagens virtuais muito superior ao das actuais portagens reais, apesar da construção das praças das portagens e a exploração do sistema de cobranças representar um encargo adicional de cerca de 20% face ao custo de construção da auto-estrada sem portagens reais.

Outro constrangimento foi o Estado ter-se comprometido a não fazer vias alternativas ou a efectuar beneficiações nas vias existentes, para além da indispensável manutenção. Relativamente a esta exigência das concessionárias, deve dizer-se que é natural que a façam. Elas basearam as suas propostas em estudos de tráfego com a actual configuração das vias. Se a situação for alterada, os cenários dos estudos deixam de ser verdadeiros e existe um risco para as concessionárias. Em qualquer dos casos o Estado em todas estas negociações agiu com uma absoluta irresponsabilidade, não acautelando os interesses públicos, assumindo por sua conta todos os riscos do negócio e mostrando uma total incompetência na condução dos processos. O Estado nem acautelou o cumprimento das obrigações prévias que cabem a qualquer Dono de Obra minimamente responsável, nem acautelou as cláusulas contratuais que o penalizariam por esse incumprimento.

O que eu acabei de escrever é sobretudo válido para as primeiras SCUTs (as mais dispendiosas de longe). Houve depois uma ligeira melhoria na capacidade negocial.

O ex-ministro Cravinho alegou, a certa altura da sua intervenção, que o relatório do BEI certificava que o Estado português tinha capacidade para solver os compromissos. Esta declaração mostra que o Engº Cravinho, ou não percebeu nada do que andou a negociar, ou quer lançar poeira para os olhos. Não sei que parcela foi financiada pelo BEI, mas o que sei é que o BEI precisa que alguém garanta o empréstimo. O relator do processo tem que apresentar à direcção do BEI a indicação de quem garante o empréstimo e quem o garante é, normalmente, o Estado português, quer directamente, quer como avalista. Não interessa ao relator do BEI saber onde o Estado português vai buscar o dinheiro. Basta-lhe saber que o Estado português é uma entidade que solve os seus compromissos dentro do âmbito da UE.

Portanto, todo este acumular de erros, incompetências, negligências, etc., conduziu à situação calamitosa actual

Foi marcada para 13-10 uma audição, na comissão parlamentar de Obras Públicas, sobre as SCUTs. João Cravinho, depois de haver manifestado a sua «total disponibilidade» para ser ouvido no Parlamento sobre aquela matéria, acabou por não estar presente, fazendo as alegações que já referi numa posta anterior. Simultaneamente desdobrava-se em declarações públicas, verbais e escritas, sobre aquela matéria. Todavia aquela audição não correspondia a qualquer julgamento. Destinava-se apenas a confrontar as opiniões de quem tem a paternidade do negócio com quem o quer liquidar.

João Cravinho poderia alegar razões em favor da sua ideia. Ela, em si, é exequível. A questão de não ser financeiramente sustentável decorre mais da política económica e financeira do governo Guterres, que não acautelou o futuro, do que do próprio negócio. Se as receitas geradas pela construção, sem contrapartida de despesas (que foram proteladas vários anos), fossem utilizadas em sanear o orçamento em vez de o serem em empolar a despesa pública corrente de forma irreversível, talvez a situação orçamental do Estado permitisse solver actualmente aquele compromisso.

Há algo que ele todavia não pode negar: foi o processo atrabiliário e irresponsável como decorreram os processos de concurso e que encareceram drasticamente os valores a pagar. E isso preocupa-o sobremaneira. Tanto assim que declarou que apenas tinha assinado o contrato relativo à primeira, tendo os contratos das três seguintes sido assinados por Jorge Coelho, os dois posteriores da responsabilidade de Ferro Rodrigues, e o último (que aliás apenas representa 7,5% do compromisso total) assinado por Valente de Oliveira, no início da presente legislatura.

As datas de assinatura dos contratos têm uma importância relativa. Os processos de concurso desenvolvem-se de forma complexa, há decisões intermédias tituladas por correspondência, há a chamada “intenção de adjudicação”, que tem efeito legal, e a assinatura do contrato é um acto formal, indispensável, mas que consubstancia um compromisso já assumido. Certamente que Cravinho é igualmente responsável pelas negociações de algumas das SCUTs que se seguiram à da Beira Interior, embora admita que haja partilha com os ministros que se lhe seguiram. Não sei em que circunstâncias Valente de Oliveira assinou o último contrato. Provavelmente o estado em que as negociações estavam não lhe permitia outra alternativa. Não deixa todavia de ser caricato.

Ontem, no debate mensal, Cravinho avocou o tema das SCUTs na interpelação ao PM. Se não houvesse contraditório talvez Cravinho tivesse ficado satisfeito com a sua prestação. Porém ontem Santana estava imparável. Começou por ler o resumo das conclusões da auditoria do Tribunal de Conta, que são absolutamente demolidoras para os responsáveis pelo negócio, e depois foi por aí fora arrasando completamente as alegações de Cravinho.

A seguir coube a vez do deputado Marco António, do PSD, aproveitar a sua interpelação para criticar a ausência de Cravinho na audição da Comissão Parlamentar das Obras Públicas a propósito das SCUTs. Aí o PS cometeu um novo erro. José Junqueiro saiu em defesa da honra de Cravinho alegando uma série de circunstâncias relativas à tramitação da convocatória que considerava constituírem razões sólidas para justificarem a não comparência. Foi a humilhação definitiva: o presidente daquela comissão, Jorge Neto, fez um resumo, citando peças escritas e contactos telefónicos com Cravinho que desmentiam completamente as afirmações de José Junqueiro.

Enquanto Jorge Neto falava, a câmara focava alternadamente o deputado do PSD e Cravinho. Cravinho estava com o rosto fechado, olhar vazio, sem capacidade de reacção. Nem um músculo se mexeu, nem um gesto ou olhar de protesto foi esboçado enquanto Jorge Neto ia demolindo, peça a peça, facto a facto, as alegações de José Junqueiro. Mal acabou a intervenção de Jorge Neto, António José Seguro fez a intervenção acima citada e Cravinho viu ser posto termo à sua desnecessária humilhação.

Desnecessária porque se Cravinho tem a paternidade de um negócio que deu mau resultado, ele não é o único responsável. Além do que pode encontrar muitas razões para o insucesso, conforme descrevi acima. Ao recusar-se a ir à audição, Cravinho cometeu um erro político, pois além de ser catalogado como o pai das SCUTs passou a ser acusado de «fugir às suas responsabilidades» no processo. A forma como defendeu as SCUTs no debate mostrou que ele ainda não percebeu qual é exactamente o problema (ou então pensa que os outros são estúpidos), o que se prestou à crítica demolidora do PM. Finalmente nunca deveria ter deixado José Junqueiro ter aceitado o repto de Marco António. Teria sido preferível dizer que responderia depois em sede própria e tentar desdramatizar o assunto. Cravinho, pelo acumular de uma série de erros, alguns perfeitamente desnecessários sujeitou-se a uma humilhação que para um homem com os anos que tem de vida política activa e que exerceu tantos cargos de relevo, constitui um tremendo enxovalho.

Nota - sobre este assunto ler igualmente:
Cravinho recusa ser Cícero

Publicado por Joana às 08:58 PM | Comentários (17) | TrackBack

Nobel lá, IgNobel cá

O prémio Nobel da Economia atribuído a Kydland e Prescott representa algo como um prémio Ignóbil da Economia atribuído aos políticos portugueses, particularmente aos que nos têm governado. Porque uma parte substancial dos trabalhos daqueles dois economistas, e que tanto terá entusiasmado o júri do Banco Central da Suécia, refere-se a uma matéria na qual os governantes portugueses têm agido exactamente em sentido oposto. Julgo que Kydland e Prescott, nas suas aulas e ao leccionarem as matérias que os levaram ao galardão máximo, deveriam enunciar um «Case Study» relativo à governação portuguesa, com visitas guiadas às nossas instituições, e seminários com todos os políticos que, nas últimas décadas, exerceram funções governativas em Portugal. Assim os alunos ficariam com a noção exacta e precisa de tudo o que se não deve fazer.

Kydland e Prescott construíram uma teoria destinada a compreender por que algumas políticas económicas têm efeito oposto ao desejado – é a questão da inconsistência intertemporal, que relaciona a discrepância entre as decisões políticas tomadas em diferentes momentos do tempo e as expectativas de diversos sectores da sociedade. Ou seja os decisores políticos tomam deliberações que defraudam as expectativas dos agentes económicos, empresas e famílias, geradas por decisões políticas anteriores.

Um governo pode, por exemplo, anunciar uma determinada política, as pessoas fazerem as suas escolhas a curto e a longo prazo, baseadas nas expectativas geradas por aquela política, e ser tentador para o governo formular, posteriormente, uma nova política, com o intuito de aproveitar as escolhas entretanto feitas pelos agentes económicos para obter resultados económicos e financeiros que julga serem mais positivos. Ora o que ficou provado é que essa inconsistência intertemporal (que em Portugal se traduz por o «Estado não é uma pessoa de bem») acaba por ter efeitos contrários aos pretendidos. O resultado é que a política económica do governo perde a credibilidade e uma sucessão de políticas de optimização de curto prazo quase nunca conduz aos melhores resultados no longo prazo.

Ora este destino tem sido o fado dos portugueses, governantes e governados. Anunciam políticas, legislam em conformidade, suscitam expectativas, incentivam escolhas dos agentes económicos quer a nível do consumo, quer a nível do investimento, quer ainda a nível do endividamento, e depois, tendo em conta essas escolhas, muitas com efeitos (ou sem possibilidade de derrogação) a longo prazo, anunciam novas e contraditórias políticas, revogam as leis e legislam de novo, defraudam as expectativas existentes e criam a ideia que o Estado não é uma pessoa de fiar.

Se o Estado não é uma pessoa de fiar, ele não pode esperar racionalidade no comportamento dos agentes económicos, ou melhor, a racionalidade dos agentes económicos passa a incorporar, na construção do seu julgamento, a noção de que o Estado não é fiável. Será uma racionalidade enviesada, com resultados inesperados face à «racionalidade normal».

Ora uma das hipóteses de base do bom funcionamento da economia e da maximização do bem-estar é a da racionalidade económica. Se os agentes económicos não têm racionalidade económica, ou se a sua racionalização das decisões a tomarem se baseia na certeza de que, do Estado, não podem esperar certezas, antes suspeitarem o pior, os equilíbrios que se venham a formar neste mercado singular serão de previsibilidade difícil e certamente nunca conduzirão à maximização do bem-estar económico, nem de perto, nem de longe.

Outra tese dos mesmos autores é a de que os choques macroeconómicos com origem do lado da oferta têm efeitos mais profundos do que os do lado da procura. Ora o que tem sido feito em Portugal é exactamente o contrário – incentivar a procura através do aumento da despesa e depois tentar controlar desesperadamente o défice através do aumento das receitas porquanto a despesa pública tem uma característica muito incómoda: é de uma enorme rigidez.

Em Portugal, nos últimos anos, a tomada de medidas de curto prazo tem prevalecido nas decisões dos governos e das empresas, em detrimento dos objectivos estruturantes de médio e longo prazo. Em Portugal têm sido seguidas as políticas que Kydland e Prescott provaram conduzir a resultados indesejados.

É claro que a abordagem de Kydland e Prescott ajudou a fortalecer instituições credíveis e independentes do poder político, como dar cada vez mais autonomia e independência aos Bancos Centrais, a criação do Banco Central Europeu e o estabelecimento do PEC. Sempre com o intuito de evitar que os governantes tomem decisões com as “palas” postas, impedindo de ver tudo o que não se relaciona com as necessidades eleitorais. Devemos ao PEC que a nossa deriva económica não nos tivesse levado ao abismo. Não foi aos nossos governantes. Eles apenas agiram pressionados pelo PEC e não pelos seus instintos naturais.

Esperemos que não haja recaídas. Mas se tal acontecer, ao menos que o Case Study Portugal tenha a merecida audiência nas universidades americanas. Fazia-nos muito jeito sermos visitados por fornadas de alunos dos States, estudando o nosso país em seminários prolongados (há cá tanto que aprender como se não deve governar uma economia), dinamizando a hotelaria, a restauração e outros serviços.

Publicado por Joana às 12:23 AM | Comentários (7) | TrackBack

outubro 13, 2004

Cravinho recusa ser Cícero

O deputado socialista João Cravinho recusou-se a comparecer à audição na comissão parlamentar de Obras Públicas alegando que «não é o único responsável dos governos do PS pela implementação das auto-estradas Scut» e que lhe ser "imputada a responsabilidade política de todo o processo das Scut representa uma flagrante violação do princípio da objectividade e não discriminação na atribuição de responsabilidades políticas nos termos da lei".

