dezembro 06, 2005

Sábias Profundidades

A Universidade de Aveiro, a Direcção Regional de Educação do Centro, 5778 alunos do 9.º ano e 935 do 12.º, 148 escolas e dezenas de eméritos investigadores desenvolveram um projecto grandioso e exaltante – o Projecto Matemática Ensino. Finalmente o país ia saber as razões imediatas, mediatas, colaterais, atávicas, climáticas, orográficas, rácicas, quiçá afonsinas, da nossa dificuldade com a matemática. O país sentia os batimentos cardíacos acelerarem-se e a pressão sanguínea subir, num frémito de angústia e esperança, enquanto aquela sábia comissão e os briosos alunos trabalhavam com afã e patriotismo para desvendar, perante a nação, o mistério mais obscuro que a envolve, desde a localização da batalha de Ourique e da obstinada perseverança com que a Despesa cresce, por mais cortes que se façam.

Foram concebidos, elaborados e aplicados testes de diagnósticos – muitos milhares. Os alunos deixaram-se trabalhar e interagir com a ductilidade da plasticina. Foram pundonorosos e destemidos – sabiam que a Pátria tinha os olhos postos neles. Os investigadores desenvolveram uma intensa e esclarecida actividade. A DREC observava, esperançada, cientistas e reagentes. A Universidade de Aveiro tutelava, cientificamente, a arrojada investigação. Nada foi deixado ao acaso.

Finalmente a comissão de investigadores ia apresentar os resultados: O país susteve a respiração alvoroçado, a MM Guedes, de emoção, conteve a boca fechada 1 minuto, até Mário Soares, comovido, esqueceu Cavaco por longos e penosos instantes. E a comissão sentenciou:

«O ensino da Matemática em Portugal é excessivamente "mecanizado" e não leva os alunos a pensar»

Oh que sábia reflexão, que escrupulosa ciência, que madura inteligência, que sagaz entendimento, que conclusão luminosa! Portugal ficou perplexo perante a profundidade do juízo... «O ensino da Matemática em Portugal é excessivamente "mecanizado" e não leva os alunos a pensar».

Teria ficado menos perplexo se tivesse lido, para não ir mais longe, este blog, alguns posts e numerosos comentários. E teria poupado dinheiro. E evitaria criar agora um “observatório permanente” para dar emprego a mais funcionários públicos para observarem, em permanência, a mecanização matemática dos alunos, o nível de óleo das engrenagens desses maquinismos e o desgaste dos respectivos rolamentos.

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outubro 26, 2005

Ranking das Escolas 2005

Foi divulgada a lista ordenada das escolas secundárias com base nas notas dos exames nacionais do 12º ano, referentes a 2005. Quando se lêem opiniões nos jornais, verifica-se que a maioria das pessoas, principalmente os pais, é a favor da sua divulgação e os professores estão contra. Não me parece que seja de tomar como amostra muito significativa as opiniões que os professores enviam para os jornais: normalmente os que se pronunciam, são os que estão contra. Eu acho importante que estes valores sejam divulgados publicamente. Mas é igualmente importante que as análises dos resultados sejam feitas com objectividade evitando considerar os números como um valor absoluto em si. É importante, por exemplo, cotejarem-se os números com o meio social onde a escola se insere, ver se o número de alunos que prestaram provas é significativo, analisar os valores referentes a vários anos, e não apenas ao ano em curso, etc.

O número de alunos que prestaram provas é relevante. Deixa-me indiferente saber que o Colégio Mira Rio teve a média mais alta, sabendo que apenas 5 alunas (20 provas) foram avaliadas. A comparação só tem significado se uma escola apresentar no mínimo 150 a 200 provas. É importante, como referi acima ter uma série anual dos resultados da escola, mas pode não ser possível extrair daí a conclusão sobre se essa escola está a melhorar ou a piorar. As descidas e subidas de determinadas escolas têm um significado muito relativo. Há turmas excepcionais que enviesam os resultados de um ano e que só se repetem alguns anos depois. Portanto, o facto de uma dada escola estar, num ano, em 10º lugar e, no outro ano, em 20º lugar, pode ter um significado muito relativo. Todavia tem significado o facto de uma escola estar sempre entre as melhores (por ex., as 20 ou 30 primeiras). O resto, depende da “colheita” do ano.

A questão da extracção social tem obviamente influência no aproveitamento médio dos alunos, mas não é determinante. Sucede mesmo, com alguma frequência, que são os mais desfavorecidos que mais se empenham e melhores resultados conseguem. Depende muito da forma como são educados em casa e pouco do nível do rendimento dos pais. O que sucede, algumas vezes, é que o baixo nível de rendimento dos pais está associado a comportamentos familiares pouco adequados a uma educação correcta.

Os maus resultados de muitas escolas do interior ou de zonas economicamente mais carenciadas devem-se sobretudo à má qualidade do corpo docente, normalmente flutuante, que aspira a transferir-se na primeira oportunidade, pouco empenhado, pouco assíduo, etc.. É claro que essa “má qualidade” docente tem a ver com a localização da escola, mas está nas mãos do ME corrigir esta situação. O ME deve assegurar a estabilidade do corpo docente. Não a estabilidade do “asilo”, mas a estabilidade da competência. Para tal a escola deve ter autonomia e responsabilidade. Mas para isso deve pôr-se um travão à “chamada” “gestão democrática” que tem sido uma das responsáveis pela degradação do ensino público nos últimos 30 anos. A escola, a nível administrativo e de gestão de recursos humanos, principalmente dos professores, tem que ter um "patrão" não eleito pelos seus pares, pois senão aquele pode tornar-se apenas o intérprete dos interesses corporativos dos professores dessa escola.

A mania que as condições sociais determinam o comportamento das pessoas é uma herança da liofilização do marxismo. Obviamente que têm alguma influência, mas as pessoas têm capacidade de as superar. Por exemplo, os meus avós paternos eram gente modesta e o meu pai formou-se porque teve sempre bolsas de estudo (e isenção de propinas, que naquela época eram elevadas) e obtinha rendimentos das explicações que dava. Sem isso não teria sido possível custear-lhe os estudos. Todavia era (e é) gente com elevado sentido do que é a vida familiar e das obrigações, direitos e deveres de cada um. Essa educação acabou por ter reflexo, indirecto, na educação dos netos. Apesar dos nossos pais serem pessoas abastadas, sempre tivemos apenas o mínimo indispensável para fazermos face àquilo que os nossos pais entendiam como o consumo diário. Nem mais um tostão. Isso causava-nos alguma perplexidade, quando víamos os nossos colegas meterem a mão ao bolso e tilintarem as moedas. Consumirem coisas que a nós estavam vedadas, porque só levávamos o dinheiro para o indispensável. Nem todos nós reagimos da mesma maneira. Nem todos nós adquirimos o mesmo sentido do valor do dinheiro e da falta de sentido do consumo supérfluo. Mas certamente estamos todos acima da média nesse capítulo.

A minha ex-escola tem, ainda que residualmente, alunos oriundos do Bairro da Boavista. Portanto não será das escolas mais “favorecidas” no que concerne à origem social dos alunos. O que a distingue é que tem um Director que, comparado com directores de outras escolas, deve estar muitos furos acima, e um núcleo duro do corpo docente competente, que sabe o que quer, que sabe que a escola se destina a servir os alunos e não os professores, e que acaba por servir de orientação e de enquadramento ao restante corpo docente. Talvez por isso tive a satisfação de verificar que continua no topo, apesar de pública, apesar de ter tido mais de 500 provas ... Este ano foi mesmo a primeira escola pública de Lisboa, no ranking das escolas.

Finalmente continua a verificar-se uma progressão do ensino privado, relativamente ao público. Isso não tem a ver com classes sociais. Em primeiro lugar não sei se o rendimento médio dos pais dos alunos das escolas públicas nas zonas centrais dos grandes centros urbanos é significativamente inferior (ou mesmo inferior) ao dos pais dos alunos das escolas privadas. Em segundo lugar, o ambiente familiar não depende do nível do rendimento, mas da formação cívica e cultural dos pais.

O que me parece, é que a divulgação do ranking das escolas, a partir das notas dos exames nacionais do 12º ano, tem incentivado as escolas privadas a melhorarem o seu desempenho com o intuito óbvio de aumentarem a sua procura (e eventualmente as propinas mensais), o que é menos visível com as escolas públicas. A diferença é que o ensino privado trabalha para o mercado e tem que apresentar resultados, enquanto o ensino público está dependente do brio profissional do corpo docente. As escolas públicas em que esse brio é prevalecente, apresentam bons resultados, talvez não tão bons como algumas privadas, mas temos que dar algum desconto porquanto a sua margem de manobra para escolher os alunos é menor. Se este processo de diferenciação dos resultados entre ensino público e privado se acentuar podemos correr o risco de ver o ensino público a degradar-se de forma cada vez mais rápida face ao privado.

Como ideia geral continuo convencida que, por enquanto, nas escolas mais centrais dos grandes centros urbanos, com corpo docente mais consolidado, a qualificação do corpo docente público (nomeadamente o que designei por núcleo duro) é superior, em média, ao privado. Em contrapartida, no ensino privado há mais apoio aos alunos que se atrasam nos estudos e necessitam recuperar. Também há mais apoio e diversidade a nível de actividades lúdicas e desportivas e na integração dos alunos no todo do corpo discente. Os alunos do ensino público estão mais entregues a si próprios, mas isso não constitui apenas desvantagens, pois torna-os mais responsáveis e capazes de autonomia de decisão.

Todavia esta situação pode mudar radicalmente. O “corpo docente mais consolidado” e os núcleos duros que sustentam os bons resultados de muitas escolas públicas, reformar-se-ão certamente durante os próximos 10 anos. Os mais jovens são de uma geração que já foi educada no laxismo e na ausência do sentido do dever e do brio profissional no exercício da função docente. Ora o brio profissional é a “mão invisível”, que substitui o mercado, no funcionamento das escolas públicas. Se não houver uma mudança profunda na política educativa, na parte relativa ao corpo docente e à organização das escolas, o futuro do ensino público pode ser catastrófico.

