Guterres, o Prometeu em versão tuga, regressou este fim de semana.
Prometeu ensinou os gregos a observar as estrelas, a cantar e a escrever; mostrou como fazer para subjugar os animais mais fortes; demonstrou-lhes como fazer barcos e velas e como poderiam navegar; ensinou-os a enfrentar os problemas quotidianos e a fazer unguentos e remédios para suas feridas. Por último, deu-lhes o dom da profecia, para o entendimento dos sonhos; mostrou-lhes o fundo da Terra e suas riquezas minerais: o cobre, a prata e o ouro e a fazer da vida algo mais confortável. Prometeu significava, literalmente, aquele que prevê.
Guterres anestesiou os portugueses; criou-lhes um universo paralelo e virtual onde as coisas aconteciam sem esforço nem contrapartidas; autoestradas que não eram pagas; prestações sociais de fiscalização duvidosa, mas de comparticipações seguras; empregos fáceis e abundantes na administração pública; etc., etc.. Guterres tornou-se, literalmente, aquele que não faz a mínima ideia do futuro.
Zeus, Deus inclemente, vingou-se de Prometeu tornando a Terra num vale de lágrimas e de dor, espalhou as doenças, silenciosas e mortíferas. E cevou a sua vingança em Prometeu, acorrentado-o a um penhasco nas montanha caucasianas em face de um abismo horrendo, com correntes inquebráveis. Zeus ainda ordenou que um abutre devorasse todos os dias o fígado do prisioneiro, que sempre se reconstituía à noite.
Guterres não precisou de Zeus. O seu universo paralelo e virtual foi destruído pelas misérias deste mundo: a falta de dinheiro, o défice excessivo, o PEC, dívidas incobráveis, etc.. Quanto à vingança sobre ele próprio, não precisou de ajuda - encarregou-se ele mesmo dela. A partir dos primeiros meses do seu governo, quando começou a verificar que o seu universo virtual não era compaginável com as duras realidades do mercado, escassez de fundos, descalabro financeiro à vista, amarrou-se ele próprio ao Cáucaso da política e criou a lamentosa imagem que lhe estavam a debicar permanentemente o fígado e o resto das vísceras: eram os barões do seu partido, era a oposição de direita, era a oposição de esquerda, era a necessidade de degustar o queijo limiano, era o povo que não o compreendia.
Guterres arrastou-se, durante a maior parte do tempo dos seus governos, como uma vítima incompreendida. Era o nosso Prometeu, o nosso Prometeu de trazer por casa.
Finalmente os Hércules da política, os eleitores, libertaram-no e permitiram-lhe um exílio tranquilo por essa Europa, longe do nosso Cáucaso escarpado.
No fim de semana passado regressou ao nosso Cáucaso, novamente como vítima, novamente a queixar-se de disfunção hepática-política.
Afinal Guterres «tinha condições para ficar no Governo, mas não tinha condições para executar o projecto em que acreditava. Era uma questão indiscutível», disse, e continuou: «Não faria qualquer sentido tentar agarrar-me a um lugar, sabendo que não existiam as condições políticas para realizar o projecto que, em minha opinião, era a única justificação para estar nesse lugar»
Houve pois um lamentável equívoco. Guterres acreditava num projecto e ia executá-lo, mas as autárquicas de finais de 2001 criaram uma «lógica política pantanosa que era preciso interromper, dando o voto e a decisão ao povo». Portanto, a acreditar no seu discurso de sábado passado, nos finais de 2001 é que Guterres iria começar a governar a sério. Entretanto havia estado 6 anos a treinar-se, a congeminar o projecto, a desbaratar as finanças e a anestesiar a população. O projecto deveria ser grandioso, pois tudo indica que a política orçamental de Guterres foi conduzida de forma genial para mostrar como é possível fazer prosperar um país após um completo descalabro financeiro. Não foi desleixo ... apenas subtileza. Um Super-herói só é possível com um Super-vilão. Foi para protagonizar o Super-herói a partir de 2002, que Guterres criou um buraco orçamental desmedido nos primeiros 6 anos de treino obstinado.
Infelizmente a manifesta má vontade dos eleitores nas autárquicas impediu, indirectamente, que esse projecto visse a luz da política e que as ciências políticas e económicas se enriquecessem com uma contribuição notável. E foi um impedimento indirecto porque a partir desse voto, Guterres ficou com o «temor de um parlamento bloqueante às propostas do Governo», apesar do parlamento continuar exactamente com a mesma composição partidária. A única coisa que mudou, foi o «temor» de Guterres.
Guterres, profissão: vítima, agora e sempre.
Ségolène Royal é uma mulher perante a qual não se fica indiferente. Magra, fotogénica, com um permanente ar estudantil apesar dos seus 50 anos, é bastante mais mediática na campanha directa, de rua, do que em debates televisivos, onde lhe escasseia o traquejo. A direita critica o seu «killer instinct» e o seu «populismo demagógico»; a esquerda ... a esquerda tolera-a porque lhe traz, inesperadamente, dividendos, além de ser casada com o 1º Secretário do PS, François Hollande. Aliás, Ségolène recusou na campanha eleitoral o apoio da velha guarda socialista, como o de Laurent Fabius ou de Dominique Strauss-Kahn, que também fizeram campanha na sua região, nas eleições cantonais. Apenas não recusou o apoio do seu marido.
Ségolène Royal é uma mulher que não abdicou da sua condição feminina para estar na política. Há anos foi criticada por se ter deixado fotografar, pelo Paris-Match, na maternidade, na cama com o seu quarto filho, recém nascido, misturado com os dossiers do Ministério do Ambiente, cuja pasta então sobraçava. Também a criticaram então por não se ter deixado substituir durante a gravidez. Ségolène Royal pretendeu mostrar, com aquele gesto, que uma mulher grávida pode conciliar a maternidade, a vida afectiva e a vida profissional ou política. Uma lição para aquelas que julgam que se extraem dividendos políticos, ou apoio popular, protestando contra a pretensa tutela estatal sobre o seu útero.
Enquanto ministra (ela foi sucessivamente ministra do Ambiente, do Ensino Escolar e da Infância e da Família) foi uma defensora acérrima da família, dos direitos da maternidade e contra a exploração sexual da publicidade, a pornografia e aquilo que considerava os abusos das imagens televisivas. Proibiu um anúncio da campanha contra a SIDA por considerar que continha imagens sexualmente ofensivas. Foi atacada por praticar a censura e pelo seu conservadorismo comportamental. Alcunharam-na de «mère pudeur».
Também impôs uma lei contra as praxes e os vexames inerentes a essas práticas, o que demonstra que tem uma coragem política que falta aos políticos portugueses (não falo do Pacheco Pereira que é um político falante, mas não actuante).
Nunca se deixou levar pelo politicamente correcto, mas apenas por um populismo de esquerda, muito ao estilo de Mitterand.
Ségolène Royal concorreu à região de Poitou-Charentes, onde se situa Deux-Sèvres, por onde tinha sido eleita. Poitou-Charentes tem uma área semelhante à do Alentejo e pouco mais de um milhão e meio de habitantes. O mundo rural é conservador, mas as capitais departamentais são socialistas. La Rochelle foi durante mais de um século o bastião da reforma protestante em França. Poitou-Charentes era o feudo do Premier Raffarin que abandonou o cargo, há 2 anos, pelo Matignon, deixando lá a sua sucessora, Elisabeth Morin, uma trânsfuga da esquerda. Foi esta a derrotada por Ségolène Royal. A sua vitória, que lhe valeu entre os socialistas o cognome de la Zapatera, teve retumbância por ser, por interposta pessoa, uma vitória contra Jean-Pierre Raffarin.
De facto, entre as eleições regionais de 1998 e as de agora, em Poitou-Charentes, houve um deslocamento de cerca de 10% de votos . Agora a esquerda teve 55,1 % dos votos (46,3% na 1ª volta) e em 1998 a distribuição tinha sido a seguinte: Esquerda Plural (36,02%), RPR-UDF (35,39%), FN (9,89%), Chasse-Pêche (6,58%), Direita diversos (4,12%), Esquerda diversos (3, 5%), Extrema esquerda (2,64%), Verdes (1,42%). Não foi um terramoto, mas foi uma vitória saborosa, por ter sido obtida sobre Raffarin.
Mais do que partidária, a vitória de Ségolène Royal, numa região algo difícil para a esquerda, foi uma vitória pessoal. Foi uma vitória que a tornou, de um dia para o outro, presidenciável.
Todavia, a vitória de Ségolène Royal tem os seus limites. Ségolène Royal afirmou que os resultados das eleições mostram que os franceses recusam o fim do sistema social francês. É um facto que alguns dos votos terão sido contra as reformas que Raffarin está a tentar introduzir no sistema social francês. Todavia esse sistema é financeiramente insustentável e terá que ser reformado e se não for a direita a fazê-lo agora, será a esquerda a partir de 2007, se conseguir suceder à direita. Poderá até acontecer ter de ser Ségolène Royal a fazer essa reforma.
Schroeder é socialista e está a braços com uma enorme contestação popular devido às reformas que está a tentar introduzir no sistema social alemão. Reformas que vão no mesmo sentido do das francesas. A única diferença entre um caso e outro é que quando a oposição é de direita, esta normalmente não contesta as reformas, e quando a oposição é de esquerda, esta tenta mobilizar a população contra as reformas.
Ségolène Royal, na sua passagem pelo governo, apenas sobraçou pastas em que se distribuem fundos. Distribuir fundos é fácil, às vezes fácil de mais. Falta-lhe a prova de fogo do exercício do poder em tempo de crise. Se a sua estrela a continuar a acompanhar, talvez a possa vir a ter a partir de 2007. Veremos então.
Está finalmente estabelecida uma correlação elevada entre as boas maneiras à mesa e a superioridade intelectual do Homo Sapiens Sapiens sobre as restantes espécies (bem ... nem todos ...infelizmente). Aquelas exigências draconianas que os nossos pais nos faziam sobre o nosso comportamento à mesa e que nós estamos a tentar reproduzir para os nossos filhos têm agora um fundamento científico sólido: destinam-se ao apuramento da espécie.
As outras espécies são apuradas através de cruzamentos em laboratórios zootécnicos; a nossa apura-se à mesa, através de um ritual destinado a moderar a nossa ferocidade primitiva. Por isso, enquanto as outras espécies apenas melhoram desempenhos secundários correr mais depressa, morder mais ferozmente os intrusos, etc., a nossa tem-se tornado mais racional, inteligente e inventiva.
