dezembro 05, 2004

O Túnel pela culatra

O Túnel do Marquês foi a obra emblemática da campanha de Santana Lopes à CM Lisboa. Nunca me pareceu, todavia, uma obra prioritária para Lisboa. O cruzamento desnivelado com a Rua Artilharia 1 era, sim, prioritário. Porém o Túnel do Marquês é uma obra muito complexa do ponto de vista estrutural, e portanto dispendiosa, o que me faz supor que outras obras teriam para a capital um rácio benefício-custo provavelmente mais elevado.

Todavia achei vergonhosa a campanha histérica e obstrucionista movida pela oposição e pelas associações «cívicas» que brotam do nada e não representam nada nem ninguém, a não ser os que protagonizam aparições televisivas. O advogado Sá Fernandes, especialista em acções populares na área ambiental, não perdeu a ocasião para adquirir mais protagonismo social e conseguiu uma forma legal de bloquear o prosseguimento da obra.

Essa vitória das «forças cívicas» portuguesas produziu então um enorme entusiasmo na comunicação social. Nos ecrãs televisivos só se viam rostos felizes zombando do fracasso do play-boy da política. Há dias, uma decisão do STA deu provimento ao recurso da CML e anulou as decisões dos tribunais das instâncias inferiores – as obras podem prosseguir.

Não houve manifestações de dor. O causídico das «causas populares» titubeou umas frases sobre o sentimento do dever cumprido e ficou-se por ali. Entrevistas a alguns comerciantes e moradores da zona mostravam a enorme satisfação por entreverem uma luz ao fundo do túnel do seu calvário. Foi com suspiro de alívio que os lisboetas e os suburbanos que demandam Lisboa por aquele eixo receberam a notícia do recomeço das obras e de haver um epílogo anunciado do seu sofrimento diário.

Mudam-se as situações, mudam-se as vontades. Os promotores da campanha sentiram o vazio à sua volta; a comunicação social sentiu o vazio à volta dos promotores da campanha; a população lisboeta e, principalmente, os utentes daquele eixo, começaram a sopesar a realidade face aos mitos, a comparar o empecilho dos factos com os inebriantes estouvamentos «cívicos» ... e o que parecia ser uma verdade irrefutável meses atrás, tornou-se um incómodo obstáculo a remover com urgência.

E o protagonismo mediático do advogado Sá Fernandes só lhe vai servir para ser cauteloso e evitar passear-se por aquela zona, enquanto os moradores e comerciantes locais não esquecerem o sofrimento por que têm passado.

No tempo da vereação de João Soares construíram-se túneis e parqueamentos subterrâneos e estes nunca precisaram de estudos de impactes ambientais. O parque subterrâneo da Praça do Município foi inclusivamente construído sem licenciamento municipal. Os serviços não se despachavam e João Soares procedeu à sua construção na mais completa ilegalidade. Se alguém protestou, não transpareceu para o público. E se eu critico João Soares não é por ter construído o parque, que foi uma obra útil para a cidade, mas por não pôr os serviços camarários a funcionar – porque, para além da presidência da CML, há muitas centenas de munícipes que esperam anos a fio por licenciamentos camarários ... sem mencionar os milhares que as realizam clandestinamente para evitarem aborrecimentos.

Pelas razões que invoquei inicialmente, nunca considerei esta obra prioritária. Todavia não partilho da ideia que tornar mais fáceis os acessos a Lisboa seja prejudicial, porque traz mais tráfego à capital. Essa tese malthusiana conduziria a não construir alternativas para as estradas estreitas e sinuosas que existiam, e ainda existem, no nosso país. Desincentivar o uso do automóvel não se faz mantendo as rodovias em estado precário. Faz-se fiscalizando severamente o estacionamento público, melhorando os interfaces com os transportes públicos e utilizando estes de uma forma mais integrada e adequada aos interesses dos utentes. Não basta investir na qualidade e quantidade do material circulante, esse investimento tem que ser complementado com uma mais eficiente organização do seu funcionamento e adequação às necessidades dos utentes. E faz-se, se tudo o mais falhar, impondo portagens nos acessos à cidade, ou a algumas zonas dela.

