dezembro 28, 2005

O Criador e as Criaturas

A omnipresença ambientalista em tudo o que seja fazer, é obcecante. São as barragens – Côa, Sabor, etc. – é Rio Frio – cujo até agora inexplicável impacte ambiental ameaça levar o novo aeroporto de Lisboa para os confins – foram as gaivotas de Berlengas –protegidas com tal arte que se tornou necessário começar a abatê-las a tiro para evitar um desastre ambiental na ilhota – são auto-estradas, IP’s, estradas municipais, túneis, etc.. Nesta quadra, onde, à míngua de notícias, para além da nossa consabida penúria financeira e económica, a liturgia católica e o Pai Natal, globalizado, Made in China, nos envolvem e põem a meditar, onde os elementos bíblicos ganham um maior relevo e aguçam a imaginação, é bom que nos debrucemos sobre uma nova perspectiva de ver a questão ambiental.

Acaso Deus, na sua profunda omnipotência, teria podido criar os céus e a terra se tivesse necessidade de um Estudo de Impacte Ambiental? Teriam sido possíveis aqueles 5 primeiros dias do Génesis, hoje designados pelo anglicismo Big-Bang? Porventura não, hoje não existiríamos e, pior que tudo, Haydn não poderia ter composto a soberba Die Schöpfung. Quanta coisa se teria perdido, santo Deus!

Mas admitindo que Deus, todo poderoso, conseguisse levar avante os seus intentos, que dizer da sua obra seguinte: o homem e a mulher? Acaso os ambientalistas iriam permitir a execução de uma obra onde a Área de Lazer e Degustação ficasse paredes meias com um exutor de efluentes? A escassos centímetros? O que bradariam os ambientalistas nos horários nobres das televisões? Quantas queixas seriam apresentadas em Bruxelas? Quantas acções populares seriam interpostas por Sá Fernandes, aliás também ele vítima dessa obra irregular do Criador? Vítima? … julgo que sim … pelo menos no que respeita ao exutor de efluentes …

Mas o Criador, na sua omnisciência, teve confiança nas suas Criaturas, na capacidade destas usufruírem da obra que fizera, dando-lhe o uso mais adequado. Algumas, demasiado imaginativas, ultrapassando porventura os desígnios iniciais do Criador, foram mais longe, anexando o exutor à área de lazer. As primeiras a fazê-lo foram punidas impiedosamente, com a destruição divina de Sodoma e Gomorra. Era tal a fúria do Criador que mesmo a mulher de Lot, só por ter olhado para trás, porventura curiosa com o fragor da destruição, ficou transformada numa estátua de sal. Todavia Deus, na sua infinita piedade, tem uma bonomia, uma benevolência, uma capacidade de estabelecer consensos, que escapam aos ambientalistas, e assim o divino Marquês pôde dar largas à sua imaginação e escapar milagrosamente à guilhotina … sinal evidente que o Criador passara a confiar nas suas Criaturas e que admitia que os equipamentos com que dotara a sua obra prima pudessem ser vistos num conceito multiusos.

E foi assim que uma obra que viola as mais elementares regras ambientais, que foi feita sem Estudo de Impacte Ambiental, completamente irregular, tem prosperado até à data, para satisfação de todos, ou quase todos. Sabe-se lá o que se teria perdido se o Criador fosse obrigado a mandar executar um EIA. Sabe-se lá que seres disformes poderiam ter sido criados. O que teria sido provável, é que os atrasos na elaboração do EIA, na sua discussão pública e aprovação se prolongassem de tal modo que, quando o Criador estivesse munido de todas as autorizações, já não houvesse fundos comunitários para subsidiar a obra.

E lá ficaríamos sem Haydn e a sua Die Schöpfung.

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setembro 07, 2005

A Seca na Publicidade

É consensual que a água é um recurso fundamental, porquanto sem ela a vida não seria possível, não só pela sua utilização directa pela humanidade, como pela manutenção da integridade e equilíbrio dos diversos ecossistemas, dos quais a humanidade, directa ou indirectamente, depende. Devem assim serem utilizados instrumentos de gestão dos recursos hídricos incentivando os utentes a adoptarem comportamentos de utilização desses recursos que sejam os mais eficientes e justos do ponto de vista da comunidade e que garantam, simultaneamente a preservação dos ecossistemas. Sucede que, em Portugal, a avaliar pelos anúncios profusamente transmitidos este Verão, espera-se que sejam apenas os particulares a terem esses comportamentos.

Em primeiro lugar, o abastecimento urbano doméstico representa 8,59% do consumo de água no nosso país, excluindo o consumo nas Centrais Térmicas. Se se incluírem estas, aquela percentagem passa para 7,27%. O consumo industrial (rede própria) é de 3,81% (3,23% com CT) e o dependente da rede pública é de 0,82%. A hotelaria e os campos de golf consomem 0,28% (0,24% com as CT). A agricultura consome 86,5% (73,2% com as CT). Por sua vez as Centrais Térmicas consomem 15,41%, (Valores do Plano Nacional da Água de 2001).

De notar que nestes valores não estão as quantidades turbinadas nas centrais hidroeléctricas, que representam cerca de 91% de toda a utilização da água no nosso país. Se o fizéssemos, os números anteriores teriam ser divididos por 10! É óbvio que as quantidades turbinadas nas hidroeléctricas são restituídas ao leito a jusante. Mas também as termoeléctricas restituem o caudal utilizado, embora em condições de temperatura diferente da anterior. E igualmente parte da água consumida pela agricultura e abastecimento público acaba por ser restituída à bacia hidrográfica da qual foi retirada.

Reflectindo sobre estes valores vemos que o os campos de golfe, diabolizados pelos exorcistas do pecado do lucro, representam cerca de 0,14% do consumo (os campos de golf consomem grosso-modo metade das quantidades destinadas ao turismo). Em contrapartida são os responsáveis pelo turismo mais rico per capita e permitem manter uma ocupação razoável na época baixa. São os campos de golf que sustentam parte da hotelaria algarvia.

Continuando a reflectir sobre esta problemática, verificamos que os destinatários da publicidade representam menos de 9% do consumo de água no nosso país. Portanto aquele anúncio destinava-se apenas a utentes que consomem 8,59% da água captada no nosso país. Ou 8,73% se incluirmos os campos de golf, relativamente aos quais diversos programas têm assinalado o carácter pecaminoso e iníquo da utilização do precioso líquido.

Debrucemo-nos agora sobre a água consumida no abastecimento público. As perdas da rede urbana, segundo uma estimativa que considero muito por defeito, representam cerca de 31% em média do continente. Todavia um estudo dos SMAS de Loures, há meia dúzia de anos, concluía que as perdas, só na rede secundária, andariam pelos 35%. É provável que as perdas nas redes de abastecimento, em alta e em baixa, rondem os 40%. Estas perdas devem-se, na sua quase totalidade, a sistemas de canalização envelhecidos, obsoletos, mal concebidos, mal instalados, mal soldados, etc.. Uma pequena parte resulta de má fiscalização das autarquias, que permite roubos.

Finalmente temos a questão das regas. Uma rega efectuada no Verão, com a insolação existente, é um desperdício enorme. As regas devem ser feitas de madrugada ou, de preferência, ao fim da tarde. Os agricultores particulares fazem-no quase sempre. Todavia os municípios não o fazem. Alguns privados, como aldeamentos turísticos, também o não fazem. A razão é simples: não querem pagar horas extraordinárias. O custo da água desperdiçada por evaporação devido a regas feitas às horas de maior insolação é inferior ao custo das horas extraordinárias. Tudo isto é perverso. Deveria haver turnos próprios, ou flexibilização de horários que permitissem que as regas se realizassem em horários convenientes e a custos razoáveis. Ou então sistemas de regas automáticas com temporizadores que desencadeassem as regas às horas convenientes.

São comportamentos como estes de que eu discordo frontalmente. As autoridades, neste caso a AdP, as autarquias (através dos SMAS) e, em certa medida, o INAG (e o Ministério do Ambiente), que tutela o domínio hídrico em Portugal, têm pesadas responsabilidades. Não podem desperdiçar água. Têm que dar o exemplo. É evidente que todos devemos poupar água, que é um bem precioso e indispensável à nossa sobrevivência. Mas as autoridades têm que dar o exemplo, não só pela utilização que fazem dela, como por melhorar os sistemas de abastecimento, de forma a baixar as perdas em carga para valores razoáveis.

É uma irracionalidade e uma iniquidade estar a ouvir aqueles anúncios, enquanto lá fora, em plena canícula, aspersores regam a relva inconscientes que uma parte significativa dela é perdida por evaporação, sabendo que as canalizações que nos trazem água a casa perdem cerca de 40% da água que recebem e sabendo que o abastecimento público é uma parte muito reduzida da captação total da água.

É a irracionalidade e a iniquidade da administração pública, central e local, que julga que está acima da lei e dos comportamentos racionais, que são só aplicáveis e exigíveis ao comum dos cidadãos.

Publicado por Joana às 08:30 AM | Comentários (67) | TrackBack

agosto 14, 2005

Mercado e Ambiente

Um dos vectores de diabolização do mercado é a acusação que este prossegue uma exploração desenfreada da natureza e não cura dos prejuízos que as actividades produtivas provocam no ambiente – poluição, efeito estufa, destruição das paisagens, etc.. Há empresários que o fazem, assim como há empresários que degradam a qualidade dos seus produtos, que tentam vigarizar os consumidores, os fornecedores ou os concorrentes, que tentam defraudar o fisco, etc.. É a confusão premeditada entre liberalismo e o “vale-tudo”, comum no pensamento dos regimes totalitários e dos iliberais dos regimes democráticos. Todavia, desde o nascimento da escola da economia clássica, que os seus teóricos sustentam que cabe ao Estado aplicar a justiça e zelar para que não existam distorções e atropelos ao funcionamento do mercado. Entre esses atropelos estariam certamente os prejuízos ambientais, se eles fossem visíveis nos finais do século XVIII.

A questão dos bens ambientais tem uma característica própria que não torna imediata a forma como essa questão possa ser resolvida em mercado. Na generalidade são bens onde não existem a priori direitos de propriedade: o ar, os rios, os oceanos e o domínio hídrico em geral, etc.. Enquanto a Natureza parecia ter uma capacidade de regeneração infinita, estes problemas não se puseram. Havia poluição (fumo das chaminés industriais, poluição de rios, descargas ao ar livre, etc.) mas eram actos pontuais, que apenas incomodavam a vizinhança imediata.

Ora cabe a economia neoclássica o ter, pela primeira vez, investigado esta situação numa perspectiva científica e não moralista. O fundador da teoria moderna do bem-estar, Pigou, em Economics Welfare (publicada em 1920), vai chamar a atenção para os casos em que existem externalidades num equilíbrio geral. Ele sugere que o interesse público e os interesses privados não coincidiam, quando, por exemplo, o custo marginal social — ou seja custo para o conjunto dos indivíduos — e custo marginal privado — ou seja custo para um indivíduo tomado isoladamente — não são iguais. Esta divergência entre custo social e custo privado foi considerada por Pigou como uma externalidade. Uma externalidade surge quando uma pessoa se dedica a uma acção que provoca um impacte no bem-estar de um terceiro que não participa nessa acção, sem pagar nem receber nenhuma compensação por esse impacte.

E deve sublinhar-se que Pigou foi o primeiro, (cf. Economics of Welfare), a fim de ilustrar uma análise do bem-estar, a apresentar exemplos claramente dependentes do meio ambiente, tal como o de uma chaminé fabril que fumega e suja a vizinhança. A modalidade de internalização proposta por Pigou foi a de colmatar o desvio custo social - custo privado fazendo pagar uma taxa ou uma renda ao emissor da nocividade, taxa cujo montante seria igual à diferença entre custo social e custo privado. O preço do bem produzido seria assim igual ao custo marginal social do bem (custo marginal privado + taxa).

Autores posteriores, no quadro da economia neoclássica, pouco inclinados a preconizar soluções fiscais, contestam a optimalidade da solução de Pigou e exigem, para se obter o Óptimo, uma condição suplementar: que o produto da taxa seja entregue à vítima do efeito externo, a fim de que esta última veja o prejuízo residual compensado.