O que nos fez diferentes de outros primatas e nos tornou humanos? Pela primeira vez, uma equipa de cientistas (da Universidade da Pensilvânia) identificou uma mutação genética entre humanos e primatas não humanos que poderá ter sido central para a evolução do crânio dos nossos antepassados. O gene que sofreu essa mutação fez com que os humanos tivessem músculos mais pequenos nos maxilares e acabou por causar alterações enormes nos ossos aos quais estão ligados: a caixa craniana pôde então aumentar de tamanho, tal como o cérebro.
Devido a esta diferença genética, os músculos dos maxilares e os ossos aos quais estão ligados são maiores e mais poderosos nos macacos e símios do que nos humanos. Ao nível dos tecidos os músculos para mastigar e morder dos macacos são dez vezes maiores que os dos humanos.
Mas os investigadores consideram que há questões em aberto. Em que circunstâncias essa mutação genética ocorreu? Terá sido porque houve uma mudança na dieta alimentar? Ou porque, para preparar os alimentos, a dependência das mãos aumentou em relação às mandíbulas?
Mas para essas questões, aparentemente em aberto, nós temos um resposta límpida e indiscutível. Todo o nosso ritual alimentar foi estabelecido para que o processo de saciar a fome decorresse com o máximo dos vagares e, portanto, para aumentar a nossa racionalidade.
Tudo foi pensado com extrema minúcia: A exigência aparentemente absurda de só nos podermos levantar após a dona da casa o fazer, ou os nossos pais o autorizarem, destinava-se a mostrar que não tiraríamos qualquer benefício de comer com rapidez, pois estávamos reféns de terceiros. Com idêntico objectivo foram estabelecidas outras regras, igualmente subtis: não encher em demasia o prato, para nos servirmos mais vezes; não atafulhar a boca com comida; não falar com a boca cheia, o que nos obriga a fazermos pausas para responder às interpelações que nos fazem, obviamente com o intuito de nos embaraçar e retardar a refeição. Foi justamente com esse fim que se instituíram as conversas, mesmo as mais fúteis e triviais, à mesa de refeições.
A dificuldade da interpretação da função de cada um daqueles vários talheres confusos e com diferenças subtis de formato, conforme o prato ou a fase da refeição, destinava-se, afinal, a manter o nosso intelecto em permanente actividade, contrariamente ao indelicado comportamento das alimárias, quando saciam a sua fome em frente das cameras dos documentaristas da vida animal.
Tudo foi planeado para moderar a velocidade de deglutição dos sólidos e aumentar a nossa inteligência. Com esse objectivo foi também estabelecida uma sequência misteriosa de bebidas: Madeira com a sopa; Chablis com os hors doeuvre; branco frappé com o peixe; tinto, de preferência Borgonha, com a carne; Porto com a sobremesa; um licor digestivo com o café; Alka-Seltzer uma hora depois.
Associada a estas transições líquidas está o ritual de verter, sequencialmente, os preciosos néctares nos copos alinhados em frente do prato, as sucessivas degustações, inquirições, aprovações, etc., tudo entremeado com prolixa cavaqueira sobre as qualidades dos vintages e a adequabilidade das origens (rigorosamente controladas) à iguaria que vagarosamente saboreamos.
São misteriosos os desígnios da providência. O que muita gente considerava como um ritual desnecessário e absurdo, manias de gente abastada ou com pretensões, era afinal um acto necessário no caminho da racionalidade. Foi por isso que somos em extremo devedores da civilização romana, ao avanço na racionalidade que constituíam aquelas refeições nos triclínios, reclinados em leitos e limpando vagarosamente os dedos às fartas cabeleiras dos escravos. Um homem com a luminosa racionalidade de Petronius só poderia existir após conviver com Trimalcião nos seus banquetes. Uma herança inesquecível e imperecível!
Portanto, a nossa dedução, rigorosamente fundamentada, prova que a racionalidade humana se desenvolveu vertiginosamente não apenas porque, para preparar os alimentos, a dependência das mãos aumentou em relação às mandíbulas, mas porque adicionalmente aumentou a dependência aos talheres e aos pratos, cada vez mais especializados e diferenciados, e aos ritos estabelecidos para o desenrolar da refeição.
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Entretanto ainda é cedo para avaliar os efeitos da expansão dos restaurantes MacDonalds na racionalidade humana. Afinal, o primeiro só foi inaugurado em 1955 d.C., ainda nem passou meio século. Receamos todavia o pior!
Ou de como é da Natureza das Coisas a culpa morrer solteira em Portugal
A decisão do juiz de instrução Nuno Melo, de não pronunciar nenhum dos 29 arguidos no processo da queda da ponte de Hintze Ribeiro era previsível. Para haver culpados de um crime, tem que haver provas. Como em Portugal há uma negligência geral no exercício da administração da coisa pública e, na maioria dos casos, a inexistência de procedimentos adequados para fiscalizar a acção quer dos agentes económicos, quer dos agentes da administração pública, resulta quase sempre impossível provar a culpa.
A culpa em Portugal morre solteira não por ausência de leis, não por ausência de justiça, mas pelo mau desempenho da administração pública e pela inexistência de procedimentos adequados para que esse desempenho possa ser melhorado, se torne eficaz e as responsabilizações e esferas de competência sejam inequívocas.
O processo tinha 29 arguidos: cinco técnicos da antiga Junta Autónoma de Estradas, o responsável por uma empresa projectista, 22 areeiros e o antigo presidente do Instituto de Navegabilidade do Douro, Mário Fernandes.
Quando li que os areeiros tinham sido indiciados, pensei logo que este processo não iria a sítio nenhum. É certo que uma das razões da queda do pilar deveu-se à extracção excessiva de inertes do leito do rio. Mas os areeiros estavam licenciados para extraírem os inertes pelas entidades competentes. Os areeiros não têm obrigação de perceberem de Hidrologia ou de Ordenamento Fluvial. Quem tem essa obrigação foi quem os licenciou.
Poderão dizer que, provavelmente, os areeiros extraíram inertes em demasia relativamente ao que as licenças previam. É provável que sim, mas onde estão as provas? Onde estão os autos de notícia das irregularidades nas extracções? Onde estão as contra-ordenações? Era obrigação do Instituto de Navegabilidade do Douro fiscalizar. Fez essa fiscalização em condições?
Por muito delituoso que possa ter sido o comportamento dos areeiros no que respeita a um eventual excesso de extracção de inertes, eles nunca poderiam ser condenados porque têm as suas licenças em ordem e ninguém pode provar o excesso de extracção.
Aliás, não é líquido que tenha havido excesso de extracção de inertes. Um relatório indicava que a extracção de areia tendia a ser autorizada "sem conta, nem peso, nem medida". Se era assim, o conceito de excesso de extracção da parte dos areeiros perde validade.
Um outro factor concorreu igualmente: a redução da alimentação do caudal sólido provocada pela retenção de sedimentos nas albufeiras existentes a montante no Douro e afluentes. Mas isso competia ao INAG, que tutela o domínio hídrico em Portugal, e ao Instituto de Navegabilidade do Douro avaliarem. Há poucos anos fizeram-se estudos sobre os Planos de Bacias, para todos os rios portugueses. E há um estudo sobre o Plano da Bacia do Douro feito por um consórcio privado para o INAG. Esse estudo deveria obrigatoriamente conter elementos sobre o fluxo de inertes ao longo do rio e seus afluentes e a situação do leito do rio. O estudo será fiável? Os seus resultados tiveram aplicação na apreciação dos licenciamentos aos areeiros?
Ora estas indefinições não permitem esclarecer se houve excesso de extracção de inertes, se houve redução da alimentação do caudal sólido, ou se houve o cúmulo dos dois efeitos. Deveria haver um sistema de monitorização, que permitisse determinar o nível das areias e a localização dos fundões. Todavia, não há nenhum sistema desses no nosso país, ao que julgo.
A entidade com mais responsabilidades parece ser o Instituto de Navegabilidade do Douro. Simplesmente o IND é uma amalgama difusa dos municípios da bacia do Douro, com fronteiras de responsabilidades igualmente difusas no que respeita à sua delimitação perante a DRA do Norte, o INAG e a CCRN. Basta ver que enquanto se discutia a responsabilidade política dos governos no atraso da construção da nova ponte, o berreiro dos autarcas da região era ensurdecedor. Assim que começaram a aparecer relatórios técnicos alertando para a responsabilidade do IND, o coro dos autarcas no branqueamento do IND foi imediato.
Depois temos as responsabilidades da ex-Junta Autónoma das Estradas (JAE) e dos institutos que lhe sucederam, como o Instituto de Estradas de Portugal (IEP) ou o Instituto de Conservação das Obras Rodoviárias (ICOR) ou o Instituto de Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), na qualidade de organismos responsáveis pela conservação de pontes. A JAE e o IEP teriam por diversas vezes sido aconselhados a proceder a obras de reparação da Ponte de Entre-os-Rios, com as primeiras recomendações nesse sentido a datarem de 1986, altura em que mergulhadores fizeram uma vistoria aos pilares da ponte. Mas quem responsabilizar na JAE? E no IEP? Quanto muito responsabilizar João Cravinho pela ideia irresponsável de destruir a JAE, reformar os seus técnicos de topo e criar institutos em que parte do acervo do know-how da ex-JAE se perdeu. Mas essa é uma responsabilidade política, não criminal. Aliás, ficou demonstrado que em 1998 e 1999, quando a JAE foi extinta, nem se sabia qual era o instituto que seria responsável pela manutenção das pontes. Isto diz do disparate da decisão do ministro Cravinho.
O atraso da construção da nova ponte também não configura qualquer responsabilidade criminal, mas apenas política, dos sucessivos governos desde 1986.
Finalmente temos as causas naturais: a sucessão de cinco cheias intensas nesse Inverno, o que constitui uma probabilidade baixíssima. Ora todos sabem que as obras são dimensionadas tendo em conta a periodicidade de catástrofes naturais. A existência dessas causas naturais também dificultaria o incriminar de alguém.
Conclusão: houve um cúmulo de causas, quer naturais, quer devido a negligência de diversos serviços. Em relação à responsabilidade civil ela foi assegurada: o Estado é o principal responsável e avocou a ele o ressarcimento dos prejuízos.
Em relação à responsabilidade criminal, não parece que haja possibilidades de incriminar, de uma forma consistente, seja quem for.
Ensinamentos: Definição clara das fronteiras de intervenção e de responsabilidade entre os diversos institutos e entidades públicas; estabelecimento de procedimentos de actuação que responsabilizem, individualmente, os agentes públicos pelas suas acções ou omissões nos seus domínios de actividade, nomeadamente, neste caso, as outorgas de licenças, a fiscalização dos trabalhos de extracção, a monitorização da situação dos leitos dos rios, a inspecção periódica do estado das obras públicas, a resolução atempada de deficiências, etc., etc..