Em vez disso, escreveu uma carta ao presidente da comissão, dando aquelas explicações para justificar a sua recusa em comparecer, e teceu diversas considerações sobre a bondade das SCUTs. Apesar de estar absolutamente convencido da excelência do negócio, não quis deixar de partilhar esse merecimento com os ministros que se lhe seguiram. Para ele, com a humildade que o caracteriza, apenas reivindicou a paternidade da ideia e a concessão da SCUT da Beira Interior (que aliás representa mais de 25% do custo anual previsto para as SCUTs), e mesma essa de parceria com o então ministro das Finanças, Sousa Franco.

Cravinho leva ainda a sua amabilidade em sugerir à comissão parlamentar que lhe comunicasse "os quesitos precisos correspondentes ao que se pretende saber", afim de poder prestar a sua "colaboração" com o "máximo de rigor”. Por escrito, claro.

Cravinho já tem publicado diversos artigos sobre a excelência daquele negócio. Como teme que os membros da comissão não leiam os jornais com a atenção requerida, ou considere que um negócio tão meritório exige um tratamento mais personalizado, promete escrever mais artigos sobre as SCUTs, mas desta feita dedicados apenas aos membros da comissão parlamentar de Obras Públicas. Certamente que os membros desta comissão ficarão sensibilizados com o anúncio de um tratamento tão personalizado e tirarão daí as devidas consequências.

Mas o que há de interessante em tudo isto é que a comissão se ia reunir para debater as virtudes ou vícios do negócio. Cravinho, que teve a paternidade do negócio, deveria exaltar as suas virtudes e Mexia, que se apresta para acabar com ele, verberar os seus defeitos. Aparentemente Cravinho teve receio de não ter os mesmos méritos e ser tão convincente, em controvérsia verbal, como à sua secretária, enchendo folhas de papel, em elegante cursivo e sem receio de contradita.

Acontece aos melhores. Cícero defendeu Milão da morte de Clódio tão desajeitadamente que Milão foi condenado ao desterro. Depois redigiu Pro Milone e enviou-o a Milão que lhe agradeceu e comentou:«se tivesses dito isto no julgamento não estaria agora, aqui, em Marselha, a comer peixes tão saborosos!». Cravinho, ao não comparecer na comissão, quis evitar uma prestação à Cícero. Achou que era injusto poder ser comparado a tamanho mestre da eloquência ... escrita.

Basta-lhe a glória das SCUTs e das muitas centenas de milhões de euros anuais que elas irão custar no próximo quarto de século, a menos que Mexia encontre um remédio milagroso.

Publicado por Joana às 11:45 PM | Comentários (10) | TrackBack

Um Ano

Faz agora um ano que este blogue começou. Não hoje, mas há uma semana. Foi em 6 de Outubro de 2003, mas só hoje me lembrei! O meu ego já não é o que era!

Iniciado com o intuito de “armazenar” alguns textos que havia escrito no Expresso Online, e que andavam perdidos no ciberespaço, rapidamente ganhou autonomia e constituiu um objectivo em si mesmo.

Não é fácil manter um blogue. O Semiramis acabou por ganhar autonomia própria e erguer-se perante mim como algo que me era exterior e que me comandava. Mas não foi um processo de Entfremdung, isto é, nunca deixei de reconhecer-me na actividade que aqui desenvolvia. Nunca fui vítima do fetiche do blogue. Todavia, muitas vezes interrogo-me se sou eu que giro o blogue, ou se é ele que me gere a mim. Frequentemente, e já me queixei aqui diversas vezes, sou acometida da síndrome do Bey de Tunis ... e tenho que me desenvencilhar à pressa enquanto as «botas do empregado da tipografia rangem no patamar da escada».

Julgo que com altos e baixos, cumpri a missão que me impus. Julgo que consegui alguma qualidade, que tenho deixado clara a minha independência e coerência, dentro obviamente da minha mundividência e dos conceitos e ideias que tenho sobre as questões económicas, políticas e sociais. Ser-se independente não é ser-se cinzento, nem é tentar agradar a gregos e troianos. Também não é dizer a primeira coisa que vem ao crânio sem avaliar as suas repercussões.

Procurei uma intervenção diversificada, não só na escolha dos temas, mas também na abordagem, quer mais sisuda, quer mais brejeira, mas sempre com seriedade.

Tentei igualmente evitar a superficialidade e fazer-me eco do «diz-se ... diz-se» com que se entretêm a maioria dos blogues nacionais e parte da nossa comunicação social. Sempre fundamentei as afirmações que fiz, embora admita que muitos dos meus leitores não considerem correctos quer esses fundamentos, quer essas afirmações.

Tenho deixado totalmente aberta a inserção de comentários, e isto apesar de, logo na primeira semana de existência, alguém ter colocado aqui 2.500 comentários repletos, cada um, de centenas de parágrafos todos iguais e todos imundos. Valeu, na altura, o apoio do gestor da Weblog, o Paulo, que apagou directamente no servidor toda essa enxurrada de obscenidades e a quem eu aqui renovo os meus agradecimentos. Mas esse era um problema menor. O assunto resolveu-se por si próprio, embora de tempos a tempos haja recaídas.

As novas versões do software de suporte da weblog possibilitam que só comentaristas, que se registem previamente, insiram comentários. Ou que os comentários sejam previamente analisados e só depois permitida a sua publicação. Prefiro a situação actual. O registo iria acrescentar uma complicação adicional para os comentaristas e não traria qualquer vantagem. Quem quer perseverar no insulto não se inibe pela necessidade de um registo.

Quanto à «censura prévia», mesmo que eu a desejasse, ela seria materialmente impossível. Durante as horas de expediente não tenho possibilidades de aceder ao blog. E mesmo fora desse período estou muito limitada pela minha vida familiar. Seria estulto obrigar um comentarista a esperar 5 ou mais horas para ver o seu comentário inserido.

Se deambularem pela blogosfera hão-de reparar que a maioria dos blogs ditos de «referência» impede, ou dificulta, a inserção dos comentários. Experimentem, por exemplo, comentar no blog de Paulo Gorjão, que teve honras de TV: impossível. Experimentem comentar no Abrupto ou no Causa Nossa: materialmente impossível.

Há tempos Vital Moreira comentou, no Causa Nossa, o meu post «O Neoliberal Vital Moreira». Tentei responder mas não o consegui, talvez por falta de jeito, e acabei por inserir quer o comentário do VM, quer a minha resposta, no meu blog e naquele post.

E nos blogs que se encontrem abertos experimentem inserir um comentário francamente discordante. Na maioria dos casos ele desaparece de lá num ápice.

Não farei tal coisa. Cada um é livre de dizer o que lhe aprouver, desde que não tente a obscenidade pura e simples. Nesse caso, logo que eu tiver oportunidade, apagarei o conteúdo do comentário. É isso que tenho feito. É apenas isso que continuarei a fazer.

E agora vou soprar a velinha.

Publicado por Joana às 07:22 PM | Comentários (35) | TrackBack

outubro 12, 2004

A Vitória dos Batanetes

O país digladia-se a golpes furiosos de parágrafos de alto poder explosivo. O verbo flui, dos lábios dos comentaristas, em obuses de megatoneladas de TNT que passam sobre as nossas cabeças, assobiando sinistramente, em todas as direcções. O som das explosões (e do silêncio do Prof Marcelo) é horripilante. Todos nós estamos transidos de pavor. O sangue escorre em abundância nas avenidas da informação e nas calçadas hertzianas. O país vai desmoronar-se.

Tudo isto se passa no nosso Universo. Naquele que construímos e onde nos desfazemos e amesquinhamos diariamente, persistentemente, em esforços entumecidos de Sansão: na comunicação social que se diz de «referência», entre os kamikazes da net, enfim ... no Universo que existe e o único que conhecemos.

Mas existe um outro Universo, certamente um Universo anti-matéria, onde um outro Big-Bang criou outros conceitos de espaço e de tempo e onde existe uma outra realidade, independente e inexorável. E nesse Universo anti-matéria ocorreu um caso insólito: a renúncia do Prof Marcelo fez com que, nesse domingo, dia 10, o humor de ‘Os Batanetes’, que veio substituir o seu espaço, fosse o preferido, com um ‘share’ de 49,5 por cento e uma audiência de 21,7 por cento, o que significa que foi visto por cerca de dois milhões de pessoas (no domingo anterior ‘Jornal Nacional’, com o MRS, conquistara um ‘share’ de 39 por cento e uma audiência de 15,6 por cento, tendo sido visto por cerca de 1 502 milhões de pessoas).

Nesse Universo anti-matéria, onde há Bolsas, pessoas despiciendas e défice de intelecto, a Media Capital viu os seus títulos subirem um máximo de 3,5 por cento, para 5,07 euros, o valor mais alto desde que a empresa está cotada em bolsa.

Já se fala que Miguel Sousa Tavares vai ser a próxima vítima dos Batanetes. A oposição está neste momento recolhida em oração aos seus padroeiros (santos ou livres pensadores, conforme o caso) para implorar que o ministro Rui Gomes da Silva faça qualquer referência, directa ou indirecta, ao verrinoso comentarista, de forma a lançar a sua anunciada saída a crédito da «ditadura» que nos oprime.

O próprio Miguel Sousa Tavares, segundo fontes normalmente bem informadas (e asseguro que o são, porquanto são as mesmas que o Expresso consulta semanalmente), teria feito uma promessa que deixaria de fumar e se faria sócio do Benfica se a sua demissão, a ocorrer, tivesse fumos políticos e não se resumisse a uma simples e humilhante substituição pelos Batanetes.

- Batanetes nunca! Antes o Santana! Até a visão da bocarra da Manuela Moura Guedes é preferível! – teria exclamado em compreensível e soluçante desvario.

Regressando ao nosso confortável Universo, os desejos continuam a prevalecer sobre as realidades. No caso do Marcelo, como se sabe, todos os intervenientes negaram que houvesse pressões sobre a TVI, mas a força do desejo prevaleceu sobre o empecilho do facto.

Coube agora a vez a Pacheco Pereira apresentar uma teoria da conspiração, escrevendo «O truque é fazer com que, durante uma hora, em sucessivas televisões, em horas desfasadas, passe o tempo de antena, em vez de ser simultâneo como devia. O método é fazer combinações contraditórias, em segredo, com diferentes canais. É uma falta de lealdade com os que são enganados, e imagino como é que se deverá sentir a “televisão pública”, ludibriada.». Ora o apresentador da RTP1 (ludibriada) havia dito, durante o Telejornal, que tinha visionado primeiro a cassete. Hoje, o director de informação da RTP1, José Rodrigues dos Santos, disse à agência Lusa que foi decidido «transmitir depois de verificarmos as referências indirectas ao caso de Marcelo Rebelo de Sousa», explicando que «a nossa opção foi visionar até ao fim e só depois decidir se passávamos na íntegra».

Esta afirmação é um desmentido público da teoria conspirativa de JPP. Ao que parece, e já era claro para quem viu ontem o Telejornal da RTP1, aquela teoria conspirativa é uma falsificação grosseira da realidade, é a construção de uma mente perturbada por ódios pessoais que já não consegue raciocinar com objectividade.

O governo de Santana Lopes está a levar a cabo uma política que é certamente controversa, numa situação económica, interna e externa, muito complexa e difícil. Estas são as questões centrais com que Portugal se debate neste momento. Pacheco Pereira e outros barões do PSD deveriam debater estas matérias controversas em lugar de imaginarem teorias da conspiração. A oposição devia igualmente preocupar-se com o que é substancial e não tentar manobras de destabilização falsificando a realidade, ou tomando os seus desejos pela realidade. Cada vez mais descuramos o essencial, para nos concentrarmo-nos no supérfluo.

Provavelmente, em matéria de comunicação social, faria mais sentido estarmos a discutir que país é que estamos a construir em que os Batanetes, Quintas das Celebridades, etc., têm a primazia nas audiências e levam a que a comunicação áudio-visual pretira outras opções intelectualmente (talvez) mais estimulantes. Um país onde o entretenimento simplório prevalece sobre a cultura e o debate político. Um país onde a cultura é veiculada de uma forma entediante por gente provinciana e auto-convencida que não sabe tratar a cultura por tu. Um país onde o debate político tende a abastardar-se ao concentrar-se na discussão dos casos, em vez de debater as coisas.

Um país onde as pessoas prescindem da cultura, anquilosada, e da política, mesquinha, em troca do entretenimento papalvo.

Um país onde nos açulamos sobre quem tem razão, se Marcelo, se Santana, quando quem tem razão são os Batanetes.

Afinal, quem triunfa são os Batanetes, e os papalvos somos nós.