Dentro desta óptica insere-se o teorema de Coase, um dos pioneiros da análise da Economia do Ambiente: a internalização não pode provir senão de uma negociação bilateral entre emissor e vítima, ou seja, de uma discussão de preços entre os agentes económicos em causa, desde que o custo da organização dessa negociação não seja proibitivo e nunca ultrapasse o ganho social que dele se pode esperar. Esta condição de nulidade dos custos de transacção (ou de organização da negociação) é essencial na demonstração de Coase, pois o que Coase critica é o carácter unilateral da solução fiscal de Pigou. Convém notar que o teorema de Coase já tem mais de meio século e foi elaborado numa situação em que a acção sobre o ambiente não se desenrolava à escala planetária, ou pelo menos ainda não havia consciência disso. Em qualquer dos casos, muitas das soluções adoptadas actualmente, têm a ver, directa ou indirectamente, com o teorema de Coase.

Portanto é a própria economia neoclássica que reintroduz a problemática da convergência entre interesses privados e interesse público, embora com outros meios e outras finalidades que os de Adam Smith. O conjunto desta problemática neoclássica baseada nas teorias da utilidade e do bem-estar fez nascer a teoria económica do meio ambiente. No seio da economia do meio ambiente, distinguir-se-ão, sucessivamente, as questões de internalização das externalidades, a definição dos direitos de propriedade e as soluções dadas aos problemas da avaliação dos bens e dos serviços do meio ambiente

É óbvio que abordagem neoclássica pressupõe a soberania da esfera económica através do papel regulador do mercado. O mercado, através das alterações de preços relativos, pode fornecer um método para a concessão óptima dos bens e serviços ambientais.
O receio do esgotamento de recursos naturais dotados de um preço de mercado (energias fósseis, minérios) desapareceria se se deixasse agir sem qualquer intervenção os mecanismos de mercado. À medida que os preços aumentassem, as estratégias de exploração e as investigações tecnológicas seriam simultaneamente estimuladas. Estas últimas permitiriam, não só a substituição entre recursos, como também o aumento da eficácia destes, ou seja, uma diminuição do seu desperdício. Este ponto de vista gerou uma teoria económica da exploração óptima dos recursos naturais, que calcula uma trajectória óptima do esgotamento dos recursos e permite a continuação do crescimento económico, não obstante o esgotamento de certos recursos naturais.

Quanto aos problemas de poluição, estes desapareceriam, à semelhança do desperdício de certos recursos naturais, se lhes fosse criado um duplo mercado, por um lado, para os serviços de absorção dos poluentes devolvidos pelo ambiente e, por outro, para os recursos naturais actualmente disponíveis. Considera-se aqui que os problemas do meio ambiente provêm do facto de muitos bens e serviços ambientais serem gratuitos.

Ora, o risco é que, se a procura cresce, esta ultrapassa a capacidade dos bens e serviços ambientais para a satisfazer. Por outras palavras, pode ocorrer uma sobreexploração dos recursos ou das capacidades de absorção da biosfera. Por exemplo, enquanto a concentração de dióxido de carbono e de dioxinas, a espessura da camada de ozono, etc. foram tratadas como recursos de preço nulo, não havia incentivos para tomar medidas contra a sua sobreexploração.

A solução é atribuir um preço a estes bens e serviços ambientais, o que pode ser feito por diferentes métodos, ou encontrar processos sociais tais como o princípio «poluidor-pagador», o qual permite avaliar monetariamente o custo da sobreexploração de certos recursos naturais ou o da poluição. Daí decorre a questão da avaliação dos bens e serviços ambientais, assim como da «internalização dos efeitos externos», que conduz à realização de um óptimo de poluição que iguala o custo social marginal do prejuízo e o custo marginal de redução da poluição.

Portanto, foi a economia neoclássica, conhecida entre os seus detractores como neoliberalismo, que construiu modelos para analisar as externalidades ambientais e resolvê-las de um ponto de vista económico eficiente. Enquanto uns se preocuparam, tardiamente, em debitar tiradas moralistas baseadas na ignorância e/ou na malevolência, a economia neoclássica propunha soluções para os problemas, que satisfizessem o equilíbrio ambiental e a eficiência económica.

Muitas das actuais taxas, tarifas, normas e regulamentos, sistemas de coimas e outras formas quer de conteúdo claramente económico, quer aparentadas com coacções administrativas, têm suporte, directo ou indirecto, em trabalhos da teoria económica.

Frequentemente contrapõe-se a ética à abordagem neoclássica, sob a alegação que aquela é menos utilitarista. Todavia a abordagem neoclássica tem, face aos problemas ambientais, uma forte componente antropocêntrica (é o indivíduo que decide o valor a dar aos não humanos) e «presentista» (é a presente geração que decide sobre o valor de legado). A abordagem neoclássica avalia os bens ambientais, cria modelos integrando esses valores sociais e propõe soluções para maximizar o bem-estar. Há vários modelos cuja adequação depende do tipo do problema em equação. Mas têm um carácter operacional e não moralista.

Voltarei a este tema em futuros posts, desenvolvendo alguns conceitos aqui esboçados.

Publicado por Joana às 06:59 PM | Comentários (63) | TrackBack

março 07, 2005

A Seca do Ambiente

O caso da não-Barragen de Odelouca é típico da situação de desconchavo e de demissão em que o país vive. O abastecimento de água ao Algarve baseava-se em 2 sistemas principais: Odeleite-Beliche a Sotavento e Odelouca a Barlavento. O primeiro está funcionar há alguns anos. Odelouca está parada há meia dúzia de anos. De quem é a culpa? Dos ambientalistas? Mas estes comportam-se como o lacrau da parábola do lacrau e da r㠖 está na natureza deles. Dos promotores do empreendimento? Mas eles estão impedidos de avançarem pelas decisões de Bruxelas de não financiar a obra devido à queixa da LPN. A culpa é de todos nós e deste laxismo emoliente em que vivemos.

O desleixo governamental de décadas deixou em autogestão uma série de institutos criados por esses governos e pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Assim, em Portugal, começaram a ser classificadas áreas sob os mais variados pretextos: REN, Rede Natura 2000, biótipo Corine, paisagem protegida, etc., etc. O país ficou todo classificado (por exemplo, 43% do território do Algarve foi classificado na Rede Natura 2000, sendo a média portuguesa de 24%, enquanto na União Europeia a média não ultrapassa os 12%).

Por exemplo, quando se tentaram construir centrais eólicas, como elas têm que se situar em locais altos e menos habitados, verificou-se que não havia locais disponíveis: estavam todos classificados. Não se podiam abrir valas para a passagem dos cabos eléctricos porque se iria destruir a biodiversidade, as pás dos aero-geradores ameaçavam matar umas aves que tinham o hábito inveterado de passar por ali (como se as aves não fossem mais inteligentes que os seus defensores e capazes, ao fim de 3 ou 4 experiências desastrosas, de escolher outro percurso) … etc., uma desgraça. Todavia, como a alternativa às centrais eólicas é o incremento da energia térmica e o não cumprimento dos protocolos de Quioto e das directivas da UE, lá teve que ser: começaram a “desclassificar” as áreas em causa, uma a uma. Mais uma burocracia para atrasar um investimento indispensável.

O lince ibérico foi o “valor natural” mais importante que levou à suspensão do financiamento comunitário da barragem de Odelouca. A Comissão Europeia sustenta que não ficou provado que a barragem era indispensável para o abastecimento de água à região, enquanto um estudo publicado em 1998 apontava as serras algarvias (Odemira, Monchique e Caldeirão) como tendo a principal concentração de linces em Portugal - com 19 a 23 animais. Todavia esta informação baseava-se apenas em entrevistas com pessoas que afirmaram ter avistado linces, ou seja ... em boatos (Não seriam antes gambozinos?). Um trabalho posterior realizado pelo próprio ICN pôs aquela informação em causa, afirmando que, salvo os testemunhos verbais, nenhuma evidência concreta de existência do lince havia sido encontrada na região nos últimos dez anos.

Quando se fala no abastecimento de água ao Algarve, aparecem os radicais miserabilistas a clamarem contra os campos de golfe. Acontece que dos 250 milhões de m³/ano de água consumida anualmente naquela região, apenas 6% se destina a campos de golfe. Acontece ainda que os campos de golfe são a actividade que permite a hotelaria algarvia manter uma taxa de ocupação razoável fora da estação alta. Acontece finalmente que o turista do golfe é, de muito longe, aquele que mais despende per capita. O turismo do golfe está no topo do turismo de qualidade e tratar com ligeireza e pretenso moralismo esta actividade é matar uma das poucas galinhas dos ovos de ouro que nos restam.

Quando o ministro Nobre Guedes anunciou, há meses, que se perspectivava um período de seca e que as obras de Odelouca teriam que arrancar, os autarcas da região, achando embora que as obras deveriam arrancar, consideraram irresponsáveis as declarações do ministro. Os irresponsáveis, como se observa actualmente, foram esses autarcas, pois que produziram aquelas afirmações na ingénua esperança de não assustar o turismo, quando o que era premente era “assustar” Bruxelas, para desbloquear os financiamentos, demonstrando a urgência da barragem.

O ministrou entretanto, ainda antes das eleições, assinou um despacho para avançar com a construção da barragem, quer haja ou não fundos comunitários, enquanto o presidente da LPN ameaçou que tal decisão pode trazer «graves penalizações para Portugal» e que «dificilmente a obra poderá avançar», mesmo depois da reformulação do projecto, dado que «contém graves distorções ambientais» ... devido aos boatos sobre existência de linces numa área geográfica onde a barragem irá ocupar menos de 1% da superfície. É um folhetim que continuará, seguramente.

Na televisão passam continuamente imagens dos efeitos da seca nas culturas algarvias. Fala-se vagamente na Barragem de Odelouca, mas como quem tem audiência na Comunicação Social são os fundamentalistas do ambiente, quem é diabolizado são os campos de golfe. Ninguém faz conta à água consumida e a quem a consome; ninguém viu os linces; ninguém contabiliza as divisas que os turistas do golfe cá deixam e o seu efeito positivo na economia e no emprego no Algarve (e no resto do país). Tudo é desvalorizado face à iconoclasia do pecado do lucro.

Continuamos a ser um país de pensamento medieval, moralista e escolástico, convencidos que isso é ser “progressista”. Parecemos as multidões enfurecidas do início da Revolução Industrial que escavacavam as máquinas convencidas que eram elas a causa dos males da sociedade.


Nota: Segundo aquele “estudo” baseado em entrevistas, haveria em Portugal 40-53 linces, distribuídos por 5 pequenas populações: Algarve/Odemira (19-23 indivíduos), Vale do Sado (6-8), Malcata (7-9), S. Mamede (4-6) e Guadiana (4-7), as últimas três em contacto com populações espanholas. Ocorreria também, embora as “entrevistas” não fossem conclusivas, no Gerês, Montesinho, pinhais de Mira e Serra de Ossa.

Publicado por Joana às 07:48 PM | Comentários (48) | TrackBack

janeiro 25, 2005

ICN ou IDN?

Escrevi diversas vezes neste blog sobre o ICN(*) descrevendo-o como um fautor de destruição da natureza e não da sua conservação, como o nome pressuporia. Foi um instituto que ficou em auto-gestão, que engordou em efectivos empregando fundamentalistas ambientais, que alberga as mais sábias incompetências em matéria de conservação da natureza, sábias porque leram os livros e revistas de outras sábias incompetências, incompetentes, porque só conhecem a natureza que vem naqueles livros, e que agem sob o império de mitos que beberam nessa literatura seleccionada.

O ICN tornou-se uma vaca sagrada para as organizações ambientalistas, o que era previsível, porquanto deu emprego a muita fauna bio-diversificada que vagueia naquelas organizações.

Provavelmente muitos terão julgado exageradas afirmações que produzi. Leiam então o DN de hoje:

“O Instituto para a Conservação da Natureza (ICN) não está a zelar pelo património ambiental do País. É uma estrutura "muito burocrática", virada para o interior, sem "estratégia definida e com demasiada dependência orçamental". Estas são as conclusões "arrasadoras" de uma auditoria realizada pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), que traça também as mudanças estruturais necessárias para o futuro. Uma reforma que passará para o próximo Governo

Julgo que este relatório não vai ter consequências. Quando em Portugal uma vaca sagrada é atropelada, quem fica acidentado é o atropelante que, quando sobrevive, acaba normalmente nos cuidados intensivos.


(*)Ler, por exemplo, aqui e ali ...

Publicado por Joana às 08:38 PM | Comentários (8) | TrackBack

dezembro 30, 2004

Punir o Bota-abaixo Obstrucionista

Em 5 de Dezembro escrevi aqui (cf. O Túnel pela culatra) que o causídico das «causas populares» José Sá Fernandes deveria ser cauteloso e evitar passear-se por aquela zona, enquanto os moradores e comerciantes locais não esquecessem o sofrimento por que têm passado. Muitos comentadores desdenharam então dessa afirmação e auguraram uma promissora carreira a uma das mais proeminentes figuras do «não deixar fazer nada» à portuguesa.