Alguém, para ser punido criminalmente, teria de ter conhecimento concreto da situação da ponte, dos pilares e respectivas fundações e do leito do rio no local. É assim que funciona um Estado de Direito. Mas, um Estado de Direito, para que a culpa não morra solteira, tem que ter procedimentos adequados para que essas responsabilidades sejam apuradas sem margem para dúvidas. E isso não existe, por enquanto, em Portugal.
Enquanto a demonização de Sharon é diária, implacável e furibunda, a Arafat tem-se perdoado todas as barbaridades cometidas, como se fossem pequenos erros de um herói sitiado e não a estratégia violenta e irresponsável de um líder cego pelo ódio e sem grandeza.
Não entendo, por exemplo, que se possa julgar Sharon por crimes contra a humanidade e não se queira julgar Arafat, à mão do qual se fez executar toda sorte de crimes, indiscriminados, sem nenhuma piedade e sem tremer. Desde sempre e até hoje mesmo.
Já não se trata somente do terrorista responsável pela chacina nos Jogos Olímpicos de Munique ou que aterrorizava as linhas aéreas instaurando o conceito do terror total, senão do homem que teve várias vezes nas mãos as chaves da paz e as rechaçou todas, empurrando o seu próprio povo para um processo permanente de destruição.
Falemos do Arafat de hoje, quando diariamente são ceifadas vidas de tantos civis que vão de transportes públicos para o trabalho, ou estão sentados em cafés, homens, mulheres e crianças, indiscriminadamente, sem lógica militar, apenas para instaurar um clima de terror.
Vítimas que não existem, porque no universo jornalístico europeu temos decidido que as vítimas só são palestinas e que os judeus mortos, no melhor dos casos, são pura contingência. Fala-se do massacre de Jenin e comparando-o ao Holocausto, mas nada se disse do facto de que os combates se reduziam a um espaço de 100 metros por 100 metros e que uma ONG tão pouco suspeita como a Human Rights Watch contabilizou os mortos: 52 palestinos e 23 soldados israelitas, além de 65 feridos. Quer dizer, foi um combate e não um massacre.
Pergunta pertinente: se os 52 mortos palestinos permitem equiparar Jenin com Auschwitz, com o quê se deveria comparar o milhão de mortos no processo de islamização do Sudão, ou os 100.000 mortos do integrismo argelino ou as 20.000 vítimas trucidadas por Hafez al-Assad na sublevação islamita de Hana? E os mortos palestinos do Setembro Negro?
As denúncias de corrupção financeira de Arafat, publicadas inclusive na imprensa do Kuwait não tiveram nunca repercussão significativa na imprensa europeia. E também não se disse nada do facto de que Mohammed Atta (um dos terroristas que pilotava um dos aviões sequestrados no dia 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos e arremessado contra as Torres Gémeas do World Trade Center, em Nova York) já havia perpetrado atentados em Israel e que, encarcerado em Israel, foi libertado graças aos acordos de Oslo e graças também à pressão do governo de Clinton.
O facto real é que a informação se converteu numa arma de guerra. Inclusive nas mãos de teóricos pacifistas.
Por isso me parece pertinente explicar porque o considero um líder nefasto. Primeiro, é um líder para a guerra, única linguagem que entende e não para a paz. Foi ele que alimentou a segunda Intifada e não contra Sharon, senão contra o trabalhista Barak, depois de haver recusado as propostas de Camp David.
Arafat não somente sabotou os acordos, mas também propiciou uma cultura do ódio nas escolas e permitiu que os imãs nas mesquitas pedissem o "extermínio dos judeus" . É certo que condenou alguns atentados, mas em inglês e para os meios de comunicação ocidentais. Só há pouco mais de um ano, perante a pressão americana, condenou em árabe uma acção terrorista. Arafat expressa realismo político quando fala em inglês. Em árabe, recorre a um populismo incendiário.
Arafat é um líder da guerra. Teve diante de si líderes israelitas, falcões e pombas, e sempre optou pela mesma via - a sistemática destruição de toda via de acordo. E um profundo desprezo pela vida humana, a vida de sua própria gente. Parece-me o pior dos líderes para uma causa que deveria ter estratégias de mais altura e maior sentido de justiça. Arafat não serve à causa palestina. Arafat perverte-a.
Adicionalmente, Arafat é um político corrupto. «Um relatório interno afirmou que a corrupção, a malversação de fundos públicos e a ineficiência no governo atingia níveis preocupantes e que quase a metade dos 800 milhões de dólares do orçamento fora desperdiçada. A comissão chegou a recomendar que três ministros fossem submetidos a julgamento, porém Arafat confirmou os três na reforma do gabinete».
Um relatório do FMI, sobre as contas bancárias palestinas, entre 1997 e 2003, cita que cerca de US$ 900 milhões dos fundos da Autoridade Palestina, financiados em parte por países doadores, teriam sido desviados para contas secretas em outros lugares, por gente de Arafat. E este relatório cita também que não se têm notícias do destino dado por Arafat a US$ 74 milhões, que estavam em suas mãos. Apesar de Arafat ter negado todos esses casos de corrupção dentro da Autoridade Palestina, mais de uma centena de membros da Fatah renunciaram colectivamente, exigindo mais democracia dentro do partido e dentro da Autoridade Palestina, como também exigindo o fim da corrupção naquelas instâncias.
Recentemente a justiça francesa abriu uma investigação sobre transacções multimilionárias relativas a contas bancárias de Suha Arafat, mulher de Yasser Arafat. Membros do governo francês disseram terem sido contactados pelo Banco da França, que teria descoberto que quase US$ 1 milhão por mês estava sendo transferido da Suíça para as contas de Suha Arafat. As translações totalizariam 9 milhões de Euros e teriam sido realizadas entre Julho de 2002 e Julho de 2003.
Sharon é um falcão e um belicista. Mas foi posto no lugar que ocupa pelo voto popular e sairá desse lugar pelo mesmo voto. Arafat está há cerca de 40 anos na direcção da OLP e só sairá de lá pela acção da natureza. Arafat já passou por meia dúzia de presidentes americanos e sobreviveu a inúmeros atentados e a dirigentes históricos de Israel, como Menachem Begin e Yitzhak Rabin. E sobreviverá, certamente, a Sharon.
E o que há de perversão na nossa sociedade é que é politicamente correcto diabolizar Sharon e santificar Arafat. Ora entre os dois ... venha o diabo e escolha. E que o diabo escolha de preferência Arafat, porque, se o fizer, o eleitorado israelita se encarregará, em seguida, de mandar Sharon para o diabo. Escolhe um, fica com dois e livra o mundo de um quebra-cabeças.
Inúmeras têm sido as iniciativas que promovidas em todo mundo relativamente ao conflito no Oriente Médio. Desde os Acordo de Oslo em l993, até ao último plano americano, o Road Map, têm havido diversas iniciativas de paz. Todas tiveram um objectivo comum: a paz. Todos tiveram um obstáculo comum: o ódio.
Enquanto isto, milhares de vidas foram perdidas nestas quase 6 décadas de conflitos e o abismo entre o avanço social e económico dos israelitas e o atraso dos palestinos foi-se aprofundando.
Apesar da maioria da população dos dois lados ser, em teoria, favorável ao diálogo, qualquer acto de violência dos suicidas palestinos bem como a ampliação dos colonatos ou construção de novos, ou o avanço do muro de contenção israelita eliminam de imediato qualquer avanço conseguido.
Nas escolas, os jovens palestinos são doutrinados no ódio aos israelitas. Basta ler os manuais escolares subsidiados pelos dinheiros da UE. Recentemente uma cadeia de TV libanesa começou a apresentar uma novela síria baseada no Protocolos dos sábios de Sião. O "Os Protocolos dos Sábios do Sião" é uma fraude feita na Rússia pela Okhrana (policia secreta dos Czares), com o intuito de culpar os Judeus pelos males do país. Foi publicado privadamente em 1897 e tornado público em 1905. É copiado de uma novela do século XIX e afirma que existe uma cabala secreta Judaica conspira para conquistar o mundo. A base da história foi criada por um novelista alemão anti-semita chamado Hermann Goedsche que usou o pseudónimo de Sir John Retcliffe. O seu propósito era politico: reforçar a posição do czar Nicolau II apresentando os seus oponentes como aliados de uma gigantesca conspiração para a conquista do mundo. Hitler usou este livro na sua campanha anti-semita.
Destila-se assim a forma mais letal de anti-judaísmo nas populações que deveriam estar recebendo uma orientação em prol da paz e do entendimento.
A primeira intifada recebeu as simpatias gerais no mundo ocidental e levou ao triunfo dos moderados nas eleições israelitas e aos acordos de Oslo. Mas a primeira intifada não se baseava no terrorismo e constituía de facto a imagem da luta de David contra Golias. O exército israelita sentia-se pouco à vontade a lutar contra miúdos e adolescentes que atiravam pedras. Foi o momento alto da causa palestina.
Com avanços e recuos, o processo foi avançando até Ehud Barak, mesmo com as contrariedades resultantes do assassinato de Rabin. Barak prosseguiu a política de Rabin: transferência de mais territórios para a AP; retirada do sul do Líbano (24-05-99); negociações de Camp David (15-20 Julho 2000).
Em Camp David, a proposta de Clinton previa a criação de um estado palestino com 95% da Cisjordânia e toda a Faixa de Gaza. Os palestinos também teriam soberania sobre regiões árabes de Jerusalém e parte do local conhecido pelos judeus como Esplanada das Mesquitas e pelos muçulmanos como Monte do Templo, embora Barak afirmasse que não entregaria aos palestinos toda a área do Monte do Templo, considerada sagrada tanto por judeus como por muçulmanos.
Outro entrave à aprovação da proposta norte-americana foi o destino dos refugiados palestinos. Segundo os planos de Clinton, apenas uma pequena parcela deles poderia voltar para as cidades onde viviam (eles ou os seus antepassados) antes da criação de Israel, posição contestada pela AP.
Enquanto se discutia uma maneira de retomar o diálogo, o líder do Likud (partido de direita), Ariel Sharon visitou a Esplanada das Mesquitas (28-09-00), acto considerado como uma violação de um local sagrado do islamismo, o que serviu de pretexto para a nova intifada. Esta intifada foi aproveitada por Arafat, para obter dividendos políticos. Todavia, essa estratégia redundou em fracasso.
Para começar, Arafat nunca tentou impedir a militarização do segundo levantamento. A primeira Intifada em 1987 foi um movimento popular durante o qual a violência se limitou ao lançamento de pedras contra as forças ocupantes. Foi essa a sua força, pois era uma força moral. Na segunda ocasião as pedras foram substituídas por pistolas e metralhadoras. Arafat optou por usar a violência como ferramenta de negociação, recusando as mais favoráveis condições que já haviam sido até então propostas para obter a independência palestina num contexto de paz. Todavia, apesar das armas, os combatentes palestinos não podiam fazer frente ao poderio muito superior do Exército israelita.
