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setembro 23, 2004

Imagens em vez de Factos

Os jornais deram a lume, há dias, com estrépito e girândolas, a notícia que um estudo encomendado pelo Ministério do Ambiente à Universidade Nova de Lisboa havia concluído que a incineração do lixo (resíduos sólidos urbanos – RSU) era mais cara que separar o lixo e reciclá-lo. A opção mais barata seria a da deposição em aterro sanitário.

Imediatamente a Quercus defendeu que "face a estes dados, torna-se ainda mais evidente que o projecto de instalar um incinerador na ERSUC [sistema dos resíduos urbanos dos distritos de Aveiro e Coimbra] seria um grave erro não só ambiental mas também económico, penalizando as autarquias, que teriam assim de suportar elevadas tarifas para o tratamento dos seus resíduos urbanos".

E assim, com meias verdades se arquitectam pseudo-factos.

Na verdade está-se a falar de coisas diferentes. A incineração apenas precisa da remoção indiferenciada, que é a que está generalizada no nosso país. O lixo que pomos à porta é recolhido e enviado para a central de incineração onde é queimado e transformado em energia eléctrica. Há uma triagem, para vidros e metais, e sistemas de tratamentos dos fumos (para eliminar as dioxinas) e das cinzas, que são inertizadas. A energia eléctrica produzida é vendida à EDP e o país poupa nas importações de fuel. Uma central de incineração é uma central térmica cujo combustível é o lixo e tem os mesmos efeitos ambientais que qualquer central térmica, visto que os efeitos mais nocivos são eliminados.

A reciclagem precisa de remoção diferenciada. Precisa que toda a população deposite o lixo de forma diferenciada nos ecopontos, para haver uma recolha selectiva. Precisa que os produtores e vendedores produzam e embalem os produtos de forma que as embalagens sejam mais facilmente diferenciadas, recolhidas e triadas. Foi para isso que se constituiu a Sociedade Ponto Verde. E precisa que os produtos recolhidos sejam recicláveis. Ora isso só acontece com uma parcela do lixo urbano.

Portanto a reciclagem só poderá incidir sobre uma parte do lixo urbano. E isto quando quer a população, quer as entidades que têm a recolha selectiva a seu cargo, sejam capazes de terem o civismo e a organização para se reciclar tudo o que é reciclável. Até lá, e apesar da difusão dos ecopontos por todo o país, só uma parcela ínfima é reciclada.

Quanto ao lixo biodegradável, este não é reciclável. A solução será a compostagem, cujos produtos têm pouca ou nenhuma procura, e a digestão anaeróbia, que transforma parte do lixo em energia e o resto em composto, mas que é a solução mais cara.

Na Alemanha e na Holanda, onde todo este processo está bem organizado, onde a população colabora com elevado civismo, a reciclagem está bastante avançada, mas coexiste com uma centena de incineradoras. Isto é, apesar da elevada percentagem de produtos reciclados, apesar da colaboração da população em compostagens caseiras, parte significativa do lixo continua a ser incinerado. E estes países ainda têm um problema adicional: não conseguem consumir todos os produtos da reciclagem. Há uma parte que têm que exportar, ou doar, para outros países.

A vida útil de uma central de incineração será cerca de 25 anos. Se nos portarmos todos bem (a população e as autoridades), talvez dentro de 25 anos possamos atingir os níveis de recolha selectiva daqueles países e não necessitemos de construir incineradoras adicionais. Até lá não podemos estar a raciocinar sobre falácias e deixar o lixo a acumular nos depósitos ou a levá-lo a aterro, que é a solução, de longe, com maiores custos ambientais: as emissões de metano são, para a mesma quantidade, vinte vezes mais nocivas que as de CO2 no que respeita ao efeito estufa.

O lobby anti-incineradoras da Quercus vive de meias verdades e de falácias que tenta impingir à opinião pública mercê do acesso privilegiado que encontra nos meios de comunicação. É óbvio que temos que apostar na reciclagem e temos que tomar medidas para que as metas a que nos propusemos sejam atingidas nos prazos delineados. Para isso precisamos de eficiência das autoridades que tratam da remoção do lixo e do seu tratamento e valorização, e precisamos que a população, toda a população, adira à recolha diferenciada.

Mas este processo leva tempo e não podemos ficar com o lixo à espera que se consiga aquele desiderato.

