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outubro 05, 2004

5 de Outubro – O Ultimato

Portugal ambicionava unir Angola a Moçambique, através do que é actualmente a Zâmbia, o Zimbabué e o Malavi. Havia todavia uma dificuldade: os ingleses tinham a pretensão de unir o Cairo ao Cabo, além de que estavam interessados naquela zona como complemento da sua Colónia do Cabo. Adicionalmente a Inglaterra, em certa medida, havia sido, ao longo do século XIX, a protectora dos interesses de Portugal no ultramar. Portugal tinha “direitos históricos”, como comprovavam os trabalhos do Visconde de Santarém, Sá da Bandeira e outros. Mas não tinha tido até então capacidade militar e humana para ocupação.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Barros Gomes, apresentou publicamente o Mapa Cor de Rosa em 1886. Não avisou previamente a Inglaterra, seguro que estava do apoio de outras grandes potências. A Inglaterra protestou, considerando que alguns daqueles territórios já se encontravam sob suserania inglesa e lembrava a doutrina da Conferência de Berlim sobre a “ocupação efectiva”. Entretanto várias expedições portuguesas estavam a caminho (António Maria Cardoso, Vítor Cordon e Paiva de Andrade). Quando nos primeiros meses de 1889 partiu uma expedição comandada por Serpa Pinto, o ministro inglês em Lisboa protestou. Depois de várias trocas de correspondência a Inglaterra apresentou em 11-01-1890 um ultimato exigindo que Portugal desistisse das suas pretensões.

Barros Gomes, na sua política aventureira, contava com o apoio da Alemanha. Mas a Alemanha entretanto regulara várias questões com a Inglaterra, que lhe cedera a ilha de Heligoland, no Mar do Norte e encetara uma aproximação com os ingleses que lhe facilitaria a solução dos contenciosos coloniais. A Alemanha alheou-se da questão. Portugal estava isolado perante a Inglaterra que, além de ser a maior potência da época, era, apesar de tudo, o aliado mais fiável que o nosso país poderia ter no concerto das grandes potências.

O governo português, reunido de emergência resolveu aceitar o ultimato inglês. D. Carlos era rei havia 3 meses.

O ultimato inglês e a sua aceitação provocaram uma autêntica histeria nacional (obviamente restrita aos meios urbanos, dado o atraso e indiferença dos meios rurais). A estátua de Camões foi envolvida por crepes negros. O rei foi insultado publicamente em todos os tons. Guerra Junqueiro escrevia no Finis Patriae:

Papagaio Real, diz-me quem passa?
- É e-rei D. Simão, que vai à caça
.
E, mais adiante:
Papagaio Real, diz-me quem passa?
- É alguém que foi à caça.
Do caçador Simão ...

Como era sabido o entusiasmo de D. Carlos pelas caçadas, não era difícil ler nas entrelinhas destes versos quem era o caçador que deveria ser caçado.

António José de Almeida escrevia, num semanário coimbrão, O Ultimatum, sob o título «Bragança, o Último» que D. Carlos nem sequer merecia a morte: «Portugal, o velho herói magnífico, não lhe pode enterrar a espada gloriosa nas profundezas do estômago, nem pode descarregar-lhe no arcado peito uma das sua espingardas honestas». Afonso Costa defendia a tese «A Monarquia é a causa do envilecimento moral da nação». António José de Almeida foi condenado a 3 meses de prisão por abuso de liberdade de imprensa; Afonso Costa foi absolvido, porque - entendiam os juízes - sustentara uma tese sociológica de livre discussão.

Estes exemplos, entre muitos demonstram a ferocidade com que o PRP se atirou à monarquia. É certo que os partidos monárquicos podiam ser acusados de má gestão dos negócios internos. A nível internacional podiam ser acusados de aventureirismo, por conduzirem o país a uma confrontação com a Inglaterra sem possibilidades de sucesso. Todavia, perante o ultimato, o nosso governo não tinha alternativa.

Aliás, depois da aceitação do Ultimato, Salisbury apostou numa melhoria das relações com Portugal e o nosso país conseguiu o apoio da Inglaterra para ter as mãos livres na colonização dos territórios da África Ocidental e Oriental, cuja maior parte não estava sequer ocupada e que constituíram depois as colónias de Angola e Moçambique com os limites actuais. A Inglaterra "esquecia" a desfeita do seu aliado se ter esquecido dela quando apresentou as suas pretensões ao Mapa Cor de Rosa.

Todavia, a campanha histérica dos republicanos contra a monarquia por causa do Ultimato era hipócrita. Dadas as intrínsecas relações entre liberalismo e republicanismo, e tendo sido a valorização dos territórios africanos um dos projectos mais ambiciosos do libera1ismo português, desde o setembrismo em 1836, é evidente que não existia qualquer divergência fundamental entre monárquicos e republicanos quanto à importância nacional do problema colonial. Se alguém se insurgiu contra os projectos e as realizações da colonização africana, não foram os republicanos, mas, por exemplo, um Oliveira Martins.