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setembro 18, 2005

Desastre Escolar

Sempre que as estatísticas internacionais, ou quaisquer outros dados, apontam para a situação calamitosa de um qualquer sector público, os representantes dos profissionais desse sector afiançam que tal se deve à escassez de verbas e prometem que logo que o seu sector receba mais dinheiro a sua eficiência subirá para aos píncaros. Isto sucede há mais de 3 décadas. Agora, os números da OCDE cometeram a desfeita de mostrarem que, no sector da educação, a situação é calamitosa na qualidade do ensino, no seu custo, no tempo que os docentes passam na escola, nos anos de escolaridade dos alunos e no seu aproveitamento. Não há por onde encontrar saída … gasta-se em demasia, trabalha-se pouco e os resultados são catastróficos.

Um aluno do secundário custa aos contribuintes cerca de 6.000 euros por ano. Admitindo 12 prestações anuais (inscrição e 11 mensalidades), cada aluno custa 500 euros por mês. Mais que o ensino privado (que, num colégio de bom nível, orça pelos 350€/mês). O estudo diz que o salário médio de um professor do 3º ciclo, com 15 anos de experiência, é de 28.000€/ano.Um professor, no topo da carreira (10º escalão), ganha mais de 40.000€/ano (2.856,54€/mês, mais subsídio de refeição de 3,83€/dia útil). Estes valores colocam os professores portugueses perto da média da OCDE, mas perto do topo, em termos de percentagem do PIB. Se os trabalhadores do sector privado ganhassem nesta proporção, há muito tempo que já não haveria empresas em Portugal, excepto algumas “ilhotas” de alta competitividade e com sede social fora do país, para não estarem a sustentar este aparelho do Estado monstruoso e ineficiente.

Em educação, e em termos de percentagem do PIB, Portugal está no topo dos países da OCDE. Em termos de resultados estamos na cauda, a par do México e da Turquia. Citando um exemplo vindo a lume no Público, «Em termos de despesa acumulada por aluno durante a sua formação dos seis aos 15 anos, Portugal gasta 14 mil dólares por ano a mais do que a Coreia do Sul. No entanto, os alunos deste país asiático apresentaram em 2005 os melhores resultados a Matemática nestes testes internacionais e os portugueses tiveram o pior desempenho entre 26 participantes.».

Os professores portugueses passam na escola 70% do tempo da média da OCDE. O rácio alunos/professores é 20% maior no ensino privado que no público. Segundo a FENPROF, a partir daquele patamar mágico de 70%, a permanência dos professores portugueses na escola traduzir-se-ia na degradação do ensino. Os docentes portugueses são como as especialidades farmacêuticas que só se podem tomar em dose moderada. Infelizmente neste caso, se em excesso prejudica, em dose moderada tem efeito despiciendo.

A questão da permanência dos professores nas escolas e o cumprimento das 35 horas semanais é o que mais irrita, presentemente, o corpo docente. Há um ponto em que têm razão: as escolas não estão actualmente preparadas, do ponto de vista logístico, para a permanência dos professores durante o horário completo. Não têm espaços nem estão organizadas para o efeito. Não existe em Portugal o hábito do trabalho docente na escola, ao contrário dos países mais desenvolvidos da Europa. Tem que ser um processo a implementar de forma faseada, para não o tornar numa medida descontrolada e contraproducente. No resto não têm razão. Os professores utilizam o tempo adicional disponível quer em apoio familiar, quer em dar explicações. Em algumas disciplinas, as explicações são mesmo uma importante fonte de rendimento


Estes resultados são o desfecho de décadas de total incompetência dos poderes públicos e das exigências desproporcionadas das corporações do sector. Há décadas que se discute que a educação está mal. E sempre que nos debruçávamos sobre esse problema, os profissionais da educação pública asseguravam que era necessário mais dinheiro. E todos repetiam «É preciso investirmos na educação». A imbecilidade daqueles que repetiram este refrão até à exaustão foi partilhada por ministros, supremos magistrados da nação, políticos da oposição, etc. Apenas nestes últimos meses, após as veementes denúncias públicas, por parte dos “politicamente incorrectos”, do descalabro educativo que pôs a nu que Portugal é, depois da Finlândia, o país da UE que despende mais na educação em termos do PIB, mais 50% em Educação que a média europeia, e tem o mais baixo nível de educação da UE, é que os responsáveis políticos mostraram mais comedimento e Sampaio, por exemplo, desistiu de repetir o refrão que é necessário investir na educação.

A situação é de tal forma grave que não vejo que tenha solução no quadro actual. As reformas teriam que ser tão radicais, que não seriam aplicáveis face à resistência dos visados. O ensino público tem mais de 215 mil efectivos (154.883 docentes e 60.650 não docentes). Reformar este monstro criado pela incompetência, eleitoralismo e compadrio dos nossos políticos exigiria uma completa ruptura do sistema.

AlunProf.jpg

Se o rácio aluno/professor no privado é maior, o que é uma situação normal, este está mais bem equipado. Na relação entre alunos e nº de PC’s e ligação à net, verifica-se que o ensino privado está melhor equipado em todos os graus (não há números do público para os jardins de infância), com especial relevo no ensino secundário e profissional.

AlunosPCNet.jpg

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agosto 24, 2005

Aproveitamentos e Retenções

Os dados divulgados pelo Ministério de Educação mostram que as taxas de retenção e desistência no ensino básico têm permanecido praticamente constantes na última década. No caso do ensino secundário têm, inclusivamente, piorado. O ME afirma, candidamente, que em termos de aproveitamento escolar a situação pouco ou nada tem evoluído. Trata-se de um equívoco monumental. O ME confunde taxas de retenção e desistência, com aproveitamento escolar, a menos que julgue que aproveitar a educação ministrada (ou que deveria ser ministrada) se resume em passar de ano.

O busílis é que os critérios gerais de avaliação definidos pelos Conselhos Pedagógicos na sequência dos parâmetros indicados pelo ME dão cada vez menos ponderação à aquisição de conhecimentos (tarefa que fatiga desnecessariamente as meninges das nossas crianças) concedendo em contrapartida uma atenção crescente à participação, capacidade de trabalhar em grupo, fazer (ou arranjar quem os faça) os trabalhos para casa, transpor conhecimentos, percurso, etc..

O percurso é um parâmetro interessante e bíblico, pois releva da parábola do Filho Pródigo. Segundo este critério, se um menino, durante o 1º e 2º períodos, sovar desalmadamente os outros meninos, e no 3º período mostrar uma prudente moderação, tem um percurso altamente positivo, que lhe pode valer a passagem, principalmente se esse percurso positivo se der também nas notas dos testes, passando de 9 para 7 negativas, por exemplo.

Transpor conhecimentos também é um esforço que o nosso sistema premeia com entusiasmo. Constitui um significativo domínio da Álgebra o Francisquinho saber que se tem 5 maçãs e lhe dão 3 maçãs, fica com 8. Mas é uma façanha absolutamente notável, ele conseguir transpor esse conhecimento para o domínio das laranjas ou dos sorvetes de baunilha. Significa que ele domina a essência das coisas, que ele interiorizou a Ideia – passagem garantida!

Por outro lado a hierarquização das disciplinas mostra uma grande abertura de espírito. O Inglês, peça chave do Plano Tecnológico, tem, quase sempre, a mesma carga horária que, por exemplo, o Estudo Acompanhado, disciplina essencial na formação bibliófila dos alunos, onde estes aprendem a arte de sublinhar livros e encher as páginas de setinhas em várias e importantes direcções.

Por isso, os 85% dos alunos que acabam o 9º ano “aproveitaram” o nosso sistema de ensino (?!) na medida em que concluíram o básico. Mas saem de lá a saber sublinhar livros e com rudimentos despicientes no que respeita às disciplinas convencionais e sem sentido lúdico: Matemática, Português, Inglês, Física, etc..

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julho 13, 2005

A Maldição da Matemática

Sempre que há uma prova nacional de Matemática o país estremece de horror. A quase totalidade dos alunos tem nota negativa e as médias nacionais oscilam entre o 4 e o 6, dependendo do grau de facilidade do teste. Alguns, desesperados pelo seu desempenho, como um ex-ministro da Educação, ou desesperados por se tornarem conhecidos e arranjarem clientela, como o Instituto da Inteligência, tentam vender a tese que estes resultados são inerentes à raça portuguesa – são genéticos. Puro equívoco … o que há de genético … é o nosso laxismo, e entre as matérias que se leccionam, a matemática é o barómetro, por excelência, desse laxismo.

Saber Matemática é como saber andar de bicicleta (ou nadar). Ou se aprende em miúdo, ou nunca se sabe andar (ou bater os pés) em condições. Aprender Matemática exige ser confrontado permanentemente com problemas diferentes e resolvê-los. Exige que não se fique pela forma, mas se aprofunde o raciocínio abstracto para este servir de matriz à solução de qualquer problema. Resolver uma questão matemática, não é aplicar uma receita – é ter o cérebro treinado para avaliar o enunciado, decompô-lo nos seus elementos básicos e associar esses elementos de forma a chegar à solução.

Ora os nossos sucessivos Ministérios da Educação, e as equipas de docentes que os constituem e constituíram, têm lutado denodadamente, nos últimos 30 anos, para tornarem as escolas um local lúdico, evitando fatigar as meninges dos nossos adolescentes com uma memorização cansativa e inglória, e os seus cérebros com questões abstractas e irrelevantes como a matemática e a física.

Para conseguir este desiderato, as matérias devem ser leccionadas atendendo à fragilidade sensitiva e emocional dos adolescentes portugueses. Por exemplo, se o docente de matemática explicar, na aula, a resolução do seguinte problema: «O Francisco comprou 10 maçãs. A caminho de casa, perdeu duas. Com quantas chegou?» não deverá, num futuro teste de avaliação, de forma alguma, complicar maliciosamente o enunciado, substituindo o «Francisco» pelo «Luís», ou as «maçãs» por «alperces». Estas alterações constituem rasteiras perversas, provocam um desnecessário stress na nossa ínclita geração, perturbam a escola como local de convívio e de socialização e podem lançar muitos na senda da delinquência juvenil.