Resumindo: não a julguei nem a “melhor decisão”, nem uma “má decisão”.

Há uma questão, certamente do escopo metafísico e transcendental, que rodeia as decisões de Santana Lopes: estas provocam excitações frenéticas, histerismos fanáticos, emoções exaltadas. Qualquer decisão que ele tome, por mais elementar e comezinha que seja, provoca os arrebatamentos mais desmedidos. Enquanto ele permaneceu na Figueira, protegido dos olhares da capital pelo sistema Montejunto-Estrela, decidia numa obscuridade tranquila; mas assim que veio para a capital foi objecto de permanente linchamento público, quer como Presidente da CML, quer quando se atreveu a deixar-se indigitar como PM.

Foi o que aconteceu no caso do Túnel do Marquês. Nada do que se escreveu ou disse sobre esta matéria teve qualquer conteúdo racional, mas apenas emotivo. A obra é complexa do ponto de vista estrutural, mas o estudo de impacte ambiental não tem nada a ver com o rigor dos cálculos estruturais; se do ponto de vista da fluidez do tráfego a obra não for uma boa solução, tal não é matéria do EIA, mas dos estudos de tráfego. A necessidade do EIA foi apenas uma manobra política para protelar a obra e adiá-la o tempo suficiente para trazer dividendos eleitorais. O EIA nunca iria condenar a obra e evitar a sua realização, apenas iria protelá-la mais de um ano – o tempo necessário para executar o EIA, para a audiência pública e para a sua aprovação. O tempo suficiente para minar a credibilidade eleitoral do PSL no que respeita a uma então possível reeleição para a CML.

Quando a emotividade prevalece sobre a racionalidade, acontece disto ... há o fluxo e refluxo. As emoções não têm consistência para fundamentarem soluções. É como construir castelos na areia – a maré alta fá-los desaparecer sem deixar rasto.

Publicado por Joana em dezembro 5, 2004 09:32 PM | TrackBack
Comentários

Eu não sou engenheiro mas posso perguntar uma coisa? O trânsito vai sem dúvida descongestionar o Marquês, mas depois como vai ser na saída para o Saldanha? Vamos ter um túnel imenso com carros parados dentro do buraco a vomitar fumo?

Um abração do
Zecatelhado

Afixado por: Zecatelhado em dezembro 5, 2004 09:47 PM

Zecatelhado em dezembro 5, 2004 09:47 PM:
Todos os túneis têm sistemas de desenfumagem para extracção dos gases poluentes. Como é que julga que as pessoas sobrevivem em túneis com 10 e 15 kms de comprimento, que há por essa Europa.
E o Túnel na Mancha?

Afixado por: Joana em dezembro 5, 2004 09:56 PM

Já li algúres que a existência deste túnel permite uma poupança de largas dezenas de milhar de horas/ano aos seus utentes ...

Afixado por: asdrubal em dezembro 5, 2004 10:22 PM

Quando a emotividade prevalece sobre a racionalidade promete-se a construção de túneis e quejandos.
À falta de planos integrados de desenvolvimento do país, tiram-se da cartola "soluções" repentistas para problemas que não existem.
Mas é assim que se consegue obter o título de Marquês... do Túnel.

Afixado por: Senaqueribe em dezembro 5, 2004 10:49 PM

Os comerciantes e moradores da zona ficariam igualmente satisfeitos (ou mais) se as obras se limitassem a repor o que estava antes.
Eles querem é aquilo limpo, nada mais.

Afixado por: Senaqueribe em dezembro 5, 2004 10:52 PM

Oh Joana, tenha lá paciência... o Tunel da Mancha é EXCLUSIVAMENTE ferroviário (comboios electricos ainda por cima...). Não há por lá fumos...
Quanto ao post: estou totalmente de acordo consigo.