Aquilo que os republicanos mais sensatos condenam na política colonial da Monarquia não é, de modo algum, essa política em si mesma, mas as suas inépcias, não foi ter capitulado perante o ultimato, mas ter-se comprometido numa política que deu azo a esse ultimato, «O erro ou o crime de comprometer Portugal numa aventura romanesca, cometeu-se, é este o facto», afirma Basílio Teles, que prossegue: «cometeu-se porque era preciso preparar a monarquia para jogar contra o ascendente do partido republicano a decisiva cartada do novo império africano, pelo menos, no papel». E embora a monarquia tenha jogado esse papel com as vitoriosas campanhas africanas de ocupação, a propaganda republicana, permanentemente vitriólica, não permitiu que a monarquia colhesse disso quaisquer dividendos políticos.

A questão colonial foi um dos estribilhos mais insistentes da propaganda republicana e isso evidencia quanto o problema sensibilizava então a sociedade portuguesa, que não lograra, devido ao peso da história da sua pátria, separar o projecto regenerador do sonho do regresso a passadas glórias. Nesse contexto, a queda do regime monárquico era considerada indispensável para levantar de novo o esplendor de Portugal. Na verdade, os versos da Portuguesa reflectem a consciência republicana – Uma nova regeneração da Pátria, enxovalhada por falsas e pretensas regenerações anteriores. Por isso, busca trilhar a via da liberdade democrática, chamando às responsabilidades efectivas da cidadania um povo adormecido que tem vegetado à margem do tempo.

Por isso, após o triunfo da República, esta não teria alternativa senão arrastar Portugal para a Grande Guerra para proteger o Império Colonial Português e para dar corpo às promessas do hino da república:

Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente e Imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal

Publicado por Joana às outubro 5, 2004 11:57 PM

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Comentários

Postas muito interessantes, parabéns.

apenas um senão: A inglaterra nunca quis que Portugal entrasse na I Guerra Mundial. Pelo contrário, opos-se até ao fim. Portugal é que se ofereceu, qual prostituta, pois sabia que só dessa forma o regime republicano se implantaria popularmente.

Publicado por: Gabriel Silva às outubro 6, 2004 09:06 AM

Gabriel Silva em outubro 6, 2004 09:06 AM :
Eu não escrevi que foi a Inglaterra que arrastou Portugal para a guerra, mas sim que tinham sido os próprios republicanos vítimas de si próprios.

Publicado por: Joana às outubro 6, 2004 09:34 AM

Aliás, os republicanos foram obstinados em levarem Portugal para a guerra,apesar das reticências inglesas, mas depois abandonaram o C.E.P. na Flandres sem apoios, sem reabastecimentos em equipamentos e munições, sem rotação dos efectivos, e com estes a lerem os jornais vindos de Lisboa onde se escreviam os maiores dislates contra a presença das nossas tropas na frente. Que moral teriam os desgraçados do C.E.P.?

Uma guerra, ou se faz, ou não se faz. Se se faz, faz-se com determinação.

Publicado por: Joana às outubro 6, 2004 09:50 AM

Joana,
correcto, interpretei mal.

Publicado por: Gabriel Silva às outubro 6, 2004 02:38 PM

Ultimato devia dar o PR ao PSL

Publicado por: c seixas às outubro 7, 2004 06:14 PM

Excelente texto, com efeito. Talvez faltasse dizer que, ao "transportar" a dialéctica da res-pública para o topo do Estado e, por junto, a metafísica política de um «presidente de todos os portugueses» com origem e percurso partidários, a República não só produziu cinquenta anos de Estado Novo como vai claramente a caminho de mais um desfecho insondável ...

Publicado por: asdrubal às outubro 8, 2004 03:34 AM

Tenho apenas a dizer que a monarquia é o nosso futuro. A república não passa de uma mera intenção de mundança sem sentido. Olhem a Espanha, Dinamarca, Luxemburgo, Reino Unido, Mónaco, Andorra, Noruega e outros. São todos monarquias liberais e mais desenvolvidas que a merda da nossa república! feita de idiotas como o Santana Lopes e Durões Barrosos que nem governar sabem. Acordem! A monarquia é o futuro. A república é o declinio. Vejam a Espanha. é uma monarquia!

Publicado por: Pedro Martins às outubro 17, 2004 03:00 PM

Eu também concordo, Pedro Martins, mas é ainda preciso explicar porquê, ou, em alternativa, deixar um «site» onde as pessoas (que o desejem de facto) possam ponderar e esclarecer-se. Existem pre-conceitos "enraizados" de há mais de 50 anos ...

Publicado por: asdrubal às outubro 17, 2004 07:14 PM

lol

Publicado por: regina às novembro 28, 2004 04:14 PM

podia estar muito melhoe pois quem quiser saber realmente como foi o ultimato não sabe aqui de certeza pois eu fiquei a saber o mesmo.Mas k raio queriam voces disto

Publicado por: julio às dezembro 2, 2004 09:40 PM

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