Adicionalmente, os movimentos radicais Hamas e Yihad e depois as Brigadas dos Mártires da Al Aqsa recorreram a outros tipos de armas, perpetrando ataques suicidas em território israelita. Com essa nova estratégia, os palestinos não apenas perderam o apoio que ainda recebiam de movimentos pacifistas como também de toda a comunidade internacional. Os palestinos perderam a força moral da primeira intifada e não tinham meios para ganharem pela força das armas.
Porquê a sua recusa? O que Arafat realmente queria? Como ele nunca declarou explicitamente o que queria, resta especular sobre algumas possibilidades:
1) Arafat não conseguiu reunir coragem ou vontade para vencer as pressões dos grupos palestinos mais radicais, que recusam a paz e a convivência com Israel. Mesmo percebendo a oportunidade, não quis arriscar o que Barak arriscou: enfrentar sua própria gente e convencê-la de que só com concessões mútuas poder-se-ia construir uma solução que fosse o início de um processo de paz verdadeiro. A partilha de Jerusalém como capital, o estabelecimento do Estado palestino, a cooperação económica, seriam o máximo de concessões exigíveis de Israel já no início do processo de convivência pacífica.
2) Arafat não quis aceitar uma solução a não ser em seus próprios termos e com a satisfação de 100% de suas exigências. Diante de uma proposta de conciliação irrecusável, as únicas alternativas são aceitá-la ou romper a negociação, exactamente para não ter de aceitá-la. A exigência de última hora de Arafat, que ele sabia muito bem não poder jamais ser aceita por Israel, foi a "volta de 3 milhões de refugiados" palestinos, não ao futuro Estado palestino, mas para dentro do Estado de Israel (Yaffo, Haifa, Tel Aviv, Bersheva, etc).
3) A AP nunca quis realmente uma paz definitiva com Israel e, na verdade, nunca teria abandonado seu objectivo estratégico de acabar com Israel como Estado judeu. Para isso, como está definido na Carta Palestina, as negociações e o Estado palestino seriam apenas uma etapa. A possibilidade de um Estado palestino com compromissos de paz e reconhecimento de Israel seria uma ameaça a esse princípio. O imigração de mais de 3 milhões de palestinos para um estado que tem 4,5 milhões de judeus e 1 milhão de palestinos seria o imediato desequilíbrio demográfico de Israel e a sua descaracterização.
Desmoralizado e sem apoios dentro do próprio partido ou dentro da coligação que o apoiava, Barak perdeu a eleição de 6 de Fevereiro de 2001 para Sharon, que fez a sua campanha atacando os acordos de Oslo. O prémio Nobel da Paz, Shimon Peres, tradicional adversário trabalhista de Sharon, aceitou ser seu ministro dos Estrangeiros num governo de coligação. Seria uma força de moderação dentro do governo, afirmou. Acabou por fazer o papel de ramo de salsa no leitão da Bairrada.
Depois dos atentados de 11 de Setembro, o primeiro-ministro Ariel Sharon tentou convencer o presidente Bush, de que a luta contra Arafat era idêntica à luta contra Osama bin Laden, passando por cima da diferença entre a resistência nacional palestina contra uma ocupação ilegal e a guerra santa declarada por um extremista muçulmano. Nesta argumentação Sharon foi ajudado pelos radicais palestinos que, pelas suas acções terroristas, ajudaram a mostrar que afinal não haveria diferenças entre eles e bin Laden. As organizações palestinas que se dedicavam a actos terroristas foram classificadas como organizações terroristas, quer pelos EUA, quer, depois, pela UE.
Após alguns sangrentos atentados palestinos, o governo norte-americano deu luz verde para uma praticamente total reocupação israelita da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, assim como o isolamento de Yasser Arafat. Com isso se desmantelou definitivamente o acordo de Oslo.
Passaram-se mais de 3 anos de conflito e foram perdidas mais de 4 mil vidas com 10 mil feridos e, entretanto, um novo ataque teve como motivo o mesmo local. Dessa vez, o pretexto para a violência foi a visita de um árabe muçulmano, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto, que viera a Israel em missão de paz. Ahmed Maher recebeu, na ocasião, a mais humilhante agressão a um árabe, segundo a tradição da região, quando dezenas de sapatos foram atirados em seu rosto enquanto iniciava suas orações na mesquita de Al Aqsa. Aos gritos de traidor, radicais palestinos atacaram o visitante que teve que ser transportado para um hospital israelita.
Este episódio demonstra quão cego e profundo é o ódio reinante nas massas palestinas. Os atacantes são moradores da Jerusalém Oriental, onde os mentores do Acordo de Genebra propõem instalar a capital do futuro Estado palestino. Fica difícil imaginar o avanço desta proposição nas actuais condições.
Arafat está entretanto politicamente queimado perante a comunidade internacional. Condena formalmente os actos terroristas, mas não impede na prática que eles se façam; tirou o tapete debaixo dos pés de Abu Mazen, considerado um interlocutor válido para levar o processo de paz a bom termo e levou-o à demissão.
Quanto a Sharon, foi uma criação dos radicais palestinos. É o terrorismo destes que o sustenta. Se for apeado do governo, sê-lo-á por outro mais radical, como Benjamin Netanyahu.
E assim continuaremos, enquanto a melhor oferta de uma das partes nunca for suficientemente boa para a outra.
As fronteiras de 1948/9 entre Israel e a Palestina decorrem da guerra que os países árabes fizeram a Israel, por não concordarem com a resolução da ONU, e na qual foram derrotados. Essa conflagração fez com que 600.000 palestinos se tornassem refugiados, como foi escrito no texto anterior.
Comparemos o problema israelo-árabe emergente da guerra de 1948, com a questão alemã resultante da derrota de 1945.
No início de 1949 estava estabelecido o estado de Israel, dentro de fronteiras aceites pelo armistício imposto pela ONU e assinado pelos estados árabes vizinhos.
Não reconhecer estas realidades tem, objectivamente, o mesmo significado que os alemães não reconhecerem a anexação da Posnânia, Silésia, Pomerânia Oriental e Prússia Oriental após a 2ª Guerra Mundial, em 1945.
Com a agravante que os alemães têm razões de queixa muito mais poderosas. Não ficou praticamente um alemão dos cerca de 10 milhões que habitavam aquelas terras, ao passo que na parte da Palestina que coube a Israel vivem hoje mais de 1 milhão de árabes.
Para além disso, houve a expulsão de 3 milhões de alemães dos Sudetas ao abrigo de uma lei promulgada por Benés, um democrata certificado pelas potências ocidentais. Os alemães dos Sudetas foram punidos em bloco, pela anexação resultante dos acordos de Munique.
Podemos discutir a legitimidade dos tratados e das leis que levaram à expulsão de 13 milhões de alemães e concluir que, hoje em dia, tal não deveria ser possível. Todavia as fronteiras actuais de Israel datam de 1948, uma data contemporânea dos tratados e leis que legitimaram o êxodo alemão e, portanto, dos conceitos que estiveram na sua base.
A diferença, na década de 40, entre os alemães e os árabes, é que aqueles auxiliaram os refugiados, aceitaram-nos, criaram-lhes empregos, integraram-nos na sociedade e permitiram que tivessem uma vida digna, enquanto os árabes mantiveram-nos, desde sempre e na maioria dos casos, em campos de refugiados, em condições sub-humanas, tentando utilizar o seu desespero como arma de revanche. Os refugiados palestinos são deixados pelos seus irmãos palestinos, e árabes em geral, em campos miseráveis, com o intuito de serem usados como arma contra Israel - quer como terroristas, aproveitando o seu desespero, quer para comover a opinião pública.
Várias gerações nasceram, cresceram e muitos morreram nestas condições. Em 1948 eram 600 mil e hoje estima-se que sejam cerca de 3 milhões.
O que se diria se os refugiados alemães vivessem em campos miseráveis, junto às fronteiras com a Polónia e R. Checa, desesperados e incentivados a fazerem ataques suicidas no outro lado da fronteira? Seriam apelidados de "revanchistas" e acusados de serem da extrema-direita.
Uma das chaves para a solução da questão israelo-árabe passa por encontrar uma solução alternativa ao regresso daqueles refugiados a Israel; regresso que nunca será aceite pelos israelitas pois alteraria drasticamente a demografia do estado, sem falar nas questões logísticas: Onde ficariam? que fariam? etc.. As casas dos seus antepassados já não existem, a paisagem urbana e rural alterou-se completamente.
Aliás, falar em regresso não faz sentido, porquanto a quase totalidade dos refugiados não nasceu no actual território de Israel.
Foi essa a principal razão que levou à ruptura das conversações de Ehud Barak com Arafat sob o patrocínio de Clinton. Ruptura que conduziu, directa ou indirectamente, à segunda Intifada e à espiral de horror dos últimos quatro anos. Arafat tentou pressionar Barak através da intifada, mas o que conseguiu foi o óbvio - a eleição de Ariel Sharon e a subida ao poder dos falcões israelitas.
Enquanto os refugiados forem usados como arma política, não haverá solução.
Em 1917, Lord Balfour, o secretário inglês para os Negócios Estrangeiros, fez publicar a Declaração Balfour, em que apoiava a imigração de judeus para a Palestina e o estabelecimento de um "lar nacional para o povo judeu" na região, afirmando que "nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes" (1). A Grã-Bretanha teve, obviamente, dificuldade de conciliar esta declaração com a estratégia que estava a seguir, no Médio Oriente, de uma aliança com os potentados árabes na guerra contra o Império Otomano.
Em fins do século XIX e princípios do século XX haviam começado as vagas de imigrantes judeus para a Palestina, sob os efeitos dos pogroms. A primeira vaga (1882-1903) provém sobretudo da Rússia e a segunda (1904-1914) da Rússia e Polónia. Antes dessas imigrações, a população judaica na Palestina era insignificante. O facto dessas migrações terem como destino a Palestina estava ligado ao aparecimento do movimento sionista. A expressão formal deste movimento foi o estabelecimento da Organização Sionista (1897), durante o Primeiro Congresso Sionista, reunido por Theodore Herzl em Basiléia, na Suíça. O programa deste movimento continha elementos ideológicos e práticos para a promoção do retorno dos Judeus à sua pátria histórica, onde "os Judeus não fossem perseguidos e pudessem desenvolver as suas vidas e identidade".
