Foi o próprio D. Carlos que teria afirmado ser Portugal uma «monarquia sem monárquicos». Este é talvez o mais importante facto relativo à monarquia portuguesa: era uma monarquia de republicanos, no sentido em que quase toda a gente, mesmo entre os líderes dos partidos do Governo, achava a «república», no sentido ideal definido por Antero, um regime superior à monarquia. Se se contentavam com a monarquia, era apenas porque se presumia que o povo português não estivesse preparado para se governar a si próprio. A realeza era, assim, apenas um contrapeso ordeiro à soberania popular. A função do rei seria meramente interina, até o país estar apto a tornar-se numa república, uma força conservadora cujo papel se reduzia a manter um passado, à espera de um eventual futuro. Mas esse passado não tinha sido brilhante naquilo que dizia respeito aos Braganças, que Oliveira Martins acusara de querer vender o Brasil aos Holandeses, durante a Restauração, e de abandonar Portugal a Napoleão um século antes.
Para Malheiro Dias, a única coisa que podia salvar os reis era serem o «resumo das aspirações colectivas». Tinham-se promovido a essa situação simbólica, a um princípio, os monarcas de Inglaterra, Alemanha e Itália. Os ingleses representavam um consenso, os alemães e italianos um propósito agressivo de expansão. Os Braganças não eram uma glória nacional, nem um princípio, mas apenas um expediente temporário.
D. Carlos, quando tinha opiniões, tinha as de um «liberal». Como todos os «liberais», convencera-se de que a monarquia só podia sobreviver se o rei fosse o primeiro dos democratas. Ser impopular à esquerda angustiava-o tremendamente, porque era quase como ser impopular entre os seus correligionários. Infelizmente, para ele, D. Carlos conservou-se frequentemente indiferente ao governo do País, muito ocupado com as suas caçadas, pinturas e aventuras amorosas.
Os chamados «políticos monárquicos» eram apenas republicanos que por conveniência, aceitavam a dinastia. Era neste sentido muito restrito e ordeiro que o próprio João Franco se dizia leal à coroa. Em Maio de 1903, ele explicava essa parcialidade pela dinastia porque «não pode haver Portugal, como ele é há oito séculos, sem monarquia». As causas eram «internas, peninsulares e internacionais». A monarquia em Portugal significava a independência do Estado português na Europa e a ordem nas ruas. E o «atraso da nossa educação cívica mais consolida isso». Ou seja, Franco, como todos os outros políticos «monárquicos», era «monárquico» por defeito, por cepticismo, por cautela conservadora, e não por paixão dinástica. Ele próprio só não era republicano por conveniência, porque considerava que atacar a dinastia não era sintoma de mais do que de simples protestos ou puro idealismo. Como resultado disto, a política «monárquica» consistia, acima de tudo, não em promover a dinastia, mas em desvalorizar a questão do regime. Os «monárquicos» deixavam entender que só não militavam pela república porque achavam que não valia a pena. Em Julho de 1905, Franco declarava indiscriminadamente que «o ser republicano ou ser monárquico é menos importante do que ser português».
Em 1906, João Chagas, um conhecido panfletário republicano, escrevia: «Entre monárquicos e republicanos, em Portugal, não há diferença de crenças. O que há é diferença de posições. Republicanos somos nós todos, mesmo os monárquicos. Se estes aceitam a monarquia, é porque a monarquia existe, nada mais.»
Examinemos agora a «ditadura» de João Franco. Chamar João Franco para o Governo representava, na época, uma abertura à esquerda. Durante o século XX, a maior parte dos historiadores tem repetido impiedosamente as calúnias que a propaganda republicana inventou contra João Franco. O franquismo foi desfigurado como uma desastrada tentativa de combater os republicanos com um governo brutal. Ora, na primeira fase do franquismo, a fase «jacobina», João Franco fez a corte aos republicanos, dando-lhes toda a força, pretendendo trazê-los ao redil, ou mesmo corrompê-los. Com efeito, João Franco foi para o Governo com uma retórica de oposição. Ele era o maior inimigo dos partidos «rotativos», que lhe pagaram da mesma moeda.
Os republicanos ficaram desorientados e divididos perante um poder que subitamente passava a falar como eles, que até os promovia e apoiava. A João Franco ficaram os republicanos a dever a eleição de quatro deputados, a sua maior representação parlamentar até então. Se João Franco quis alguma coisa, foi inaugurar uma nova era de tolerância e democracia. Para ele, os Portugueses eram, «em face da Europa Central e Ocidental, o povo mais atrasado, mais pobre e mais infeliz». A causa de tanta tristeza estava na incompetência e corrupção administrativas. Tais vícios haviam prosperado prodigiosamente desde que a cumplicidade entre os dois partidos «rotativos» havia assegurado aos governos que ninguém fiscalizaria o que faziam. A solução era democratizar o Estado, interessar mais gente na vida pública, responsabilizar criminalmente os políticos enfim, sujeitar o Poder aos tribunais e à opinião pública. O franquismo queria significar a entrada de «ideias novas» numa administração até aí castrada pela «feroz política partidária»
Aliás, a sua subida ao poder resultou de um acordo entre as chefias dos partidos para um programa comum de reformas para limitar o poder dos governos: Uma lei de responsabilidade ministerial, a proibição de despesas extra-orçamentais, uma nova lei eleitoral, em que ficassem consagrados os círculos uninominais e confiar ao poder judicial a organização do recenseamento eleitoral e das eleições, cuja lisura deixava então muito a desejar.