Afixado por: P Vieira em dezembro 5, 2004 11:09 PM

P Vieira em dezembro 5, 2004 11:09 PM:
E não há um passageiro misericordioso que fume? Nem um para me salvar desta situação espinhosa?

Afixado por: Joana em dezembro 5, 2004 11:42 PM

Acho que teve optimismo a mais.

O "causídico das causas populares", não só chamou de uma a um cento ao Supremo Tribunal Administrativo, como já ameaçou com outra providência cautelar se a Câmara avançar com a localização da Feira Popular no Jardim do Tabaco, provavelmente por causa de alguma lei antitabagista.

O túnel da Mancha mesmo sendo ferroviário e com comboios eléctricos não se safou de ter tido lá um lindo incêndio.

Afixado por: carlos alberto em dezembro 5, 2004 11:49 PM

Joana,
Vc está-se a repetir.
esta cena do túnel já deve ter dado 3-4 posts seus;
de tempos a tempos vai ao arquivo e traz os argumentos de meia-dúzia de comerciantes e esquece-se de tratar como deve os "políticos" que pensam que podem fazer o que lhes vem à cabeça.
de facto é uma pena haver leis e tribunais ...
é muito melhor termos que levar com INCOMPETENTES como PSL !

Afixado por: zippiz em dezembro 6, 2004 12:00 AM

PSL afixou como uma das suas bandeiras eleitorais a construção do túnel, logo a sua execução foi o simples cumprimento duma promessa eleitoral. Se os lisboetas não desejavam o túnel apenas tinham que votar noutro candidato. Acresce ainda que a referida construção foi viabilizada pela oposição na Assembleia Municipal - as críticas provenientes do PS são por isso dum ridículo atroz.

Agora sobre o "post" - prefiro os comentários sobre os temas que a Joana REALMENTE conhece - (e em relação aos quais merece os meus parabéns).
Escusa de escorregar com algumas afirmações que demonstram um profundo desconhecimento sobre certas matérias. E não falo apenas sobre a história da extracção de fumos no canal da Mancha.

O estudo de impacto ambiental não se limita a verificar quantas árvores vão ser derrubadas. Inclui uma análise detalhada do impacto em termos de fluxos de tráfego não só na via em questão mas a jusante e a montante. Acresce que as condições específicas do local (declive, águas subterrâneas, etc.) não foram objecto de estudo prévio (ou pouco a exemplo do que se passou no Terreiro do Paço).

De qualquer forma o tunel do Marquês foi escolhido como argumento eleitoral por PSL mas é uma total aberração em termos de ordenamento urbano.

Afixado por: Carlos em dezembro 6, 2004 01:51 AM

Joana em dezembro 5, 2004 11:42 PM

Há dias em que não se pode estar em casa. Se tivesse levado as criancinhas a ver a «árvore» de Belém, não teria deixado cair essa mancha no seu comentário.
Já agora, você sabe muito bem que esses túneis de 15 quilómetros (e mais) têm uma autoestrada à entrada, uma autoestrada no meio e uma autoestrada à saída. E não, como o do Marquês, uma autoestrada à entrada e um beco na saída.
Mas mesmo os túneis dos Alpes, com menos densidade trânsito, são um perigo permanente. Não pelos fumos, claro. Basta lembrar o acidente de 1999 no túnel do Monte Branco, quando um camião se incendiou. Meia centena de pessoas morreram porque os carros ficaram bloqueados. A temperatura ultrapassou os mil graus centígrados e os bombeiros demoraram três dias a apagar o braseiro.
Esqueça lá o Santana Lopes e pense no que é que faria se estivesse no meio do engarrafamento do túnel do Marquês e um automóvel começasse a arder. Eu não tenho que me preocupar com isso, porque, como lhe disse há meses, não tenciono enfiar-me naquela ratoeira. Para aventuras radicais já basta as infiltrações no túnel do Metro no Terreiro do Paço.