Em 1915, depois dessas duas vagas de imigração, viviam aproximadamente 83.000 judeus na Palestina conjuntamente com 590.000 árabes muçulmanos e cristãos. Porém em 1936 são já 400 mil, e em 1947, 600 mil. Para este aumento também concorreram as decisões da Sociedade das Nações, a seguir à Grande Guerra. Com efeito, o documento adoptado pela SDN em 24 de julho de 1922, que confiava o mandato sobre a Palestina à Grã Bretanha (2), precisava:
O mandatário assumirá a responsabilidade de instituir no país um estado de coisas político, administrativo e económico. capaz de assegurar o estabelecimento do estado nacional para o povo judeu (art. 2).
(...) A administração da Palestina facilitará a imigração judaica em condições convenientes e de acordo com o organismo judaico mencionado no artigo 4. Estimulará o estabelecimento intensivo dos judeus nas terras do país, incluídos os domínios do Estado e as terras sem cultivar (art. 6).
E, principalmente, a degradação da vida dos judeus na Europa Central e de Leste à seguir à guerra. Assim, em 1920, começaram novas vagas de imigração de judeus do leste da Europa para a Palestina, que se reforçam após a subida de Hitler ao poder. Além dos judeus polacos e de outros países da Europa central, a nova vaga inclui numerosos judeus alemães. Em 1936 estão instalados, na Palestina, 400.000 judeus (3), a grande maioria azkenazes (judeus de tradição cultural germânica e muitos de língua yiddish).
Nas vésperas da guerra e durante esta, a situação foi desfavorável à imigração judaica em virtude da necessidade das potências ocidentais contarem com o apoio dos estados árabes para fazer face a Hitler. Em 1939 os britânicos decidiram limitar a 75.000 a imigração judia nos cinco anos seguintes, depois dos quais cessaria totalmente. Também proibiam as vendas de terras aos judeus na maior parte do território. Enquanto isso havia uma importante imigração árabe proveniente do Egipto e da Transjordânia, regiões muito mais atrasadas e empobrecidas, por razões económicas. A administração britânica e a instalação de colonos judeus, com grande dinamismo e qualificação, tornavam a Palestina bastante mais próspera que os territórios vizinhos.
A instalação dos judeus fez-se por compra das terras, inicialmente baldios, terras desocupadas ou não cultivadas. Só a partir de 1930 começaram a incidir principalmente na aquisição de terras já cultivadas. Era relativamente fácil: os judeus pagavam bom preço por elas e os donos, que ou eram proprietários absenteístas (a maior parte 73%) ou locais vivendo miseravelmente, aceitavam de boa vontade a transacção. O pai de Ahmed el-Shuqeiri, líder da OLP, vendeu as suas terras a troco de dinheiro.
A partir da Conferência Aliada de Potsdam, de julho de 1945, Truman, novo presidente americano, pediu a Churchill, primeiro-ministro, que levantasse as restrições à imigração judaica à Palestina.
No final da guerra, em 1945, o Partido Trabalhista ganha as eleições. Sete meses antes, durante sua Conferência Nacional, os trabalhistas haviam proposto o levantamento das medidas que limitavam a imigração de judeus. Todavia, a esquadra britânica continuava a tentar impedir que os barcos com imigrados judeus chegassem à Palestina, internando, os que apanhava, em Chipre. Aproximadamente 50.000 pessoas estiveram detidas, 28.000 das quais continuavam presas quando Israel declarou a independência (em 14 de Maio de 1948).
A atitude da Grã-Bretanha quer no que respeita ao êxodo quer no que respeita à equidade (os judeus consideravam que a administração britânica favorecia os árabes) provocou a rebelião dos judeus que teve como ponto mais negro o atentado do Hotel do Rei David. O Hotel Rei David era a sede do comando militar británico e da Secção de Investigação Criminal Britânica. O Irgún, chefiado por Menahem Begin, escolheu-o como objectivo, como retaliação ao assalto pelas tropas britânicas da Agência Judia e confisco de grandes quantidades de documentos. O saldo das baixas foi elevado: um total de 91 mortos e 45 feridos. Entre as baixas havia 15 judeus. O Conselho Nacional Judaico denunciou este atentado. Mas isso não impediria Menahem Begin de chegar, muitos anos mais tarde, a 1º Ministro (1977-83).
Incapaz de conseguir uma solução acordada entre árabes e judeus, a Grã-Bretanha transferiu a decisão para a ONU, que nomeou uma Comissão Especial para a Palestina (UNSCOP) para planear uma solução. O resultado não foi unânime: os delegados de sete países Canadá, Checoslováquia, Guatemala, Holanda, Peru, Suécia e Uruguai recomendaram o estabelecimento de dois estados separados, um judeu e outro árabe, ligados por uma união económica, com Jerusalém como um enclave internacional. Três países Índia, Irão e Jugoslávia recomendaram um estado unitário com províncias árabes e judias. A Austrália absteve-se.
Em 14 de maio de 1947, Gromiko, o delegado soviético, pronunciava-se, na tribuna da ONU, por um estado judeu-árabe único com direitos iguais para os judeus e os árabes, precisando todavia: Se esta solução resultar irrealizável devido as relações cada vez mais tensas entre os judeus e os árabes (...), então teria que se estudar uma segunda solução (...) que incluísse a divisão em dois estados independentes, um estado judeu e um estado árabe. Em 29 de Novembro de 1947 era aprovada a partilha da Palestina em 2 estados, pela resolução 181 na Assembleia Geral da ONU. A Grã Bretanha, que se absteve, anunciou que não cooperaria na aplicação desse plano e que conservaria todos os seus poderes até ao fim do mandato que fixou para 15 de Maio de 1948.
Pelos resultados da votação (4) pode verificar-se que todos os países árabes ou islâmicos votaram contra. Os países árabes declararam imediatamente que não aceitariam a decisão e que se iriam opor a ela pela violência. Entre 7 e 15 de Outubro tinha-se realizado a reunião do Conselho da Liga Árabe em Aley (Líbano) onde foi encarada pela primeira vez a possibilidade de uma intervenção militar na Palestina.
Assim começou a guerra da independência, em que o novo Estado de Israel enfrentou os exércitos do Egipto, Síria, Transjordânia, Líbano, Iraque e os próprios palestinos, muitos dos quais foram induzidos a abandonar seus lares, na expectativa de um próximo retorno com a vitória dos exércitos árabes. Azzam Pashá, Secretario Geral da Liga Árabe afirmava: «Esta será uma guerra de extermínio e de grandes massacres, da qual se falará como dos massacres mongóis e das cruzadas».
Os primeiros assaltos em grande escala começaram em 9 de Janeiro de 1948, quando 1500 voluntários do Exército de Libertação de Fawzi Al-Qawuqji penetram na Palestina. Na primeira fase da guerra, que durou de 29 de novembro de 1947 até 1 de abril de 1948, os exércitos árabes, muito melhor armados, mantiveram-se na ofensiva. Os israelitas sofreram baixas elevadas.
Em fins de Março e no seguimento do acordo estabelecido em Dezembro de 1947 e ratificado em Janeiro de 1948 em Nova Iorque por Andrei Gromyko (5) e Moshe Shertok, as primeiras armas checoslovacas chegaram aos israelitas. A ofensiva israelita irá começar com a operação Nahshon e o plano Dalet. A partir daí, e sem o empecilho das forças britânicas, entretanto retiradas, a iniciativa passará ao exército israelita.
A derrota da invasão árabe levou os países árabes a firmarem, em 1949, um armistício com Israel, imposto pelas Nações Unidas, começando pelo Egipto (24 de fevereiro), seguido pelo Líbano (23 de março), Jordânia (3 de abril) e Síria (20 de julho). O Iraque foi o único país que não estabeleceu um armistício com Israel, decidindo em vez disso retirar as suas tropas e entregar o seu sector à Legião Árabe de Jordânia. Nenhum dos estados árabes negociaria qualquer acordo de paz. As linhas do armistício, bastante mais favoráveis a Israel do que as do mapa da partilha da ONU, são as designadas por fronteiras anteriores a 1967.
A guerra de 1948 ocasionou cerca de 600.000 refugiados palestinos, quer devido aos receios da guerra, quer devido às expedições punitivas dos israelitas, quer ainda por pensarem que depois regressariam com os exércitos vitoriosos.
É esta massa de refugiados, estimados actualmente em 3 milhões espalhados nos campos do Líbano, da Jordânia e da faixa de Gaza, que constitui o problema mais espinhoso nas negociações sobre o futuro da relação entre Israel e o Estado Palestino a ser criado.
(1) A carta foi publicada no Times e dizia:
Prezado Lord Rothschild,
Tenho muito prazer em transmitir-lhe, em nome do governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia com as aspirações sionistas que foram apresentadas ao Gabinete e aprovadas por ele:
O Governo de Sua Majestade vê com simpatia o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu e envidará seus melhores esforços para facilitar a conquista desse objectivos, ficando claramente entendido que nada será feito que possa prejudicar os direitos religiosos e civis das comunidades não judaicas existentes na Palestina ou os direitos e condições políticas usufruídas pelos judeus em qualquer outro país.
Agradeceria que o senhor levasse essa declaração ao conhecimento da Federação Sionista.
Atenciosamente,
Arthur James Balfour
(2) O crescente fértil, que até então fazia parte do Império Otomano, foi dado em mandato à Grã-Bretanha (Palestina, Transjordânia e Iraque) e à França (Líbano e Síria).
(3) Imigrantes judeus na Palestina
1919 1.806
1920 8.233
1921 8.294
1922 8.685
1923 8.175
1924 13.892
1925 34.386
1926 13.855
1927 3.034
1928 2.178
1929 5.249
1930 4.944
1931 4.075
1932 12.533
1933 37.337
1934 45.267
1935 66.472
1936 29.595
1937 10.629
1938 14.675
1939 31.195
1940 10.643
1941 4.592
(4) Resultado da votação:
Votaram a favor: 33
Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bielorússia, Canadá, Costa Rica, Checoslováquia, Dinamarca, República Dominicana, Equador, França, Guatemala, Haiti, Islândia, Libéria, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Nicarágua, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru, Filipinas, Polónia, Suécia, Ucrânia, União Sul Africana, U.S.A., U.R.S.S., Uruguai, Venezuela.
Contra: 13
Afeganistão, Cuba, Egipto, Grécia, Índia, Irão, Iraque, Líbano, Paquistão, Arábia, Saudita, Síria, Turquia, Yemen.
Abstenções: 10
Argentina, Chile, China, Colômbia, Salvador, Etiópia, Honduras, México, Reino Unido, Jugoslávia.