Este processo, que teve o concurso entusiasmado dos docentes nas escolas e o apoio, pela omissão, das famílias nos lares paternos, tem levado a que as potencialidades das nossas sucessivas gerações fossem progressivamente anquilosadas pelo empobrecimento da imaginação, da curiosidade e do espírito de busca e exploração. Ou seja, os "modelos de pensamento científico" que a escola pratica não permitem que os nossos jovens explorem totalmente as suas capacidades.

Aprender Matemática não é memorizar para papaguear depois. É criar, pelo treino na solução dos problemas e no estudo dos conceitos que permitem a solução desses problemas, um raciocínio abstracto que permite resolver problemas cada vez mais complexos. Exige esforço, concentração e imaginação. Exige adquirir a capacidade de, quando confrontado com um problema, não ficar paralisado, mas pôr o cérebro a trabalhar na busca da solução. É por isso que ocorrem anualmente estes desastres nacionais. Um aluno do 8º ou 9º ano, que não tenha aprendido Matemática “a sério” está definitivamente liquidado na área científica, nomeadamente nos cursos em que a Matemática é fundamental, directa ou indirectamente (como a Física, por exemplo)

O grave, como escrevi acima, é que o ensino da matemática, em face dos desastres sucessivos, tem sido orientado para a “Matemática de Receitas”, porque os alunos são cada vez menos capazes de resolver problemas complexos. Devido a isso, mesmo passando no secundário, quando chegam à Universidade é a catástrofe.

Vou contar um exemplo familiar, que me parece paradigmático do nosso tipo de ensino. A minha irmã mais nova, apesar de ter sido sempre uma aluna aplicada, não tem queda nenhuma para a Matemática. Quando me pedia auxílio, ficava sempre muito contrariada porque eu tentava resolver o problema partindo dos conceitos de base, por forma a que ela percebesse a questão no seu âmago. Ela apenas estava interessada nas passagens indispensáveis para chegar à solução. As minhas elucubrações abstractas faziam-lhe tédio. Teve mais de 18 valores no exame nacional do 12º ano! Foi a nota mais elevada da escola dela e provavelmente uma das mais altas do país (naquele ano a média nacional esteve entre 4 e 5). Foi simples … deve ter feito uma amostragem do tipo de questões que eram habitualmente colocadas, treinou-se intensamente (ela era uma “profissional” no estudo) nas respectivas soluções, chegou ao exame e aplicou as receitas. Isto prova que não é apenas o ensino da Matemática que está pervertido. O sistema de avaliação está igualmente pervertido, para tentar minorar os danos provocados pelo mau ensino. Funcionam ambos por receitas. As duas perversões interagem no sentido da degradação do ensino.

A minha irmã não teve problemas com a sua “vocação” para a Matemática, porque o objectivo dela era a Arquitectura onde entrou com uma média superior a 19. Mas se tivesse ido para Engenharia, Física, ou mesmo Economia, teria certamente problemas, porque a Matemática na Universidade (pelo menos nos cursos científicos) não funciona com receitas e o raciocínio dela é completamente avesso à abstracção matemática. Isto apesar de ter tido uma nota 4 vezes superior à média nacional!

O desastre da Matemática não é uma questão genética – é a consequência lógica do nosso laxismo. O grave é que na Matemática não é possível mascarar a situação com soluções de recurso, de última hora, tão ao gosto português.

Publicado por Joana às 07:38 PM | Comentários (132) | TrackBack

junho 21, 2005

Sindicato contra a Classe

Os sindicatos dos professores, nomeadamente a FENPROF, têm dedicado as suas energias e “talentos” na ingente tarefa de degradar a imagem pública dos professores. Sabe-se o estado lastimoso da educação em Portugal – quanto nos custa e os serviços que nos presta – mas a avaliação das responsabilidades por essa situação, se não isenta os professores, também não os torna os únicos responsáveis. Todavia os sindicatos têm-se batido denodadamente para transmitirem para a opinião pública uma imagem de irresponsabilidade, de falta de brio, de incompetência e de laxismo dos professores. Desta feita falharam.

O objectivo desta greve era, sem sombra de qualquer dúvida, o boicote aos exames. Os sindicatos evidenciaram o mais completo desprezo pelos interesses dos alunos, para os quais estes exames serão uma etapa crucial que irá condicionar a sua vida activa e profissional, o seu futuro, enfim; pelas expectativas dos pais, que lhes haviam entregue os filhos para terem uma instrução e formação adequadas; e pela própria reputação dos professores, já de si posta pelas ruas da amargura, dado o estado lastimoso da educação.

Quando se aperceberam que o boicote não teria os resultados ambicionados, além de ser em extremo impopular, os sindicatos começaram a enfatizar a greve em si, afirmando que o boicote aos exames não era o objectivo principal … o facto das datas das greves coincidirem com as datas dos exames era uma mera e inesperada coincidência.

Os resultados estão à vista. Poucas dezenas de alunos, em várias centenas de milhares, foram afectados. Apesar da maioria dos professores estar descontente com as medidas anunciadas pelo governo, que transtorna as expectativas de muitos, os exames realizaram-se.

Relativamente aos números apontados pelos sindicatos sublinho dois factos. O primeiro, escolhido cirurgicamente pela SIC, na Escola Gil Vicente, cuja Presidente do CE é filha do Coronel Varela Gomes, que estava claramente transtornada pelo facto dos exames se terem realizado, deu umas explicações esfarrapadas e adiantou uma percentagem de grevistas de 84%!? O segundo, na escola da minha mãe, onde, em cerca de 140 professores, houve 15 que fizeram greve. Estes números são facilmente verificáveis, visto haver registo de comparências, desde que os Conselhos Executivos funcionem como devem. Ora não há razão para 2 escolas estabilizadas, da mesma cidade, apresentarem números tão díspares, embora a capacidade de um Conselho Executivo manobrar no sentido de incentivar à greve não seja de desprezar. O número avançado pela Geninha deve estar, portanto, completamente fora da realidade.

Portanto, os números de 70%, até agora avançados pelos sindicatos são completamente fantasistas. Isto apesar dos professores se considerarem muito prejudicados pelas medidas do governo, legítimas porque visam acabar com situações diferenciadas socialmente injustas, mas que goram expectativas alimentadas pela classe. Veremos como a situação evolui nos próximos dias, mas não me parece que haja diferenças muito significativas.

Ou seja, há material para um conflito social entre professores e governo. Os professores não terão razão em termos do todo social, mas têm as “suas razões”. Os sindicatos, ao precipitarem esta greve, com o intuito perverso de tomarem como reféns alunos e respectivos pais, fragilizaram a sua margem de manobra. Prestaram um mau serviço àqueles que dizem representar, fragilizando a sua posição negocial e tentando degradar a sua imagem pública.

Mas os sindicatos portugueses têm uma longa tradição de conduzirem os seus sindicalizados a situações de impasse.

Publicado por Joana às 11:35 PM | Comentários (24) | TrackBack

abril 18, 2005

Choque Tecnológico em Xeque

O Secretário de Estado da Educação afirmou hoje que cerca de 20 por cento dos 121.599 professores cometeram erros no preenchimento da candidatura ao concurso nacional para colocação nas escolas. A Direcção Geral dos Recursos Humanos de Educação (DGHRE) assegurou que deu apoio directo (esclarecimentos e explicações) a um em cada três candidatos, pelo menos uma vez, tendo sido feitos 47 mil contactos entre os candidatos e o Ministério da Educação, 31 mil através do centro de atendimento telefónico, três mil na loja DGRHE e 13 mil por e-mail. Isto apesar da actual equipa do Ministério da Educação, segundo indicou, não ter introduzido qualquer alteração ao modelo de concursos organizado pelo anterior Governo.

Portanto os principais protagonistas do Choque Tecnológico, os heróis em quem a Pátria tem os olhos postos e de quem espera que cumpram a missão exaltante de salvarem o país do pântano da desqualificação, e ensinarem as nossas crianças a sobreviverem e prosperarem num mundo cada vez mais competitivo e exigente em termos de qualificação científica e técnica, falharam ao preencher o modelo de candidatura a protagonistas desse esforço patriótico e tecnológico. E falharam apesar dos meios de aconselhamento ao seu dispor. Nem foi preciso serem confrontados com os alunos. Tombaram logo na fase dos papéis.

A menos que os papéis sejam de tal forma confusos que estejam fora do alcance do comum dos mortais. Nesse caso, antes do Choque Tecnológico, sugere-se o Choque Desburocrático.

Publicado por Joana às 07:19 PM | Comentários (19) | TrackBack

fevereiro 22, 2005

A Vertigem do Asilo

Na cerimónia em que Chissano recebeu o doutoramento "honoris causa", onde estiverem presentes Jorge Sampaio e Mário Soares, e que coincidiu com a comemoração do 31º aniversário da Universidade do Minho, o reitor garantiu que, por causa do aumento das propinas, a Universidade havia perdido seis centenas de estudantes. "O efeito do aumento das propinas foi significativo, verificando-se uma redução no número de alunos inscritos, na ordem dos 600". É devastador!

E a consternação tomou conta dos presentes quando o reitor afirmou que o facto das propinas terem subido, entre o ano passado e este, de 640 euros para 740 euros, levou a que alguns estudantes, para evitarem pagar as propinas, decidissem fazer as cadeiras que ainda lhes faltavam para acabarem os respectivos cursos.

Inaudito. Vejam os malefícios do mercado. O aumento das propinas, com a conivência da nefanda e ubíqua Mão Invisível, induziu os alunos a fazerem aquilo que era suposto haverem feito até então: estudar. E a fazerem as cadeiras. E a deixarem lugares vagos para outros terem acesso. E a Universidade deixou de ser um local de asilo para matriculados decididos a prolongarem a juventude indefinidamente, para se tornar numa escola para estudantes decididos a terminarem a licenciatura.

Antes desse aumento, que fede a neoliberal, o corpo discente vivia tranquilo, espreguiçando-se indolentemente e saboreando o zéfiro matinal das 15H00 e um passeio pausado pela beira do Este, ao entardecer, na lenta expectativa pela febril actividade discente, a iniciar-se lá pelas 22H00 ou 23H00 e a prolongar-se até o sol raiar. A alteração dos preços produziu uma disfunção do mercado e a adaptação dos agentes económicos à nova estrutura de preços – resolveram estudar e acabar os cursos.