Entrou no Governo, a 19 de Maio e a 29 de Maio publicou uma amnistia para os delitos de imprensa. A 5 de Junho assinou o novo contrato com a Companhia dos Tabacos, mas recusando as alterações que Burnay queria. Resolvia assim a questão dos tabacos, que tanta lama havia lançado sobre a classe política. Nesse mesmo dia, a Câmara dos Deputados, eleita há menos de dois meses, era dissolvida. As eleições ficaram marcadas para 19 de Agosto e as novas cortes convocadas para 29 de Setembro. Franco prometeu logo a mais livre e honesta eleição de sempre e anunciou que não temia deputados republicanos; pelo contrário, até achava que gente como Afonso Costa devia estar no Parlamento. Com efeito, os republicanos elegeram os quatro representantes das minorias por Lisboa.
Os apoiantes de João Franco constituíam o grupo mais numeroso nas Cortes, embora tivessem falhado, por pouco, a maioria absoluta. João Franco precisava de apoio e teve-o, inicialmente, de José Luciano de Castro, chefe dos progressistas. A retirada do apoio dos progressistas, em Abril de 1907, tornou o governo de João Franco minoritário na Câmara. João Franco não era benquisto dos políticos monárquicos. Brito Camacho havia escrito meses antes que «João Franco é disparatado e o disparate consiste em querer governar a monarquia contra os monárquicos».
João Franco, incentivado por D. Carlos, atravessou o Rubicão e tomou então a iniciativa de dissolver as Cortes e passar a governar por Decretos. Foi o que designou por Ditadura Administrativa que, segundo o próprio, seria um mal necessário que terminaria quando a situação geral da política oferecesse as condições e as garantias de um funcionamento útil e regular das Câmaras. Não foi uma ditadura no sentido típico do termo, João Franco era um «ditador» porque governava sem o Parlamento. Por exemplo, os jornais que ele suspendia apenas mudavam de nome e continuavam a ser publicados.
Quando Brito Camacho, no seu jornal A Luta, após o regicídio, se referiu à «ditadura» de Franco, um outro republicano, Francisco Homem Cristo contrapôs: o que faltara a Franco fora uma verdadeira vontade autocrática. Se tivesse acabado com a liberdade de imprensa e prendido os conspiradores, «estar-se-ia rindo e... mais Sua Majestade EI-Rei D. Carlos, que Deus haja». Na Rússia havia muito mais bombistas e grupos armados do que em Portugal, mas não era por isso que a autocracia estremecia. A grande diferença estava no tratamento reservado aos revolucionários: «Na Rússia, vão para a Sibéria. Na Espanha, vão para o fundo de uma enxovia, onde levam chicotadas, ou vão para... o garrote. Em Portugal... vão tomar chá e cavaquear com os oficiais da guarda municipal». Franco nem fez prisões em massa, nem chacinas na rua. Para Homem Cristo, João Franco «Não foi um ditador, mas um pateta.».
João Franco concitou assim contra ele, e contra o rei, a fúria de todos os restantes partidos monárquicos e do partido republicano. Era todavia uma fúria de elites e do proletariado urbano, numericamente escasso. Mas ninguém o batia na retórica radical e na denúncia dos vícios do regime que ele pretendia corrigir. João Franco pescava também nas mesmas águas dos líderes republicanos e isto era um perigo para estes. Se a política de João Franco tivesse continuidade poderia ser o fim dos talassas, do rotativismo parlamentar estéril, a redução do republicanismo a uma força marginal e um novo alento para a monarquia, baseada numa nova correlação de forças.
Esta transformação seria muito difícil, atendendo ao descrédito da monarquia nos meios urbanos (demograficamente muito minoritários, mas os únicos que tinham voz pública). Governar numa situação de crise deve regular-se pela máxima Divide et Impera. A melhor forma de se lidar com aqueles que, numa época conturbada e instável, exigem reformas imediatas e radicais não é resistir a quaisquer concessões, mas separar, através de concessões «razoáveis», os moderados dos radicais. Ou seja, para resistir à revolução, os governantes devem evitar intransigências, que só fazem aumentar as hostes dos conspiradores, e pelo contrário, adoptar a flexibilidade necessária para captarem aqueles de entre os descontentes que estavam prontos a contentar-se com o «possível».
João Franco confiou demasiado na sua retórica, no apoio da «maioria silenciosa» da província e no apoio do rei. E fez aumentar as hostes dos conspiradores, que tentaram a sublevação geral em 28 de Janeiro de 1908, aproveitando a ausência do rei em Vila Viçosa (para caçar, pois claro ...). Descobertos, os principais chefes republicanos foram presos e a 31 de Janeiro o rei assinava, em Vila Viçosa, um Decreto permitindo a deportação dos chefes da revolta para as possessões ultramarinas.