(5) Andrei Gromyko, delegado soviético e futuro Ministro dos Negócios Estrangeiros, declarou, no Conselho de Segurança em 29 de maio de 1948:
Esta não é a primeira vez que os estados árabes, que organizaram a invasão da Palestina, ignoraram uma decisão do Conselho de Segurança ou da Assembleia Geral. A delegação da URSS julga que é essencial que o Conselho declare a sua mais clara e firme oposição relativamente a esta atitude dos estados árabes contra as decisões do Conselho de Segurança.
Em 15 de julho, o Conselho de Segurança ameaçou acusar os governos árabes de agressão, conforme a Carta da ONU.
No conflito israelo-árabe, não foi unicamente Israel que violou as decisões da ONU. Aliás, nem foi o primeiro.
Nota - ler os restantes:
Israel e Palestina - A Questão dos Refugiados
Ódio e humilhação
Arafat e Sharon
Semiramis está em condições de informar que encontrou e entrevistou Mário Soares, algures na zona montanhosa do Hindu-Kush, num local que por razões de segurança não revelamos. Trata-se de uma zona muito patrulhada pela tropa paquistanesa, pela Legião Estrangeira do general Bentegeat e por agentes da CIA, e desvendar mais pormenores poderia por em risco a preciosa vida do patriarca da nossa democracia.
Encontrámo-lo ao entardecer. O terreno era escalvado e íngreme. Uma vereda despontava a seguir a um alcantilado penhasco. Por essa vereda emergia, lentamente, uma pequena caravana. A elevada figura do Soares destacava-se dos demais. Um largo albornoz de lã grossa, em riscas pardas, orlado de franjas azuis, cobria-o até aos pés, calçados de sandálias já gastas pelos caminhos acidentados do deserto e atadas com correias; tinha um turbante branco, feito de uma longa faixa de linho enrolada, cujas pontas lhe pendiam de cada lado sobre os ombros. Debaixo dele, ajoujado ao seu peso, um camelo com beiços pendentes e resignados, ia-se arrastando, gemendo penosamente pelas escarpas.
Um macho levava as bagagens; atrás, uma figura bojuda, embrulhada num farrapo azul que já fora uma burqa refulgente, tentava desajeitadamente empoleirar-se no dorso de um camelo, praguejando ao ritmo do baloiçar da alimária. Aquela voz era indisfarçável: era ela, a destemida Ana Gomes. Por detrás do rendilhado da burqa vislumbrava-se o negro cintilar do seu olhar de velcro. Como escolta, seguia-os um talibã, velho, catarroso, com o albornoz de lã de camelo listrado de cinzento, e uma AK-47 ferrugenta toda enfeitada de borlas.
Pararam para o obrigatório recolhimento religioso. Após as preces, enquanto o talibã erguia a tenda e Ana Gomes mungia umas cabras, porquanto a caminhada tinha exacerbado o já de si pouco frugal apetite de Soares, este circunvagava o olhar por aquela paisagem agreste e desolada, entrevendo talvez o caminho pelo qual Alexandre se havia internado pelo vale do Indo, mais de 2 milénios antes. Por cima pesava um céu pardacento.
Foi então que estugando o passo por um atalho agreste, onde o meu largo albornoz se prendia aos espinhos das piteiras (evitei cuidadosamente vestuário que recortasse a minha figura e pudesse ser motivo de pensamentos pecaminosos do pessoal masculino, aliás enfraquecido pelos jejuns e orações continuadas), me abeirei do nosso patriarca da democracia. Após uns Salam Alaikum e de me ter identificado como compatriota e dona de um blog pouco respeitável e muito contestado, perguntei-lhe como tinha decorrido a viagem e que tal o diálogo com bin Laden e os outros chefes da Al-Qaida.
O nosso patriarca, com a voz pausada e irradiando uma incontida satisfação foi dizendo:
- As conversações foram um sucesso. Não há como estabelecer o diálogo e a compreensão para as questões se resolverem consensualmente, a contento de todos.
- Estremeço de júbilo por poder dar essa boa nova quase em directo, no meu blog. Quais foram os pontos de consenso?
- O mais imediato e que gerou um consenso mais rápido de ambas as partes foi que a ocupação do Iraque pelos cruzados tinha que terminar imediatamente. Depois, com muita persuasão da nossa parte, a Al-Qaida concordou nas seguintes regras gerais para a sociedade portuguesa:
· proíbe-se o trabalho fora de casa por parte das mulheres
· proíbe-se a presença fora de casa de uma mulher quando não acompanhada por um parente do sexo masculino
· proíbe-se que os homens façam a barba
· proíbe-se que os homens não usem um turbante
· proíbe-se que as mulheres usem no exterior outra coisa que não uma burqa
· proíbe-se a exposição de fotos de animais ou pessoas
· proíbe-se a audição de música
· proíbe-se que se assobie
· proíbe-se que se tirem fotografias ou se façam vídeos
É claro que tivemos de ceder ligeiramente num ponto: os israelitas serão lançados ao Mediterrâneo.
- Lançados, sem mais?
- Não, de forma alguma! Nunca aceitaríamos isso! Todos levarão uma pedra amarrada aos pés. Consegui todavia que o meu querido amigo Shimon Peres, companheiro de tantas lutas, tivesse um tratamento de favor.
- ??
- A pedra dele será da Judeia. As outras serão das pedreiras do Alto Nilo ... nada que faça lembrar a Terra Prometida.
Nesta situação embaraçosa, uma pergunta se impunha:
- A Ana Gomes não fez nenhumas objecções? Além do mais, com aquelas prescrições ela já não poderá ir para o Parlamento Europeu, ir aos debates na SIC Notícias. Aceitou de boamente todas as deliberações?
- Bem ... a minha querida correligionária Ana Gomes não pôde assistir às conversações. Mal chegámos, enfiaram-lhe aquela coisa azul ... a burqa, e esteve sempre recolhida. Só saía para ir ao estábulo mungir as cabras e as burras. Sabe que ganhou enorme destreza nessa arte?
- Muito me alegra sabê-lo e vê-la ocupada em tarefas tão nobres e cuja tradição entronca nos primórdios da nossa civilização, em vez daquelas peixeiradas da SIC Notícias, pouco próprias de uma mulher avisada. E agora?
- Agora vou regressar a Portugal e dar conta aos meus concidadãos e ao meu secretário-geral destas decisões que são o paradigma do triunfo do diálogo e da tolerância, sobre o belicismo americano. Julgo que vou ter uma enorme e entusiástica recepção. O Carvalhas e o Carvalho da Silva já deram o seu assentimento. Espero a toda a hora um telefonema do Louçã. Acho que ele está com alguns problemas ... sabe ... aquela história da Ana Drago que tem o útero tutelado pelo Estado. Misturar a política com a coisa pública, ou vice-versa, é, às vezes, complicado. Mas tenho esperança.
Quanto ao Ferro, não há problemas. Com aquele buraco da Casa Pia em que está metido, não tem ânimo para nada. Se até o Louçã manda nele! Vai ser canja!
Nota: ler também Mário Soares e o Terrorismo
O ex-Presidente da República e eurodeputado socialista Mário Soares defendeu que é importante perceber os objectivos da al-Qaida e apostar no diálogo com a organização Al-Qaida para perceber os seus objectivos e combater o terrorismo, em alternativa ao uso da força. «Quais são os objectivos da al-Qaeda? O que os motiva?», questionou Mário Soares, numa conferência em Lisboa, adiantando que «há uma galáxia que não conhecemos bem e a única maneira é tentar percebê-la», sublinhando que «esmagando-os [os terroristas] não chegamos a lado nenhum»
«Para fazer a paz não vale a pena falar com os que fazem a guerra?», questionou o eurodeputado, ao intervir numa conferência sobre direitos humanos em Lisboa, na Fundação Mário Soares. Quando alguém na plateia perguntou se Mário Soares também teria defendido um diálogo com Hitler, o eurodeputado respondeu que «se fosse necessário, para evitar um ano de guerra, valia a pena».
O ex-presidente de República deu o exemplo do dirigente da Esquerda Republicana da Catalunha Josep-Lluis Carod-Rovira, que teve um encontro com elementos da ETA, numa iniciativa «a que o povo espanhol respondeu com bom senso e sabedoria», fazendo aumentar o número de deputados daquele partido de um para oito nas eleições de 14 de Março. Na minha opinião esta afirmação é o que há de mais perverso nas alegações de Soares. E é perversa porque dá uma visão perversa da democracia, quando se perdem os valores e se trocam votos por um prato de lentilhas.
Daladier quando regressava a Paris depois da assinatura dos acordos de Munique e se apercebeu da multidão que o esperava temeu o pior, julgando que iria ser linchado. Afinal a multidão vitoriava-o em delírio. O comentário de Daladier para os seus acompanhantes foi lapidar: Estão loucos. Daladier passou à História como um capitulacionista. Mário Soares passaria à História, tudo o indicava, como o político que nos momentos decisivos, a seguir ao derrube da ditadura, soube liderar as forças democráticas no combate às forças que tentavam instaurar um novo totalitarismo. Mas a continuar na via que encetou de há dois anos para cá a sua imagem ficará, certamente, muito degradada.
Daladier negociou com o terror nazi, mas compreendeu que apenas ganharia alguns meses de paz. Ganhou um ano, o mesmo ano pelo qual Mário Soares achou que valeria a pena dialogar com Hitler. Esqueceu-se é que não foi menos um ano de guerra, mas sim que a guerra começou um ano depois e foi certamente mais duradoura e cruenta do que se as potências ocidentais tivessem mais cedo posto cobro aos projectos de Hitler.
Himmler, num discurso para oficiais da SS em Kharkov, em 19/4/43, afirmou: «A melhor arma política é a arma do terror. A crueldade gera respeito. Podem odiar-nos, se quiserem. Não queremos que nos amem. Queremos que nos temam.».
O terror nazi era diferente do terror do fundamentalismo islâmico. Tinha mais meios e chegou a ocupar a maior parte do continente europeu. Mas em contrapartida tinha uma lógica mais inteligível e tinha rosto. Por isso o terror islâmico consegue, com muito menos vítimas (até agora), a criação de um clima de pânico proporcionalmente muito superior aos meios e efectivos de que dispõe.
Com o terror não se dialoga. Só se dialoga quando há trocas possíveis, quando há campo para fazer cedências; quando os objectivos da parte contrária não são ilimitados. Senão, não há diálogo, mas apenas capitulação. Os políticos da Europa democrática da década de trinta julgaram que estavam a dialogar e só perceberam, tarde demais, que estavam a capitular através de cedências sucessivas: o objectivo de Hitler era ilimitado.
António Barreto citando a frase de Mário Soares: «"É preciso negociar com os terroristas"!», escreveu; « Ele [Mário Soares] não disse "opositores", "adversários", "colonizados", "oprimidos" ou "resistentes". Disse "terroristas". Nunca alguém o dissera antes dele. E creio que ninguém o dirá depois.»