Hoje soube-se pelos jornais que um grupo de moradores e comerciantes que se sentem prejudicados pela interrupção de sete meses das obras do túnel do Marquês, em Lisboa, constituíram a "Comissão de Lesados por Sá Fernandes", e admitem avançar para tribunal para exigir indemnizações pelos prejuízos que sofreram pela paragem da construção do túnel em Abril. Segundo um dos impulsionadores da comissão, esta já reúne cerca de uma centena de pessoas, residentes e comerciantes da área afectada pelas obras e mesmo gente que não sendo da zona, a utilizava e que sofreu graves transtornos.

Não me parece que essa acção tenha pernas para andar. Afinal de contas quem ordenou a paragem das obras foi o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa. Sá Fernandes apenas interpôs a «acção popular» que se veio a revelar uma «acção muitíssimo impopular»! Provavelmente a intenção dos moradores é que aquela comissão constitua uma espécie de providência cautelar contra futuros delírios cívicos daquele advogado

Todavia é bom que Sá Fernandes saiba que o seu protagonismo em impedir a realização de obras sob a epígrafe revolucionária de «acção popular», só é popular entre os amigos dele e os meios de comunicação social. E nestes, apenas até concluírem que a população está irada, assestando então baterias em sentido contrário ... audiências oblige.

Em Portugal, quando se pretende fazer qualquer coisa, seja a nível do governo, seja a nível autárquico, seja mesmo a nível de grupos de cidadãos para fazer um simples parque de estacionamento subterrâneo, levanta-se imediatamente um coro de protestos dos quadrantes mais inesperados. Tudo serve para tentar impedir a realização de qualquer empreendimento: a mentira ou as meias-verdades insidiosas, a calúnia mais torpe, a chicana, a intriga, a gritaria, providências cautelares, manifestações, etc.. Todos os meios possíveis são mobilizáveis na cívica e patriótica tarefa de impedir que algo seja feito.

Se exceptuarmos o futebol, que foge a esta regra por estar dominado por gente despicienda do ponto de vista intelectual, Portugal atinge o máximo da sua exaltação patriótica e cívica quando os intelectuais p.c. (politicamente correctos) e os órgãos de comunicação social, colonizados por eles, mobilizam as forças vivas da Pátria para a ingente tarefa de não deixar fazer nada.

É esta mentalidade obstrucionista que tem que acabar. Ela não corresponde à vontade do povo português, mas apenas a uma fina camada urbana arrogante e convencida que detém a verdade absoluta, verdade que parece ser a vontade do país, apenas porque controla a informação.

Há cerca de 3 anos fui a Évora em serviço, no preciso dia em que se realizava uma manifestação ambientalista para protestar contra a Barragem do Alqueva, exigindo a cota 139. De início não me apercebi de nada. Reparei apenas que muitas árvores das praças da cidade tinham fitas pretas atadas ao caule. Quando ia a chegar à Praça do Geraldo, uma adolescente com uns ramos entrançados encimando a cabeça, lembrando a coroa de espinhos, distribuía uns prospectos, perante a indiferença, e mesmo hostilidade, da população.

Já estava eu na Praça do Giraldo quando esse pessoal se reuniu no centro da praça e clamou repetidamente o refrão «Cota 139». Não deveriam ser mais de 30. Dezenas de repórteres, com apoio de vários carros de exteriores, afadigavam-se à volta daquele grupo, tentando obter as imagens mais favoráveis. Quando acabaram as imprecações, o pessoal subiu para o autocarro que o tinha levado até àquela cidade alentejana e foi-se embora. Os eborenses ignoraram completamente aquela incursão dos «bem pensantes» de Lisboa.

E de facto, o plano de rega que faz parte do projecto do Alqueva, que ultrapassa Ferreira do Alentejo e Odivelas, só é possível com uma cota que permita o transporte por gravidade até zonas tão distantes, minimizando o custo de energia em Estações Elevatórias. É a cota 152 que permite esse plano de rega e a população interpelada pelos excursionistas ou sabia isso, ou apenas estava farta de intromissões estúpidas e arrogantes nas suas vidas.

Mas não é apenas nestes níveis que o não fazer nada prevalece, ou tenta prevalecer. O principal cuidado de qualquer gestor público que se preze e que pretenda singrar nas sinecuras estatais, é evitar tomar decisões. Tomar uma decisão é o acto mais atrevido e arriscado que um gestor público pode fazer. Um gestor público pode ser punido ou enxovalhado publicamente por tomar uma decisão. Passará completamente desapercebido se evitar tomar decisões. O gestor público é premiado, não pelas decisões que tomou, mas pelo patriótico empenho em não tomar qualquer decisão.

Essa mentalidade, muito arreigada no nosso país, e, hoje em dia, curiosamente sustentada primordialmente por aqueles que se arrogam de progressistas e de terem o futuro nas mãos, tem que ser erradicada porque é, desde há séculos, um dos maiores obstáculos, senão o principal, ao desenvolvimento do país.

É esse dever cívico de contrariar aqueles que não deixam fazer nada, que se impõe presentemente ao povo português. Era imperioso que o povo português se consciencializasse, ganhasse voz (não a voz daqueles que se arrogam permanentemente de serem as suas vanguardas conscientes) e se organizasse para pressionar para se fazerem coisas, em vez de assistir, nas TVês, à proliferação de pseudo-organizações do apostolado da inércia, que não representam ninguém, e cujas dezenas de membros estão igualmente filiadas em centenas de outras pseudo-organizações que não passam de emplastros emolientes.

É essa recusa à mudança e à inovação, misturada com a mesquinhez e a inveja, que constitui a amálgama mortífera que se opõe ao nosso desenvolvimento. Contribuir para a sua erradicação é o dever de todos nós.

Publicado por Joana às 07:55 PM | Comentários (52) | TrackBack

dezembro 21, 2004

Um País no Crematório

A questão da eliminação dos resíduos industriais perigosos é o paradigma do cretinismo da nossa demagogia política, que aposta em emblemas para agitação eleitoral, vazios de conteúdo e nocivos para o país, pois que apenas servem para não fazer nada, para manter tudo na mesma. É perverso que as forças políticas e mediáticas do nosso país se tenham especializado e adquirido a máxima proficiência em mobilizarem o país ... para não deixar fazer nada.

Quando findou a governação de Cavaco Silva estava na calha um projecto para a construção de uma incineradora dedicada, destinada à eliminação dos resíduos industriais perigosos (RIP), em Estarreja, com o aval da autarquia respectiva. A equipa de Guterres fez abortar esse projecto.

Posteriormente o ministro Sócrates propôs uma solução diferente: a co-incineração realizada nos fornos cimenteiros. Esta proposta levantou imensa polémica, criaram-se e desfizeram-se comissões de iniciativa governamental e iniciativa cívica, choveram insultos mútuos entre figuras científicas, até então tidas como prestigiadas, foi, enfim, um enorme e pouco dignificante sururu. Não se percebe como cientistas e docentes universitários, com currículos volumosos, estejam em desacordo sobre, por exemplo, a quantidade de dioxinas emitidas pelas lareiras e que esse desacordo, entre os cientistas opositores e os cientistas da CCI, seja de 1 para 100! Ou de 1 para 1 milhão (!?) no caso da cremação de cadáveres.

Pelo que me apercebi, a co-incineração tem a vantagem de ser muito mais económica, pois os investimentos nos filtros das cimenteiras deveriam ter sido feitos em qualquer dos casos. Por outro lado, como os RIP são usados como combustível, poupa-se em fuel, o que é um factor muito positivo na nossa balança de pagamentos (o combustível fóssil constitui, de longe, o principal custo da fabricação de cimento).

Tem em contrapartida a desvantagem de só poder ser efectuada sobre parte dos RIP pois há restrições à queima de resíduos com elevadas concentrações de metais voláteis, como o mercúrio. Quanto às desvantagens ambientais tenho dificuldade em me pronunciar em face de contradições tão antagónicas de cientistas tão eminentes. Todavia parece-me que, desde que haja uma triagem prévia e que aos RIP mais nocivos seja dado outro destino, é uma solução que não causa prejuízos ambientais.

Quando Sócrates decidiu avançar com a solução ... caiu o governo de Guterres. Empolgado com a polémica anterior, Durão Barroso fez do não à co-incineração um dos seus emblemas de campanha. É profundamente estúpido que questões como esta se transformem em armas de arremesso político.

Durão Barroso ganhou as eleições e a questão da eliminação dos resíduos industriais perigosos voltou à estaca zero. Só uma coisa era sólida ... o não à co-incineração. O assunto ia ser estudado e seria encontrada uma solução ... desde que não fosse a co-incineração!

Dois anos e meio depois, uma nova solução entretanto estudada está em fase de implementação e o país, e sobretudo os ambientalistas, tranquilo. E é nesta tranquilidade de quem julgava que havia sido encontrada uma solução ... ou melhor, uma decisão, que Sócrates aparece a ressuscitar a polémica e a garantir que com ele haverá co-incineração.

Resumindo: há 10 anos o país estava à beira de implementar uma solução para a eliminação dos RIP ... e um mês depois já não tinha solução; após muita inércia, estudos e polémicas, o país, há cerca de 3 anos, estava à beira de implementar uma solução (diferente) para a eliminação dos RIP ... e um mês depois já não tinha solução; agora, após alguma inércia e muitos estudos, o país está à beira de implementar uma solução (igualmente diferente) para a eliminação dos RIP ... e ... aparece Sócrates.

Sócrates tem sido sistematicamente acusado de só dizer banalidades e ser um vazio total. É perverso que a primeira ideia concreta com que ele nos obsequiou tenha sido um disparate, tenha sido o reviver uma polémica inútil.

Se Sócrates fosse inteligente e tivesse consistência política, estaria calado sobre este assunto durante a campanha e, posteriormente, poderia implementar uma solução conjugando a que está actualmente em concurso, que é ambientalmente muito melhor, com a eventual queima, nos fornos de cimento, dos RIP mais adequados a tal operação, o que tem vantagens económicas.

Mas não, Sócrates além de dar um tiro no próprio pé, deu mais um tiro certeiro na credibilidade dos políticos, na (in)consistência das suas (in)decisões. Deu mais uma achega àqueles que estão convencidos que os políticos apenas estão empenhados nos seus interesses partidários, em guerrilhas mútuas e nocivas para o país e completamente alheios aos interesses do país.

Municiou aqueles que acham que a nossa actual classe política é o principal estorvo à solução dos nossos problemas e ao desenvolvimento do país.


Nota - Ler ainda:
Prometemos o mesmo, mas ...

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dezembro 05, 2004

O Túnel pela culatra

O Túnel do Marquês foi a obra emblemática da campanha de Santana Lopes à CM Lisboa. Nunca me pareceu, todavia, uma obra prioritária para Lisboa. O cruzamento desnivelado com a Rua Artilharia 1 era, sim, prioritário. Porém o Túnel do Marquês é uma obra muito complexa do ponto de vista estrutural, e portanto dispendiosa, o que me faz supor que outras obras teriam para a capital um rácio benefício-custo provavelmente mais elevado.

Todavia achei vergonhosa a campanha histérica e obstrucionista movida pela oposição e pelas associações «cívicas» que brotam do nada e não representam nada nem ninguém, a não ser os que protagonizam aparições televisivas. O advogado Sá Fernandes, especialista em acções populares na área ambiental, não perdeu a ocasião para adquirir mais protagonismo social e conseguiu uma forma legal de bloquear o prosseguimento da obra.

Essa vitória das «forças cívicas» portuguesas produziu então um enorme entusiasmo na comunicação social. Nos ecrãs televisivos só se viam rostos felizes zombando do fracasso do play-boy da política. Há dias, uma decisão do STA deu provimento ao recurso da CML e anulou as decisões dos tribunais das instâncias inferiores – as obras podem prosseguir.

Não houve manifestações de dor. O causídico das «causas populares» titubeou umas frases sobre o sentimento do dever cumprido e ficou-se por ali. Entrevistas a alguns comerciantes e moradores da zona mostravam a enorme satisfação por entreverem uma luz ao fundo do túnel do seu calvário. Foi com suspiro de alívio que os lisboetas e os suburbanos que demandam Lisboa por aquele eixo receberam a notícia do recomeço das obras e de haver um epílogo anunciado do seu sofrimento diário.