Foi a última assinatura política de D. Carlos. No dia seguinte regressou a Lisboa e foi assassinado logo após o desembarque, juntamente com o herdeiro do trono, Luís Filipe. No séquito real, que ia pelo lado direito do Terreiro do Paço e se aprestava para virar para a Rua do Arsenal, seguia, além da viatura com os reis e os infantes, também a viatura onde viajava João Franco. Não foi este o visado. O elo fraco do regime era o rei. Era este que deveria ser abatido. Sem o rei, João Franco não tinha base política que o sustentasse. Não foi um regicídio: foi um ataque cirúrgico ao regime. D. Manuel II, o novo rei, era um miúdo de 18 anos, que tinha sobrevivido, embora ferido, ao atentado, mas que nunca sobreviveria no mar encapelado e turbulento da política de então.
E foi o que aconteceu. No dia seguinte João Franco era demitido e Ferreira do Amaral nomeado chefe do governo com o apoio de regeneradores e progressistas. As chefias monárquicas teriam julgado que tinha regressado o rotativismo, depois do interregno franquista. Pura ilusão. A monarquia já só existia no papel. Na sublevação seguinte ninguém se levantou para a defender. D. Manuel estava completamente isolado, odiado pela ala conservadora da monarquia, desprezado pela ala esquerda. Todos o abandonam, ou melhor, abandonavam a monarquia. João Franco recusava-se a falar com ele e declarava a quem o queria ouvir: «em Portugal, hoje, ou república ou nada». O próprio Tomás de Mello Breyner, médico do paço (da real câmara) e Conde de Mafra, não lamentou a queda da monarquia onde «quem mandava era a rainha D. Amélia e a sua amiga Condessa de Figueiró». José Alpoim, dissidente progressista e um dos mais turbulentos políticos monárquicos, quando, mais tarde, conspirava contra a república, não se esquecia de sublinhar que se D. Manuel regressasse ele «seria o primeiro a deitar-lhe uma bomba no cais!».
É uma visão da ditadura de João Franco que desconhecia. Sempre li o pior possível dele
Afixado por: Nunes em outubro 7, 2004 09:02 AMNinguém gostava da monarquia, nem os monárquicos.
Agora há alguns que dizem gostar!
Às vezes são os próprios que dão os tiros mais certeiros no pé.
Basta ver a rábula do Marcelo
O Nunes tem razão. O Marcelo prepara-se para carrasco dos dele
Afixado por: mrs em outubro 7, 2004 04:54 PMExcelentes textos acerca do 5 de Outubro e da queda da Monarquia.
Mas, para os que pensam que o "monarquismo" é um conjunto de ideias obsoletas de um passado longínquo e queiram surpreender-se - como se surpreenderam com o perfil político de João Franco - sugiro-lhes a Conferência do Professor Mendo Castro Henriques no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa, intitulada «IV República ou V Dinastia?».
WWW.terravista.pt/PortoSanto/1139/ (cliquem em Monarquia).
E nós vivemos numa democracia sem democratas
Afixado por: Mauricio em outubro 12, 2004 06:14 PMJoana, a republica é enfatizante nefasta e esgotada, procura saber mais sobre a monarquia e ficaras surpreendida!!
Afixado por: nuno em novembro 3, 2004 12:43 PMO Rei D. Carlos também disse: "uma republica de bananas governada por sacanas".
VIVA O REI,
VIVA A MONARQUIA,
VIVA PORTUGAL!!!!
És muito sinistra... o teu prato forte devem ser filmes de terror, cresce e aparece :-)!!
Afixado por: joao em novembro 3, 2004 12:52 PME os assaltos, assassinatos desencadeados pela carbonária sob a alçada da republica;
Esqueces-te?!
E os assaltos, assassinatos desencadeados pela carbonária sob a alçada da republica;
Esqueces-te?! Deves ser a filha do louçã!
O modo como conduzes o texto integra-se no modo de falar do louça, sempre cheio de raiva!!
Deve ser triste!!!!!
É algo injusta a caracterização feita de D.Carlos. É verdade que ele gostava decaçãdas etc... Mas isso fazia parte de um novo estilo de governação. Era a génese de uma Monarquia constitucional moderna, o rei não seria o Poder mas sim o parlamento. Além disso refira-se inúmeros historiadores que classificam esta altura como das mais livres da nossa história, inclusivamente comparando com a actualidade.
Além disso D.Carlos foi um filantropo e Cientista, o Pai da Oceanografia em Portugal.
O fenómeno que se passaria na altura seria provavelmente o mesmo que hoje. Há República e não há republicanos.
A monarquia não é retrógada e na minha opinião até é um sistema com imensas vantagens. Não as vou explanar, mas deixo um dado, 7 dos 10 países mais desenvolvidos do mundo, aliás os 6 países mais desenvolvidos do Mundo (IDH - indice de desenvolvimento humano da ONU, não é apenas económicamente mas em todas as vertentes) são Monarquias. Isto quer dizer que as monarquias são retrógadas, ou será o contrário?