Esperemos que ninguém o diga depois, pois será bom sinal.
Não levo muito a sério as declarações de Zapatero sobre a retirada espanhola. Ele aliás teve a prudência de dizer que vai mandar regressar as tropas espanholas do Iraque se não houver "novidades" na situação interna daquele país até ao dia 30 Junho, data prevista para a transferência de soberania. E a sua «prudência» foi não ter especificado quais as «novidades» que seriam necessárias para que os 1300 soldados que Espanha tem no Iraque, desde o Verão de 2003, regressassem a casa.
Sabe-se da pouca firmeza que Zapatero tem mostrado ao longo do seu percurso político. Sabe-se que foi essa falta de firmeza que fez com que o PSOE, apesar da questão do Prestige, apesar do apoio à intervenção no Iraque, muito impopular em Espanha, apesar da arrogância de Aznar, aparecesse abaixo do PP nas sondagens anteriores ao atentado. O tempo dirá se Zapatero vai levar à letra o que disse na noite da vitória eleitoral.
A sua estatura política revela-se contudo nas declarações que fez. Ao fazê-las na noite da vitória, sublinhando ainda que George W. Bush, e Tony Blair, "devem fazer a sua autocrítica" sobre a guerra no Iraque, deu um claro sinal à Al-Qaeda de que o atentado tinha sido um triunfo. Tudo indica que o eleitorado espanhol deslocou o seu voto do PP para o PSOE, exasperado pelas mentiras e pelas tentativas de manipulação da informação dos dirigentes do PP e não por causa da presença espanhola no Iraque. As palavras de Zapatero permitem todavia à Al-Qaida uma interpretação diferente e perversa e Zapatero deveria sabê-lo.
Zapatero tem toda a legitimidade para ter as opiniões que proferiu sobre Bush e Blair e tem toda a legitimidade para mandar retirar as tropas espanholas do Iraque. Mas ao dizer uma coisa e a outra na noite da vitória deu um evidente sinal de triunfo à Al-Qaida. Um político com estrutura dorsal, e com as opiniões de Zapatero, evitaria, na noite da vitória, trazer aqueles assuntos à colação e centraria a sua condenação no terrorismo. E, quando o clima emocional se apaziguasse e não fosse tão clara a ligação entre uma coisa e outra, tomar a decisão pública de repatriamento das tropas do Iraque e dar conselhos públicos a Bush e Blair.
Ora Zapatero deu a chancela do triunfo à Al-Qaida e fez uma promessa ambígua de retirada, que só o futuro dirá se irá ou não cumprir. Aumentou a apetência da Al-Qaida por atentados na Europa Ocidental, nomeadamente próximos de actos eleitorais e para os influenciar, a troco de nada, ou de quase nada. Zapatero deu mostra pública das razões pelas quais o eleitorado espanhol tinha muitas dúvidas sobre a sua capacidade e convicções.
Foi recentemente realizada uma sondagem entre a população que revela resultados interessantes e contraditórias com as opiniões furibundas e apocalípticas dos kamikazes de alguma comunicação social, de diversos espectros políticos e da net.
Em primeiro lugar, a credibilidade das entidades que estiveram envolvidas na sondagem (a Oxford Research International, que a fez, e diversas estações de televisão, como a britânica BBC, a americana ABC, a alemã ARD e a japonesa NHK, que a encomendaram e certamente validaram os seus critérios) e a dimensão da amostra (2737 iraquianos com mais de 15 anos) leva a supor que a amostra tem significado estatístico, embora aqueles que querem construir os factos à medida dos seus desejos argumentarão certamente que aquela amostra deveria ter sido constituída, na totalidade, pelos tradutores, motoristas, empregados de limpeza e restante pessoal assalariado daquelas entidades.
A acreditar nessa sondagem, que aliás corrobora uma outra realizada há meses atrás, muita da argumentação dos que exigem a retirada imediata das forças de coligação do Iraque cai pela base. Bem ... talvez me tenha precipitado ao escrever a frase precedente: os kamikazes que persistem naquela argumentação, furibundos, sedentos do sangue de Bush e não só, normalmente passam, displicentes, ao largo do empecilho incómodo dos factos. Apenas seleccionam aqueles que lhes convêm.
A primeira conclusão, traumática para quem tem escutado a pesada, furiosa e tonitruante argumentação dos que contestam a ocupação estrangeira do Iraque é a de que a maioria dos iraquianos diz que a sua vida está melhor agora do que há um ano, quando Saddam ainda estava no poder e não tinha ainda começado a guerra liderada pelos Estados Unidos. Segundo o inquérito, 56 por cento dos iraquianos consideram que a sua vida está agora melhor do que há um ano (22% afirmam mesmo estar muito melhor), enquanto apenas 19 por cento dizem estar pior. Cerca de 23% afirmam que a sua vida está na mesma. São melhores as expectativas para o futuro: daqui a um ano, acreditam 70 por cento dos iraquianos, tudo vai estar ainda melhor.
Isto independentemente de gostarem ou não de verem tropas estrangeiras no solo pátrio: A maioria (51 por cento) não gosta de ter tropas estrangeiras no Iraque e mais de quatro em dez inquiridos não tem "qualquer confiança" nas forças americanas e britânicas e quase 20% dos iraquianos consideram que os ataques às tropas da coligação são justificados.
Todavia, e isto é importante para se compreender a situação, 54 por cento afirmam que a segurança no local onde vivem é, depois da invasão, melhor do que era antes da guerra. Aliás, a segurança (a primeira prioridade para 85 por cento dos iraquianos) é a justificação para o desejo de que as forças estrangeiras continuem presente no país (18 por cento), enquanto 36 por cento acham que estas devem retirar mal haja um governo iraquiano e apenas 15 por cento são de opinião de que as forças estrangeiras devem sair imediatamente do Iraque. Os restantes preferem períodos de permanência das forças da coligação que variam entre alguns meses e mais de um ano. Isto é, 85% da população iraquiana não é contra a actual presença militar da coligação e 18% acham mesmo que ela devia continuar após a existência de um governo iraquiano legitimamente eleito.
Portanto, a conclusão da sondagem é límpida: para os iraquianos, a presença das forças de coligação é um mal necessário. Para os nossos órfãos de Lenine, que adoptaram os fundamentalistas islâmicos como sucedâneo do colapso dos amanhãs que cantam, aquela presença é o mal absoluto e a providência (Al-Qaeda) encarregar-se-á de castigar os rotweilers de Bush, Blair, Sharon e, por extensão, toda a civilização ocidental, fonte desse mal absoluto. E a sua «grande imprecação diante das muralhas da cidade» não deixa quaisquer dúvidas, só que este jogo é diferente e contrário.
Esta sondagem indica ainda um dado interessante: para a população iraquiana, os líderes religiosos são os mais confiáveis, para 70 por cento dos inquiridos logo seguidos pela polícia iraquiana (68 por cento). Ora os líderes religiosos e a polícia iraquiana são as vítimas privilegiadas da sanha terrorista. Esta sondagem permite perceber porquê. O terror, no Iraque, não está interessado na libertação do povo iraquiano. Mesmo as forças da coligação são um alvo menor. Os seus alvos privilegiados são aqueles que os terroristas sentem ter a confiança da população iraquiana. O seu alvo a atingir é a estabilização e a democratização do Iraque. Não se trata de resistência ao invasor, mas de terrorismo.
Para finalizar sublinho que não está em causa a legitimidade ou a não legitimidade da intervenção militar, do ponto de vista do Direito Internacional. Não é dessa matéria que tratou a sondagem, não é dessa matéria que trata este artigo. Quem quiser saber a minha opinião sobre isso, é favor consultar textos meus da época, arquivados no mês de Outubro de 2003. Nesta sondagem, o que está em causa é a opinião dos iraquianos sobre a actual situação, criada pela intervenção e vitória militar.
Aliás, o Presidente polaco, em declarações hoje proferidas, diz que o seu país foi enganado e «levado a acreditar» na existência de armas de destruição maciça no Iraque. Todavia continuou dizendo que uma retirada das tropas polacas da coligação do Iraque não faria qualquer sentido, afirmando que «estamos em meados de Março e eu coloco a questão: se a retirada deverá significar o regresso à guerra, à limpeza étnica, à agressão contra países limítrofes, qual será então o sentido desta retirada das tropas?». E o contigente polaco é, segundo creio, sete vezes mais numeroso que o espanhol.
Não foi apenas para registar efemérides que nestes últimos dias, e não só, escrevi diversos textos sobre acontecimentos que precederam a Segunda Guerra Mundial.
Se esses textos forem lidos com atenção, verificar-se-á que escrevi-os tentando pôr-me no papel de um observador contemporâneo desses acontecimentos, interpretando-os à luz do que tinha ocorrido até então, evitando que essa interpretação fosse afectada pelos acontecimentos posteriores. E várias vezes chamei a atenção que muitos dos factos ocorridos, se hoje em dia os julgamos de grande malevolência, na época poderiam ter, e tiveram, uma leitura muito diferente e apaziguadora.
Ora hoje em dia, como então, o nosso julgamento tem apenas como premissas os factos recentes e passados. Não sabemos o que se vai passar no futuro, nem somos capazes de julgar as nossas acções actuais com o entendimento dado pelos factos subsequentes, que sobrevierem até ao fim deste processo.
Aliás, o próprio Julgamento de Nuremberga, ao trazer à colação factos ocorridos antes do golpe de Praga (Março de 1939) e incriminando diversas personalidades políticas devido a eles (von Papen e von Neurath, por exemplo) deu uma imagem de «Vae victis!» ao seu juízo. Na verdade, todos aqueles actos foram aprovados pelas potências ocidentais e o próprio acordo de Munique e os seus signatários foram acolhidos em delírio pelas massas das democracias ocidentais. Portanto, repito, os juízes de Nuremberga, ao trazerem à colação os factos ocorridos antes do golpe de Praga, deveriam igualmente ter constituído arguidos todos os políticos ocidentais que tinham dado o seu assentimento às sucessivas exigências de Hitler e as populações de Paris e Londres que se manifestaram com tanto entusiasmo à chegada de Daladier e de Chamberlain. Não foram apenas Daladier e de Chamberlain que capitularam em Munique perante Hitler foram as populações francesa e britânica, principalmente a primeira, foram os políticos do Front Populaire que, enquanto a Alemanha se rearmava a grande ritmo e de uma forma clara, deixaram que o exército francês se tornasse obsoleto perante o alemão e que a sua força aérea se tornasse uma arma de segundo plano, tudo em nome de valores que então tiveram grande acolhimento e respeitabilidade.