E agora, ouve-se de quando em vez o dedilhar triste e plangente da guitarra, e uma voz dorida que se eleva e canta:

Estavas, Dux Veteranorum, posto em sossego,
De tantos anos colhendo doce fruito,
Naquele engano de alma, ledo e cego,
Que a propina não deixa durar muito,
Ias mergulhar no Este e enredaste-te no pego

Publicado por Joana às 12:54 PM | Comentários (29) | TrackBack

outubro 24, 2004

Estudantes, Polícias e Mídia

Cerca de duas centenas de estudantes da Universidade de Coimbra tentaram invadir uma reunião extraordinária do Senado Universitário. Em face das intenções dos alunos, o reitor Seabra Santos pediu a intervenção da polícia para assegurar o funcionamento regular dos órgãos universitários. Dos confrontos entre os estudantes e a polícia resultou, segundo os jornais, um polícia ferido com alguma gravidade e a detenção do caloiro, que alegadamente o terá agredido, pelo crime de ofensas corporais.

Haver manifestantes que não respeitem os órgãos democráticos, tentando chantageá-los pelo recurso à violência e haver intervenções policiais que degeneram em hematomas e detenções é uma “outra normalidade” da vida em democracia. Neste entendimento, não haveria matéria para estranheza.

Todavia houve situações de estranheza. Ou talvez não, neste país «velho sem emenda».

Em primeiro lugar os canais televisivos transmitiram imagens que tendiam a privilegiar os confrontos físicos, a acção de força policial e os protestos dos estudantes contra a alegada violência policial, em face das causas que estiveram na sua origem. Transmitiram, com emoção, a velada de estudantes em frente da prisão onde estava detido o colega. Os estudantes contestatários foram profusamente entrevistados, para verberarem a violência policial. Quem desconhecesse a questão teria ficado com a sensação que toda aquela conflitualidade havia sido gratuita. Os estudantes teriam sido vítimas inocentes de violência policial desnecessária e gratuita.

Não pretendo com isto afirmar que a Televisão quis ser tendenciosa. Provavelmente foi tendenciosa porque quis privilegiar o confronto físico e a velada nocturna apenas porque eram imagens mais poderosas, com mais impacte mediático, que uma vetusta sala cheia de académicos atemorizados à volta de uma mesa, condenando verbalmente o «comportamento antidemocrático» dos estudantes, designadamente a invasão de uma sala com o incompreensível e pouco apelativo nome de «Sala dos Capelos», enquanto roíam nervosamente as unhas. Nesta ocorrência, a comunicação escrita relatou os factos com bastante mais objectividade e isenção.

Graves foram as declarações de um alegado dirigente de uma associação pró-sindical da polícia. Afirmou que a polícia era obrigada a situações como aquela pelo facto dos políticos não resolverem os problemas. Admitindo que não fosse uma forma maquiavélica de fornecer razões àqueles que contestam organizações sindicais nas polícias, aquele alegado dirigente mostrou como não se deve comportar a polícia num Estado de direito. Não foram os «políticos» que chamaram a polícia, mas sim o reitor da Universidade de Coimbra. Os problemas estavam resolvidos, apenas aquelas duas centenas de estudantes não concordavam com a solução. A polícia havia sido chamada para evitar a invasão do Senado por aqueles estudantes em fúria e não para obter concessões dos estudantes sobre alguma matéria. Matéria (o pagamento das propinas) sobre a qual, aliás, há um enorme consenso nacional e onde os estudantes contestatários estão completamente isolados.

O Estado de direito tem que se defender de quem contesta a legitimidade das suas decisões de forma violenta. Os meios de comunicação (e muito menos elementos da polícia) não devem dar uma imagem distorcida dessa legitimidade, sob pena de estarem a fomentar a violência, a contestação pela contestação e a anarquia social.

Bem melhor andou o caloiro que esteve detido uma noite. Entrevistado à saída, e sem abdicar das suas opiniões, revelou uma maturidade que infelizmente não tem sido compartilhada por muitos colegas seus.

Mas o Estado também não pode demitir-se, por desleixo, da sua defesa. Segundo Seabra Santos, os incidentes não podem ser punidos pelas instituições universitárias, por não estar regulamentado o regime disciplinar aplicável ao Ensino Superior definido na Lei de Autonomia, aprovada em 1988, há 16 anos! Ficam assim impunes os autores dos distúrbios pelo facto de, até agora, a Assembleia da República, inexplicavelmente, ainda não ter regulamentado o regime disciplinar aplicável aos estudantes do ensino superior. Apenas o regime disciplinar aplicável aos professores e aos funcionários foi regulamentado e está em vigor. Aparentemente a AR deverá ter achado (se é que achou alguma coisa) os professores e os funcionários muito mais propensos a indisciplinas, acções violentas e a vandalismos que os estudantes.

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outubro 04, 2004

O Ranking das Escolas

Foi divulgada a lista ordenada das escolas secundárias com base nas notas dos exames nacionais do 12º ano. É importante que estes valores sejam divulgados publicamente. Mas é igualmente importante que as análises dos resultados sejam feitas com objectividade evitando considerar os números como um valor absoluto em si. É importante, por exemplo, cotejarem-se os números com a origem social dos alunos.

Em primeiro lugar têm que ser analisadas com cautela as variações interanuais das escolas: as alegadas descidas e subidas de determinadas escolas têm um significado muito relativo. Há turmas excepcionais que enviesam os resultados de um ano e que só se repetem alguns anos depois. Portanto, uma dada escola estar, num ano, em 10º lugar e, no outro ano, em 20º lugar, pode ter um significado muito relativo. O resultado de uma dada escola deve ser avaliado ao longo de uma série temporal suficientemente extensa para corrigir, estatisticamente, resultados “marginais”. Não só o seu resultado relativo (classificação no ranking) como o seu resultado absoluto (evolução das médias anuais das notas dos exames nacionais do 12º ano em cada escola). No mínimo deveriam usar-se 4 anos.

Há análises quantitativas que são válidas, independentemente de considerações sobre a origem social dos alunos que frequentam as escolas. Uma delas é a variação das médias globais de um ano para o outro. Se, escola a escola, pode haver enviesamento, para o todo nacional funciona a lei dos grandes números. Ora entre 2003 e 2004 houve diminuição da média global (todas as disciplinas) e diminuição das médias de todas as disciplinas (excepto Física). Se a subida (descida) numa dada disciplina pode ser interpretada pela menor (ou maior) dificuldade das provas, a descida generalizada é preocupante, porque tem seguramente a ver com o abaixamento do nível de preparação dos alunos.

A agravar a conclusão anterior, verificou-se um aumento da dispersão dos resultados, isto é, aumentou a diferença entre as médias dos alunos melhores e as médias dos alunos piores. E as disparidades verificaram-se não só entre zonas ricas e pobres, mas também entre concelhos com um grau de desenvolvimento semelhante. A interpretação parece clara: os alunos mais empenhados nas candidaturas ao superior têm melhorado, ano após ano, os seus resultados face aos alunos menos empenhados e o empenho nas classes mais favorecidas na educação dos seus filhos aumentou mais (ou diminui menos) que o empenho das classes mais desfavorecidas.

Outra conclusão que se pode tirar na comparação global entre escolas públicas e privadas é que a diferença se acentuou, isto é, as médias globais das escolas privadas caíram menos que as públicas. Isto aconteceu em todas as disciplinas, excepto em Física, aliás igualmente a única disciplina onde a média das escolas públicas superou a das privadas. Esta conclusão remete para uma interpretação que me parece consistente: as escolas privadas estão a fazer um esforço maior que as públicas no sentido da melhoria do desempenho dos seus alunos. Ora isto é natural: as escolas privadas, principalmente nos grandes meios, vivem em concorrência e têm que apresentar resultados para obterem clientela. Por isso, a importância da divulgação dos resultados como factor incentivador da melhoria do desempenho das escolas é mais patente junto das privadas que junto das públicas.

Há todavia uma comparação que tem que ser feita de forma muito cautelosa: a do ranking relativo das diversas escolas. As médias dependem não apenas da qualidade do ensino e da qualidade e esforço do corpo docente, como do espectro social dos alunos que as frequentam. Alunos oriundos de bairros problemáticos têm, à partida, mais dificuldade de aprendizagem, menos preparação de base e menos ambiente de estudo que os oriundos dos meios intelectuais. Ora as escolas privadas (excepto as ligadas a entidades de solidariedade social) seleccionam automaticamente os seus alunos pelo valor das propinas mensais. As escolas públicas não podem recusar alunos que morem na sua zona, em maior ou menor número, consoante a zona geográfica onde se inserem. Por isso as comparações “directas” entre escolas públicas e privadas podem levar a conclusões precipitadas e erróneas.

Em todo o caso, se a média mais baixa não derivar apenas das médias do segmento mais problemático, mas também da pior preparação dos melhores alunos devida à necessidade de adequar o ritmo de aprendizagem ao ritmo dos alunos mais fracos, então aí temos um problema: independentemente da responsabilidade do corpo docente nesse menor aproveitamento, a escola pública não está a prestar um serviço adequado.

Como ideia geral parece-me o seguinte: continuo convencida que, por enquanto, nas escolas mais centrais dos grandes centros urbanos, com corpo docente mais consolidado, a qualificação do corpo docente público é superior ao privado. Em contrapartida, no ensino privado há mais apoio aos alunos que se atrasam nos estudos e necessitam recuperar. Também há mais apoio e diversidade a nível de actividades lúdicas e desportivas e na integração dos alunos no todo do corpo discente. Os alunos do ensino público estão mais entregues a si próprios, mas isso não constitui apenas desvantagens, pois torna-os mais responsáveis e capazes de autonomia de decisão.

Todavia parece-me que o começo da divulgação do ranking das escolas, a partir das notas dos exames nacionais do 12º ano, tem incentivado as escolas privadas a melhorarem o seu desempenho com o intuito óbvio de aumentarem a sua procura (e eventualmente as propinas mensais), o que é menos visível com as escolas públicas. Se este processo se aprofundar podemos correr o risco de ver o ensino público a degradar-se de forma cada vez mais rápida face ao privado.