Publicado por Joana às 07:45 PM | Comentários (41) | TrackBack

outubro 11, 2004

A Comunicação do Primeiro Ministro

A comunicação de Santana teve três objectivos principais. O primeiro, que foi apenas aflorado, mas que esteve omnipresente como pano de fundo, foi a de colocar a questão da saída de MRS da TVI na sua verdadeira dimensão. O segundo foi o de dar uma ideia muito sumário das linhas fundamentais do Orçamento de Estado que o Governo vai apresentar nos próximos dias. O terceiro foi um panegírico, ao jeito dele, da actividade do seu governo e dos governos desta coligação. Vou analisar sumariamente a forma como esses objectivos foram enunciados, porquanto tenho opiniões diferentes sobre cada matéria.

Relativamente ao primeiro objectivo estou de acordo com a ideia geral, embora tenha dúvidas sobre se foi apresentado da forma mais adequada. Em qualquer dos casos, o ruído que esta questão levantou e a orquestração dos órgãos de comunicação no seu concerto de críticas absurdas, porquanto eram fundamentadas apenas em presunções que os próprios negaram, e em defesa de alguém que, como pessoa, nunca foi um exemplo de verticalidade, indicia que o objectivo não era a «liberdade de informação», que nunca esteve em risco, mas a criação de um clima de instabilidade social, como tem acontecido, periodicamente, desde que esta coligação subiu ao poder.

Por falar em «liberdade de informação», PSL disse algo, que não sei se terá seguimento, mas que é importante: a de implementar «uma nova entidade reguladora, e numa lei da imprensa com suficientes garantias para os profissionais, mas principalmente, para os cidadãos que queiram fazer ouvir a sua voz.». Ora aqui está o busílis. Os jornalistas sacralizaram-se como o altar da liberdade de opinião. Mas os cidadãos têm dificuldade em fazerem ouvir a sua voz. Por exemplo, ela é sistematicamente negada quando escrevem para as colunas de opinião, desde que contrarie a «opinião» prevalecente no jornal, a menos que apresentem outra «opinião» bastante contraditória na mesma coluna. Conheço diversos exemplos nessa matéria e tenho uma péssima ideia da «liberdade de informação» que os jornalistas outorgam aos seus leitores. E falo de jornais de referência, que a si próprios se intitulam estandartes da democracia, como O Público.

Quanto ao Orçamento de Estado só foram apresentadas linhas muito gerais, que não dão para perceber como as questões serão resolvidas na prática. PSL retomou a frase do PR sobre "a vida que existe para além do orçamento". Pois existe ... mas se o orçamento é escasso, é uma vida de miséria ...

PSL fala em «baixar o IRS, de aumentar as pensões, de subir os vencimentos de toda a função pública. ... reduzir as taxas de IRS sem deixar de fazer a normal actualização de escalões. As pensões aumentarão entre um mínimo de 2,5% e um máximo de 9% ... resolver o problema do deficit continuado e crescente do Serviço Nacional de Saúde ...» o fim das SCUTs, etc. Referiu igualmente a necessidade do Estado pagar as suas dívidas, que causam um grande embaraço financeiro aos seus fornecedores e empreiteiros e que dão uma péssima imagem das instituições.

Julgo que PSL está ser muito optimista. O descontrolo do défice do SNS é um problema de gestão e de organização dos serviços e não se cura por decreto, até porque há muita gente, dentro e fora do SNS, interessada nesse descontrolo, do qual tira muitos proveitos pessoais à conta do erário público. A questão das SCUTs é muito delicada de resolver. PSL tem toda a razão em acusar «a inconsciência de quem construiu auto-estradas, adiando o seu pagamento para um tempo em que sabia que já não teria responsabilidades governamentais». Todavia ele faz declarações públicas de que vai resolver aquele problema e eu tenho sérias e fundadas dúvidas de que, relativamente aos contratos já em vigor, o balanço benefício-custo da liquidação das SCUTs, se ocorrer, cubra os custos anuais actualmente previstos. Pior, duvido que cubra mais de 20% ou 30% daqueles valores. Já me debrucei aqui, mais que uma vez, sobre esse assunto e endereço, quem tiver curiosidade, para um desses posts.

Ora representando a dívida do Serviço Nacional de Saúde perto de 3 mil milhões de euros e a despesa anual com as SCUTs cerca de 600 milhões de euros, se o governo não conseguir eliminar estes montantes enormes, ou eliminar apenas uma pequena parcela, as promessas contidas no orçamento ficam comprometidas (ou então é o próprio equilíbrio orçamental que fica em sério risco). Encaro assim com sérias reservas muitas das coisas que foram ditas sobre esta matéria. Mas este é um assunto que só pode ser esclarecido depois do orçamento ser apresentado na AR.

Ainda sobre esta questão queria sublinhar que o PS cometeu um erro ao pôr Guilherme de Oliveira Martins a criticar esta matéria, como resposta à comunicação do PSL. Guilherme de Oliveira Martins é uma excelente pessoa, todavia teve o azar de ser o último Ministro das Finanças de Guterres, e de nunca ter acertado no valor do défice do ano anterior. Disse os valores mais díspares e hílares, até a derrota eleitoral o ter aliviado de tamanha tortura e auto-flagelação. Por outro lado fez uma crítica que não é verídica. Afirmou que, pela primeira vez, o Orçamento de Estado foi apresentado em público antes de o ser no parlamento. Tal não foi verdade. Só foram apresentadas orientações muito gerais e isso é normal os governos fazerem.

Quanto ao panegírico sobre a sua governação, não me parece que PSL tenha exagerado relativamente ao que é hábito ser feito. O canto de sereia de Guterres ecoou nos éteres portugueses durante 6 anos e não causou alarido. Também há que reconhecer que era um cântico anestesiante...

PSL sublinhou a necessidade de haver «a estabilidade institucional, no cumprimento da Constituição, e a estabilidade da coligação que suporta, maioritariamente, o Governo, na Assembleia da República.», mas isso não é mais do que constituiu o fundamento da decisão do PR de indigitar Santana para primeiro-ministro. Todavia era importante PSL assinalar isto, porque o PR vive num enorme equívoco. O PR não convocou eleições em nome da estabilidade. Então não pode ser ele próprio um fautor da instabilidade através dos seus múltiplos recados e avisos ao Governo, amplificados por uma comunicação sedenta de sangue. Ter chamado MRS a Belém apenas serviu para fornecer material incendiário à comunicação. A questão MRS não era um assunto de Estado e o PR só se ridicularizou ao agir da forma como o fez.

Concluindo, uma comunicação que não trouxe novidades, nem disse nada que não se soubesse, mas que marcou uma posição institucional que era essencial ser tomada, face ao completo desvario comunicacional dos últimos dias que fez Portugal assemelhar-se a uma republiqueta latino-americana onde os ânimos se exaltam com o supérfluo e ignoram o essencial.

Publicado por Joana às 10:58 PM | Comentários (35) | TrackBack

outubro 10, 2004

Portugal está Enfermo

Quando escrevi aqui, há dias, uns textos sobre o advento da República, não o fiz por uma mera intenção de recordar a efeméride. Fi-lo igualmente para recordar que em matéria política e social, quem semeia ventos colhe tempestades.

Tem sido repetido à exaustão que o regime emergente do 25 de Abril não deveria repetir os erros da 1ª República, pois esses erros haviam conduzido a um ambiente social que facilitou a instauração da ditadura. Este apelo continha, porém, um vício de análise profundo. A 1ª República foi vítima da crise social e de valores que ela própria perverteu durante as duas décadas que precederam a implantação da república. Como escrevi na altura, a 1ª República acabou por cair na armadilha que havia construído para os outros – a permanente chicana política, a difusão de boatos sem consistência com o intuito de enlamear as figuras publicas e a classe política em geral, a apologia da violência como arma política, a assimilação da conspiração e do terrorismo a valores respeitáveis e heróicos da luta política, a promoção dos autores de atentados e dos regicidas a heróis nacionais, exaltando a sua figura e organizando sessões e romarias em sua memória.

Um regime em que muitas das suas figuras emblemáticas ascenderam ao poder, lançando lama sobre a classe política anterior, ao tornarem-se poder, tornaram-se igualmente alvo da lama e do descrédito da classe política. Quando os valores de uma sociedade são degradados, essa degradação atinge também aqueles que a promoveram. Ficaram reféns do próprio aviltamento das instituições e valores que provocaram. A 1ª República caiu porque quando se implantou já continha em si o gérmen da sua liquidação. Só faltava saber se cairia às mãos dos republicanos moderados de Pimenta de Castro, do presidencialismo populista de Sidónio Pais, ou da ditadura do 28 de Maio. Quanto mais tarde fosse liquidada, maior seria a factura a cobrar.

Portugal vive, desde há vários anos, um clima de permanente chicana política cuja génese está na classe política e na comunicação social. São estatisticamente muito minoritários dentro da sociedade, mas apenas eles detêm a capacidade de falar e escrever publicamente. Somente alguns órgãos regionais e meia dúzia de sítios da net escapam a esta Gleichschaltung und Tarnung comunicacional, onde a comunicação social exerce um totalitarismo comunicacional dissimulado por constantes alertas sobre os perigos de um alegado controlo externo dos mídia. É o gatuno a simular a inocência, gritando «agarra que é ladrão!».

Portugal está doente e essa doença alastrou por todo o corpo social. A nossa juventude está a perder hábitos de trabalho e apenas alguns se empenham no estudo, apesar das dificuldades constituídas pelo contrapeso, cada vez maior, dos que vão para a escola apenas com intenções lúdicas. Alunos do Leste europeu, ao fim de 2 anos, são os melhores alunos das turmas e, frequentemente, os melhores alunos em Português, eles, que desembarcaram em Portugal não sabendo soletrar uma palavra da nossa língua materna.

Quando adultos reclamamos contra a situação social, exigimos reformas mas protestamos quando se tentam implementar essas reformas porque a sua concretização nos afecta directamente ou nos atinge em alguns interesses particulares. Consideramos excessiva a despesa do Estado, mas recusamos que a sua contenção seja feita através de um maior rigor no desempenho da função pública e da perda de algumas mordomias que desfrutamos. Criámos um monstro que consome a maior parte da riqueza que penosamente criamos e que não conseguimos reformar porque ele se recusa a tal e o lobby que o sustenta é mais poderoso que a nossa força para o mudar.

Há uma imunodeficiência adquirida pela nossa sociedade que a torna inerme perante esta enfermidade que a corrompe e avilta. E o alastramento dessa doença acelerou-se na última década pela emergência do BE na vida política portuguesa. Até aí tínhamos um partido anti-sistema que lutava por causas, com as quais podíamos não concordar, mas que eram causas sociais e políticas cuja sustentação era legítima. Mesmo quando utilizava métodos considerados malevolentes, havia limites que não ultrapassava. Porém o BE não é um partido de causas, mas um partido de casos. O BE vive da permanente chicana da vida política, sustenta-se do enxovalho contínuo da classe política a que ele finge não pertencer, medra na baixa intriga e nos processos de intenção, que em Portugal sempre fizeram a delícia de alguns extractos sociais urbanos que vivem na ociosidade, mesmo quando alegadamente trabalham.

E a lama e a imundície que o BE lança sobre a política e a sociedade são disseminadas profusamente através dos ventiladores de que dispõe na comunicação social. O BE tem na comunicação social um peso e uma influência completamente desproporcionados face à sua implantação social. E usa-os para degradar os já aviltados valores do país. Com que fins? Nem ele sabe. Os partidos radicais não têm estratégias de longo prazo, apenas tácticas imediatistas de intriga e envilecimento político. A longo prazo apenas perseguem quimeras. E quando as tácticas resultam e a sociedade é abalada nos seus fundamentos, são eles as primeiras vítimas do refluxo da maré.

E o BE fez escola. Basta lembrarmo-nos do terrorismo parlamentar do PS, da aliança Povo-RTP e dos prenúncios a PREC que ocorreram nos primeiros meses da actual legislatura.

Estou pouco preocupada que o BE, ou qualquer dos seus émulos, venha a ser essa vítima: quem semeia ventos colhe tempestades. Mas estou cada vez mais preocupada pela evolução da vida política, social e económica de Portugal, pelo aprofundar do nosso atraso e pela nossa manifesta incapacidade de sair da situação para onde temos sido arrastados, por nossa culpa, e na qual nos afundamos, cada vez mais. O país está doente e a parte sã do seu corpo não parece ter capacidade de regenerar o todo colectivo.

A questão já não é a de termos deixado de ver a luz ao fundo do túnel. O grave é que já não vemos a luz no topo do poço.

Publicado por Joana às 07:51 PM | Comentários (43) | TrackBack

outubro 08, 2004

The Importance of Being Marcelo

Portugal é um país feliz, próspero, com um amplo consenso social sobre a invejável situação em que se encontra a sua prosperidade económica, os seus elevados níveis salariais, o seu eficiente sistema fiscal, a excelência dos seus transportes, o extremoso apoio à maternidade, a superior qualidade do seu sistema de ensino, a rapidez e equidade da sua justiça, etc., etc..

