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maio 25, 2004

Theias que os políticos tecem

O processo Theias, desde as apreciações que a classe política fez sobre o seu desempenho, até aos comentários sobre a sua demissão, são o retrato da nossa classe política.

Praticamente desde que tomou posse que Theias foi considerado uma escolha errada. Um erro de casting como lhe chamei então. Quem primeiro se deu conta disso foram os autarcas, cujos projectos e candidaturas ficaram em “banho Maria” e cujo diálogo com o ministro evidenciava um sujeito indeciso, frágil, sugerindo um dia uma coisa e outro dia outra, completamente diferente e, por vezes, contraditória. O ministro falava ao sabor dos lobbies do sector do ambiente ou das opiniões de quem falava com ele.

E os autarcas do PSD estavam entre os mais críticos, talvez por esperarem mais, talvez por se quererem adiantar aos críticos de outros quadrantes, como uma providência cautelar para minimizar as críticas dos outros. Se aquilo que autarcas de relevo do PSD diziam em reuniões com terceiros, o disseram em reuniões das estruturas do partido, então desde muito cedo que Durão Barroso deve ter-se sentido pressionado para mudar o ministro.

Segundo é público, Durão Barroso teve de intervir para apaziguar a relação do ministro do Ambiente com os seus secretários de Estado. As «gaffes do ministro» eram incómodas para o governo e para Barroso acima de tudo. Apenas os ambientalistas apoiavam o ministro, não pela sua competência, mas pela sua fragilidade. A fragilidade de um ministro do Ambiente facilita os ambientalistas pescarem em águas turvas. Quem gosta da intriga e do boato, prefere situações fluidas.

Por isso é incompreensível Durão Barroso, na despedida de Amílcar Theias, manifestar o apreço e o reconhecimento pelo trabalho desempenhado pelo antigo ministro da pasta do Ambiente, alegando que o despedia apenas porque reconhecia que aquele era o momento de mudar.

Durão Barroso deveria ter guardado "de Conrado o prudente silêncio”. Na verdade, anunciar uma demissão do Governo por volta da meia-noite não é um acto normal, não pode ser considerado «o momento de mudar», quando simultaneamente se declara ter apreço pelo trabalho desempenhado. Se se tem apreço, não se muda de ministro à meia-noite. Se Durão tem apreço pelo trabalho de Theias é porque este estaria a fazer bom trabalho, logo não deveria ser demitido ou, havendo conveniência na sua substituição, esta poderia esperar por uma remodelação mais vasta.

É normal, quando se substitui alguém, dizer algumas mundanidades. Mas neste caso aquelas afirmações mundanas de Durão não colam com o timing da demissão. Estão deslocadas.

Uma teoria sugere que o despedimento de Theias na véspera do congresso do PSD, e àquela hora, fora do horário normal de expediente, se destinou a pacificar os autarcas exasperados pela inacção do ministro, ou sectores incomodados pela vertigem do ministro em abrir a boca apenas para dar tiros no pé. Embora frágil, não se vê outra explicação com um mínimo de pertinência. Todas as outras razões apontadas não explicam o porquê daquele timing. Mas mesmo esta explicação não é favorável ao primeiro ministro. Ela prova que Theias já deveria ter sido substituído há muito e que a sua manutenção foi um erro inexplicável de Barroso.

Toda a actuação de Barroso foi de uma grande fragilidade, porquanto a sua persistência em conservar um ministro contra as críticas dos seus próprios autarcas, um ministro desacreditado perante os gestores das entidades privadas e públicas que actuam no domínio ambiental, incompatibilizado com os colegas e com os seus secretários de Estado, prometendo decidir uma coisa num dia e o inverso na semana seguinte, etc., é inexplicável por causa racional.

Diz-se que Durão Barroso o foi mantendo porque considerava Theias um homem sério. Na verdade era. Mas era também uma personalidade frágil e manipulável. Uma das causas das suas decisões contraditórias era ele ser permeável aos diferentes lobbies: o lobby das incineradoras, os lobbies ambientalistas, etc. Cada vez que falava com um, mudava de opinião. Uma pessoa séria e manipulável não oferece qualquer garantia de tomar decisões sérias. Também aqui Durão Barroso errou.

Outra comportamento paradigmático do estado da nossa vida política, foi o da oposição. Durante mais de um ano a oposição troçou da incompetência do ministro. Dirigentes da oposição disseram publicamente que o ministro era tão fraco que o governo andava «com vergonha do ministro».