Não vou espraiar-me em comentários sobre as medidas a tomar. Em primeiro lugar não concordo com a “gestão democrática”. A escola, a nível administrativo, tem que ter um "patrão" não eleito pelos seus pares, pois senão aquele pode tornar-se apenas o intérprete dos interesses corporativos dos professores daquela escola. As sociedades onde as chefias das empresas eram eleitas implodiram, fundamentalmente, pela sua ruína económica.

Em segundo lugar deve haver estabilidade do corpo docente. Não a estabilidade do “asilo”, mas a estabilidade da competência. Para tal a escola deve ter autonomia e responsabilidade. Não há nenhuma entidade que possa melhorar sem ter nada a ver com a escolha dos profissionais que a integram. A escola é uma organização especial, mas que não escapa às leis da gestão. Ela deve ter a decisão sobre quem contrata. Isso permitiria corrigir, adicionalmente, o problema de, actualmente, a afectação de professores não ter em conta o seu desempenho, mas apenas as suas habilitações e a antiguidade.

Mas esta reforma não é apenas uma questão de uma decisão governamental. Devia igualmente ter, mesmo que parcialmente, o apoio sindical e não me parece que os sindicatos tenham interesse numa reforma deste tipo.

Por falar em sindicatos, a FENPROF comentou a divulgação dos resultados criticando o facto de estas listas serem apresentadas como "pretendendo ser um estímulo à melhoria das 'piores' escolas", mas que acabam por "colocar dificuldades acrescidas, tornando os estabelecimentos de ensino alvo de discriminação e desmoralizando alunos, professores e pais". E insistindo que as notas não são tudo, porque o ensino se destina nomeadamente "ao desenvolvimento de capacidades e comportamentos que não são avaliáveis em testes escritos".

Estas declarações são espantosas. Como os resultados mensuráveis são fracos, a FENPROF contrapõe alegados valores imateriais. Mas será que as escolas públicas estão atentas "ao desenvolvimento de capacidades e comportamentos que não são avaliáveis em testes escritos"?

Em face do silêncio da FENPROF perante a falsificação generalizada de atestados médicos para milhares de professores passarem à frente de colegas mais qualificados, é legítimo perguntar se "o desenvolvimento de capacidades e comportamentos que não são avaliáveis em testes escritos" tem a ver com o sentido de desenrascanço fraudulento evidenciado por tantos professores.

Quanto à discriminação do ensino público e à desmoralização de alunos, professores e pais, certamente que o corporativismo estéril e anquilosante da FENPROF tem sido um dos principais responsáveis.

Os sindicatos dos professores nunca mostraram qualquer interesse por questões pedagógicas e pela deontologia profissional dos seus associados, excepto quando aqueles conceitos, que eles entretanto esvaziaram de significado, servem com arma de arremesso político ou como embalagem de discursos reivindicativos.

Certamente que, se a FENPROF fosse uma organização com aquelas preocupações não faria comentários daquela índole que não explicam nada e só prejudicam a imagem dos professores do ensino público.

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setembro 30, 2004

Eficiência-X

A diferença abissal na actuação e no desempenho entre a Compta (com um volume de negócios anual médio de 28 milhões de euros) e a ATX Software, ilustre desconhecida até ontem (tem um volume de negócios anual médio de 4,2 milhões de euros), sugere-me duas reflexões: uma de índole teórica e outra resultante da prática.

Em Economia, no estudo das fontes das economias de escala, designa-se por Eficiência-X (X-efficiency) a existência de uma eficiência, a nível de qualidade técnica e de desempenho e resultados, não explicável em termos de dimensão. Como aquela eficiência não era explicável, do ponto de vista da fundamentação teórica das Economias de Escala, apôs-se-lhe X, a incógnita matemática por excelência. O oposto, isto é, a causa que leva a que empresas de maior dimensão tenham a qualidade técnica, o desempenho e os resultados muito inferiores aos expectáveis em termos da sua dimensão, designa-se por Ineficiência-X.

Obviamente que tudo é explicável. O problema é que há explicações que são quantificáveis e adequadas para serem introduzidas em modelos matemáticos, e outras de contornos mais difusos e não quantificáveis. Normalmente a Eficiência-X aparece em empresas pequenas ou médias, especializadas em produtos (bens ou serviços) cujo processo produtivo se baseia num know-how muito específico detido pelos indivíduos que constituíram aquelas empresas. Há outras causas que têm sido igualmente propostas, mas ficamos pela que enunciei, a mais evidente e que mais nos interessa no caso em apreço.

À medida que os anos passam sucede com frequência que os sócios fundadores vão perdendo motivação (e enriquecendo) e 2 ou 3 décadas depois, a empresa, com os mesmos sócios, ou com outros que terão entretanto comprado a empresa, já não tem qualquer Eficiência-X. A cadeia hierárquica alongou-se, as motivações individuais perderam-se e entra-se lentamente na fase da Ineficiência-X. A Compta é agora o que poderá vir muito bem a ser a ATX Software dentro de 2 ou 3 décadas.

Saiamos agora da teoria económica e passemos à prática dos negócios informáticos. Empresas como a Compta, e outras com nomes sonoros, vivem à custa do aparelho de Estado e das empresas privadas com alguma dimensão, ou mesmo grandes, mas onde os directores informáticos ou não existem, ou são gente que foi provida no cargo, mais por serem da confiança da administração, do que por competência informática. Quando não se percebe de uma matéria, ainda por cima misteriosa, como computadores, servidores, redes e programas, a tendência dos responsáveis pela informática nessas entidades é protegerem-se, limitando as suas escolhas às firmas com “nomes sonantes”. Se der para o torto estão abrigados atrás da frase:

- Pois quê? A WXYZ, SA é uma firma de grande projecção e é um nome consagrado no mercado! Tive imenso cuidado na consulta ao convidar apenas firmas de reputação segura.

As empresas mais qualificadas, com quadros mais habilitados e cujos directores ou chefes dos serviços informáticos dominam a matéria, não recorrem a empresas tipo “Compta”, mas sim a empresas mais pequenas, mais especializadas no tipo de problema que querem resolver, mais ágeis na compreensão e solução desse problema e com custos muito menores, incomparavelmente menores. Como conhecem o negócio, sabem minimizar não só os riscos, como, em muito maior grau, os custos.

Os custos informáticos (equipamentos e software) suportados por empresas bem geridas e conhecedoras da matéria são abissalmente menores que os suportados pela administração pública e empresas mal geridas (às vezes de um para dez) com a vantagem de se ficar, sempre, mais bem servido.

E o mais espantoso, ou talvez não, é que cobrando incomparavelmente menos dinheiro, essas pequenas empresas, altamente qualificadas e muito mais dinâmicas, chegam ao fim do exercício com lucros, enquanto as “Comptas” vão acumulando prejuízos, mesmo ordenhando as vacas “Estado” e “empresas obesas”.

O que aconteceu no Ministério da Educação acontece invariavelmente em toda a administração pública, mas não é apanágio desta – também acontece em empresas mal geridas ou que sofrem de gigantismo ou obesidade gestora.

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Afinal era Simples

Um jovem hacker informático, meia dúzia de dias de programação, e umas horas a correr o programa e aí estão as listas de colocação de professores.

Um problema que trazia o país em suspenso há mais de 4 meses, que havia envolvido empresas topo de gama da informática, ministros, secretários de Estado e uma colecção de fósseis dos quadros do ministério que faria inveja ao Parque Jurássico, que ocupara o horário nobre de centenas de emissões de TV, que alastrara por milhares de noticiários, que parecia enorme, incomensurável, infinito, um buraco negro intergaláctico que ameaçava engolir o sistema solar e prometia sugar adicionalmente a 5 de Outubro e a 24 de Julho, foi resolvido por um jovem habilidoso em pouco mais de uma semana.

Louvemos o habilidoso informático por nos fazer saber que os problemas difíceis da administração pública se podem resolver em poucas horas e os impossíveis ... numa semana. Louvemos o habilidoso informático por nos fazer saber que a nossa administração pública não tem competência, nem diligência, nem expediente. Louvemos ainda o habilidoso informático por nos fazer saber que os gestores da coisa pública – ministros e secretários de Estado – não lhe são capazes de acrescentar qualquer valor, nem estão habilitados para ultrapassarem as suas carências.

Sobeja agora a questão dos cerca de 20% de professores que pediram destacamentos, a maioria dos quais com atestados médicos nos quais nem os ingénuos acreditam que não sejam falsos. No nordeste do país aquela percentagem atinge mesmo os 90%. É claro que os sindicatos vão fazer vista grossa. Aliás, um dos seus dirigentes sugeriu hoje que nos casos em que houvesse professores ultrapassados nas colocações e prejudicados por isso, que o ministério os deveria aceitar e, não havendo serviço docente, incumbi-los de outras tarefas pedagógicas.

Saberá este dirigente da FENPROF que há milhares de professores com horários zero? Saberá que, para além destes, há largos milhares professores efectivos sem serviço docente atribuído devido aos mais variados motivos - dificuldades de visão, de audição, de locomoção, de pensamento, etc. E sempre com atestados médicos de suporte? E não estou a falar das baixas pontuais (que às vezes se arrastam meses a fio). E saberá que são os nossos impostos que pagam todo esse desconchavo?

Saberá este dirigente sindical que Portugal é o país da Europa com menos alunos por turma, com mais professores por aluno, em que os professores, no topo da carreira, são os mais bem pagos da Europa? Saberá esse dirigente que Portugal é o país da Europa que, proporcionalmente ao PIB, mais gasta com a educação e onde os resultados são, de longe, os piores? Sabe certamente, mas finge que não sabe.

Aqueles professores estão a dar ao país e, sobretudo, aos jovens que vão ensinar, um exemplo desastroso de falta de ética, do recurso à falsidade e ao suborno para conseguirem passar à frente dos colegas. Aqueles professores estão a mostrar aos jovens que vão ensinar que o recurso à fraude, à artimanha, à habilidade dolosa, compensa. O crime afinal compensa: são os próprios professores que o provam pela sua prática fraudulenta e viciosa. Os professores e os médicos que passaram os atestados.