Mudam-se as situações, mudam-se as vontades. Os promotores da campanha sentiram o vazio à sua volta; a comunicação social sentiu o vazio à volta dos promotores da campanha; a população lisboeta e, principalmente, os utentes daquele eixo, começaram a sopesar a realidade face aos mitos, a comparar o empecilho dos factos com os inebriantes estouvamentos «cívicos» ... e o que parecia ser uma verdade irrefutável meses atrás, tornou-se um incómodo obstáculo a remover com urgência.

E o protagonismo mediático do advogado Sá Fernandes só lhe vai servir para ser cauteloso e evitar passear-se por aquela zona, enquanto os moradores e comerciantes locais não esquecerem o sofrimento por que têm passado.

No tempo da vereação de João Soares construíram-se túneis e parqueamentos subterrâneos e estes nunca precisaram de estudos de impactes ambientais. O parque subterrâneo da Praça do Município foi inclusivamente construído sem licenciamento municipal. Os serviços não se despachavam e João Soares procedeu à sua construção na mais completa ilegalidade. Se alguém protestou, não transpareceu para o público. E se eu critico João Soares não é por ter construído o parque, que foi uma obra útil para a cidade, mas por não pôr os serviços camarários a funcionar – porque, para além da presidência da CML, há muitas centenas de munícipes que esperam anos a fio por licenciamentos camarários ... sem mencionar os milhares que as realizam clandestinamente para evitarem aborrecimentos.

Pelas razões que invoquei inicialmente, nunca considerei esta obra prioritária. Todavia não partilho da ideia que tornar mais fáceis os acessos a Lisboa seja prejudicial, porque traz mais tráfego à capital. Essa tese malthusiana conduziria a não construir alternativas para as estradas estreitas e sinuosas que existiam, e ainda existem, no nosso país. Desincentivar o uso do automóvel não se faz mantendo as rodovias em estado precário. Faz-se fiscalizando severamente o estacionamento público, melhorando os interfaces com os transportes públicos e utilizando estes de uma forma mais integrada e adequada aos interesses dos utentes. Não basta investir na qualidade e quantidade do material circulante, esse investimento tem que ser complementado com uma mais eficiente organização do seu funcionamento e adequação às necessidades dos utentes. E faz-se, se tudo o mais falhar, impondo portagens nos acessos à cidade, ou a algumas zonas dela.

Resumindo: não a julguei nem a “melhor decisão”, nem uma “má decisão”.

Há uma questão, certamente do escopo metafísico e transcendental, que rodeia as decisões de Santana Lopes: estas provocam excitações frenéticas, histerismos fanáticos, emoções exaltadas. Qualquer decisão que ele tome, por mais elementar e comezinha que seja, provoca os arrebatamentos mais desmedidos. Enquanto ele permaneceu na Figueira, protegido dos olhares da capital pelo sistema Montejunto-Estrela, decidia numa obscuridade tranquila; mas assim que veio para a capital foi objecto de permanente linchamento público, quer como Presidente da CML, quer quando se atreveu a deixar-se indigitar como PM.

Foi o que aconteceu no caso do Túnel do Marquês. Nada do que se escreveu ou disse sobre esta matéria teve qualquer conteúdo racional, mas apenas emotivo. A obra é complexa do ponto de vista estrutural, mas o estudo de impacte ambiental não tem nada a ver com o rigor dos cálculos estruturais; se do ponto de vista da fluidez do tráfego a obra não for uma boa solução, tal não é matéria do EIA, mas dos estudos de tráfego. A necessidade do EIA foi apenas uma manobra política para protelar a obra e adiá-la o tempo suficiente para trazer dividendos eleitorais. O EIA nunca iria condenar a obra e evitar a sua realização, apenas iria protelá-la mais de um ano – o tempo necessário para executar o EIA, para a audiência pública e para a sua aprovação. O tempo suficiente para minar a credibilidade eleitoral do PSL no que respeita a uma então possível reeleição para a CML.

Quando a emotividade prevalece sobre a racionalidade, acontece disto ... há o fluxo e refluxo. As emoções não têm consistência para fundamentarem soluções. É como construir castelos na areia – a maré alta fá-los desaparecer sem deixar rasto.

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setembro 23, 2004

Imagens em vez de Factos

Os jornais deram a lume, há dias, com estrépito e girândolas, a notícia que um estudo encomendado pelo Ministério do Ambiente à Universidade Nova de Lisboa havia concluído que a incineração do lixo (resíduos sólidos urbanos – RSU) era mais cara que separar o lixo e reciclá-lo. A opção mais barata seria a da deposição em aterro sanitário.

Imediatamente a Quercus defendeu que "face a estes dados, torna-se ainda mais evidente que o projecto de instalar um incinerador na ERSUC [sistema dos resíduos urbanos dos distritos de Aveiro e Coimbra] seria um grave erro não só ambiental mas também económico, penalizando as autarquias, que teriam assim de suportar elevadas tarifas para o tratamento dos seus resíduos urbanos".

E assim, com meias verdades se arquitectam pseudo-factos.

Na verdade está-se a falar de coisas diferentes. A incineração apenas precisa da remoção indiferenciada, que é a que está generalizada no nosso país. O lixo que pomos à porta é recolhido e enviado para a central de incineração onde é queimado e transformado em energia eléctrica. Há uma triagem, para vidros e metais, e sistemas de tratamentos dos fumos (para eliminar as dioxinas) e das cinzas, que são inertizadas. A energia eléctrica produzida é vendida à EDP e o país poupa nas importações de fuel. Uma central de incineração é uma central térmica cujo combustível é o lixo e tem os mesmos efeitos ambientais que qualquer central térmica, visto que os efeitos mais nocivos são eliminados.

A reciclagem precisa de remoção diferenciada. Precisa que toda a população deposite o lixo de forma diferenciada nos ecopontos, para haver uma recolha selectiva. Precisa que os produtores e vendedores produzam e embalem os produtos de forma que as embalagens sejam mais facilmente diferenciadas, recolhidas e triadas. Foi para isso que se constituiu a Sociedade Ponto Verde. E precisa que os produtos recolhidos sejam recicláveis. Ora isso só acontece com uma parcela do lixo urbano.

Portanto a reciclagem só poderá incidir sobre uma parte do lixo urbano. E isto quando quer a população, quer as entidades que têm a recolha selectiva a seu cargo, sejam capazes de terem o civismo e a organização para se reciclar tudo o que é reciclável. Até lá, e apesar da difusão dos ecopontos por todo o país, só uma parcela ínfima é reciclada.

Quanto ao lixo biodegradável, este não é reciclável. A solução será a compostagem, cujos produtos têm pouca ou nenhuma procura, e a digestão anaeróbia, que transforma parte do lixo em energia e o resto em composto, mas que é a solução mais cara.

Na Alemanha e na Holanda, onde todo este processo está bem organizado, onde a população colabora com elevado civismo, a reciclagem está bastante avançada, mas coexiste com uma centena de incineradoras. Isto é, apesar da elevada percentagem de produtos reciclados, apesar da colaboração da população em compostagens caseiras, parte significativa do lixo continua a ser incinerado. E estes países ainda têm um problema adicional: não conseguem consumir todos os produtos da reciclagem. Há uma parte que têm que exportar, ou doar, para outros países.

A vida útil de uma central de incineração será cerca de 25 anos. Se nos portarmos todos bem (a população e as autoridades), talvez dentro de 25 anos possamos atingir os níveis de recolha selectiva daqueles países e não necessitemos de construir incineradoras adicionais. Até lá não podemos estar a raciocinar sobre falácias e deixar o lixo a acumular nos depósitos ou a levá-lo a aterro, que é a solução, de longe, com maiores custos ambientais: as emissões de metano são, para a mesma quantidade, vinte vezes mais nocivas que as de CO2 no que respeita ao efeito estufa.

O lobby anti-incineradoras da Quercus vive de meias verdades e de falácias que tenta impingir à opinião pública mercê do acesso privilegiado que encontra nos meios de comunicação. É óbvio que temos que apostar na reciclagem e temos que tomar medidas para que as metas a que nos propusemos sejam atingidas nos prazos delineados. Para isso precisamos de eficiência das autoridades que tratam da remoção do lixo e do seu tratamento e valorização, e precisamos que a população, toda a população, adira à recolha diferenciada.

Mas este processo leva tempo e não podemos ficar com o lixo à espera que se consiga aquele desiderato.

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agosto 28, 2004

A Sociedade de Mercado e Agressões Ambientais

Acusa-se frequentemente a economia de mercado de situações nocivas para a sociedade. Um caso curioso em que o mercado é acusado de gerar situações gravosas para a qualidade de vida das populações, refere-se aos prejuízos ambientais. O que é curioso é que as acusações sobre um alegado mau funcionamento do mercado são injustas. Vejamos porquê:

As acções sobre o meio ambiente são designadas, em linguagem económica, como externalidades (custos ambientais e de escassez). Estas externalidades apresentam uma característica interessante: elas resultam da inexistência ou definição imprecisa dos direitos de propriedade, nomeadamente porque agem sobre os recursos naturais - ar, oceanos, rios, lençóis de água subterrânea, vida animal e vegetal. Se fosse possível o estabelecimento de direitos de propriedade sobre todos os recursos atrás referidos, tal eliminaria a maioria dessas externalidades ou favoreceria o seu controlo.

Se aquelas externalidades tivessem os seus preços determinados livremente no mercado, assegurando-se previamente a sua propriedade e controlo, a questão cairia no caso do óptimo de Pareto e não precisaríamos de nos preocupar com os seus efeitos. Em teoria (no mundo abstracto da concorrência perfeita), aquelas externalidades deixariam de existir.

Portanto, no caso dos efeitos ecológicos nocivos, a culpa reside nas imperfeições dos mercados. Em primeiro lugar pela impossibilidade de se estabelecerem mercados relativamente à utilização de bens ambientais, por inexistência ou definição imprecisa dos direitos de propriedade. Em segundo lugar porque nos mercados em que as empresas produtoras utilizam recursos ambientais como factores de produção, o custo desses factores era nulo porque esses recursos ambientais não tinham proprietário e eram, por via disso, gratuitos. A inexistência de mercados a montante tornava imperfeitos os mercados a jusante.

Enquanto a produção industrial e agrícola não foi intensiva, não se levantou a questão da escassez dos recursos ambientais. Eles eram em teoria infinitos. Actualmente tal não é possível e é necessário que o meio ambiente seja considerado como um factor económico, sujeito a escassez e com custo alternativo não nulo.

Portanto existe um conjunto de agentes económicos que obtém benefícios com a utilização de recursos ambientais (traduzíveis monetariamente ou não) na maioria dos casos a custo nulo, mas que tem um determinado valor para a sociedade (superior ao custo suportado por quem beneficia). Este valor designa-se por “preço-sombra”. A consequência é a existência de uma divergência entre o benefício ou custo marginal privado e social, levando a que o equilíbrio encontrado não seja óptimo, isto é, não exista uma alocação eficiente desse recurso. E não existe alocação eficiente justamente pela ausência de mercado.

Em termos analíticos, prova-se que o ponto óptimo é atingido quando o benefício marginal actualizado de utilizar uma unidade adicional de um dado recurso iguala o preço-sombra actualizado do recurso (custo de oportunidade para a sociedade de conservar esse recurso).

Como calcular estes valores? Estes custos e/ou benefícios têm metodologias próprias que se utilizam nas ACB (análises custo-benefício) que complementam os estudos de viabilidade económica dos projectos. Podem citar-se vários métodos de aferição dos custos alternativos, nomeadamente o método dos custos evitados, as funções de dose-resposta (caso particular das funções de produção), o método dos preços hedónicos, o método da avaliação contingencial (mercado hipotético), o método da transferência de benefícios, o método de aferir do valor do bem através da predisposição para pagar (WTP - Willingness to Pay) ou receber (WTR - Willingness to Receive) pelos benefícios obtidos ou pelos danos suportados na utilização do bem, conceitos associados ao excedente do consumidor, etc..