Mesmo quando o ministro dava tiros no pé, a oposição associava-se aos tiros, mas guardava-se de elogiar o ministro. Os respectivos autarcas tinham um opinião de tal forma negativa da actuação do ministro, que os líderes nacionais nunca se atreveram a elogiá-lo

A oposição, comentando a demissão mas incapaz de a contestar pelas qualidades do ministro, contestou-a baseada na teoria da conspiração. O PCP considerou, imediatamente, que a exoneração do ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente evidenciava as «dificuldades e fragilidades» do Governo. Francisco Louçã afirmou que a exoneração de Amilcar Theias, é «uma manobra de recurso» de Durão Barroso, um sinal para dentro do partido e do próprio Governo. «Isto é um filme com todas as características de intriga misteriosa, é substituído um ministro repentinamente quando ele próprio tinha apresentado uma resolução do conselho de ministros sobre a privatização das águas, um dos grandes projectos de liberalização com que o Governo se comprometeu», disse. Quanto ao porta voz socialista, este deduziu que há «todos os sinais de que esta não é uma remodelação comandada no seu timing e na sua extensão pelo primeiro-ministro. Pode também ser uma remodelação contra o primeiro-ministro». «Recordo que o ministro Amílcar Theias avançou com a operação de privatização das Águas de Portugal», disse o socialista, adiantando que «a intenção do ministro Amílcar Theias de fazer acompanhar essa operação de uma remodelação na administração da empresa Águas de Portugal pode estar associada a este desenlace».

Paradoxalmente o projecto de liberalização do sector das águas, dias antes criticado duramente, era agora um «grande projecto de liberalização a que o governo se havia comprometido». A hipocrisia não podia ser maior

Apenas Alberto João Jardim, o «sátrapa da Madeira», considerou que a saída de Theias era «uma notícia alegre». «Respirei fundo, porque ele tinha encrencado tudo o que tinha pendente com a Madeira». Infelizmente, Theias tinha «encrencado» tudo, em todo o país. Apenas a hipocrisia e o receio de chamarem as coisas pelos nomes impediu os políticos «continentais» de reconhecerem o mesmo.

O caso Theias é de facto paradigmático da situação em que se encontra a política em Portugal. Foi apenas por isso que eu gastei mais tempo do que esta figura apagada mereceria.

Publicado por Joana às maio 25, 2004 07:33 PM

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Comentários

O Theias já se foi. Agora é a coruja da Leite!

Publicado por: Cisco Kid às maio 25, 2004 10:37 PM

O Theias não convencia ninguém. Aquela história da privatização das Águas não foi convincente.
Então ele apresenta um projecto e depois não consegue explicar nada.
Será que havia mesmo um projecto, ou foi ele que resolveu mandar uns bitaites para ver se arranjava algum protagonismo?

Publicado por: Hector às maio 25, 2004 11:40 PM

Aliás, provavelmente foi por isso que foi despedido.
O Durão deve ter ficado arrepiado ao pensar que o Theias andava a falar de um negócio de centenas de milhões de contos sem saber o que andava a fazer e despediu-o

Publicado por: Hector às maio 25, 2004 11:41 PM

três pontos
-se nunca devia ter sido ministro por que sai agora?
- veremos se há substanciais diferenças entre o modelo apresentado pelo ex-ministro e o que há-de surgir.
- se o Jardim está contente eu ainda fico mais preocupado.

Publicado por: dionisius às maio 26, 2004 10:27 AM

Qual foi o modelo apresentado pelo Theias?
Eu não sei e julgo que ninguém conseguiu saber.

Publicado por: Novais de Paula às maio 26, 2004 02:04 PM

Dos Jornais:
A oposição associou ontem a demissão do ministro do Ambiente, Amílcar Theias, às movimentações da empresa Águas de Portugal. Referindo-se sempre à substituição como o "despedimento do ministro Amílcar Theias", o secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, insinuou que Theias fora demitido por estar contra a forma como o processo decorrera: "Ficou por saber se quem o despediu foi o primeiro-ministro, ou Luís Todo Bom, ou presidente do Conselho de Admnistração das Águas de Portugal ou se foi uma manobra para o congresso do PSD, servindo de bandeja a cabeça de Amílcar Theias."

Publicado por: Valente às maio 27, 2004 10:20 AM

e ainda:
A deputada dos "Verdes", Isabel de Castro, abordou a demissão também para a subordinar à empresa Águas de Portugal. Depois de classificar a privatização como "um negócio escuro", acusou Durão de proteger interesses com a substituição do ministro. "O modo como exonerou Amílcar Theias mostra que ele não agradava porque disse que o Estado não podia favorecer privados", afirmou. O primeiro-ministro respondeu assegurando que "nunca o Estado vai ceder o controlo do sector das águas", depois de ter explicado que a privatização só acontecia porque o Estado precisa de parceiros para "permitir investimentos" O primeiro-ministrio comprometeu-se ainda a não permitir que a participação do sector privado não ultrapassasse os 49 por cento. "Os grandes grupos não vão ter uma posição dominante", garantiu.

Publicado por: Valente às maio 27, 2004 10:20 AM

Eu não percebo como o governo consegue arranjar um parceiro para entrar com 49% e ficar a ver o governo a gerir as Águas.
Só um tolo aceitaria tal coisa e não alguém om várias centenas de milhões para investir.

Publicado por: Valente às maio 27, 2004 10:24 AM

Valente: Aquela conversa do Theias era só pra encher pneus. Aquilo não tinha seguimento

Publicado por: David às maio 27, 2004 03:12 PM

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