Um país destes não tem história. Nem tem notícias. Que desespero, os publicistas acordarem um dia e não terem matéria sobre que escreverem! Debitar um panegírico sobre o sistema político, causa de tanta abundância? Mas os panegíricos, desde a crise do sistema feudal, deixaram de atrair audiências. Relatar um crime e refastelar-se no sangue e carne estraçalhada? Mas numa sociedade tão próspera e consensual não há crimes. Que fazer?

Finalmente três notícias: um ministro tinha criticado as “críticas” de um comentarista; o mesmo comentarista resolveu cessar o seu comentário dominical; o mesmo comentarista teve, de permeio, uma conversa com a entidade patronal.

Para um país sem problemas, estes inusitados acontecimentos tiveram o efeito de uma bomba. Os jornalistas, até então falhos de assunto, lançaram-se sobre este filão, com a ferocidade que ele merecia: «Democracia a saque»; «um caso de demência antidemocrática» provocado pelos «nostálgicos do 24 de Abril e dos métodos totalitários»; «golpe de Estado mediático»; «intolerável propensão censória e antidemocrática»; «manipulação mafiosa, da eliminação sem escrúpulos, da intervenção brutal»; o país «trilha o caminho da ditadura»; etc., etc.

Todos os jornalistas eram unânimes: era evidente o nexo de causalidade entre aqueles três acontecimentos e o governo estava a manipular a comunicação social e a atentar contra a liberdade de imprensa.

Depois desta unanimidade, fiquei mais tranquila: se o governo manipula a comunicação social, é para esta mentir e esconder a verdade. Logo, tudo o que eu havia lido e ouvido era mentira. Não passava de uma enxurrada de aldrabices que os jornalistas tinham sido unanimemente coagidos a escrever pelo autocrático governo. Segundo a lógica:

1) Se há uma ditadura, os jornalistas são obrigados a escreverem mentiras. E, portanto, estão a mentir quando escrevem que há ditadura sobre os meios de comunicação;
2) Se não há uma ditadura, então estão a mentir ao escrever que há ditadura sobre os meios de comunicação

Mas isso sucede em países onde as lógicas aristotélicas embrutecem o raciocínio. Portugal celebrizou-se justamente por dar novos mundos e conceitos ao mundo. Pela primeira vez o mundo assistia ao estabelecimento de uma ditadura absoluta e feroz sobre os meios de comunicação com o fim de os obrigar a escrever que ... havia uma ditadura. E a autocracia extrema do governo foi totalitariamente eficaz: nenhum jornalista se rebelou, nenhum lutou contra essa malevolente imposição ... todos se curvaram e repetiram em coro que o país «trilha o caminho da ditadura».

Porque se não o fizesse, lá estaria vigilante o Censor: «Pois quê, você teve a ousadia de escrever que havia liberdade em Portugal? Seu subversivo! Rasgue já isso e escreva imediatamente que eu sou «um caso de demência antidemocrática» e estou acometido de uma «intolerável propensão censória e antidemocrática»!

E nem os blogs escaparam. Um deles foi mesmo chamado à colação ... perdão, à televisão para corroborar a situação de ditadura e conspiração contra as liberdades democráticas reinantes no nosso país

É claro que todos os protagonistas próximos, ou distantes, do psicodrama do comentador Marcelo, negaram ter quaisquer influências ou feito quaisquer pressões. Esqueciam-se que estavam numa ditadura. Os jornalistas, sempre com olhar acerado do Censor por detrás dos seus ombros, rabiscaram atemorizados: «Quanto mais é negado, mais parece claro que houve fortes pressões». É evidente que tamanho atropelo à lógica só poderia provir da coacção física, moral e material exercida pelas forças da ditadura sobre os apavorados jornalistas.

E assim os jornalistas foram compelidos a criticarem o governo por este criticar uma crítica. A «Crítica da Crítica Crítica» não é novidade. Foi com um alfarrábio com este título que Marx encetou a sua nefanda missão de destruir os alicerces da nossa civilização. Nada disto é por acaso. Temos um governo ditatorial que se apresta a utilizar métodos marxistas, através da «manipulação mafiosa, da eliminação sem escrúpulos, da intervenção brutal», conforme escreveu um comentador jornalístico que deve saber do que fala, porquanto já foi figura de proa de todas as correntes políticas, sociais, filosóficas que estiveram em voga nos últimos 50 anos. Não só de todas as correntes, como, em cada uma, de todas as respectivas facções e sub-facções.

E eu falo com fundamento. Basta ver a nomeação do embaixador José Cutileiro para a presidência não executiva da Global Notícias, empresa da Lusomundo Media, "holding" de comunicação social do grupo PT. José Cutileiro especializou-se em acções que exigem férrea determinação e requerem a aplicação de poderosos meios militares e policiais para impor a autoridade. Foi ele que dirimiu o conflito na Bósnia-Herzegovina. Há um evidente nexo de causalidade entre uma coisa e outra. O governo vai manter, ou mesmo reforçar, a ditadura que exerce sobre a comunicação social e que a obriga a escrever tanto disparate.

Como o Estado tem todos os problemas da coisa pública resolvidos, o Presidente da República decidiu quebrar o ócio e chamar o comentador Marcelo a Belém. Tinha que o fazer: tratava-se de um óbvio assunto de Estado. Isto é, era um assunto de Estado, porque o Estado, infelizmente, já não tinha assuntos. Uma analista “desalinhada” escreveu que «é o próprio Presidente que está a perder o sentido de Estado». Não percebo como ela escapou ao lápis azul. O PR não pode perder uma coisa que já não existe. Sentido de Estado? Quem o tiver que se acuse. Talvez enfileire ao lado das gravuras de Foz-Côa e das pegadas dos dinossáurios e se torne numa atracção turística.

Há gente que é predestinada. Nos últimos anos houve milhares de portugueses que se demitiram ou foram demitidos. Entre eles, certamente, muitos jornalistas. Apenas um despertou este alarido, absorveu o interesse de toda a comunicação social, foi recebido pelo PR ao abrigo do estatuto de vigilante da coisa pública, estatuto criado justamente para vigiar este caso. Apenas um: Marcelo (por parte do padrinho) Rebelo de Sousa (por parte do pai).

E se conseguiu esta projecção não foi por ter falado ... mas por se ter calado. Todos exaltam a forma magistral como sabe gerir o seu silêncio. Fazem-me lembrar aqueles comentadores desportivos que se extasiam perante a forma com certos jogadores jogam ... sem bola. Por falar em bola, Luís Filipe Menezes afirmou que Marcelo protagonizou o atacante que, ao passar de raspão por um defesa, dentro da grande área, se atirou para o chão para ver se o árbitro marcava grande penalidade. Talvez tenha razão na sua metáfora futebolística ... às vezes é na voz dos simples que florescem as verdades!


Nota: Um dos jornalistas vítimas da censura governamental foi “obrigado” a escrever sobre a «a originalidade de se ver um ministro e um Governo a responderem a opiniões de comentadores». Há que reconhecer que tem toda a razão. Até agora apenas o PR havia feito isso.

Outros textos sobre o mesmo assunto:
O Pivot Portela
A Vingança do Perdedor Eterno
A Vitória dos Batanetes
O Velhaco Genial

Publicado por Joana às 11:18 PM | Comentários (31) | TrackBack

outubro 07, 2004

O Velhaco Genial

É notório e insofismável que o ministro dos Assuntos Parlamentares Rui Gomes da Silva errou e foi inábil nas suas apreciações sobre o comentário dominical de Marcelo Rebelo de Sousa. O ministro tem todo o direito de contradizer ou opinar sobre as afirmações do professor e contestar essa faculdade seria retirar ao ministro a capacidade de exercer o seu direito de cidadania. Já o apelo feito pelo ministro à intervenção da Alta Autoridade contra um eventual delito de opinião de um comentador foi um disparate e uma inabilidade. Um disparate, porque não faz sentido o princípio do contraditório aplicado ao comentário de um dado analista político; o que interessa é haver no conjunto da programação a aplicação daquele princípio. Uma inabilidade porque cometer esse erro num acto de antagonismo com o professor é uma tremenda ingenuidade política. Pisar um ninho de cascáveis seria menos perigoso.

Em segundo lugar existe um psicodrama em Portugal. Santana Lopes (ainda mais que Paulo Portas) induz em certos meios intelectuais e da comunicação social uma patologia que é um misto de “pele de galinha”, urticária e esquizofrenia obsessiva-compulsiva. Gente que aparenta sensatez, educação, boas maneiras ... ouve falar do PSL como primeiro ministro e é acto contínuo atacada por uma paranóia maníaco-agressiva desvairada e azeda. Por exemplo, até há poucos meses julgava-se que apenas o tabaco e o FC Porto provocavam distúrbios emocionais e disfunções da personalidade de M Sousa Tavares. A partir de Junho deste ano o PSL foi acrescentado à lista de germes patogénicos que punham em risco a saúde mental do conhecido comentador.

Marcelo Rebelo de Sousa parecia imune a estas patologias. Digeriu, por exemplo, a ascensão de P Portas ao governo com a elegância que sempre o caracterizou, passando-lhe a mão pelo ombro e aproveitando-a para enterrar, afectuosa e semanalmente, a adaga acerada e subtil da sua verve. Várias vezes o apelidei aqui de velhaco genial que me parece ser o cognome que melhor caracteriza a sua personalidade de analista político.

Ora um «Velhaco Genial» com a reputação e a auréola de Marcelo não capitula num qualquer fugaz jantar com um empresário da comunicação social, isto admitindo que Paes do Amaral tenha pedido ao comentador político para se moderar nas críticas ao Governo e ao PSL, e Paes do Amaral negou que o tivesse feito. Não vou pôr em causa a sua negação. Se ele o não fez, muitos o têm feito e continuarão a fazer. Só hipócritas acreditam que todos os jornalistas escrevem (ou dizem) o que muito bem entendem. Qualquer artigo ou notícia passa pelo crivo dos escalões hierárquicos superiores e a estratégia da comunicação é definida pelas chefias.

E porque não haveria de ser assim? Quem outorgou ao jornalista A ou B a categoria de detentor da verdade absoluta e incontestável? Tem que haver equilíbrio informativo e formativo e alguém, indivíduo ou grupo, em cada órgão de comunicação social será responsável por assegurar esse equilíbrio. Quem viu o filme «Os Homens do Presidente» e observou as cautelas dos editores do Washington Post, e a «censura» que fizeram à divulgação do Caso Watergate até estarem seguros que podiam avançar com segurança e certezas, não pode deixar de estar de acordo com o processo. Mas quem apenas viu o filme até meio, e desconheceu o seu desfecho, poderia ser tentado a acusar os editores do jornal de censura hedionda. E o filme da vida real nunca termina ...

Portanto a liberdade de imprensa não é a liberdade de qualquer um dizer o que pensa, mas o equilíbrio informativo, o rigor e a permanente busca da verdade o mais objectiva possível.

É óbvio que se Paes do Amaral tivesse feito aquele pedido (e ele garante que não o fez) a instâncias do governo, o caso mudaria de figura. Os governos não devem interferir na liberdade da comunicação social, embora essa interferência sempre tenha acontecido e só tenha perdido a acutilância inicial, depois do aparecimento dos canais privados.

Rui Gomes da Silva foi (aliás, tem sido) inábil, mas nem PSL, nem Morais Sarmento cometeriam a imprudência de pressionar a TVI. Era um tiro no pé. A saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI, após um conflito verbal com um ministro, seria péssima para a imagem do governo porque seria sempre lançada, quer fosse verdade ou não, a crédito da influência governativa.

Portanto, todos os protagonistas, ou alegados protagonistas, deste psicodrama negam veementemente que tenham feito, directa ou indirectamente, qualquer pressão sobre Marcelo Rebelo de Sousa, excepto o próprio Marcelo que ... guarda de Conrado o prudente silêncio.

Todavia, para quem conheça o professor não custa nada a admitir que esta saída da TVI seja uma monumental rábula, aproveitando uma série de circunstâncias que lhe confeririam uma imagem vitimizadora. Carlos Magno, que não pode ser considerado fã do PSD e do PSL, contou há horas um episódio ocorrido perto do fim do governo Balsemão, na época da demissão de Freitas do Amaral, onde Marcelo, então membro do governo, mas que garantia estar demissionário, fez a rábula de se ter ausentado para o Mónaco (com fotografia “retocada”, nos jornais, em que o seu rosto aparecia numa piscina do principado) enquanto se passeava pelo Porto, segundo testemunho do próprio Carlos Magno.