A utilização destas metodologias de quantificação do custo dos recursos ambientais gera algum cepticismo no que respeita à sua fiabilidade. Todavia, na fase dos estudos de viabilidade, é possível haver consenso quanto aos seus resultados, porquanto apenas se procura saber se o projecto é viável ou não. O mesmo não sucede no caso das empresas em funcionamento, como é óbvio, dado que aí é a doer .... Vejamos dois exemplos:

No caso do tratamento de efluentes a legislação portuguesa fixou normas gerais de descarga de águas residuais, estabelecendo os valores máximos admissíveis (VMA) das respectivas concentrações nas águas residuais descarregadas nos meios hídricos receptores. As normas de descarga são fixadas, para cada instalação, pela Direcção Regional do Ambiente competente, tendo em conta, cumulativamente, as normas gerais de descarga, os objectivos ambientais, as utilizações da água dos meios receptores e a sensibilidade dos mesmos. O licenciamento de qualquer descarga de águas residuais é condicionado pelo cumprimento das normas de descarga que lhe forem aplicáveis. A violação das normas de qualidade estabelecidas constitui contra-ordenação punível com coima. Se a empresa não tiver uma ETAR própria, associar-se-á a um sistema de tratamento e pagará de acordo com a carga poluente que emitir para a ETAR colectiva.

Portanto, neste caso, as empresas e as famílias (saneamento urbano) pagam custos ambientais relativamente ao que excede a capacidade de regeneração do meio ambiente. Continua a haver uma parcela de utilização do meio ambiente gratuita (1).

Outro exemplo é o caso da extracção de inertes. O equilíbrio a manter é entre o fluxo de sedimentos transportados e depositados no leito dos rios e a quantidade de inertes extraídos. O difícil é haver um cálculo fiável dos sedimentos transportados e depositados, nomeadamente tendo em conta as alterações no leito dos rios (construção de barragens e açudes, etc.). Mas mesmo que houvesse um equilíbrio entre os inertes depositados e extraídos, nada asseguraria que os locais de extracção seriam os mais adequados, como se viu no caso da queda da ponte de Entre-os-Rios. Adicionalmente há uma dificuldade económica: os inertes são materiais usados na construção civil e têm um custo tradicionalmente muito baixo. Na hipótese da introdução de custos reais (admitindo que fosse possível calculá-los) um aumento substancial do preço dos inertes poderia ter um efeito económico muito negativo. A solução que tem sido seguida é a da contingentação das quantidades extraídas e o pagamento de taxas. É uma solução técnica e economicamente errada, mas que decorre da insuficiência de estudos sobre os leitos dos rios e do mau desempenho dos organismos públicos encarregados do licenciamento e da fiscalização.

Resumindo, para influenciar os agentes económicos para uma utilização mais eficiente dos recursos naturais existem diversos métodos. Métodos económicos, onde se incluem os desincentivos ou incentivos financeiros (impostos ou subsídios), tarifas que cubram os custos de reposição da qualidade ambiental (tratamento de efluentes), licenças, ou o estabelecimento de mercados de quotas de poluição (com um preço e transaccionáveis) e métodos não económicos, que limitam de alguma forma a utilização (p.e. consumir apenas em determinadas situações particulares ou alturas do ano, ou em determinados locais de um rio e em quantidades previamente fixadas).

Conclusão: as agressões ambientais das empresas não decorrem de uma perversão dos mercados, mas da inexistência de mercados dos recursos naturais pelas razões acima aduzidas. A solução económica é simular a existência de mercados de recursos naturais e estabelecer custos alternativos para esses recursos. Uma solução extra-económica é limitar coercivamente a sua utilização.


(1) O custo de remoção das cargas poluentes aumenta exponencialmente à medida que se pretende baixar a concentração. Os VMA considerados na legislação pretendem constituir uma situação de equilíbrio que tem em conta a capacidade de regeneração dos meios receptores e a capacidade de solvabilidade dos utentes (empresas e famílias)

Publicado por Joana às 12:20 AM | Comentários (17) | TrackBack

agosto 02, 2004

Sócrates, Ex-ministro

José Sócrates é um excelente comunicador televisivo, verbaliza bem as questões e constrói uma argumentação eficaz em termos de comunicação verbal. Todavia, agora que aspira a líder do PS, Sócrates teve que enveredar igualmente pela comunicação escrita e esqueceu-se que uma argumentação verbal, que parece convincente pela sua fluência, pode reduzir-se a mera banalidade, quando se produz sob a forma escrita. Foi o que aconteceu com as últimas produções de Sócrates que vieram a lume.

Conheci Sócrates quando ministro e considero que foi o nosso melhor ministro do Ambiente. Aliás, este elogio nem sequer é lisonjeiro tendo em conta os ministros que têm gerido aquela pasta. É um homem vivo, perspicaz e com boa capacidade de decisão. Em contrapartida foi frequentemente um sujeito muito teimoso, talvez devido ao excesso de auto-estima que tem ou, pelo menos, teve enquanto ministro.

Concordei com muitas medidas que ele tomou e impulsionou: leis de protecção ao consumidor, fim das lixeiras, co-incineração, etc. Houve outras com que não concordei. A mais grave foi a clara chantagem feita às autarquias para aderirem aos sistemas multimunicipais, controlados pelas Águas de Portugal, directamente, no caso do abastecimento e do saneamento, e, indirectamente, através da EGF, no caso dos Resíduos Sólidos Urbanos. Quem aderisse via as suas candidaturas ao Fundo de Coesão avançarem e os seus projectos serem comparticipados até 85%, quem não aderisse via as suas candidaturas estagnarem nos serviços do ministério do Ambiente.

Ainda hoje, vários ministros passados, Sócrates continua a concitar muitos ódios entre os autarcas, nomeadamente entre aqueles que queriam ter sistemas independentes da ingerência estatal.

A sua política de permitir a construção de aterros sanitários gigantescos foi errada. Os aterros devem ser construídos faseadamente, célula a célula, de acordo com o ritmo do enchimento, caso contrário tornam-se, no Inverno, extensos lagos de RSU flutuantes, com enormes prejuízos ambientais: o aumento da humidade acelera a libertação do metano, que é muito mais nocivo (cerca de 20 vezes mais) que o CO2 no que toca ao efeito estufa; o período demasiado extenso de enchimento de uma única unidade inviabiliza o aproveitamento da quase totalidade do biogás libertado pelo aterro; a exposição das telas isolantes à intempérie (sol e chuva) anos a fio não será muito conveniente para a manutenção das suas características impermeabilizadoras, etc..

Teria uma vantagem financeira: as comparticipações da UE foram mais substanciais para cada unidade. Todavia não sei se uma análise mais aprofundada, numa óptica custo-benefício, entrando em conta com todos os factores financeiros e sociais quantificáveis, não conduziria a resultados contrários. E haveria certamente outros projectos que pudessem aproveitar os fundos estruturais sobrantes.

Acrescento ainda que, de entre os sistemas de tratamento de RSU, os aterros sanitários são os mais negativos do ponto de vista ambiental. Aliás, a UE deixou de comparticipar aterros há dois ou três anos, enquanto continua a comparticipar as incineradoras, embora com uma taxa mais reduzida que, por exemplo, a reciclagem multimaterial ou a valorização orgânica (compostagem e digestão anaeróbia). Incineradoras, que por razões de populismo barato, se tornaram nas bestas negras dos ambientalistas portugueses.

Sócrates falhou em levar avante a co-incineração, mas foi muito torpedeado dentro do seu próprio partido e a queda inesperada do governo liquidou o assunto. A co-incineração tinha-se tornado matéria política e não técnica, e quando a política se substitui à técnica, todas as desgraças podem acontecer.

No cômputo geral, a sua prestação como ministro foi positiva. E se fizermos essa apreciação em termos relativos e dado ter-se tratado de um governo de indecisos, a começar pelo 1º ministro, pode mesmo afirmar-se que foi uma prestação muito positiva.

Amanhã falarei da sua actual prestação como candidato a candidato.

Publicado por Joana às 11:13 PM | Comentários (53) | TrackBack

julho 21, 2004

As 2 faces de Janus

A incompetência e o provincianismo da política e comentaristas portugueses toca o absurdo. Há dois dias Nobre Guedes era uma escolha abstrusa para o Ambiente. Não tinha nada a ver com o ambiente, não percebia nada do ambiente. Era um nulo em ambiente e em tudo o que respeitava a questões ambientais.

Foi geral o clamor nos meios políticos e na comunicação social. Desde Marcelo, o Guru dos nossos analistas políticos, até aos dirigentes da Quercus, a reprovação era unânime: como era possível empossar como ministro do Ambiente, uma pasta tão complexa e delicada, uma pessoa que nunca tinha tido nada a ver com questões ambientais, que desconhecia em absoluto a matéria, cujo currículo era totalmente omisso nesta área.

Nicolau Santos assegurava que «Luís Nobre Guedes vai ter tempos difíceis no Ambiente - sector ao qual nunca esteve ligado até agora»; outros achavam, por isso mesmo, que ele teria uma mais que «duvidosa qualificação para o exercício do cargo de ministro do Ambiente». José Alho, presidente da Liga para a Protecção da Natureza, lamentava a nomeação de Nobre Guedes para liderar o Ministério do Ambiente pois era «injustificável, mais uma vez, colocar-se a pasta do ambiente sob a responsabilidade de um personalidade que é um outsider do ambiente (...) o que não nos augura nada de bom».

Mas nós vivemos num país extremamente dinâmico (por enquanto apenas no que toca à má-língua) e dois dias depois, uns míseros e parcos 2 dias, Nobre Guedes tornou-se incompatível porque afinal era um expert em questões ambientais: resíduos (presidente da mesa da Assembleia-geral da Novaflex e da Novabeira, assessorias jurídicas à Empresa Geral de Fomento e à Sociedade Ponto Verde, etc.), águas (ligações à AdP via EGF, etc.). Afinal o homem estava em tudo o que era Ambiente. Conhecia, pela via da consultoria profissional, a maioria dos dossiers mais importantes da área ambiental.

Ora conhecer uma matéria pela via da acção prática, no real concreto, é, de acordo com alguns fazedores de opinião, incompatível com o exercício de um cargo governamental. Se Nobre Guedes conhecesse o Ambiente através, única e exclusivamente, da docência universitária, evitando prudentemente qualquer contacto prático com a matéria, poderia ser uma escolha válida. Se, como os ambientalistas, conhecesse o Ambiente e a Natureza unicamente das revistas editadas por outros ambientalistas que, igualmente, apenas conhecem o Ambiente através das revistas publicadas pelos primeiros, e cuja experiência prática na matéria se resumisse às suas prestações frente às câmaras televisivas, Nobre Guedes seria uma escolha excelente.

Mas não, Nobre Guedes não servia há dois dias para o Ambiente, porque não tinha visibilidade abstracta naquela área, e não serve agora para o Ambiente, porque tem visibilidade concreta naquela matéria. E os mesmos que antes se abespinhavam contra a nulidade Nobre Guedes, trovejam agora contra as suas alegadas incompatibilidades.

Desconheço as reais capacidades de Nobre Guedes e se será ou não um bom ministro. Mas não é isso que está em jogo nesta questão. O que está aqui em jogo é a incoerência e a tontice de todos estes pretensos fazedores de opinião. E também a ideia que fazem das competências necessárias para exercer um dado cargo.

Para mim, o «caso» Nobre Guedes é apenas um exemplo da forma pouco séria e inconsistente como se abordam estas matérias

Publicado por Joana às 07:40 PM | Comentários (40) | TrackBack

maio 25, 2004

Theias que os políticos tecem

O processo Theias, desde as apreciações que a classe política fez sobre o seu desempenho, até aos comentários sobre a sua demissão, são o retrato da nossa classe política.

Praticamente desde que tomou posse que Theias foi considerado uma escolha errada. Um erro de casting como lhe chamei então. Quem primeiro se deu conta disso foram os autarcas, cujos projectos e candidaturas ficaram em “banho Maria” e cujo diálogo com o ministro evidenciava um sujeito indeciso, frágil, sugerindo um dia uma coisa e outro dia outra, completamente diferente e, por vezes, contraditória. O ministro falava ao sabor dos lobbies do sector do ambiente ou das opiniões de quem falava com ele.

E os autarcas do PSD estavam entre os mais críticos, talvez por esperarem mais, talvez por se quererem adiantar aos críticos de outros quadrantes, como uma providência cautelar para minimizar as críticas dos outros. Se aquilo que autarcas de relevo do PSD diziam em reuniões com terceiros, o disseram em reuniões das estruturas do partido, então desde muito cedo que Durão Barroso deve ter-se sentido pressionado para mudar o ministro.

Segundo é público, Durão Barroso teve de intervir para apaziguar a relação do ministro do Ambiente com os seus secretários de Estado. As «gaffes do ministro» eram incómodas para o governo e para Barroso acima de tudo. Apenas os ambientalistas apoiavam o ministro, não pela sua competência, mas pela sua fragilidade. A fragilidade de um ministro do Ambiente facilita os ambientalistas pescarem em águas turvas. Quem gosta da intriga e do boato, prefere situações fluidas.