Afixado por: (M)arca Amarela em dezembro 6, 2004 04:55 AM

Afixado por Joana em dezembro 5, 2004 11:42 PM

Desculpe... desde há uns anos que são comboios 'non fumeur'...

Servem café e refeições quentes. Chega?

Afixado por: P Vieira em dezembro 6, 2004 07:27 AM

Janica,
Nem parece teu. DISPENDIOSA? Põe lá um E nisso e apresenta queixa do "access" do papá! E do túnel, já agora!

Afixado por: Átila em dezembro 6, 2004 10:49 AM

Átila em dezembro 6, 2004 10:49 AM
Dispendiosa vem de dispêndio e escreve-se assim.
Despender e derivados é que se escreve co «e»

Afixado por: Novais de Paula em dezembro 6, 2004 11:08 AM

Já tinha dado por isso. O verbo é que é com E. Errar é humano e gosto de bater na Janica mas desta vez correu-me mal. Vai ver que ela fica toda contentinha.

Afixado por: Átila em dezembro 6, 2004 11:11 AM

Átila em dezembro 6, 2004 11:11 AM:
Apenas desta vez? ...

Afixado por: Joana em dezembro 6, 2004 01:17 PM

P Vieira em dezembro 6, 2004 07:27 AM
Café e refeições quentes não chegam ... mas aquele incêndio veio mesmo a calhar ...

Afixado por: Joana em dezembro 6, 2004 01:19 PM

(M)arca Amarela em dezembro 6, 2004 04:55 AM:
Um túnel com 15 kms pode tornar-se pior que um beco, um impasse, se houver um desastre algures no interior. Muito pior que um túnel com menos de 1 km.
A estrada é perigosa, nomeadamente em Portugal onde há ratoeiras por tudo o que é sítio. Todos os anos morrem mais de mil pessoas em Portugal. Isso não é razão para abdicarmos de a utilizar

Afixado por: Joana em dezembro 6, 2004 01:24 PM

Janica, por seres assim é que eu gosto de ti! És uma mulher de armas!Mas o que eu gostava mesmo era que comentasses o que eu digo no teu texto acima deste! Isso é que era de mulher com M grande. Ora tenta lá!

Afixado por: Átila em dezembro 6, 2004 06:00 PM

O melhor de tudo é que podemos ver daqui a algum tempo se o túnel serve para algo.

Afixado por: Mario em dezembro 6, 2004 06:30 PM

Joana em dezembro 6, 2004 01:24 PM

É suposto você ter estudado Matemática...
Chegou ao Cálculo de Probabilidades?

Afixado por: (M)arca Amarela em dezembro 6, 2004 08:48 PM

São mais as vozes que as nozes.
Também me lembro também houve muitas polémicas a quando da construção da ponte Vasco da Gama. O que é certo, se hoje perguntarem aos Estremadurenses se esta ponte lhes faz jeito, decerteza que dizem que sim.
Quanto ao Túnel do Marquês, penso que seguem a mesma lógica dos túneis da Av. da República. Alguém tem alguma coisa contra estes? Estão a estorvar ou será que são benvindos? Para mim são. E quanto ao Saldanha, parece-me que numa segunda fase o túnel irá seguir para a Av. da República. Mas imagino que estas obras terão de ser faseadas.
Já agora lembro, que quase queriam queimar o Marquês de Pombal e o chamaram de louco, quando construíu a Avenida da Liberdade assim larga e com as artérias. Um bem haja para ele e ainda bem que o fez; e já lá vão 260 anos.

Afixado por: Ricardo Freire em janeiro 18, 2005 12:03 PM

Ricardo Freire.
O Marquês de Pombal foi muito criticado, mas por causa da Baixa. Aquelas ruas eram então consideradas muito largas.
A Avenida da Liberdade foi rasgada em fins do séc XIX. Antes, o seu troço mais perto dos Restauradores, era o Passeio Público, uma espécie de Jardim da Estrela, mas maior.

Afixado por: Joana em janeiro 18, 2005 12:52 PM
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