Uma coisa é gostar de ouvir o professor perorar sobre a vida política, quer se esteja ou não de acordo com ele. Ele tem uma invulgar capacidade de comunicação e sabe ministrar o veneno com a elegância e o requinte com que uma fidalga do século XVIII servia um inocente chá no seu aristocrático salão. Adoro vê-lo fazer isso! Outra é acreditar na sua fiabilidade como pessoa. Como diz o povo:«Quem vê caras, não vê corações».

O que é um facto é que Marcelo se tornou, em poucas horas, no herói impoluto de um vasto leque do espectro político, desde M S Tavares, passando pelo BE, pelo PCP, pela Intersindical, pelo PS (todo o PS!), pelo J P Pereira e acabando em ... M S Tavares. Freitas de Amaral, que só ele talvez saiba em que zona do espectro político se situa, veio compungido, de óculos embaciados pela humidade, derramar lágrimas sobre o 25 de Abril amordaçado! Neste momento de suprema emoção, todos, enternecidamente, já esqueceram a cicuta que o professor, ao longo de mais de 4 anos, os fez beber, a todos, e repetidas vezes.

Se isto foi uma rábula, eventualmente facilitada pela inabilidade do ministro Gomes da Silva, veremos nos próximos meses qual será o percurso político-mediático do «Velhaco Genial». Se me enganar, também se verá nos próximos meses.

Publicado por Joana às 10:46 PM | Comentários (55) | TrackBack

Sampaio regressou ao país

O Presidente Sampaio produziu, aproveitando as comemorações da implantação do regime político que lhe permitiu ter o seu actual emprego, afirmações com as quais estou de acordo. Verifico aliás, com bastante surpresa, que nos últimos meses tenho concordado com quase tudo o que o PR diz. Algo se está a passar ...

Há uma coisa que certamente se está a passar. O PR pediu o fim de medidas avulsas e exigiu um projecto claro e consistente para o país. Plenamente de acordo. Mas o PR está há 8 anos investido daquela suprema magistratura. O país conheceu entretanto três Governos. Por lá passaram Guterres e também Barroso ... e agora Santana. Deu posse a muitas dezenas de ministros e outras dezenas foram demitidos. Centenas de leis foram produzidas. E o que diz Sampaio ao actual primeiro-ministro? Que é preciso fazer as reformas estruturais. Por onde terá andado o PR estes 8 anos para apenas agora, irromper pelo proscénio, erguer a fronte, esticar o dedo, elevar a voz e declamar: quero reformas estruturais e nem mais uma medida avulsa! Pois se o PR tem passado estes oito anos a promulgar medidas avulsas. Onde é que tem havido reformas estruturais?

E o que é paradoxal naquele discurso, aqui e agora, é que justamente, aqui e agora, se estão a começar a esboçar reformas estruturais. Não é verdade que tem havido um combate mais efectivo à evasão fiscal? É ... mas o mais paradoxal é que aqueles que durante anos não fizeram nada para combater a evasão fiscal são os que mais elevam a voz agora, exigindo um combate mais efectivo a essa evasão. Há mercados que se liberalizam com fortes custos políticos e sociais (mercado do arrendamento) ou empresariais (mercado da energia). Anuncia-se um corte drástico nos benefícios fiscais. O incremento dos regimes privados de reforma significa um corte da relação exclusiva entre o Estado e a Segurança Social. Há reformas que se estão a implementar no domínio da saúde visando tornar esses serviços mais eficientes e menos perdulários. Etc., etc..

Há muita coisa a acontecer. A catadupa de medidas é tanta que o próprio Santana se baralha e um dia afirma uma coisa e dias depois o seu contrário. A velocidade que se está a imprimir à coisa pública é tal que um dia decide-se executar uma medida e uma semana depois decide-se estudá-la.

A vertigem da coisa feita conduziu ao paradigma que servirá de adágio(*) a este governo: «decidir com fé, realizar com dúvida»

Por exemplo, o fim das SCUT é uma medida de grande impacte orçamental. A rubrica SCUT e as respectivas dotações irão desaparecer dos próximos orçamentos. Não é um alívio? Só falta saber em que rubrica orçamental se irão inscrever as verbas destinadas aos concessionários pelas indemnizações devidas pelas alterações unilaterais dos contratos, principalmente se se tiver em conta a ribaldaria que foram as adjudicações das primeiras SCUT. A menos que seja o próprio Estado a cobrar, através de portagens electrónicas, aos utentes dessas vias. Nessa circunstância apenas terá que pagar a diferença entre essas portagens, que ele irá cobrar com um tráfego muito mais reduzido, e as dotações anuais previstas nos contratos. Uma coisa é segura: mesmo que tenha que despender 80 a 90% dos valores actualmente previstos, esses montantes nunca ficarão inscritos nessa malfadada rubrica SCUT.

Por onde terá andado o nosso presidente?

(*) Honni soit qui mal y pense. Não tem nada, mas mesmo nada, a ver com a cultura musical de qualquer dos citados

Publicado por Joana às 12:24 AM | Comentários (9) | TrackBack

5 de Outubro – Monarquia sem monárquicos

Foi o próprio D. Carlos que teria afirmado ser Portugal uma «monarquia sem monárquicos». Este é talvez o mais importante facto relativo à monarquia portuguesa: era uma monarquia de republicanos, no sentido em que quase toda a gente, mesmo entre os líderes dos partidos do Governo, achava a «república», no sentido ideal definido por Antero, um regime superior à monarquia. Se se contentavam com a monarquia, era apenas porque se presumia que o povo português não estivesse preparado para se governar a si próprio. A realeza era, assim, apenas um contrapeso ordeiro à soberania popular. A função do rei seria meramente interina, até o país estar apto a tornar-se numa república, uma força conservadora cujo papel se reduzia a manter um passado, à espera de um eventual futuro. Mas esse passado não tinha sido brilhante naquilo que dizia respeito aos Braganças, que Oliveira Martins acusara de querer vender o Brasil aos Holandeses, durante a Restauração, e de abandonar Portugal a Napoleão um século antes.

Para Malheiro Dias, a única coisa que podia salvar os reis era serem o «resumo das aspirações colectivas». Tinham-se promovido a essa situação simbólica, a um princípio, os monarcas de Inglaterra, Alemanha e Itália. Os ingleses representavam um consenso, os alemães e italianos um propósito agressivo de expansão. Os Braganças não eram uma glória nacional, nem um princípio, mas apenas um expediente temporário.

D. Carlos, quando tinha opiniões, tinha as de um «liberal». Como todos os «liberais», convencera-se de que a monarquia só podia sobreviver se o rei fosse o primeiro dos democratas. Ser impopular à esquerda angustiava-o tremendamente, porque era quase como ser impopular entre os seus correligionários. Infelizmente, para ele, D. Carlos conservou-se frequentemente indiferente ao governo do País, muito ocupado com as suas caçadas, pinturas e aventuras amorosas.

Os chamados «políticos monárquicos» eram apenas republicanos que por conveniência, aceitavam a dinastia. Era neste sentido muito restrito e ordeiro que o próprio João Franco se dizia leal à coroa. Em Maio de 1903, ele explicava essa parcialidade pela dinastia porque «não pode haver Portugal, como ele é há oito séculos, sem monarquia». As causas eram «internas, peninsulares e internacionais». A monarquia em Portugal significava a independência do Estado português na Europa e a ordem nas ruas. E o «atraso da nossa educação cívica mais consolida isso». Ou seja, Franco, como todos os outros políticos «monárquicos», era «monárquico» por defeito, por cepticismo, por cautela conservadora, e não por paixão dinástica. Ele próprio só não era republicano por conveniência, porque considerava que atacar a dinastia não era sintoma de mais do que de simples protestos ou puro idealismo. Como resultado disto, a política «monárquica» consistia, acima de tudo, não em promover a dinastia, mas em desvalorizar a questão do regime. Os «monárquicos» deixavam entender que só não militavam pela república porque achavam que não valia a pena. Em Julho de 1905, Franco declarava indiscriminadamente que «o ser republicano ou ser monárquico é menos importante do que ser português».

Em 1906, João Chagas, um conhecido panfletário republicano, escrevia: «Entre monárquicos e republicanos, em Portugal, não há diferença de crenças. O que há é diferença de posições. Republicanos somos nós todos, mesmo os monárquicos. Se estes aceitam a monarquia, é porque a monarquia existe, nada mais

Examinemos agora a «ditadura» de João Franco. Chamar João Franco para o Governo representava, na época, uma abertura à esquerda. Durante o século XX, a maior parte dos historiadores tem repetido impiedosamente as calúnias que a propaganda republicana inventou contra João Franco. O franquismo foi desfigurado como uma desastrada tentativa de combater os republicanos com um governo brutal. Ora, na primeira fase do franquismo, a fase «jacobina», João Franco fez a corte aos republicanos, dando-lhes toda a força, pretendendo trazê-los ao redil, ou mesmo corrompê-los. Com efeito, João Franco foi para o Governo com uma retórica de oposição. Ele era o maior inimigo dos partidos «rotativos», que lhe pagaram da mesma moeda.

Os republicanos ficaram desorientados e divididos perante um poder que subitamente passava a falar como eles, que até os promovia e apoiava. A João Franco ficaram os republicanos a dever a eleição de quatro deputados, a sua maior representação parlamentar até então. Se João Franco quis alguma coisa, foi inaugurar uma nova era de tolerância e democracia. Para ele, os Portugueses eram, «em face da Europa Central e Ocidental, o povo mais atrasado, mais pobre e mais infeliz». A causa de tanta tristeza estava na incompetência e corrupção administrativas. Tais vícios haviam prosperado prodigiosamente desde que a cumplicidade entre os dois partidos «rotativos» havia assegurado aos governos que ninguém fiscalizaria o que faziam. A solução era democratizar o Estado, interessar mais gente na vida pública, responsabilizar criminalmente os políticos enfim, sujeitar o Poder aos tribunais e à opinião pública. O franquismo queria significar a entrada de «ideias novas» numa administração até aí castrada pela «feroz política partidária»

Aliás, a sua subida ao poder resultou de um acordo entre as chefias dos partidos para um programa comum de reformas para limitar o poder dos governos: Uma lei de responsabilidade ministerial, a proibição de despesas extra-orçamentais, uma nova lei eleitoral, em que ficassem consagrados os círculos uninominais e confiar ao poder judicial a organização do recenseamento eleitoral e das eleições, cuja lisura deixava então muito a desejar.

Entrou no Governo, a 19 de Maio e a 29 de Maio publicou uma amnistia para os delitos de imprensa. A 5 de Junho assinou o novo contrato com a Companhia dos Tabacos, mas recusando as alterações que Burnay queria. Resolvia assim a questão dos tabacos, que tanta lama havia lançado sobre a classe política. Nesse mesmo dia, a Câmara dos Deputados, eleita há menos de dois meses, era dissolvida. As eleições ficaram marcadas para 19 de Agosto e as novas cortes convocadas para 29 de Setembro. Franco prometeu logo a mais livre e honesta eleição de sempre e anunciou que não temia deputados republicanos; pelo contrário, até achava que gente como Afonso Costa devia estar no Parlamento. Com efeito, os republicanos elegeram os quatro representantes das minorias por Lisboa.

Os apoiantes de João Franco constituíam o grupo mais numeroso nas Cortes, embora tivessem falhado, por pouco, a maioria absoluta. João Franco precisava de apoio e teve-o, inicialmente, de José Luciano de Castro, chefe dos progressistas. A retirada do apoio dos progressistas, em Abril de 1907, tornou o governo de João Franco minoritário na Câmara. João Franco não era benquisto dos políticos monárquicos. Brito Camacho havia escrito meses antes que «João Franco é disparatado e o disparate consiste em querer governar a monarquia contra os monárquicos».

João Franco, incentivado por D. Carlos, atravessou o Rubicão e tomou então a iniciativa de dissolver as Cortes e passar a governar por Decretos. Foi o que designou por Ditadura Administrativa que, segundo o próprio, seria um mal necessário que terminaria quando a situação geral da política oferecesse as condições e as garantias de um funcionamento útil e regular das Câmaras. Não foi uma ditadura no sentido típico do termo, João Franco era um «ditador» porque governava sem o Parlamento. Por exemplo, os jornais que ele suspendia apenas mudavam de nome e continuavam a ser publicados.