Por isso é incompreensível Durão Barroso, na despedida de Amílcar Theias, manifestar o apreço e o reconhecimento pelo trabalho desempenhado pelo antigo ministro da pasta do Ambiente, alegando que o despedia apenas porque reconhecia que aquele era o momento de mudar.

Durão Barroso deveria ter guardado "de Conrado o prudente silêncio”. Na verdade, anunciar uma demissão do Governo por volta da meia-noite não é um acto normal, não pode ser considerado «o momento de mudar», quando simultaneamente se declara ter apreço pelo trabalho desempenhado. Se se tem apreço, não se muda de ministro à meia-noite. Se Durão tem apreço pelo trabalho de Theias é porque este estaria a fazer bom trabalho, logo não deveria ser demitido ou, havendo conveniência na sua substituição, esta poderia esperar por uma remodelação mais vasta.

É normal, quando se substitui alguém, dizer algumas mundanidades. Mas neste caso aquelas afirmações mundanas de Durão não colam com o timing da demissão. Estão deslocadas.

Uma teoria sugere que o despedimento de Theias na véspera do congresso do PSD, e àquela hora, fora do horário normal de expediente, se destinou a pacificar os autarcas exasperados pela inacção do ministro, ou sectores incomodados pela vertigem do ministro em abrir a boca apenas para dar tiros no pé. Embora frágil, não se vê outra explicação com um mínimo de pertinência. Todas as outras razões apontadas não explicam o porquê daquele timing. Mas mesmo esta explicação não é favorável ao primeiro ministro. Ela prova que Theias já deveria ter sido substituído há muito e que a sua manutenção foi um erro inexplicável de Barroso.

Toda a actuação de Barroso foi de uma grande fragilidade, porquanto a sua persistência em conservar um ministro contra as críticas dos seus próprios autarcas, um ministro desacreditado perante os gestores das entidades privadas e públicas que actuam no domínio ambiental, incompatibilizado com os colegas e com os seus secretários de Estado, prometendo decidir uma coisa num dia e o inverso na semana seguinte, etc., é inexplicável por causa racional.

Diz-se que Durão Barroso o foi mantendo porque considerava Theias um homem sério. Na verdade era. Mas era também uma personalidade frágil e manipulável. Uma das causas das suas decisões contraditórias era ele ser permeável aos diferentes lobbies: o lobby das incineradoras, os lobbies ambientalistas, etc. Cada vez que falava com um, mudava de opinião. Uma pessoa séria e manipulável não oferece qualquer garantia de tomar decisões sérias. Também aqui Durão Barroso errou.

Outra comportamento paradigmático do estado da nossa vida política, foi o da oposição. Durante mais de um ano a oposição troçou da incompetência do ministro. Dirigentes da oposição disseram publicamente que o ministro era tão fraco que o governo andava «com vergonha do ministro».

Mesmo quando o ministro dava tiros no pé, a oposição associava-se aos tiros, mas guardava-se de elogiar o ministro. Os respectivos autarcas tinham um opinião de tal forma negativa da actuação do ministro, que os líderes nacionais nunca se atreveram a elogiá-lo

A oposição, comentando a demissão mas incapaz de a contestar pelas qualidades do ministro, contestou-a baseada na teoria da conspiração. O PCP considerou, imediatamente, que a exoneração do ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente evidenciava as «dificuldades e fragilidades» do Governo. Francisco Louçã afirmou que a exoneração de Amilcar Theias, é «uma manobra de recurso» de Durão Barroso, um sinal para dentro do partido e do próprio Governo. «Isto é um filme com todas as características de intriga misteriosa, é substituído um ministro repentinamente quando ele próprio tinha apresentado uma resolução do conselho de ministros sobre a privatização das águas, um dos grandes projectos de liberalização com que o Governo se comprometeu», disse. Quanto ao porta voz socialista, este deduziu que há «todos os sinais de que esta não é uma remodelação comandada no seu timing e na sua extensão pelo primeiro-ministro. Pode também ser uma remodelação contra o primeiro-ministro». «Recordo que o ministro Amílcar Theias avançou com a operação de privatização das Águas de Portugal», disse o socialista, adiantando que «a intenção do ministro Amílcar Theias de fazer acompanhar essa operação de uma remodelação na administração da empresa Águas de Portugal pode estar associada a este desenlace».

Paradoxalmente o projecto de liberalização do sector das águas, dias antes criticado duramente, era agora um «grande projecto de liberalização a que o governo se havia comprometido». A hipocrisia não podia ser maior

Apenas Alberto João Jardim, o «sátrapa da Madeira», considerou que a saída de Theias era «uma notícia alegre». «Respirei fundo, porque ele tinha encrencado tudo o que tinha pendente com a Madeira». Infelizmente, Theias tinha «encrencado» tudo, em todo o país. Apenas a hipocrisia e o receio de chamarem as coisas pelos nomes impediu os políticos «continentais» de reconhecerem o mesmo.

O caso Theias é de facto paradigmático da situação em que se encontra a política em Portugal. Foi apenas por isso que eu gastei mais tempo do que esta figura apagada mereceria.

Publicado por Joana às 07:33 PM | Comentários (9) | TrackBack

Theias que os mídia tecem

Durante mais de um ano os meios de comunicação teceram críticas à actuação do ministro Theias. Quando se falava na eventualidade de uma remodelação, Amílcar Theias aparecia sempre à cabeça. Estava na calha – seria o primeiro membro do governo a ser despedido.

Finalmente, depois de esperar tempo em demasia, Durão Barroso fez a vontade aos mídia e demitiu Theias.

Título dos jornais: Durão tira Theias sem explicação. Como sem explicação? Então se os meios de comunicação andavam há mais de um ano a explicar que o Ministro Amílcar Theias era uma desgraça e deveria ser remodelado?

A demissão de Theias só pecou por tardia.

Já há mais de um ano, e neste blog, desde que ele começou, que eu venho criticando a política (ou a ausência dela) de Amílcar Theias e da sua equipa. Foi em «Com Vergonha do Ministro» onde escrevi entre outras coisas que «O ministro Theias não tem qualquer perfil para o lugar». Posteriormente, em «Mau Ambiente» fiz uma crítica acerada ao ministro e ao seu Secretário de Estado do Ambiente. Entretanto e já em 25-06-03 havia escrito no Expresso online que « Theias foi um erro de casting» muito antes desta “teoria” ter começado a circular na comunicação social.

A situação do ambiente em Portugal é péssima e é necessário alguém enérgico para tomar decisões (matéria em que o ministro Theias era absolutamente incapaz). Em primeiro lugar há dezenas de candidaturas ao Fundo de Coesão que estão completamente «encrencadas» como diria AJ Jardim, algumas ainda desde o tempo de Sócrates (o ministro, não o filósofo!). Tem que ser pacificada a relação entre os autarcas e o Ambiente, bastante degradada pelas dilações permanentes do ministério em termos de aprovação das candidaturas. Trata-se de projectos importantes a nível de abastecimento de águas e saneamento e de tratamento de resíduos sólidos. E são investimentos públicos, comparticipados a fundo perdido e com retorno financeiro, de que a economia do país tanto precisa

Em segundo lugar tem que haver coragem de dizer não ao fundamentalismo ambiental que se enquistou como um polvo em institutos e organismos públicos e que só tem causado prejuízos. O desleixo governamental de décadas deixou em autogestão uma série de institutos pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Assim, em Portugal, começaram a ser classificadas áreas sob os mais variados pretextos: REN, rede natura, biótipo Corine, paisagem protegida, etc., etc. O país ficou todo classificado.

Quando se tentaram construir centrais eólicas, como estas têm que se situar em locais altos e menos habitados, verificou-se que não havia locais disponíveis: estavam todos classificados. Simplesmente a alternativa às centrais eólicas é o incremento da energia térmica e o não cumprimento dos protocolos de Quioto e das directivas da UE. Lá teve que ser: começaram a “desclassificar” as áreas em causa, com as dilações burocráticas e os custos que tudo isso representa.

Outra ideia peregrina foi a de que a limpeza das matas e florestas destrói a biodiversidade. Não é por acaso que muitos dos incêndios do ano passado começaram em matas nacionais e zonas protegidas. Igualmente diversos agricultores se queixaram na altura que técnicos do Estado os impediram, em devido tempo, de proceder à desmatação de matas e florestas exactamente para proteger a biodiversidade. Mas há um alibi forte: a culpa é dos outros - quem pegou fogo, a mão criminosa, falta de meios dos bombeiros, etc.. Para os ambientalistas a culpa é sempre dos outros.

A tarefa dos ambientalistas é facilitada pela ignorância do mundo rural dos nossos fazedores de opinião. Quando se falou na hipóteses de colocar o ICN, os parques naturais e as zonas protegidas, debaixo da alçada das Florestas, gritou-se que tal representaria um verdadeiro golpe de Estado no Ambiente e uma traição a trinta anos de política ambiental. Sabe-se a que os 30 anos de política ambiental conduziram. Paisagens protegidas por lei e desprotegidas pela ignorância militante de quem as deveria proteger, desde o Parque Natural de Sintra-Cascais até à Tapada de Mafra.

A situação tornou-se extremamente grave e há que tomar medidas imediatas. Os incêndios florestais não se combatem com mais bombeiros e mais meios. Um incêndio numa floresta não tratada é imparável. E quantos mais anos de ausência de ausência de tratamento se acumulam mais rápido e devastador é o fogo, no caso de se desencadear. Tem que haver uma intervenção imediata nas florestas, passando por cima do polvo ambientalista, para que não se repitam as catástrofes dos últimos anos.

Depois é fácil dizer que a culpa é dos madeireiros, de interesses imobiliários, do secretário de Estado das Florestas ser o homem das celuloses, de mão criminosa, etc. Em Portugal prefere-se encontrar bodes expiatórios mais mediáticos e de efeito seguro do que encontrar as razões das coisas e providenciar que o desleixo seja eliminado. É evidente: encontra-se um bode expiatório e os ânimos ficam calmos, enquanto que eliminar o desleixo é uma acção lenta, que bule com muitos interesses instalados em diversos sectores, pouco mediática e de efeito a longo prazo. Esquecemo-nos que encontrar um bode expiatório fictício não tem qualquer efeito, a curto, a médio e a longo prazo. É apenas o ópio das consciências.

Preferimos os boatos e a teoria da conspiração ao estudo dos problemas e ao incómodo de os resolver.

Por isso, após meia dúzia de horas de cenários conspirativos, o silêncio absoluto. Theias regressou ao nada da comunicação.

Publicado por Joana às 10:45 AM | Comentários (16) | TrackBack

abril 28, 2004

O Túnel da Ignorância

A nossa ignorância é um espanto. Os nossos profissionais (e amadores) da comunicação social escrevem sobre matérias, frequentemente complexas, sem ter previamente feito qualquer estudo nem obtido uma informação rigorosa, e peroram sobre elas com total superficialidade, muita ignorância e uma auto-convicção notável. Por sua vez, e cada vez mais, os nossos políticos vão resvalando para a mesma superficialidade e ignorância. A ausência de profissionalismo na nossa sociedade é enorme e esconde-se atrás do biombo das frases feitas, dos grandes chavões e da dramatização verbal.

As questões emergentes da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa são um exemplo paradigmático disso.

O Secretário de Estado do Ambiente tem razão quando afirma que «este não é um projecto que esteja na listagem taxativa dos anexos do decreto-lei que em Portugal transpôs a legislação europeia sobre avaliação de impacte ambiental». Mas isto tem sido o entendimento do Ministério, neste e no anterior governo, e do Instituto do Ambiente, relativamente ao Anexo 1 do Decreto-Lei que regula a avaliação do impacte ambiental.

Por outro lado, o próprio Ministério, de acordo com o mesmo decreto, pode dispensar a avaliação do impacte ambiental, quando tal for requerida e se a fundamentação desse requerimento tiver parecer favorável do próprio ministério. Todavia esqueceu-se que existe um instrumento legal – a acção popular – que pode ser interposta para exigir um EIA (Estudo de impacte ambiental). Cabe então aos tribunais dar ou não provimento a essa acção. Ora, a partir da altura em que estas questões estão sob a alçada dos tribunais, como a experiência recente tem mostrado, tudo pode acontecer: os juizes podem decidir «A», «não-A» ou nem uma coisa nem outra. E essas decisões podem ser revogadas e repostas nas instâncias sucessivas.