Mas a comunicação social procura fundamentalmente bodes expiatórios pontuais e mediáticos. Dez mil professores com atestados, em muitos dos casos, falsos, não cabem na pantalha do televisor. Não têm efeito mediático. Agora um ministro, um político do topo, esses sim – cabem no rectângulo televisivo e satisfazem o espírito de inveja nacional. Ninguém tem inveja de dez mil professores. É um número demasiado grande para a capacidade de inveja de cada um de nós.

David Justino e Abílio Morgado foram incompetentes. Pois foram. Mas foram-no também e sobretudo porque não souberam fazer agir o ministério com competência. Porém isso é de somenos importância. O que é importante foi David Justino, Abílio Morgado, e todos os governantes que se envolveram neste processo, tornarem-se no pano vermelho que a comunicação social e os sindicatos agitam perante a opinião pública para fazer desviar a sua atenção do cancro que alastra e corrói o país: a incompetência e o laxismo da função pública.

Publicado por Joana às 12:07 AM | Comentários (21) | TrackBack

setembro 27, 2004

O Ministro Virtual

Já critiquei aqui, por mais de uma vez, o ex-ministro David Justino (*). Falava com grande fluência sobre os amanhãs que cantariam na educação, mas tinha, na prática, uma acção muito pouco consistente.

David Justino deu, há dias, uma entrevista à RR e RTP2 em que cometeu um erro grave: o ter faltado à promessa que, segundo ele, havia feito a si próprio – “levar até às ultimas consequências o meu silêncio”. Se tivesse cumprido essa promessa teria evitado uma prestação lamentável.

Uma entidade, pública ou privada, deve ser uma organização descentralizada onde cada nível hierárquico é responsável pelos serviços que gere: quer directamente, pelo nível hierárquico imediatamente inferior, quer indirectamente pelos restantes níveis hierárquicos tutelados pelo seu pelouro. A descentralização, implicando embora a responsabilização dos executantes directos, não inibe a responsabilização geral das chefias.

Ora o que é patente na entrevista é que o então ministro David Justino não sabia o que realmente se passava no seu ministério. Apenas sabia aquilo que lhe diziam. David Justino estava no ministério como se estivesse na caverna de Platão: só via imagens reflectidas. Há que reconhecer a lamentável e injusta posição em que David Justino esteve colocado durante 2 anos - sempre virado para a parede - e exprimirmos a nossa solidariedade pela punição que sofreu, mesmo reconhecendo que foi um óbvio caso de auto-punição e de masoquismo governativo.

David Justino assegura que “nunca falei com a Compta, nem nunca acompanhei o processo de adjudicação da programação do concurso de professores.” porquanto havia uma “competência delegada no secretário de Estado da Administração Educativa [Abílio Morgado] e na directora-geral dos Recursos Humanos da Educação [Joana Orvalho]”. Aliás o ex-ministro assegurou mesmo que nem sequer havia alguma vez lido o contrato da prestação de serviços adjudicada à Compta.

E isto porque David Justino “tinha informações, quer da directora-geral, quer do secretário de Estado da Administração Educativa, que os técnicos da empresa demonstravam competência no que estavam a fazer. O pecado original estava no interface entre quem concebe e sabe de concursos e entre quem sabe de programação e executa”.

Não, David Justino. O pecado original não foi esse, nem foi apenas um.

Comecemos pelo mais espantoso e original. A primeira coisa que qualquer gestor faz, em face do falhanço de uma dada prestação externa, é analisar o contrato que titula essa prestação para avaliar as obrigações dos dois outorgantes do contrato, as vulnerabilidades próprias e as do outro contraente e as possibilidades de se exigirem responsabilidades pelos falhanços. Mas David Justino nem sequer se dignou ler o contrato. David Justino apenas ouvia o que a sua “equipa” lhe contava e falava abundantemente à comunicação social sobre as excelências que se iriam abater sobre a educação. Nada o prendia à realidade. Flutuava algures no espaço virtual.

Continuemos pela resposta inconcebível à pergunta sobre se ele, após a constatação da imensidão dos erros detectados (36 mil reclamações), teria acompanhado o processo.

A sua resposta foi lapidar “Não, porque todo este processo é uma delegação de competências no secretário de Estado da Administração Educativa. Que desempenhou um trabalho excepcional.” E quando as entrevistadoras, sideradas, lhe perguntaram “Excepcional???” Justino respondeu com a candura de quem desconhece as pequenas misérias da assunção de responsabilidades: “Foi por isso que pedi uma auditoria e é por isso que acho que deve haver uma comissão de inquérito. Só assim, em vez de se estar a estabelecer suspeições de responsabilidade, podemos saber, de uma vez por todas, o que competia a cada um e que, eventualmente, não foi cumprido

Efectivamente, Justino não sabia nada do que um gestor tem obrigação de saber: quais as responsabilidades e o que competia a cada um. Precisava urgentemente de um inquérito, para que o relator lhe explicasse o que se passava no ministério.

Mas provavelmente Justino tem razão. Mesmo no Ministério da Educação, mesmo nessa instituição célebre pela incompetência que tem demonstrado e pelos erros que tem cometido ao longo de décadas na gestão da educação pública, tamanha enxurrada de erros era demais: foi excepcional! As entrevistadoras interpretaram a palavra “excepção” no sentido positivo; eu acabei de a interpretar pelo seu significado mais neutro e lato; Justino ... bem Justino, obviamente, não sabia o que dizia.

Justino fez ainda algo que deve pouco à dignidade: atribuir publicamente as culpas aos seus subordinados. É sabido que Abílio Morgado, secretário de Estado da Administração Educativa, foi o grande impulsionador deste projecto – mas não era o projecto que estava errado em si, foi a sua aplicação e foi a ausência de uma alternativa em caso de falha, que é obrigatória em situações destas; e aqui Abílio Morgado falhou claramente. Joana Orvalho reconheceu por escrito as suas responsabilidades, e ela era a responsável directa pela sua implementação. Mas um gestor não deve lavar a roupa suja na praça pública - são assuntos para serem resolvidos internamente, com ou sem inquéritos.

Mas isso não invalida a responsabilidade dos quadros do Ministério em todo este processo. E o coro de lamentações dos sindicatos logo que vieram a público as responsabilidades de Joana Orvalho é esclarecedor. Os sindicatos estão interessados em que continue esta incompetência e este laxismo no ministério. Atacam o ministro apenas por motivos políticos. E não querem que casos evidentes da incompetência e do laxismo no aparelho do Estado sejam discutidos na praça pública.

No fundo eles estão todos no mesmo barco. Os ministros vêm e vão; a administração pública permanece imutável: não muda, não se interessa pela mudança, e tem raiva a quem muda.


(*) Nota: ler o texto “Eles Governam (mal), eles Perdem” inserido em 16-Junho-2004 onde escrevi, a certa altura:
David Justino é um sedutor a comunicar, mas nada do seu discurso acaba por ter expressão prática. Esta nova reforma curricular, mais uma ..., vai ser mais um desastre. Por sua vez, os enganos na colocação de professores (esta última lista tinha “apenas” 14 mil erros) são uma trapalhada que não se vê como o ministério a vai resolver. Quando se muda um sistema, qualquer pessoa com experiência sabe que haverá uma fase em que os dois sistemas, o antigo e o novo, têm que coexistir. Seria suicidário não o fazer. As empresas fazem isso quando mudam os programas de gestão financeira e de pessoal. É incompetência absoluta dos serviços do ministério, e indirectamente do ministro, o não terem acautelado esta questão.

Publicado por Joana às 10:42 PM | Comentários (14) | TrackBack

setembro 22, 2004

A Maldição do Estado

Finalmente o Estado português tomou o caminho que a sua qualificação e o seu destino fatal lhe apontava há meses: as listas de colocação de professores vão ser elaboradas à mão.

Este regresso às origens era óbvio. O Estado português está na pré-história do conhecimento. Informáticas, novas tecnologias, qualificações e empenhamento no cumprimento dos prazos e nos objectivos de qualidade, são vícios das empresas abertas à concorrência internacional e cujo dinamismo tem mantido Portugal à tona da água. O Estado português é o guardião das nossas virtudes ancestrais – do alto da pilha das 50.000 candidaturas de professores, 9 séculos nos contemplam.

Alguns pretendem que o Estado tem-se modernizado e apontam como exemplo os flamejantes automóveis que os directores de serviço têm atribuídos, em vez de seges puxadas por muares lazarentos trotando penosamente pelas calçadas lisboetas. Puro equívoco: basta ver que os motoristas desses veículos ainda não se aperceberam da diferença entre um BMW Série 7 Berlina e uma sege ou, no caso dos directores gerais, de uma caleche. Carregam no acelerador com o mesmo denodo e sentido das responsabilidades com que chicoteariam as alimárias.

E a ministra prometeu que, com o recurso ao trabalho manual, em menos de uma semana as listas estariam prontas. O que um programa comprado com alto discernimento tecnológico, avalizado por profundas reflexões ministeriais, assessorado pela nata dos técnicos de uma empresa topo de gama da informática, fertilizado pelo suor do imenso staff asilado no Ministério da Educação, não conseguiu fazer em 7 meses, propõe-se agora a ministra fazer, à mão, em 6 dias úteis ... porque ao sétimo descansará, como o Criador.

Louvemos a providencial ministra que diz conseguir que funcionários públicos do Ministério da Educação executem, em 6 dias, aquilo que nunca conseguiram executar em menos de 4 ou 5 meses, noutras ocasiões, e anos a fio, e sem ser apenas à mão.

Será que a ministra já se apercebeu das consequências da sua decisão e das suas promessas? Se o seu desiderato for conseguido, como explicarão depois os funcionários públicos porque razão costumam executar tarefas idênticas num prazo 20 vezes mais dilatado? Estarão os funcionários em questão dispostos a subirem, pelo próprio pé, ao pelourinho da opinião pública? Estarão dispostos a darem um tiro tão certeiro ... nesse mesmo pé? Hum ... Receio que não ... receio que a ministra nos fins de Setembro ainda se veja obrigada a mendigar mais um adiamento.

E, no entanto, o caso não seria virgem. Quando se pede um documento numa conservatória, notário ou repartição, dão-nos, de imediato e com voz peremptória, um prazo de 2 ou 3 semanas. Todavia, se for municiada com um advogado conhecido, a funcionária vai lá dentro, faz uma fotocópia, rabiscam uma assinatura, põe um selo branco e entrega a certidão ... 3 a 5 minutos. A proporção é a mesma.