Quando Brito Camacho, no seu jornal A Luta, após o regicídio, se referiu à «ditadura» de Franco, um outro republicano, Francisco Homem Cristo contrapôs: o que faltara a Franco fora uma verdadeira vontade autocrática. Se tivesse acabado com a liberdade de imprensa e prendido os conspiradores, «estar-se-ia rindo e... mais Sua Majestade EI-Rei D. Carlos, que Deus haja». Na Rússia havia muito mais bombistas e grupos armados do que em Portugal, mas não era por isso que a autocracia estremecia. A grande diferença estava no tratamento reservado aos revolucionários: «Na Rússia, vão para a Sibéria. Na Espanha, vão para o fundo de uma enxovia, onde levam chicotadas, ou vão para... o garrote. Em Portugal... vão tomar chá e cavaquear com os oficiais da guarda municipal». Franco nem fez prisões em massa, nem chacinas na rua. Para Homem Cristo, João Franco «Não foi um ditador, mas um pateta.».

João Franco concitou assim contra ele, e contra o rei, a fúria de todos os restantes partidos monárquicos e do partido republicano. Era todavia uma fúria de elites e do proletariado urbano, numericamente escasso. Mas ninguém o batia na retórica radical e na denúncia dos vícios do regime que ele pretendia corrigir. João Franco pescava também nas mesmas águas dos líderes republicanos e isto era um perigo para estes. Se a política de João Franco tivesse continuidade poderia ser o fim dos “talassas”, do rotativismo parlamentar estéril, a redução do republicanismo a uma força marginal e um novo alento para a monarquia, baseada numa nova correlação de forças.

Esta transformação seria muito difícil, atendendo ao descrédito da monarquia nos meios urbanos (demograficamente muito minoritários, mas os únicos que tinham voz pública). Governar numa situação de crise deve regular-se pela máxima Divide et Impera. A melhor forma de se lidar com aqueles que, numa época conturbada e instável, exigem reformas imediatas e radicais não é resistir a quaisquer concessões, mas separar, através de concessões «razoáveis», os moderados dos radicais. Ou seja, para resistir à revolução, os governantes devem evitar intransigências, que só fazem aumentar as hostes dos conspiradores, e pelo contrário, adoptar a flexibilidade necessária para captarem aqueles de entre os descontentes que estavam prontos a contentar-se com o «possível».

João Franco confiou demasiado na sua retórica, no apoio da «maioria silenciosa» da província e no apoio do rei. E fez aumentar as hostes dos conspiradores, que tentaram a sublevação geral em 28 de Janeiro de 1908, aproveitando a ausência do rei em Vila Viçosa (para caçar, pois claro ...). Descobertos, os principais chefes republicanos foram presos e a 31 de Janeiro o rei assinava, em Vila Viçosa, um Decreto permitindo a deportação dos chefes da revolta para as possessões ultramarinas.

Foi a última assinatura política de D. Carlos. No dia seguinte regressou a Lisboa e foi assassinado logo após o desembarque, juntamente com o herdeiro do trono, Luís Filipe. No séquito real, que ia pelo lado direito do Terreiro do Paço e se aprestava para virar para a Rua do Arsenal, seguia, além da viatura com os reis e os infantes, também a viatura onde viajava João Franco. Não foi este o visado. O elo fraco do regime era o rei. Era este que deveria ser abatido. Sem o rei, João Franco não tinha base política que o sustentasse. Não foi um regicídio: foi um ataque cirúrgico ao regime. D. Manuel II, o novo rei, era um miúdo de 18 anos, que tinha sobrevivido, embora ferido, ao atentado, mas que nunca sobreviveria no mar encapelado e turbulento da política de então.

E foi o que aconteceu. No dia seguinte João Franco era demitido e Ferreira do Amaral nomeado chefe do governo com o apoio de regeneradores e progressistas. As chefias monárquicas teriam julgado que tinha regressado o rotativismo, depois do interregno franquista. Pura ilusão. A monarquia já só existia no papel. Na sublevação seguinte ninguém se levantou para a defender. D. Manuel estava completamente isolado, odiado pela ala conservadora da monarquia, desprezado pela ala esquerda. Todos o abandonam, ou melhor, abandonavam a monarquia. João Franco recusava-se a falar com ele e declarava a quem o queria ouvir: «em Portugal, hoje, ou república ou nada». O próprio Tomás de Mello Breyner, médico do paço (da real câmara) e Conde de Mafra, não lamentou a queda da monarquia onde «quem mandava era a rainha D. Amélia e a sua amiga Condessa de Figueiró». José Alpoim, dissidente progressista e um dos mais turbulentos políticos monárquicos, quando, mais tarde, conspirava contra a república, não se esquecia de sublinhar que se D. Manuel regressasse ele «seria o primeiro a deitar-lhe uma bomba no cais!».

Publicado por Joana às 12:02 AM | Comentários (14) | TrackBack

outubro 05, 2004

5 de Outubro de 1910

A propaganda republicana, principalmente a partir do início do descrédito do Estado Novo, transformou os seus líderes em ícones sacralizados, símbolos da pureza, probidade, desinteresse pelos bens materiais, etc.. Isto não é inteiramente verdade. Os líderes republicanos eram pessoas normais: uns probos e desinteressados, outros muito pouco virtuosos.

António José de Almeida ocupa um lugar proeminente. Em vão é possível reviver, pela leitura dos seus discursos, o efeito prodigioso das suas palavras segundo as crónicas da época; falta-nos ver o gesto e a voz, o brilho dos olhos, o orgulho agressivo da sua cabeleira; apenas subsiste a abundância retórica e a ferocidade das afirmações. Nas Cortes, em 3 de Junho de 1908 declarou: «Logo conversaremos e então lhes demonstrarei que a bomba de dinamite, em revolução, e em certos casos, pode ser tão legítima, pelo menos, como as granadas de artilharia, que não são mais do que bombas legais, explosivos ao serviço da ordem ... O meu propósito é atirar o fio do meu machado contra o tronco da árvore maldita [a Monarquia] até vê-la cair por terra».

Estas afirmações são detestáveis e hoje cairiam muito mal no eleitorado. Mas naquela época, a “canalha” (designação pela qual então eram conhecidas as massas urbanas menos favorecidas) era facilmente mobilizada pelo discurso radical, agressivo, pela contínua suspeição, pela denúncia de casos (mesmo que não passassem de boatos sem fundamentos) e pela intriga. E era mobilizada também para acções violentas que “prestigiavam” quem as fazia. A Ilustração Portuguesa (em 1911) apresenta uma reportagem em que carbonários ensinam e mostram como se fabricam bombas, acompanhada de fotografias. O PRP acabou, após ter tomado o poder, por cair na armadilha, que havia construído para os outros, da chicana política, boatos falsos, atentados e ser vítima dos demónios que havia solto.

Regressando a António José de Almeida, a sua isenção e coragem eram os alicerces do seu prestígio. Jamais alguém lhe conheceu ambição de lucro para si ou para a sua clientela e a fama da sua probidade nunca sofreu qualquer eclipse. Por outro lado, nunca declinou a sua quota parte quer na acção quer nas responsabilidades. Acreditava na grandeza da sua missão, e comportava-se, frequentemente, como um iluminado.

Raul Brandão escreveu:«Este António José de Almeida, com quem lido há meses, é uma força generosa e simpática... Irrita-se, barafusta: depois passa-lhe tudo com um riso excelente que aflora e ecoa. Há outra coisa que o honra: acredita, começa sempre por acreditar em toda a gente. Uma grande generosidade, um grande arcaboiço e uma voz poderosa e magnética. Não é decerto um homem de negócios, como os governos modernos necessitam, um político de oportunidades como para aí se requer. Falta-lhe talvez espírito crítico. É um orador: até os seus artigos são discursos. Adora as multidões, vive dos seus aplausos. Mas justiça, liberdade e povo, que para os outros não passam de palavras, são para ele realidades profundas»

Bem diferente é o carácter de Afonso Costa que foi frequentemente acusado de ambição do mando, de preocupação pela posse das realidades concretas. Um seu professor, Chaves e Castro, descreve-o como «ingrato e vaidoso, orgulhoso mas rastejador quando precisava; tumultuoso, insolente, mas tímido ante o perigo, sectarista odiento, amigo das grandezas e comodidades da vida».

Foi sempre aquele que maiores dotes organizadores manifestou, e o mais tenaz e sectário. A sua clientela política era um clã ávido de poder e de desfrutar dos bens terrenos. Foi de um nepotismo escandaloso. Quando ministro da Justiça, em 1911, os melhores lugares foram ocupados pelo seu irmão, pelos seus dois cunhados, pelo seu sócio do cartório, pelo seu procurador, por um amigo íntimo desde os tempos da juventude, etc., etc. Quando Machado Santos, o “herói da Rotunda”, irrompeu pelo seu gabinete aos gritos de «a Revolução não se fez para isto!», Afonso Costa respondeu-lhe fleumaticamente: «necessito nesses lugares de pessoas da minha confiança» ... Esta foi um característica permanente do seu comportamento.

Afonso Costa era o campeão da anti clericalismo. Quando falou sobre as leis que projectava (Março de 1911), declarou peremptoriamente: «Em duas gerações Portugal terá eliminado completamente o catolicismo». Afonso Costa apenas revelava a mesma arrogância e desconhecimento do país que muitos políticos radicais da actualidade.

Sobre o terceiro político da ribalta republicana, Brito Camacho, amigos e adversários temiam sempre o azedume implacável da sua palavra e da sua caneta. Tudo sacrificava à agudeza de uma frase mordaz. «Mostrou-se sempre tão azedo, que há quem diga que nas suas veias gira vinagre puro, em vez de sangue». Raul Brandão escrevia: «Há nele algo de dissolvente. Direi melhor que ele tem qualquer coisa que afasta os homens. Nem um acto de fé... Em lugar de calor, ironia. Os amigos podem aplaudi-lo e rir-se das suas piadas (riem-se e desconfiam da sua língua), mas a grande massa que forma os partidos é como as mulheres: não compreende a ironia, pelo contrário, tem-lhe medo e chama-lhe veneno...»

A seguir à revolução do 5 de Outubro, quando se quebrou a unidade republicana, em 1912, foram estes políticos que chefiaram as formações emergentes: António José de Almeida formou o Partido Republicano Evolucionista (os evolucionistas); Brito Camacho o Partido da União Republicana (os unionistas) e a chefia do PRP (que passou também a ser conhecido por Partido Democrático) passou para Afonso Costa.

Quanto à monarquia, o alvo principal era o rei. O problema político da monarquia portuguesa era o facto do rei, sendo responsável pela nomeação do Governo, não o ser, como acontecia em Itália ou na Alemanha, responsável por nenhum pelouro da governação em especial (na Itália e na Alemanha, a política externa era conduzida pelo rei ou imperador). Ou, como em Inglaterra, estar fora do desgaste governativo e ser tão só uma figura de consenso nacional. Poder-se-ia pensar que a solução portuguesa poupava o rei ao desgaste político, mas a verdade é que ele se tinha convertido desde o reinado de D. Luís, num árbitro entre os partidos, que se habituaram a atacar ou a ameaçar o rei para acederem ao governo. A monarquia reduzira-se a uma espécie de ponto fraco do partido no Governo. Neste entendimento, o ataque pessoal ao rei tornou-se a forma mais corriqueira de quem estava na oposição lhe lembrar que era tempo de substituir o partido no Governo. Para fazer cair um governo atacava-se o rei, ou o governo através do rei. Como o rei era o responsável pela nomeação do Governo, mas não pela sua política, atacar o rei evitava o debate político e fragilizava a posição do rei e, indirectamente, do governo que ele tinha nomeado.

Quem saía do poder nunca admitia a perda de confiança do País - mas apenas a da confiança da coroa. O rei, como então disse João Franco, emergiu naturalmente como o «homem público mais discutido do seu país». Nos fins de 1907, devido ao seu aparentemente obstinado auxílio ao governo de João Franco, D. Carlos tinha sido declarado o inimigo principal por toda a oposição, incluindo os progressistas e regeneradores, que boicotaram a recepção do ano novo de 1908 no Paço.

Portanto, os partidos monárquicos, quer um quer o outro, foram perdendo energia ao se enquadrarem oficialmente no turno monárquico governamental. A rotação invariável fazia-os passar do poder à oposição e da oposição ao poder. Seria difícil delimitar as suas diferenças ideológicas; giravam em torno de determinadas pessoas e não à volta de ideias claras e distintas. A luta pelo poder não era guiada pelo desejo de desenvolver um bom programa de governo. Assim, a sua capacidade negativa de oposição era imensamente superior à sua capacidade governativa; avultava no ataque, diminuía no poder, e o desgaste do sistema era cada vez mais intenso e persistente.