Ontem escrevi aqui que «… Santana Lopes deveria ter-se rodeado de todas as cautelas. Numa obra na rede viária (referia-me à rede viária urbana), como num parque de estacionamento subterrâneo, não é, em princípio, preciso um estudo de impacte ambiental. Todavia a legislação prevê, como matéria geral, que pode ser interposta uma acção popular a exigir um estudo de impacte ambiental. Qualquer obra viária tem algum impacte ambiental – pó, ruídos, alterações nas circulações viárias, etc. – cujas medidas mitigadoras fazem parte do próprio caderno de encargos, mas cuja eficácia pode ser posta em causa por essa acção popular e obrigar a um estudo independente. Santana Lopes deveria ter previsto isso. O facto de João Soares ter feito a maior parte das suas obras públicas sem licenciamentos, e sempre sem estudos de impacte ambiental, não colhia. João Soares é dos «bons», é fixe

Portanto, o Secretário de Estado do Ambiente apenas parcialmente tem razão. Esqueceu-se, infelizmente para ele, para SL e para os utentes do eixo Oeiras-Lisboa, de outras possibilidades que a lei confere aos cidadãos recalcitrantes.

Adicionalmente o Fernando Madrinha, jornalista de créditos reconhecidos, deveria ter-se informado melhor antes de vir para o Expresso on-line desfiar um rosário de banalidades cujo único mérito pode ser o de entreter o apetite das piranhas do on-line.

Os regimes democráticos, no sentido de aperfeiçoar a cidadania, dotaram-se de instrumentos para defender legalmente os direitos dos cidadãos. Todavia, onde a mesquinhez impera, o uso desses instrumentos legais pode levar à completa paralisia e o que foi imaginado para defesa dos cidadãos pode ser pervertido para tornar a generalidade dos cidadãos vítima dos seus efeitos.

No caso em apreço, a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa cria um precedente que pode paralisar a gestão urbana, já de si embaraçada por diversas peias administrativas. Basta observar as declarações proferidas ontem pelo vereador Vasco Franco (PS), que detinha o pelouro das obras na vereação anterior. Apesar de ser contrário àquela obra, admitiu que não era hábito exigir-se um EIA em circunstâncias semelhantes (teria dificuldade em admitir outra coisa, visto que nas obras municipais sob a sua direcção não houve nenhum EIA) e deu a entender que aquela decisão poderia abrir um precedente embaraçoso. Isto apesar de ter dito que, à cautela, teria sido preferível mandar fazer previamente um EIA (noblesse oblige).

Não sei quem irá ganhar com esta decisão. Quem perde são os cidadãos da zona de Lisboa, que irão esperar mais 10 a 12 meses pela conclusão da obra (é duvidoso que o EIA venha a inviabilizar o empreendimento). Quanto a dividendos políticos, o PSL vai, com toda a certeza, explorar a dicotomia «os que querem fazer obra» versus «os que só sabem criar empecilhos». Não sei quem angariará mais votos com esta controvérsia. Os meios de comunicação e os kamikazes da net estarão, na maioria, contra PSL. Porém a população em geral está farta de empecilhos e quer ver obra (qualquer que ela seja). Basta observar o descrédito com que a população vê os ambientalistas, que apenas têm audiência, e muita, junto dos meios de comunicação e alguma entre os políticos fragilizados pela incompetência e vulneráveis pela falta de coragem. O futuro o dirá.

E o que é paradoxal é esta controvérsia surgir acerca de uma obra que não é prioritária, pelo menos segundo o meu entendimento, e cujo rácio benefício/custo me parece bastante duvidoso.

Publicado por Joana às 08:20 PM | Comentários (32) | TrackBack

fevereiro 29, 2004

Mau Ambiente

O Ambiente em Portugal está péssimo. Pior é impossível. O Ministro é um homem que não percebe nada de Ambiente, sem personalidade e permeável às opiniões dos que o rodeiam. Também não esconde isso: pessoa de trato simpático e de conversa agradável, Amilcar Theias fala de ambiente sempre com um jeito de estar a pedir desculpa pela sua ignorância. O Ministro Theias emite opiniões ... mas cada opinião é a opinião do último com quem falou.

O Secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, também não percebe nada de ambiente mas, ao invés de Theias, é firme no que diz, mesmo que diga agora uma coisa e outra, contrária, mais logo. Tem opiniões firmes sobre a incineração. Só não se sabem quais. Haverá uma incineradora na ERSUC? Uns dias é sim, outros dias é não. A incineradora da Valorsul será ampliada? Uns dias é sim, e parece querer inviabilizar as soluções programadas para outros sistemas contíguos, para ter volume de resíduos suficientes para incinerar. Outros dias é não e parece que as soluções planeadas nos outros sistemas têm luz verde para avançar.

Como não percebe nada, quer de ambiente, quer de economia das instalações industriais anda com a ideia peregrina de construir mais de uma dúzia de mini instalações de digestão anaeróbia, sensivelmente 20% da dimensão mínima óptima (DMO). A digestão anaeróbia, embora uma boa solução do ponto de vista ambiental, é uma solução relativamente cara. Se se admitir um factor de escala de 0,6, normal neste tipo de instalações industriais, o custo por unidade de resíduos tratados nas mini-unidades de digestão anaeróbia é o dobro do das unidades de digestão anaeróbia de DMO. Ou seja, o dobro de um valor já de si elevado. Quem paga esta ineficiência económica? Os munícipes?

Como estas ideias, suficientes para o desqualificar nos meios técnicos, não lhe angariavam notoriedade entre o público em geral, afirmou há dias que está a pensar implementar um sistema de coimas variando entre 25 e 100 euros a aplicar a quem não separar devidamente o lixo.

A remoção selectiva e reciclagem é uma solução que depende menos do investimento que da boa organização de recolha selectiva e do empenhamento e civismo de toda a população. É uma solução que terá que ser implementada iterativamente, melhorando os processos de remoção selectiva e levando as populações a aderirem em cada fase. É o próprio mecanismo da organização da recolha que enquadra e pressiona a população para o cumprimento das regras da separação e deposição dos resíduos. Terá que haver penalizações para os incumprimentos, mas essas penalizações só poderão funcionar se a organização da recolha selectiva for eficiente e bem estruturada e, portanto, houver a possibilidade de o grau de incumprimento ser determinado com critérios objectivos e para todo o universo dos utentes. É assim que se faz na Europa Central e do Norte.

O sistema de coimas lançado a lume pelo Secretário de Estado do Ambiente é ridículo na situação actual. Será que o senhor Secretário de Estado do Ambiente está a pensar colocar fiscais permanentes nos milhares de ecopontos existentes e nos milhares que ainda faltam instalar?

E se os cidadãos, em vez de colocarem voluntariamente o lixo nos ecopontos, apenas utilizarem a recolha indiferenciada, isto é, não separarem o lixo e colocarem tudo, de forma indiferenciada, à porta? E, nesse caso, quem depõe o lixo nos ecopontos paga coimas se se enganar (admitindo que o Secretário de Estado do Ambiente instalava os tais milhares de Fiscais do Lixo) e quem mistura tudo, para a recolha indiferenciada diária do camião do lixo, não paga coimas?

E que explicação vai o Secretário de Estado do Ambiente dar aos cidadãos que forem multados (admitindo que ...) e que vêem em simultâneo os operadores da remoção selectiva misturarem todo o conteúdo dos 3 contentores no camião de recolha?

O senhor Secretário de Estado do Ambiente está finalmente a conseguir ter notoriedade pública. Infelizmente pelos piores motivos.

Publicado por Joana às 11:51 PM | Comentários (8) | TrackBack

janeiro 22, 2004

Com vergonha do Ministro

O deputado do BE, Teixeira Lopes, afirmou que a maioria tinha «vergonha» do seu ministro e estava a «tentar escondê- lo» a propósito de uma alegada recusa de uma proposta de audição do ministro do Ambiente.

Finalmente um paralamentar do BE diz algo de sensato. Só se equivocou ao dizê-lo em tom de zombaria.

Na verdade, qualquer maioria teria «vergonha» em ter, como seu, aquele ministro. Sempre que se refere o ministro Theias perante políticos e autarcas do PSD, aparece logo a providência cautelar de serem eles a dizerem, imediatamente, que houve, na verdade, um erro de casting. Antecipam-se, antes que outro diga o mesmo ou pior.

O ministro Theias não tem qualquer perfil para o lugar. O ministro Theias tem opiniões sobre diversas matérias. Todavia, são sempre as opiniões de quem está com ele na altura em que emite essas opiniões. Quando muda a pessoa, mudam as opiniões do ministro Theias.

Só não se pode afirmar que o ministro Theias chuta na direcção para onde o viram, porque o ministro Theias não chuta, apenas balbucia que vai chutar.

O ministro Theias é uma excelente pessoa e de uma grande afabilidade. Pessoalmente é uma simpatia. Só não tem jeito absolutamente nenhum para ministro.

Publicado por Joana às 07:37 PM | Comentários (10) | TrackBack

janeiro 16, 2004

A Quercus e as ligações perigosas

Em 31 de Outubro passado escrevi aqui que há cerca de 6 anos atrás, quando a Resitejo lançou um projecto de Aterro Sanitário, no timbre das cartas da Resitejo aparecia a lista dos municípios (sócios) do sistema: Alcanena, Chamusca, Constância, Torres Novas, Tomar, etc., etc, e ... a Quercus! Então foi-me dito que havia sido o Sr. Presidente (era então presidente da Resitejo o Presidente da Câmara de Alcanena) que "tinha achado boa ideia, para eles depois não nos chatearem".

Hoje foi noticiado que os responsáveis pelo aterro sanitário da Resitejo, na Chamusca, admitiram que alguns problemas naquela estrutura poderão ter afectado a ribeira onde escoa o esgoto, mas garantem que são situações pontuais. Agricultores da zona estão preocupados «com a poluição que começou a surgir há dois anos e se agravou nos últimos seis meses», deixando «um rasto negro de morte», e há relatos que dão conta de ovelhas que costumavam beber água da ribeira e começaram a aparecer «com feridas na boca e inchaços no papo».

O responsável da Resitejo garantiu ser "impossível" que a causa da poluição possa estar no aterro, porque os relatórios e análises feitos com a periodicidade exigida por lei e enviados para as entidades competentes "estão bem", mas admitiu a ocorrência de uma situação anormal, "pontual", no final de Novembro, quando caiu uma forte chuvada e, porque não foi adoptado um procedimento que deveria ter sido tomado, «houve escorrências que passaram a tela, mas não era lixiviado puro».

Relativamente a esta questão queria sublinhar o seguinte:

1 – O Aterro sanitário, embora ambientalmente melhor que as lixeiras anteriormente existentes, é, do ponto de vista ambiental, a pior solução para o destino final do lixo urbano (R.S.U.)(*). As emissões de metano são, do ponto de vista do efeito estufa e para a mesma quantidade, 21 vezes mais nocivas que as do Dióxido de Carbono. Parte do biogás originado nos aterros (cerca de metade é metano) poderá ser aproveitado, mas uma parcela significativa escoar-se-á sempre para a atmosfera.

2 – A construção de aterros gigantescos, como o da Resitejo, que demoram muitos anos a encher, é uma solução errada. Os aterros devem ser construídos divididos em células muito mais pequenas que se vão sucessivamente construindo e enchendo, de forma a que o seu enchimento não ultrapasse um ano ou ano e meio. As telas são, em princípio, estanques e, sendo assim, uma invernia mais rigorosa transforma um aterro assim dimensionado numa gigantesca piscina, com os RSU a boiarem. Isso traz vários inconvenientes: 1) a humidade acelera a formação do metano; 2) a estanquidade pode não ser perfeita, levando a que haja o que a Resitejo designou hoje por «escorrências que passaram a tela, mas não era lixiviado puro». É óbvio que se vieram do aterro eram produtos lixiviados. O dizer que não eram “puros” é pura retórica. Por outro lado, com células muito mais pequenas aumenta-se a parcela do biogás que pode ser valorizado energeticamente.

Adicionalmente, não há experiência do comportamento das telas anos a fio expostas, quer à intempérie, quer ao sol abrasador do verão. Nada garante que após 3 ou 4 anos as telas continuem “saudáveis” e as suas soldaduras perfeitas.