Mas a ministra terá que ser prudente, porquanto a responsável será sempre ela. Os trabalhadores nunca têm qualquer responsabilidade. Quando pairou o boato que a primeira cabeça a rolar seria a de Joana Orvalho, directora-geral dos Recursos Humanos do Ministério da Educação, logo os sindicalistas se empenharam, com os olhos orvalhados pelas lágrimas, em entoar cânticos de louvor àquela dedicada funcionária que estava a gozar merecidas férias enquanto outros, dia e noite, andavam às marteladas ao programa para ver se punham aquilo a funcionar.

Não ... os trabalhadores do Estado nunca têm qualquer culpa dos maus desempenhos do aparelho do Estado: é sempre culpa dos ministros e secretários de Estado (e de algum assessor nomeado por aqueles). Isto é um postulado inatacável que só neoliberais empedernidos questionam. Os governos mudam e o mau desempenho continua – de quem é a culpa? Do governo ... do próximo governo ... do seguinte ... etc.. (e de todos os anteriores)

E de facto têm razão ... mas por motivos contrários: os sucessivos governos têm a culpa do péssimo desempenho da função pública porque sempre lhes escasseou a coragem de criarem mecanismos que a obrigassem a um desempenho melhor. Também têm a culpa de ela estar mal gerida, mas não por a gerirem mal: quem a gere é ela própria, através dos seus quadros superiores, mas por nunca terem tido a coragem de criarem mecanismos para promoverem os melhores gestores e implementarem os procedimentos para aqueles estarem obrigados a gerirem-na com eficiência.

Publicado por Joana às 10:38 PM | Comentários (38) | TrackBack

setembro 17, 2004

A Incompetência do Estado é demais!

O que está a suceder com a colocação de professores é espantoso. Porém, não é caso virgem. Nos primórdios da informática, e ainda hoje para as menos conhecedoras, muitas empresas cometeram erros semelhantes. Mas aprenderam com os próprios erros e com os erros que viram as outras cometerem. Apenas o Estado não aprende nada.

Quando se pretende implementar uma aplicação informática destinada a gerir um conjunto de tarefas complexas e delicadas, mantém-se sempre o sistema anterior a funcionar em paralelo e só se abandona este depois da nova aplicação estar completamente testada e a funcionar sem erros (no delineamento dos algoritmos) e bugs (na execução dos programas). Isto é o que qualquer empresa faz quando instala um novo programa de contabilidade, gestão financeira, gestão de produção, etc.. Há mais de uma década, quando as administrações não tinham qualquer cultura informática, várias caíram na armadilha de instalarem aplicações de informática, vendidas com uma grande pirotecnia, e que depois se revelaram um desastre. Mas, agora, só empresas de vão de escada caiem em erros destes ... empresas de vão de escada e o Ministério da Educação.

O ministro anterior foi mal aconselhado, foi ingénuo e revelou completa ausência de cultura informática: um caso paradigmático da baixa qualificação dos portugueses. Ora a colocação dos professores é uma matéria muito delicada, que bule com a vida familiar de dezenas de milhares de docentes, com grande impacte na opinião pública e com incidências enormes no aproveitamento escolar dos alunos.

Acresce a isto uma série de situações típicas do nosso desconchavo e baixa qualificação:

Muitos professores enganaram-se a preencher os formulários. Depois apareceram a queixar-se na TV. O que é estranho é os alunos, que se candidatam ao ensino superior, terem igualmente que preencher formulários complexos, cujos enganos os põem fora dos ingressos no Superior, com a agravante de, no ano seguinte, terem de repetir as provas, pois as que fizeram perderam entretanto a validade, não aparecerem igualmente a queixar-se na TV, no horário nobre. Todos os anos mais de mil alunos são excluídos por mau preenchimento dos formulários. Será que os alunos têm a obrigação de serem mais competentes que os seus professores?

Paralelamente com as candidaturas ao serviço docente, muitos professores pedem destacamentos pelas mais variadas razões: colocação nos serviços centrais, colocações ao abrigo da lei dos cônjuges, etc., etc.. Estes destacamentos são normalmente despachados, se lhes for dado provimento, antes de terminar o ano lectivo. Este ano foram despachados entre Maio e Junho. Ora o que é hilariante em toda esta questão, é que todos os professores entretanto destacados foram igualmente colocados pelo processo geral, pelo famigerado “programa”.

Portanto há inúmeras escolas onde faltam dezenas de professores porque os que foram lá colocados pelo “programa” já tinham entretanto sido destacados para outros locais.

Vou citar alguns exemplos: Há uma escola básica e pré-escolar, no Bairro da Boavista, que precisa de uma dúzia de efectivos entre professores e educadoras de infância, onde só foi colocada uma (!) educadora de infância até à data. Enfim ... trata-se de um local que entusiasma pouco o pessoal docente. Todavia, diversas escolas “topo de gama” do centro de Lisboa (o filet-mignon para os professores) verificaram agora que 20 ou 30 professores que haviam sido colocados nelas só existiam no papel, pois haviam sido destacados para outras funções, etc., etc.

Isto é um sintoma que a própria aplicação informática que coloca os professores está incompleta, pois desconhece os destacamentos.

Isto é um sintoma da incompetência generalizada do nosso sistema de ensino.

Isto não invalida reconhecer que o "programa" em questão, quando funcionar devidamente, tem virtualidades e constitui uma melhoria muito significativa face ao sistema anterior

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junho 04, 2004

Novos Rumos para a Escola

Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS),abrangendo 37 países e entre eles o nosso, revela resultados surpreendentes e paradoxais.

No que respeita à relação com os colegas, Portugal aparece no grupo dos seis países onde mais adolescentes dizem gostar muito da escola e são os que mais acham que os colegas são simpáticos e que estes os aceitam tal como são. Simultaneamente com isso, Portugal encontra-se no grupo dos países com maior número de adolescentes que se dizem vítimas de atitudes físicas e psicológicas hostis, discriminação, troça, exclusão.

Portanto sentem-se bem nos recreios, gostam da escola e dos colegas e de que estes trocem deles, os discriminem e excluam.

No que respeita à aprendizagem, os adolescentes portugueses estão entre os que mais se sentem pressionados pelo trabalho na escola e os que mais acreditam que os professores não os consideram capazes.

Resumindo o perfil, os nossos adolescentes são sado-masoquistas entre si, mas ficam emocionalmente perturbados frente aos professores, nas salas de aula.

Este estudo prova algo que poucos ainda compreendiam mas que já era, claramente, matéria do conhecimento dos sucessivos Ministérios da Educação, cujas equipas têm lutado denodadamente, nos últimos 30 anos, para tornarem as escolas um local de convívio e de socialização, evitando fatigar as meninges dos nossos adolescentes com uma memorização cansativa e inglória, e os seus cérebros com questões abstractas e irrelevantes como a matemática e a física.

Este estudo evidencia ainda que o ensino está no bom caminho no que respeita à proporção cada vez menor de professores com serviço docente em comparação com os docentes encarregados dos tempos livres ou mobilizados para a ingente tarefa, conhecida sob a designação de «horário zero». Esta rarefacção do serviço docente deixa o corpo discente mais liberto, menos pressionado, sem o stress inútil das salas de aula.

Todavia as salas de aula representam um importante investimento da comunidade e têm que se manter em funcionamento. Devem, porém, deixar de ser um local concentracionário, fechado, hierático. A má vontade actual dos professores para com os telemóveis dos miúdos dificulta o convívio e a socialização. As portas fechadas são igualmente um obstáculo à permanente partilha de experiências.

Acabemos com essa chaga educativa. Que esses locais percam o soturno aspecto de salas de aula e tenham a alegria esfusiante e o movimento trepidante dos apeadeiros. Que os telemóveis retinem, que os alunos troquem mensagens, que entrem e saiam das aulas sempre que o são apelo do convívio os incite a tal.

Há, obviamente, mínimos que terão que ser cumpridos. Cumpridos!? Que digo eu? Obrigações? Stress? Nunca. As matérias que, longinquamente, se espera que sejam leccionadas terão que atender à fragilidade sensitiva e emocional dos adolescentes portugueses. Por exemplo, se o docente de matemática explicar, na aula, a resolução do seguinte problema: «O Francisco comprou 10 maçãs. A caminho de casa, perdeu duas. Com quantas chegou?» não deverá, num futuro teste de avaliação, de forma alguma, complicar maliciosamente o enunciado, substituindo o «Francisco» pelo «Luís», ou as «maçãs» por «alperces». Estas alterações constituem rasteiras perversas, provocam um desnecessário stress na nossa ínclita geração, perturbam a escola como local de convívio e de socialização e podem lançar muitos na senda da delinquência juvenil.

Sem o saber estávamos no bom caminho. Também não admira. Somos, depois, da Finlândia, o país que mais gasta, em termos relativos, na educação. É natural que esse investimento, pago pelo bolso de todos nós, traga os seus frutos.

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maio 04, 2004

Da Banalidade Banal à Perversa

O Presidente da República encetou a segunda semana da educação do seu mandato proferindo as banalidades a que já nos habituou.

Há banalidades que são inconsequentes porque embora sejam afirmações correctas, como são proferidas em excesso e sem conteúdo operacional, não servem rigorosamente para nada. São inócuas.

Inscreve-se neste conceito de banalidade banal a declaração do PR de que «rejeitava a tentação de um permanente experimentalismo, pautado pelo ritmo de reformas legislativas que se contradizem ou se anulam umas às outras» e a afirmação de que «Não podemos estar sempre a recomeçar. Devemos sim, realizar um esforço diário de inovação, de procura de melhores condições para a formação das nossas crianças»

Todos concordam, actualmente, com esta afirmação. Há mais de 30 anos que gerações sucessivas de jovens têm sido utilizadas como cobaias pelos investigadores do Ministério da Educação e Direcções Regionais. Todos têm colaborado com afinco nessa investigação exaltante: milhares de investigadores e milhões de cobaias. É seguramente a maior investigação laboratorial jamais conduzida em todo o mundo. Nem o Dr. Mengele teve tanto material e um prazo tão dilatado à disposição. Os que investigam profundamente numa legislatura, na seguinte afirmam que os jovens não devem ser tratados como cobaias, e vice-versa. Cada facção política parece querer estas preciosas cobaias apenas para si, para os seus investigadores, repudiando a experimentação quando não é ela a conduzi-la.