Duas das questões que mais chicana política levantaram foi a questão dos tabacos e a dos adiantamentos à Casa Real (com o fim do regime feudal a maioria dos bens da Coroa fora nacionalizada e a Casa Real subsistia, parcialmente, através de dotações orçamentais). E a chicana e a intriga veio de todos os lados: partidos monárquicos e partido republicano. Os adiantamentos dominaram a sessão de 20-11-1906 na Câmara dos Deputados, sendo Chefe do Governo João Franco. Com base no alegado escândalo, a minoria republicana preparou uma grande ofensiva. Encheram-se as galerias de público que os Centros republicanos recrutavam e em que se viam habitualmente marinheiros e soldados. Afonso Costa falou. Falou ininterruptamente. Caía a noite e já se tinham acendido as luzes, quando o Presidente o advertiu de que lhe restavam quinze minutos para falar. Então insistiu sobre a questão dos adiantamentos e pediu o cárcere ou o desterro para o Rei. A voz do Presidente que o mandava calar, confundiu-se com os aplausos da galeria. Num momento de silêncio, Afonso Costa gritou: «Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI».

Negou-se a desdizer-se, e, no meio de grande tumulto, o Presidente, fez entrar a força pública para expulsar Afonso Costa. António José de Almeida saltou por sobre a bancada e convidou a força pública à revolta: «Soldados! Com a minha voz e as vossas baionetas vamos proclamar a República e fazer uma pátria Nova!».

Foram estes os protagonistas do drama do regicídio e da revolução. Após o regicídio de Fevereiro de 1908 (os regicidas Alfredo Costa, um jovem caixeiro numa loja de Lisboa, e Manuel Buíça, professor numa aldeia e ex-sargento de Cavalaria, eram ambos carbonários e fanáticos entusiastas de António José de Almeida), os radicais do republicanismo estabeleceram aquilo a que se chamou «o culto dos regicidas» que provocou diversas manifestações, como a subscrição para a família de Buíça e a propaganda levada a cabo nas escolas. Mas o acto mais importante foi aquilo a que o Conde Arnoso chamou «a vergonhosa e vil peregrinação ao cemitério». Associações, grémios, delegados de diversos organismos, redactores de diários das esquerdas desfilaram, previamente convocados, diante dos túmulos dos regicidas, depositando ramos de flores, coroas, fitas com inscrições laudatórias.

A Marquesa de Rio Maior pediu a Ferreira do Amaral que pusesse termo aquela vergonha. «Agora - respondeu-lhe o Presidente - só penso em acalmar os ânimos». O que levou o Times, relatando os acontecimentos de Portugal, a escrever: «O mundo civilizado observará, provavelmente, que os senhores assassinos é que mandam».

Nota - sobre este assunto ler igualmente:

5 de Outubro – As Origens
5 de Outubro – O Ultimato
5 de Outubro – Monarquia sem monárquicos

Publicado por Joana às 11:59 PM | Comentários (9) | TrackBack

5 de Outubro – O Ultimato

Portugal ambicionava unir Angola a Moçambique, através do que é actualmente a Zâmbia, o Zimbabué e o Malavi. Havia todavia uma dificuldade: os ingleses tinham a pretensão de unir o Cairo ao Cabo, além de que estavam interessados naquela zona como complemento da sua Colónia do Cabo. Adicionalmente a Inglaterra, em certa medida, havia sido, ao longo do século XIX, a protectora dos interesses de Portugal no ultramar. Portugal tinha “direitos históricos”, como comprovavam os trabalhos do Visconde de Santarém, Sá da Bandeira e outros. Mas não tinha tido até então capacidade militar e humana para ocupação.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Barros Gomes, apresentou publicamente o Mapa Cor de Rosa em 1886. Não avisou previamente a Inglaterra, seguro que estava do apoio de outras grandes potências. A Inglaterra protestou, considerando que alguns daqueles territórios já se encontravam sob suserania inglesa e lembrava a doutrina da Conferência de Berlim sobre a “ocupação efectiva”. Entretanto várias expedições portuguesas estavam a caminho (António Maria Cardoso, Vítor Cordon e Paiva de Andrade). Quando nos primeiros meses de 1889 partiu uma expedição comandada por Serpa Pinto, o ministro inglês em Lisboa protestou. Depois de várias trocas de correspondência a Inglaterra apresentou em 11-01-1890 um ultimato exigindo que Portugal desistisse das suas pretensões.

Barros Gomes, na sua política aventureira, contava com o apoio da Alemanha. Mas a Alemanha entretanto regulara várias questões com a Inglaterra, que lhe cedera a ilha de Heligoland, no Mar do Norte e encetara uma aproximação com os ingleses que lhe facilitaria a solução dos contenciosos coloniais. A Alemanha alheou-se da questão. Portugal estava isolado perante a Inglaterra que, além de ser a maior potência da época, era, apesar de tudo, o aliado mais fiável que o nosso país poderia ter no concerto das grandes potências.

O governo português, reunido de emergência resolveu aceitar o ultimato inglês. D. Carlos era rei havia 3 meses.

O ultimato inglês e a sua aceitação provocaram uma autêntica histeria nacional (obviamente restrita aos meios urbanos, dado o atraso e indiferença dos meios rurais). A estátua de Camões foi envolvida por crepes negros. O rei foi insultado publicamente em todos os tons. Guerra Junqueiro escrevia no Finis Patriae:

Papagaio Real, diz-me quem passa?
- É e-rei D. Simão, que vai à caça
.
E, mais adiante:
Papagaio Real, diz-me quem passa?
- É alguém que foi à caça.
Do caçador Simão ...

Como era sabido o entusiasmo de D. Carlos pelas caçadas, não era difícil ler nas entrelinhas destes versos quem era o caçador que deveria ser caçado.

António José de Almeida escrevia, num semanário coimbrão, O Ultimatum, sob o título «Bragança, o Último» que D. Carlos nem sequer merecia a morte: «Portugal, o velho herói magnífico, não lhe pode enterrar a espada gloriosa nas profundezas do estômago, nem pode descarregar-lhe no arcado peito uma das sua espingardas honestas». Afonso Costa defendia a tese «A Monarquia é a causa do envilecimento moral da nação». António José de Almeida foi condenado a 3 meses de prisão por abuso de liberdade de imprensa; Afonso Costa foi absolvido, porque - entendiam os juízes - sustentara uma tese sociológica de livre discussão.

Estes exemplos, entre muitos demonstram a ferocidade com que o PRP se atirou à monarquia. É certo que os partidos monárquicos podiam ser acusados de má gestão dos negócios internos. A nível internacional podiam ser acusados de aventureirismo, por conduzirem o país a uma confrontação com a Inglaterra sem possibilidades de sucesso. Todavia, perante o ultimato, o nosso governo não tinha alternativa.

Aliás, depois da aceitação do Ultimato, Salisbury apostou numa melhoria das relações com Portugal e o nosso país conseguiu o apoio da Inglaterra para ter as mãos livres na colonização dos territórios da África Ocidental e Oriental, cuja maior parte não estava sequer ocupada e que constituíram depois as colónias de Angola e Moçambique com os limites actuais. A Inglaterra "esquecia" a desfeita do seu aliado se ter esquecido dela quando apresentou as suas pretensões ao Mapa Cor de Rosa.

Todavia, a campanha histérica dos republicanos contra a monarquia por causa do Ultimato era hipócrita. Dadas as intrínsecas relações entre liberalismo e republicanismo, e tendo sido a valorização dos territórios africanos um dos projectos mais ambiciosos do libera1ismo português, desde o setembrismo em 1836, é evidente que não existia qualquer divergência fundamental entre monárquicos e republicanos quanto à importância nacional do problema colonial. Se alguém se insurgiu contra os projectos e as realizações da colonização africana, não foram os republicanos, mas, por exemplo, um Oliveira Martins.

Aquilo que os republicanos mais sensatos condenam na política colonial da Monarquia não é, de modo algum, essa política em si mesma, mas as suas inépcias, não foi ter capitulado perante o ultimato, mas ter-se comprometido numa política que deu azo a esse ultimato, «O erro ou o crime de comprometer Portugal numa aventura romanesca, cometeu-se, é este o facto», afirma Basílio Teles, que prossegue: «cometeu-se porque era preciso preparar a monarquia para jogar contra o ascendente do partido republicano a decisiva cartada do novo império africano, pelo menos, no papel». E embora a monarquia tenha jogado esse papel com as vitoriosas campanhas africanas de ocupação, a propaganda republicana, permanentemente vitriólica, não permitiu que a monarquia colhesse disso quaisquer dividendos políticos.

A questão colonial foi um dos estribilhos mais insistentes da propaganda republicana e isso evidencia quanto o problema sensibilizava então a sociedade portuguesa, que não lograra, devido ao peso da história da sua pátria, separar o projecto regenerador do sonho do regresso a passadas glórias. Nesse contexto, a queda do regime monárquico era considerada indispensável para levantar de novo o esplendor de Portugal. Na verdade, os versos da Portuguesa reflectem a consciência republicana – Uma nova regeneração da Pátria, enxovalhada por falsas e pretensas regenerações anteriores. Por isso, busca trilhar a via da liberdade democrática, chamando às responsabilidades efectivas da cidadania um povo adormecido que tem vegetado à margem do tempo.

Por isso, após o triunfo da República, esta não teria alternativa senão arrastar Portugal para a Grande Guerra para proteger o Império Colonial Português e para dar corpo às promessas do hino da república:

Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente e Imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal

Publicado por Joana às 11:57 PM | Comentários (10) | TrackBack

5 de Outubro – As Origens

O republicanismo português já existia, latente, na corrente mais à esquerda das Cortes Gerais de 1820, assim como na ideologia setembrista (a partir de 1836) e na rebelião patuleia (1846-47), embora esta rebelião fosse uma mistura muito heterogénea da esquerda setembrista, de elementos absolutistas e de um populismo serôdio baseado no atraso dos meios rurais do país, aquém do tempo histórico dos outros. Porém, sobretudo, ele é originário, matricialmente e no contexto europeu, do jacobinismo da Revolução Francesa de 1789 : Liberdade, igualdade e fraternidade, a bandeira das esperanças progressistas no decurso do século XIX.

O sentimento republicano nasceu assim como reacção contra o imobilismo sem substância em que caíra a ideologia e a política cartistas (adeptos da Carta Constitucional que substituíra a Constituição vintista e a setembrista). Todos os anseios de reforma capitularam perante os interesses consolidados e o temor das inovações.

Não é, pois, contra o liberalismo que o republicanismo se ergue e se afirma, mas sim contra a interpretação que dele foi concretizada no regime constitucional cartista, simultaneamente de teor político, social e económico. Aquilo que o republicanismo pretende, em suma, é superar o compromisso institucionalizado pela monarquia constitucional que, na sua opinião, corromperia as virtualidades liberais, e estabelecer um regime que concretizasse quer a liberdade, quer a igualdade, quer a fraternidade.

Todavia, para lá de alguns meios intelectuais, o republicanismo não teve expressão até 1890. Mesmos os homens mais representativos da geração de 70 - Antero, Oliveira Martins, Eça de Queirós só episódica e superficialmente consideraram a fórmula republicana a mais adequada à efectivação do ideal democratizante que os entusiasmava.

A verdade é que as hostes propriamente republicanas, apesar de aguerridas, eram muito escassas e que se impunha, portanto, uma larga, sistemática e persistente obra de propaganda. Em tal missão se vão empenhar, quase exclusivamente, os republicanos a partir de cerca de 1874 até ao ano decisivo do ultimato inglês (1890), tendo essa propaganda culminado nos festejos cívicos da comemoração do centenário de Camões (1880). Em 3 de Abril de 1870 foi eleito um Directório Republicano Democrático, que se pode considerar o embrião do Partido Republicano, mas até 1890, data do Ultimato, teve pouca adesão eleitoral (nunca teve mais de 2 deputados), adesão diminuída pela concorrência do Partido Socialista que embora nunca tivesse conseguido eleger um único deputado, retirava ao PRP uma parte dos votos contrários aos partidos monárquicos. Porém, nas eleições logo a seguir ao Ultimato o PRP conseguiu eleger 4 deputados (3 dos quais por Lisboa)

O programa do P.R.P. (Partido Republicano Português) resumia-se a reivindicações de carácter exclusivamente político: igualdade (civil e política); liberdade em todas as suas manifestações; governo do povo pelo povo; justiça democrática. Quanto ao escopo económico e social, a única reivindicação que apresenta, aliás bem significativa, é: «a liberdade de troca assegurada por uma legislação liberal em assuntos económicos; abolição dos direitos de consumo cobrados pelo Estado». Na verdade o republicanismo é tão só um liberalismo que, buscando incorporar uma mística patriótica, ou remoçá-la, concebe a «ideia dum ressurgir da pátria portuguesa» mediante um «governo do povo pelo povo».

Mas, considerava Basílio Teles, «com que direito perguntam ao partido republicano por um programa ? ... A monarquia em Portugal tem sido isto: a incompetência, o impudor, a opressão. A estes artigos de fé de regeneradores e progressistas compreende-se que não houvesse senão um acto de caridade a contrapor por homens que não viam ideias a combater, mas atentados a punir: a demolição sumária do regime».