Resta agora ver como os ambientalistas da Quercus, que se têm desmultiplicado nos últimos meses com comunicados terroristas sobre a eventualidade de novas incineradoras, nomeadamente a da ERSUC, em que ignoram inclusivamente as directivas da UE, mentindo sobre as premissas da questão, vão reagir aos problemas do aterro de um sistema de que eles foram sócios (presumo que já não o sejam) e apadrinharam a concepção.


(*) Não estou a falar de aterros sanitários de apoio a outras instalações de tratamento do lixo (aterro de apoio a uma incineradora, por exemplo) onde os lixos orgânicos não entram porque foram tratados e valorizados previamente.

Publicado por Joana às 08:41 PM | Comentários (6) | TrackBack

novembro 24, 2003

Os Poluidores e os Ambientalistas ou o Visconde Cortado ao Meio

Italo Calvino, no “O Visconde Cortado ao Meio”, conta uma alegoria interessante:

Um visconde, ido combater numa guerra longínqua, foi cortado ao meio por uma bala de canhão. Uma das metades foi rapidamente cosida, tratada e regressou ao seu feudo. Esse semi-visconde era absolutamente mau. A sua maldade não conhecia limites. A população das aldeias sob o seu senhorio andava aterrorizada.

Meses depois regressou a outra metade. Tinha ficado abandonada no campo de batalha, mas lá conseguira recuperar com muito sofrimento. Ficara com a característica oposta: era de um infinita bondade. Era um semi-visconde absolutamente bom.

Inicialmente foi um bálsamo para os aldeões aterrorizados. Depois, com o andar das semanas, aquela bondade total, desprovida de sensatez, embora com a melhor ds intenções, passou a ser incómoda, perniciosa e, a certo passo, os aldeãos sentiam mais terror do semi-visconde absolutamente bom, que do semi-visconde absolutamente mau.

O mesmo se passa com uma série inumerável de binómios da nossa sociedade, de dipolos cujo baricentro seria o desejável, mas inexistente ou, pelo menos, sem visibilidade pública. Apenas se vislumbram os extremos.

Os poluidores e os ambientalistas ( ver os meus textos de outubro 31, 2003) são dipolos óbvios. Aqueles que brutalizam os animais e os defensores dos direitos dos animais são igualmente perniciosos. E haverá muitos mais.

Deixo a quem tiver a paciência de ler isto tentar uma enumeração mais alargada.

No caso de concordarem com esta tese, obviamente.

Publicado por Joana às 12:38 PM | Comentários (14) | TrackBack

outubro 31, 2003

Políticas do Ambiente 1

Theias de aranha

O Ministro Theias é uma excelente pessoa, de trato simpático e de conversa agradável, mas denota uma grande incapacidade de decisão e, em virtude do seu perfil baixo, uma permeabilidade inquietante aos lobbies exteriores.

Por exemplo, o lobby das incineradoras, liderado pelo patrão de uma das centrais incineradoras portuguesas anda a pressionar para conseguir soluções noutros sistemas municipais e multimunicipais que levem à “necessidade” de uma 4ª linha de incineração. Do ponto de vista ambiental esta solução é de menor qualidade que outras, tais como a Digestão Anaeróbia, etc., nas quais esses sistemas estão mais interessados e apresentaram candidaturas aos fundos estruturais. E esta soluções são melhores quer do ponto de vista ambiental, quer do ponto de vista económico e financeiro.

Todavia, o Ministro, quando confrontado com os ambientalistas e com os dirigentes dos sistemas que candidatam soluções que incluam a Digestão Anaeróbia e outras formas de valorização orgânica, aparenta estar em completo acordo: o melhor é a Valorização Orgânica. Aparenta e tudo indicia que esteja.

Depois, por óbvia influência do lobby das incineradoras, pede, por intermédio dos seus serviços, novos estudos, com dados de base diferentes, eventualmente soprados pelo o lobby das incineradoras para obter resultados financeiros diferentes e que cotejados com os obtidos pela 4ª linha de incineração, coloquem esta solução com melhores indicadores económicos. Provavelmente estes “paus na roda” são introduzidos pelos serviços do ministério, ao serviço, não do ministro, mas do lobby das incineradoras. Mas o facto é que vêm de um ministério que ele tutela.

E no entretanto as candidaturas aos fundos estruturais continuam à espera …


Nota: O que acabei de escrever não significa que esteja contra as incineradoras. A incineração de R.S.U. (resíduos sólidos urbanos, não estou a falar de industriais ou perigosos) é um processo de “Valorização Energética”. Inclusivamente, de acordo com as normas actuais do Fundo de Coesão, nas Análises Custo-Benefício, um dos benefícios é o custo evitado do fuel na produção da energia equivalente, indicando o próprio Fundo de Coesão um valor unitário para aquele cálculo.

Por exemplo, a deposição de R.S.U. em aterros não é preferível à incineração do ponto de vista ambiental, pois os gases gerados (nomeadamente o metano) têm, ao que parece, um efeito mais nocivo que o CO2, no efeito estufa. O Biogás dos aterros pode ser aproveitado, mas apenas a partir da célula do aterro estar cheia. Uma parte importante dos hidrocarbonetos gasosos escoa-se para a atmosfera.

Todavia há o risco de, num futuro próximo, a energia da incineração de R.S.U. não ser considerada energia “verde” e portanto não ter os benefícios de que actualmente goza a nível do preço com que a vende à EDP.

Publicado por Joana às 07:53 PM | Comentários (12) | TrackBack

Políticas do Ambiente 2

A questão do ICN

Há duas coisas que têm que acontecer para bem do país. O ICN tem que ser mudado de alto a baixo e as florestas têm que estar sob a mesma tutela das áreas protegidas, seja ela qual for.

O desleixo governamental de décadas deixou em autogestão uma série de institutos pagos pelo dinheiro dos contribuintes. Assim, em Portugal, começaram a ser classificadas áreas sob os mais variados pretextos: REN, rede natura, biótipo Corine, paisagem protegida, etc., etc. O país ficou todo classificado.

Quando se tentaram construir centrais eólicas, como elas têm que se situar em locais altos e menos habitados, verificou-se que não havia locais disponíveis: estavam todos classificados. Não se podiam abrir valas para a passagem dos cabos eléctricos porque se iria destruir a biodiversidade, as pás do equipamento eólico ameaçavam matar umas aves que tinham o hábito inveterado de passar por ali (como se as aves não fossem mais inteligentes que os seus defensores e capazes, ao fim de 3 ou 4 experiências desastrosas, de escolher outro percurso) … etc., uma desgraça.

Simplesmente a alternativa às centrais eólicas é o incremento da energia térmica e o não cumprimento dos protocolos de Quioto e das directivas da UE. Lá teve que ser: começaram a “desclassificar” as áreas em causa.

Outra ideia peregrina foi a de que a limpeza das matas e florestas destrói a biodiversidade. Não me refiro obviamente às queimadas, mas à desmatação, ripagem e frezagem executadas por meios mecânicos. Um distinto membro de uma protecção de uma liga de defesa da vida selvagem, em carta enviada ao Público, em Agosto, no rescaldo dos incêndios, era contra essa limpeza, dizendo que o que era necessário eram meios de prevenção e veículos todo-o-terreno. A desmatação liquidava a biodiversidade.

Aquele intelectual urbano amigo dos animais nunca deve ter visto uma floresta após meia dúzia de anos sem tratamento. As florestas ao encherem-se de mato ficam absolutamente intransitáveis. Não há veículo todo-o-terreno que lá entre! Só um tractor com a alfaia adequada que vai desmatando à medida que vai progredindo.

Aquele intelectual urbano amigo dos animais nunca deve ter visto mato a arder. A velocidade com que o fogo avança no mato, no verão, é medonha, é sinistra, é imparável. É muito difícil deitar fogo a uma árvore, mas se o mato à sua volta estiver a arder, a intensidade calorífica gera temperaturas elevadíssimas, as chamas passam à folhagem e aos ramos e rapidamente alastram às copas. Os caules não ardem, visto conterem muita humidade, mas as árvores não sobrevivem e terão que ser abatidas.

Ora muitos agricultores têm-se queixado que técnicos do Estado os impediram, em devido tempo, de proceder à desmatação de matas e florestas exactamente para proteger a biodiversidade.

Os técnicos que o fizeram, no seu desdém pela ignorância dos rurais, ainda não se devem ter dado conta da sua actuação criminosa, pois para eles apenas contam os imortais princípios da defesa da biodiversidade. Mesmo que o resultado seja o aniquilamento dessa biodiversidade. Mas aí há um alibi forte: a culpa é dos outros - quem pegou fogo, a mão criminosa, falta de meios dos bombeiros, etc..

Por isso o ICN (onde julgo que não há um único geólogo, como se a geologia não fizesse parte da natureza) terá que ser remodelado profundamente. Presentemente é uma organização perversa: paga pelo dinheiro dos contribuintes para criar situações calamitosas ao país.

Publicado por Joana às 07:48 PM | Comentários (7) | TrackBack

Políticas do Ambiente 3

Os ambientalistas

A Quercus é uma organização "interessante". Há uns 5 ou 6 anos atrás, quando a Resitejo lançou um projecto de Aterro Sanitário, no timbre das cartas da Resitejo aparecia a lista dos municípios do sistema: Alcanena, Chamusca, Constância, Torres Novas, Tomar, etc., etc, e ... a Quercus!

Em conversa com alguém da direcção da Resitejo perguntei, com a curiosidade dos meus verdes anos, como era possível a Quercus fazer parte de um sistema intermunicipal? A resposta foi que o Sr. Presidente (era então presidente o Presidente da Câmara de Alcanena) "tinha achado boa ideia, para eles depois não nos chatearem" ...

Ao fim de alguns meses, provavelmente devido aos reparos que suscitou, a Quercus desapareceu da lista ...

Outra actividade importante da Quercus é a de pedir financiamentos para a sua actividade. Não acho mal que se peçam financiamentos: a Quercus deve precisar de dinheiro para as suas actividades. Agora pedir financiamentos a empresas que trabalham na área do ambiente é eticamente reprovável.

A tentação de uma empresa dessa área será a de financiar a Quercus para que os seus projectos não sejam objecto de algazarra pública movida pela Quercus. E a Quercus? Como agirá em face de um projecto, executado por uma empresa sua financiadora, sobre o qual tenha dúvidas do ponto de vista ambiental?

Outra actividade dos grupos ambientalistas (e não me estou a referir especificamente à Quercus actual, nem aos jovens generosos que colaboram e se manifestam publicamente, mas às chefias), é a da elaboração de pareceres relativos a matérias sobre as quais começaram por manifestar estrepitosas dúvidas públicas, mas que depois vão deixando cair no olvido à medida que as elaborações dos pareceres lhes vão caindo nas mãos.

Enfim ... o país que temos.

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Políticas do Ambiente 4

As gaivotas das Berlengas

Havia, há anos uma actividade em Peniche que consistia na apanha de ovos de gaivota nas Berlengas e sua utilização na indústria de doçaria da terra. Como o faziam há séculos, sabiam as posturas que deviam recolher e quais as que deviam deixar para manter os efectivos da espécie. Havia um equilíbrio natural que durava há muitos séculos.

Apareceram os fundamentalistas dos animais, que só conhecem as espécies dos livros, que fizeram um clamor terrível, devidamente amplificado pelos meios de comunicação. A apanha foi proibida e sujeita a pesadas coimas.

Alguns anos depois, as gaivotas, sem o predador natural (os pescadores), tornaram-se uma praga que ameaçava todo o ecossistema das Berlengas: havia alguns répteis nativos em vias de extinção acelerada, etc. Um desastre ecológico! Então, os nossos aprendizes de feiticeiro tomaram a sábia decisão de envenenar as gaivotas.

Porém, as gaivotas têm, relativamente aos fundamentalistas dos animais, 2 vantagens:

- Aprendem com a experiência (coisa que não acontece com aqueles);
- Como não sabem ler, comportam-se face à natureza orientadas pelo seu instinto aperfeiçoado pela vivência de muitos milénios, enquanto aqueles só sabem o que vem nas revistas editadas por outros fundamentalistas dos animais.

Dada essa sua superioridade “filosófica”, as gaivotas, depois de algumas experiências desagradáveis, cedo se aperceberam que aquela mistela que lhes ofereciam não era boa para a saúde e tomaram a sábia e unânime decisão de não a comer mais.

Tomei conhecimento disto há 3 ou 4 anos. Depois soube que começaram aos tiros às gaivotas. Não sei como a questão evoluiu entretanto.

Enfim ... o país que temos.

Publicado por Joana às 07:38 PM | Comentários (5) | TrackBack