Publicado por Joana às setembro 23, 2004 07:59 PM

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Comentários

joana ,
os mitos por vezes levam tempo a serem desmontados.
quer um exemplo ?
"O Absentismo por doença em Portugal" ,levou tempo mas caíu que nem um castelo de cartas.
os nossos dirigentes das associações patronais até ficaram sem fala !

Publicado por: zippiz às setembro 23, 2004 11:06 PM

Há absentismos nos lixos?

Publicado por: Sa Chico às setembro 23, 2004 11:18 PM

zippiz
Nunca disse que nas empresas privadas o absentismo é muito elevado. Aliás, quando o Bagão Félix andava com o Código Laboral para o sector privado, quem fazia greves era ... o sector público.

Agora explique-me como custando o sector público mais 40% (em %) em Portugal do que na média da Europa dos 15 e prestando o serviço mais desgraçado de todos onde é que está o mito?
Leu o artigo de hoje do Medina Carreira ex-ministro socialista, no Público?

Publicado por: Joana às setembro 23, 2004 11:27 PM

Percentagem em termos do PIB

Publicado por: Joana às setembro 23, 2004 11:29 PM

Esse artigo do Medina Carreira é demolidor

Publicado por: renato às setembro 23, 2004 11:46 PM

Nunca percebi estas história sobre os lixos. Cada um diz a sua coisa

Publicado por: Rui Sá às setembro 23, 2004 11:49 PM

joana ,
li o artigo e uma pergunta que tenho para si é se a conclusão de MCarreira sobre a reforma do estatuto remuneratório do pessoal público inclui as remunerações da administração/direcção da CGD ?

eu a si recomendava , se não leu já ,
http://www.ordemeconomistas.pt/colunadeopiniao/images/2004-09-20-OOrcamentodaFamiliaPortuguesa-TeodoraCardoso.doc

onde poderá ler este naco :
(...)Em matéria de saúde, os EUA são o país do mundo que mais gasta, com resultados que estão longe de ser os melhores em termos de eficiência. O seu exemplo demonstra que o facto de os serviços serem privados não impede que os encargos do Estado subam exponencialmente, o mesmo sucedendo com os suportados pelas empresas que partilham essa responsabilidade com o sector público (...)

ps : trabalho numa empresa com 100% de capital social privado.

Publicado por: zippiz às setembro 23, 2004 11:56 PM

O sistema de saúde americano deve ser o mais caro, mas não é o Estado que paga. Só paga uma parte pequena. A maior parte +e paga pelas seguradoras e pelos próprios.
É preciso saber o que se está a dizer.
Do ponto de vista de qualidade o sistema americano é caro, mas muito bom.

Publicado por: cesario às setembro 24, 2004 12:10 AM

Sempre detestei aqueles gajos da Quercus

Publicado por: radimosto às setembro 24, 2004 09:48 AM

`´E bom que haja organizações ambientalistas. É mau que sejam assim

Publicado por: AJ Nunes às setembro 24, 2004 03:52 PM

AJ Nunes, completamente de acordo

Publicado por: Rave às setembro 24, 2004 05:49 PM

Nem daqui a um seculo seremos capazes de fazer-mos a mesma coisa com os lixos que os alemaes e nordicos. Não eh uma questao de dinheiro. Eh uma questao de organizacao e de mentalidade

Publicado por: Filipa Zeitzler às outubro 3, 2004 09:26 AM

Tem toda a razão, Filipa, não é uma questão de dinheiro. A reciclagem só alongo prazo é uma alternativa à incineração e nunca será uma alternativa total

Publicado por: arceu às outubro 3, 2004 02:08 PM

Tem toda a razão, Filipa, não é uma questão de dinheiro. A reciclagem só alongo prazo é uma alternativa à incineração e nunca será uma alternativa total

Publicado por: arceu às outubro 3, 2004 02:08 PM

A reciclagem é mais uma forma de revalorizar os nossos desperdicios. Existem muito mais formas de reaproveitar o nosso lixo, por exemplo o biogás! É caro, mas compensa num futuro próximo. Devemos estar aptos a investir em soluções que permitam valorizar os nossos desperdícios. Já que nao valorizamos que alguém o faça!

Publicado por: gustavo assunçao às janeiro 6, 2006 03:01 PM

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