Podem igualmente serem aduzidas outras influências no pensamento republicano. Uma delas, que o marcou muito e concorreu para a sua queda após se ter tornado poder, foi o seu anticlericalismo militante. É despiciendo saber se as causas desse anticlericalismo foram o positivismo de Comte ou a influência maçónica. O anti clericalismo do republicanismo tem, certamente, uma inspiração maçónica, mas fundamentalmente é a revolta contra a estreita aliança estabelecida entre a Igreja e a Carta Constitucional a partir de meados do século XIX. O republicanismo concluiu que só lograria subverter o regime da Carta minando a influência maciça da Igreja nos destinos da vida portuguesa. Por isso, ele reivindicou, desde o início, a separação da Igreja e do Estado. Aquilo que na propaganda republicana estava em causa, no que à religião respeitava, não era a contestação do direito à liberdade religiosa, que em teoria defendiam, mas o papel da igreja católica na sacralização do regime constitucional.

A questão é que o anti clericalismo - e, sobretudo, o anti jesuitismo – dos republicanos ganhou entretanto autonomia própria e tornou-se numa forma de perseguição à Igreja Católica, que foi levada a extremos inverosímeis. Por exemplo, e este é apenas um exemplo entre muitos, numa Ilustração Portuguesa de fins de 1910 aparece uma fotografia de dois “cientistas” republicanos a medirem o crânio de um padre jesuíta, para confirmar, “cientificamente” que se tratava de um degenerado, o que não é diferente do que os “cientistas” nazis fizeram com os judeus. Os republicanos triunfantes não queriam deixar a Igreja à solta. Assim não pugnaram apenas pela sua separação do Estado. O Estado passou, de facto, a administrar a Igreja, destruindo-lhe a hierarquia e privando-a de meios de subsistência.

As mulheres, «pela sua crendice fácil», eram, para os republicanos, o principal meio de corrupção jesuítica. As mulheres eram «almas simples», como qualquer ignaro aldeão, que deviam ser protegidas das superstições e das seduções dos padres. Este cuidado “paternalista” com as mulheres concorreu para que estas, maioritariamente, olhassem com repugnância o regime republicano.

Resumindo, na sua ascensão, o republicanismo recrutou adeptos em todas as classes da sociedade liberal, capazes mental e moralmente de se preocuparem com a coisa pública. O proletariado, inicialmente mais próximo do socialismo, transitou para o republicanismo a partir de cerca de 1890, o mesmo ocorrendo com alguns dos seus mentores, como Nobre França, que havia convivido com Antero e Fontana, grandes proprietários agrícolas, como José Relvas; professores universitários, como José Falcão, Teófilo Braga, Duarte Leite, etc.; altas patentes do Exército e, principalmente, da Marinha; advogados, médicos, professores de todos os graus do ensino em suma, elementos de todas as classes da sociedade liberal convergiram a partir daquela data para a solução republicana.

Assim, um ano depois do Ultimato inglês (11-01-1891), o PRP publicava um manifesto programa que precedeu de 3 semanas a sublevação de 31-01-91. A repressão subsequente ao esmagamento da revolta e a acusação de que o PRP estava implicado nela, fragilizou-o bastante. Nas eleições seguintes só conseguiu 2 deputados e a partir de 1894 até 1900 o PRP desistiu das pugnas eleitorais face às fracas possibilidades de êxito. Para além do caciquismo nos meios rurais, as eleições, embora em teoria livres, não eram, de forma alguma, um modelo em termos de igualdade de tratamento e de lisura nos actos. Situação aliás que não se modificou substancialmente com o advento da república ... apenas os caciques mudaram.

Em vez disso o PRP apostou em criar uma rede de organização partidária, com comissões políticas paroquiais, municipais e distritais. Em 1990 são eleitos 3 deputados, todos pelo Porto, entre eles Afonso Costa. Em 1906 são eleitos 4 deputados (entre eles Afonso Costa, António José de Almeida e Alexandre Braga). Nas eleições a seguir ao regicídio, o PRP elegeu mais três deputados (entre eles Brito Camacho) e ganhou 16 câmaras municipais (entre elas Lisboa). No início de 1910 a representação do PRP subiu para 14 deputados.

Todavia, meses antes da revolução que iria levar a república ao poder, aquele número apenas representava cerca de 10% dos deputados.

Publicado por Joana às 11:40 PM | Comentários (1) | TrackBack

outubro 04, 2004

O Ranking das Escolas

Foi divulgada a lista ordenada das escolas secundárias com base nas notas dos exames nacionais do 12º ano. É importante que estes valores sejam divulgados publicamente. Mas é igualmente importante que as análises dos resultados sejam feitas com objectividade evitando considerar os números como um valor absoluto em si. É importante, por exemplo, cotejarem-se os números com a origem social dos alunos.

Em primeiro lugar têm que ser analisadas com cautela as variações interanuais das escolas: as alegadas descidas e subidas de determinadas escolas têm um significado muito relativo. Há turmas excepcionais que enviesam os resultados de um ano e que só se repetem alguns anos depois. Portanto, uma dada escola estar, num ano, em 10º lugar e, no outro ano, em 20º lugar, pode ter um significado muito relativo. O resultado de uma dada escola deve ser avaliado ao longo de uma série temporal suficientemente extensa para corrigir, estatisticamente, resultados “marginais”. Não só o seu resultado relativo (classificação no ranking) como o seu resultado absoluto (evolução das médias anuais das notas dos exames nacionais do 12º ano em cada escola). No mínimo deveriam usar-se 4 anos.

Há análises quantitativas que são válidas, independentemente de considerações sobre a origem social dos alunos que frequentam as escolas. Uma delas é a variação das médias globais de um ano para o outro. Se, escola a escola, pode haver enviesamento, para o todo nacional funciona a lei dos grandes números. Ora entre 2003 e 2004 houve diminuição da média global (todas as disciplinas) e diminuição das médias de todas as disciplinas (excepto Física). Se a subida (descida) numa dada disciplina pode ser interpretada pela menor (ou maior) dificuldade das provas, a descida generalizada é preocupante, porque tem seguramente a ver com o abaixamento do nível de preparação dos alunos.

A agravar a conclusão anterior, verificou-se um aumento da dispersão dos resultados, isto é, aumentou a diferença entre as médias dos alunos melhores e as médias dos alunos piores. E as disparidades verificaram-se não só entre zonas ricas e pobres, mas também entre concelhos com um grau de desenvolvimento semelhante. A interpretação parece clara: os alunos mais empenhados nas candidaturas ao superior têm melhorado, ano após ano, os seus resultados face aos alunos menos empenhados e o empenho nas classes mais favorecidas na educação dos seus filhos aumentou mais (ou diminui menos) que o empenho das classes mais desfavorecidas.

Outra conclusão que se pode tirar na comparação global entre escolas públicas e privadas é que a diferença se acentuou, isto é, as médias globais das escolas privadas caíram menos que as públicas. Isto aconteceu em todas as disciplinas, excepto em Física, aliás igualmente a única disciplina onde a média das escolas públicas superou a das privadas. Esta conclusão remete para uma interpretação que me parece consistente: as escolas privadas estão a fazer um esforço maior que as públicas no sentido da melhoria do desempenho dos seus alunos. Ora isto é natural: as escolas privadas, principalmente nos grandes meios, vivem em concorrência e têm que apresentar resultados para obterem clientela. Por isso, a importância da divulgação dos resultados como factor incentivador da melhoria do desempenho das escolas é mais patente junto das privadas que junto das públicas.

Há todavia uma comparação que tem que ser feita de forma muito cautelosa: a do ranking relativo das diversas escolas. As médias dependem não apenas da qualidade do ensino e da qualidade e esforço do corpo docente, como do espectro social dos alunos que as frequentam. Alunos oriundos de bairros problemáticos têm, à partida, mais dificuldade de aprendizagem, menos preparação de base e menos ambiente de estudo que os oriundos dos meios intelectuais. Ora as escolas privadas (excepto as ligadas a entidades de solidariedade social) seleccionam automaticamente os seus alunos pelo valor das propinas mensais. As escolas públicas não podem recusar alunos que morem na sua zona, em maior ou menor número, consoante a zona geográfica onde se inserem. Por isso as comparações “directas” entre escolas públicas e privadas podem levar a conclusões precipitadas e erróneas.

Em todo o caso, se a média mais baixa não derivar apenas das médias do segmento mais problemático, mas também da pior preparação dos melhores alunos devida à necessidade de adequar o ritmo de aprendizagem ao ritmo dos alunos mais fracos, então aí temos um problema: independentemente da responsabilidade do corpo docente nesse menor aproveitamento, a escola pública não está a prestar um serviço adequado.

Como ideia geral parece-me o seguinte: continuo convencida que, por enquanto, nas escolas mais centrais dos grandes centros urbanos, com corpo docente mais consolidado, a qualificação do corpo docente público é superior ao privado. Em contrapartida, no ensino privado há mais apoio aos alunos que se atrasam nos estudos e necessitam recuperar. Também há mais apoio e diversidade a nível de actividades lúdicas e desportivas e na integração dos alunos no todo do corpo discente. Os alunos do ensino público estão mais entregues a si próprios, mas isso não constitui apenas desvantagens, pois torna-os mais responsáveis e capazes de autonomia de decisão.

Todavia parece-me que o começo da divulgação do ranking das escolas, a partir das notas dos exames nacionais do 12º ano, tem incentivado as escolas privadas a melhorarem o seu desempenho com o intuito óbvio de aumentarem a sua procura (e eventualmente as propinas mensais), o que é menos visível com as escolas públicas. Se este processo se aprofundar podemos correr o risco de ver o ensino público a degradar-se de forma cada vez mais rápida face ao privado.

Não vou espraiar-me em comentários sobre as medidas a tomar. Em primeiro lugar não concordo com a “gestão democrática”. A escola, a nível administrativo, tem que ter um "patrão" não eleito pelos seus pares, pois senão aquele pode tornar-se apenas o intérprete dos interesses corporativos dos professores daquela escola. As sociedades onde as chefias das empresas eram eleitas implodiram, fundamentalmente, pela sua ruína económica.

Em segundo lugar deve haver estabilidade do corpo docente. Não a estabilidade do “asilo”, mas a estabilidade da competência. Para tal a escola deve ter autonomia e responsabilidade. Não há nenhuma entidade que possa melhorar sem ter nada a ver com a escolha dos profissionais que a integram. A escola é uma organização especial, mas que não escapa às leis da gestão. Ela deve ter a decisão sobre quem contrata. Isso permitiria corrigir, adicionalmente, o problema de, actualmente, a afectação de professores não ter em conta o seu desempenho, mas apenas as suas habilitações e a antiguidade.

Mas esta reforma não é apenas uma questão de uma decisão governamental. Devia igualmente ter, mesmo que parcialmente, o apoio sindical e não me parece que os sindicatos tenham interesse numa reforma deste tipo.

Por falar em sindicatos, a FENPROF comentou a divulgação dos resultados criticando o facto de estas listas serem apresentadas como "pretendendo ser um estímulo à melhoria das 'piores' escolas", mas que acabam por "colocar dificuldades acrescidas, tornando os estabelecimentos de ensino alvo de discriminação e desmoralizando alunos, professores e pais". E insistindo que as notas não são tudo, porque o ensino se destina nomeadamente "ao desenvolvimento de capacidades e comportamentos que não são avaliáveis em testes escritos".

Estas declarações são espantosas. Como os resultados mensuráveis são fracos, a FENPROF contrapõe alegados valores imateriais. Mas será que as escolas públicas estão atentas "ao desenvolvimento de capacidades e comportamentos que não são avaliáveis em testes escritos"?

Em face do silêncio da FENPROF perante a falsificação generalizada de atestados médicos para milhares de professores passarem à frente de colegas mais qualificados, é legítimo perguntar se "o desenvolvimento de capacidades e comportamentos que não são avaliáveis em testes escritos" tem a ver com o sentido de desenrascanço fraudulento evidenciado por tantos professores.

Quanto à discriminação do ensino público e à desmoralização de alunos, professores e pais, certamente que o corporativismo estéril e anquilosante da FENPROF tem sido um dos principais responsáveis.

Os sindicatos dos professores nunca mostraram qualquer interesse por questões pedagógicas e pela deontologia profissional dos seus associados, excepto quando aqueles conceitos, que eles entretanto esvaziaram de significado, servem com arma de arremesso político ou como embalagem de discursos reivindicativos.

Certamente que, se a FENPROF fosse uma organização com aquelas preocupações não faria comentários daquela índole que não explicam nada e só prejudicam a imagem dos professores do ensino público.

Publicado por Joana às 10:36 AM | Comentários (15) | TrackBack