Onde estava Sampaio nos outros excitantes momentos desta monumental investigação? Quando, por exemplo, se liquidou o ensino profissional em nome da luta contra o elitismo, esquecendo justamente que o elitismo era pensar que o único ensino «digno» era o clássico. O elitismo destruiu o ensino profissional baseado no conceito perverso que estava a travar uma luta contra o elitismo.

E as sucessivas «reformas» quer curriculares, quer nas avaliações? E a reforma (!?) actual que permanece ainda um mistério, o que faz com que os adolescentes que estão no 9º ano ainda não saibam, neste altura do ano lectivo, que opção tomar?

Há um segundo tipo de banalidades, que o são apenas por serem proferidas em excesso e continuadamente, afirmações erróneas que se tornaram chavões e que, por via disso, não são inconsequentes, mas sim perversas.

Inscreve-se neste âmbito de banalidade perversa a estafada afirmação, proferida hoje por Sampaio, de pedir mais investimento na área da Educação: «qualquer desinvestimento do Estado na área do ensino será um erro. ... Portugal não investe demais na educação. . Bem pelo contrário, necessita de investir nesta área, e muito, não apenas durante um, dois ou três anos, mas de forma continuada e persistente».

Ora Portugal é, depois da Finlândia, o país da UE que investe mais na educação em termos do PIB. E é o país da UE que, de longe, piores resultados tem. Assim, se o PR fizesse alguma ideia do que anda a dizer, pediria a todos os agentes da educação, e ao Ministro à cabeça, que investissem melhor o dinheiro que o Estado saca aos contribuintes; exigiria a todos os agentes da educação, com o Ministro, os Secretários de Estado e o pessoal do Ministério e das Direcções Regionais à cabeça, que melhorassem o seu desempenho e que estabelecessem procedimentos para optimizar a aplicação dos dinheiros públicos, minimizar as ineficiências e melhorar a qualidade do ensino.

Quando profissionais de um dado sector público são confrontados com o facto do seu sector funcionar mal, não cumprir as suas responsabilidades, custar caro, desperdiçar recursos, não satisfazer a sociedade e os cidadãos, têm duas respostas que se complementam: a primeira é que a culpa da crise do sistema não tem nada a ver com eles, apesar de serem eles que o põem a funcionar e lhe dão existência e identidade, mas sim que a culpa é dos governos, dos ministros e dos políticos em geral; a segunda é a de que os recursos financeiros são insuficientes e que se for aplicado mais dinheiro a solução está ali, no horizonte próximo. É apenas uma questão de mais dinheiro.

É claro que se forem aplicados mais recursos financeiros, verificar-se-á, tempos volvidos, que tudo continua na mesma insuportável mediocridade. Voltam as interrogações e voltam aquelas duas respostas liminares e irrefutáveis.

Pelos vistos, o PR também interiorizou aquela ladainha.

Publicado por Joana às 07:51 PM | Comentários (10) | TrackBack

outubro 05, 2003

Uma jovem que aprende, da pior maneira, como é ser-se português

Este é um caso tipicamente português.

Uma jovem passa quase toda a sua vida discente a transferir-se de país em país, ao sabor da vida profissional paterna e sobrevivendo aos respectivos sistemas educativos e curriculares.

À partida, numa situação de desfavor e mais penalizadora no que respeita quer às notas, quer à apreciação segundo os critérios curriculares portugueses, face a estudantes que fizeram toda a sua carreira no nosso sistema curricular.

No último ano, para manter a família unida, o pai dela cometeu a imprudência de a transferir para o ensino em Portugal. Ao fazê-lo, não teve, ou não quis ter, em atenção que ela deixava, formalmente, de estar ao abrigo da lei que permite a entrada na universidade de estudantes que completaram no estrangeiro o equivalente ao 12º ano.

Depois, com o facilitismo português, o pai pensou em contornar a lei. Isso foi uma irregularidade. A lei, neste caso e noutros similares, é injusta. Uma jovem que estudou toda a sua vida escolar no estrangeiro, excepto o último ano, não é abrangida pela lei, enquanto que outro jovem que apenas foi ao estrangeiro fazer os anos necessários para tal, é abrangido por ela. Mas a solução era alterar a lei e não, atendendo a que era filha de um ministro, contorná-la.

Quando a minha irmã mais nova, no 9º ano, decidiu ir para Arquitectura, e como ninguém acreditava que ela pudesse vir a ter notas suficientes, o meu pai chegou a pôr a hipótese de transferi-la para Macau, para aí fazer o 10º, 11º e 12º. Não era complicado do ponto de vista logístico, pois ele tinha, na altura, negócios lá e deslocava-se com alguma frequência àquele território. Desistiu porque quer os meus pais, quer a minha irmã, eram de opinião que o que ela ganharia numa entrada assegurada, não compensava o afastamento familiar e a menor qualidade de ensino. Ficou cá, e fez bem. Mas conhecemos outros que utilizaram essa possibilidade e outras relacionadas com as regiões autónomas, familiares no estrangeiro, etc., etc. Tudo formas “legais”. Formas não impostas por uma situação de facto, mas utilizadas para tornear o espírito da lei.

Esta jovem, que segundo a SIC disse, até tinha médias elevadas, foi trucidada pela pela azelhice do pai mas, principalmente, pelo nosso provincianismo bacoco, pela nossa mediocridade maledicente, pela nossa ânsia de deitar abaixo tudo o que julgamos ter mais sucesso que nós.

No meio desta peixeirada toda, das horas de emissão da SIC e SIC Notícias de ontem sobre ela, o meu pensamento vai para esta miúda, para o que deve estar a sofrer, arrastada sem qualquer culpa nesta imundície grosseira. Com o tempo e a saliva que meios de comunicação e políticos gastaram com isto, a jovem deve estar, agora, apavorada, julgando que cometeu um crime hediondo.

Só lhe resta de facto a opção de ir estudar para o estrangeiro. Aqui já não teria ambiente para o fazer. Não lhe desejo que esqueça isto. Desejo sim que ela se lembre disto e o tome como exemplo, se aplique nos estudos, ultrapasse estas peixeiradas por cima e regresse, com a qualificação necessária para servir o país, pelo menos a parte sã deste país. Portugal é muito mais que estes incompetentes e abjectos que voltejam, quais abutres, sobre ela.

Portugal terá que ser mais que toda esta mediocridade.

É nela que penso e não nos ministros, incompetentes, e na oposição, maledicente, incapaz e estéril.

É por isso que nós nunca sairemos da cauda da Europa. É por isso que o que nós infelizmente merecemos, são governos como o do Guterres, que nos embalem e nos levem, sorridentes, felizes e desleixados, para o abismo da penúria, um vórtice que nos suga e pelo qual sentimos uma atracção fatal.

Publicado por Joana às 10:43 PM | Comentários (3) | TrackBack

outubro 01, 2003

O Problema do Ensino

A questão da crise do ensino tem a ver com toda a sociedade portuguesa e com os sucessivos governos.

1 - Do ponto de vista da família há a demissão dos pais das tarefas de educar os filhos, delegando na escola essa tarefa, o que esta não consegue assumir, nem tem vocação para tal. Isto leva à perca de valores da juventude e à forma laxista como encara as suas obrigações escolares.
2 - Houve sucessivos erros curriculares, o primeiro dos quais, o mais monstruoso, foi o fim do ensino técnico. É típico dos países sub-desenvolvidos terem um ensino clássico razoável, mas um ensino profissional inexistente. Em Portugal, com "a melhor das intenções", para combater o elitismo, ainda antes do 25 de Abril, começou a perseguição ao ensino técnico, liquidando este e mediocratizando o clássico. Levará anos a formar professores do ensino tecnológico capazes. Ora um dos problemas graves do mercado de trabalho é a ausência de qualificação intermédia.
3 - A escola não soube responder ao aumento da escolaridade. A culpa é obviamente das sucessivas instâncias governativas.
4 - Os professores foram perdendo o brio profissional, a sua competência média diminuiu e a acção dos sindicatos tem ajudado muito a isto, pois apenas se interessam no aumento de salários e diminuição da carga laboral, não tendo qualquer apetência para questões de deontologia profissional e qualificação pedagógica.
5 - Incapaz de resolver os problemas, os governos apenas têm atacado os sintomas: facilitam as passagens de ano, diminuem o nível de exigências, etc.
Todos nós temos culpa da situação actual da nossa educação.

Bem, dizer estas coisas é fácil. Se o próprio David Justino as diz...
A questão é fazer e implementar as reformas.
Reformar a máquina do Estado exige muita competência, muito discernimento e muita coragem política.
Não se reforma com palavras, reforma-se com acções em todos os níveis da máquina do Estado.
Tem que haver procedimentos de qualidade, aferição de desempenho, reafectação e optimização de recursos e, em acréscimo e como corolário, flexibilização laboral e possibilidade de emagrecimento da função pública.
Todavia, qualquer tentativa de reforma, por mais ligeira e inconsequente que seja sofre a contestação generalizada de quem se sente inseguro. Empola-se tudo o que é controverso e ignora-se tudo o que é benéfico.
Os meios de comunicação empolam a contestação, pois normalmente são os porta-vozes de tudo o que é mais mesquinho na nossa sociedade e fica tudo "em águas de bacalhau".

E o que resta são boas intenções e algumas carpideiras refugiadas nestes fóruns, como nós.

O Império Romano caiu, entre outros factores, porque não foi capaz de manter uma máquina administrativa cada vez mais autofágica, que sugou toda a seiva da sociedade. Nos seus últimos tempos, patrícios inscreviam-se como escravos, para se subtrairem a um fisco impiedoso! Veja-se a que formas de evasão fiscal se chega quando o fisco aperta!

Tornar a administração pública, e o ensino em particular, eficiente e de qualidade, é a tarefa mais importante da nossa sociedade.

Se não o fizermos nunca sairemos da nossa pinderiquice actual.

21-Dezembro-2002

Publicado por Joana às 10:49 AM | Comentários (5) | TrackBack