Mas o entendimento então não era, de forma alguma, que tinha havido capitulação, nem na ocupação da Renânia, nem no Anschluss, nem sequer em Munique. Tinha havido apenas uma vitória da paz e da concórdia sobre a guerra. As forças da paz tinham vencido as forças da guerra. Só alguns detractores se atreviam então a falar de capitulação.
A situação actual terá que ser vista com mais discernimento do que a geração de então, que assistiu aos acontecimentos entre 1933 e 1939 e permitiu que tudo aquilo ocorresse. Temos no mínimo a obrigação de ter aprendido alguma coisa com esse passado. Não estou a tentar estabelecer mecanicamente qualquer ligação entre as duas situações, nem insinuar que bin-Laden é o equivalente de Hitler e Zapatero poderá ser a reencarnação de Daladier. Estou apenas a afirmar que se nos enganarmos agora e formos vítimas desse erro, não seremos nós que daqui a alguns anos ou décadas iremos fazer a análise histórica das tragédias que ocorrerem. Serão outros, e provavelmente tanto ou mais cáusticos e acusadores relativamente a nós e aos políticos actuais, como nós temos sido relativamente aos políticos ocidentais e ao espírito pacifista e capitulacionista do período entre as duas guerras.
Transigir julgando obter uma paz com honra, não é solução. Não haverá honra na transigência, nem se conseguirá a paz, antes maior pertinácia e sobranceria na agressão. Foi assim então, será assim agora.
O Sindicato dos Jornalistas defendeu ontem na Assembleia da República a revisão do regime do sigilo profissional dos jornalistas de modo a que estes passem a ter um regime de protecção semelhante àquele de que gozam os sacerdotes, ou seja, total.
Pelo que os jornalistas consideram que a cobertura que fazem dos acontecimentos e as informações que recebem têm as mesmas característica que o múnus sacerdotal no que respeita à confissão dos crentes.
Portanto, quando a Manuela Moura Guedes escancara a boca para os telespectadores está, ao contrário do que a terrificada audiência possa julgar, a recitar uma piedosa homilia no legítimo exercício do seu múnus jornalístico. As fontes fidedignas e anónimas que servem de suporte às suas vociferações são apenas humildes pecadores que resolveram escolher o caminho do Senhor e confessarem os seus (e dos outros) ominosos pecados ao jornalista mais próximo, em sotaina ou à civil.
Quanto aos sacerdotes têm agora a via aberta para concorrerem com os jornalistas no que toca às notícias. Numa primeira, e prudente, fase dedicar-se-ão, durante as homilias, apenas a notícias locais, da sua paróquia:
- Segundo asseguraram fontes fidedignas no meu confessionário, a Dona Gertrudes anda a cometer um pecaminoso e reiterado adultério com o Chico do Cabeço dos Sapos; de acordo com as mesmas fontes, estes pecados já são do conhecimento do home da Dona Gertrudes e aguarda-se um iminente desfecho. No próximo domingo pô-los-ei ao corrente dos novos desenvolvimentos, a menos que os desígnios insondáveis do Senhor levem a que os acontecimentos se precipitem. Se isso ocorrer darei deles notícia na missa (ou missas) de corpo presente do(s) protagonista(s) deste hediondo caso.
Depois, à medida que a capacidade sacerdotal do tratamento informativo se desenvolver e tornar mais abrangente, teremos nas homilias e prédicas de domingo nas TVs, verdadeiros noticiários a concorrer abertamente com os telejornais, apesar do horário não aparentar ser dos mais apropriados. E, quiçá, os horários nobres começarem a transferir-se para as manhãs de domingo pelo incremento inusitado das audiências do pessoal entusiasmado pelas sanguinolentas descrições dos sacerdotes-notícia.
A parenética portuguesa vai sofrer uma reviravolta drástica, não apenas a parenética até agora circunscrita ao múnus sacerdotal, como a nova parenética jornalista que emergirá destes novos conceitos defendidos pelo Sindicato dos Jornalistas. Quem sabe se os sermões da Manuela Moura Guedes não se tornarão um clássico, não da literatura, obviamente, mas do audiovisual. Porque ouvir aquelas prédicas sem lhes visualizar a origem, aquela boca magnífica que ocupa dezenas de polegadas em qualquer televisor, por pequeno que seja, é perder 99% do impacte e da quantidade artística.
A sequência dos últimos acontecimentos em Espanha tem tido várias leituras.
No que respeita à acção terrorista há uma unanimidade formal na sua condenação. Todavia, adjectivo-a como formal, porque não sei em que medida alguns sectores ou comentadores não a condenarão por tal ser o politicamente correcto.
No que respeita aos resultados eleitorais, a opinião mais veiculada, idêntica à que escrevi aqui na noite eleitoral, é a de que a vitória do PP é a punição, pelo eleitorado, pela forma desastrada como o governo espanhol geriu a informação sobre o massacre do 11 de Março, entre esse dia e o dia das eleições.
Não sei, com certezas, o que levou o governo espanhol, nos dias 12 e 13, a adoptar aquela postura, pois não estava por dentro do seu pensamento; mas, em política, o que parece, é. E a leitura objectiva das suas acções foi que, por motivos de obtenção de dividendos eleitorais, apostou em força na «pista ETA». E mesmo quando essa pista se começou, rapidamente, a revelar improvável, e a «pista islâmica» assumia relevância, o governo espanhol continuou a apostar publicamente na «pista ETA», talvez convencido que as informações contrárias só viriam a público depois de terminado o acto eleitoral. Ora numa sociedade aberta esta convicção é de uma tremenda ingenuidade. É certo que ninguém, a não ser ele próprio, poderá afirmar que ele usou deliberadamente essa estratégia. Todavia a sequência dos factos transmite essa imagem, inexoravelmente.
Uma outra leitura afirma que o PP foi punido pelo seu envolvimento activo na política de Bush no Iraque. Não partilho dessa opinião embora reconheça que o eleitorado espanhol não era favorável àquela política. Basta ver que, apesar do caso Prestige, onde o governo de Aznar teve um comportamento miserável, a raiar o desinteresse e a insensibilidade, e do apoio à intervenção no Iraque, bastante impopular em Espanha, o PP havia recuperado bastante, quer pela gestão económica, quer pela falta de convicção da figura de Zapatero, e, nas vésperas do atentado, estava ligeiramente acima do PSOE.
Estive em Espanha durante a primeira semana da guerra e fiquei surpreendida com o tom dos meios de comunicação. Quem lesse os jornais, ouvisse a rádio, ou visse a TV ficava com a convicção que Aznar, contra vontade do povo, havia empenhado importantes efectivos beligerantes na guerra do Iraque. Os edifícios das câmaras do PSOE estavam repletos de propaganda contra a guerra. Longos paramentos anti-Aznar e anti-Bush pendiam nas fachadas dos edifícios camarários. Eram as próprias câmaras que produziam aquela propaganda, uma situação que seria impensável no nosso país. Em Madrid havia batalhas campais.
A questão é que, embora o eleitorado espanhol estivesse maioritariamente contra a intervenção no Iraque e contra outras políticas de Aznar, deveria provavelmente lembrar-se que a anterior governação socialista havia caído no meio da maior das corrupções e marasmo económico e que a governação do PP tinha trazido à Espanha prosperidade económica e importância geo-política.
Portanto, antes do atentado, o envolvimento da Espanha no Iraque não constituia motivo para deslocamentos significativos dos votos.
Todavia o cúmulo da questão iraquiana com as omissões, ou mentiras, dos governantes espanhóis no que toca ao atentado, poderia ter potenciado o efeito dessa inábil gestão da informação e ter levado à deslocação de parte do eleitorado para o PSOE. Nessa medida, indirectamente, é possível que tenha havido uma punição pelo envolvimento no Iraque. Após as legítimas dúvidas sobre quem mentiu acerca das ADM do Iraque, mais este chorrilho de mentiras ou, no mínimo, omissões, fez transbordar a taça.
Mas aqui entronca uma questão perversa. Se o atentado favoreceu, ou pode ter dado a imagem de ter favorecido, uma mudança da política espanhola, então a Al-Qaida, ou qualquer um de nós, pode concluir que o atentado teve dividendos políticos, que a intromissão do terror no funcionamento da democracia conduziu a uma espécie de cedência à chantagem terrorista. Por esta leitura, seria a primeira vez que o terror islâmico, baseado na matança indiscriminada, conseguiria esse desiderato. A Al-Qaida pode concluir que votou, com um peso significativo e determinante, nas eleições de um país em terras de infiéis.
Mas isto leva a colocar outra questão igualmente perversa. Se nas vésperas de uma próxima eleição num país igualmente envolvido no Iraque, e há 33, houver um atentado deste género, a quem a opinião pública respectiva irá pedir responsabilidades: ao seu governo, por ter apoiado Bush, ou aos eleitores espanhóis alegadamente acusados de capitularem perante o terrorismo e de lhe mostrarem que o crime compensa?
Portanto, transformar a vitória do PSOE numa bandeira da oposição à guerra do Iraque, pode ser tentador para muita gente. Mas é desonesto, porque o dado novo foi o atentado e não a intervenção militar. E é perverso, porque premeia objectivamente as intenções dos que fizeram os atentados e põe o labéu de cobarde a um eleitorado que certamente não o merece, pela forma como nunca capitulou perante o terrorismo da ETA.
É que faz toda a diferença ser-se contra a guerra do Iraque porque não a consideramos legítima, ou porque temos medo que o nosso apoio seja cobrado com a própria vida, nossa e dos nossos.
Março foi um mês emblemático no percurso de Hitler para o poder e para a guerra.
1 - Em 1933, Hitler foi indigitado chanceler num governo onde os nazis eram muito minoritários. Para governar conforme os seus desígnios, esta minoria não servia a Hitler. Do lado de Hindenburg, o presidente, não poderia contar com apoio. Hindenburg detestava Hitler, que designava por «böhmische Gefreite» (literalmente cabo da Boémia). A sua estratégia passou pela utilização dos meios legais para ampliar os seus poderes, enquanto esperava a morte do velho marechal.
Estavam marcadas eleições para 5 de Março. O clima de pânico propício para mobilizar o eleitorado para defesa da tranquilidade pública foi dado pelo incêndio do Reichstag (segundo as evidências, obra dos próprios nazis) em 27 de Fevereiro e pela campanha contra os comunistas (acusados do incêndio) que se seguiu imediatamente. Talvez por essa pressão as eleições tiveram uma participação recorde. O NSDAP teve 44% (288 mandatos em 647) e precisava de 50 lugares para a maioria absoluta. Foi fácil: apesar de muitos dos seus dirigentes terem sido presos, os comunistas tinham obtido 81 lugares. O KPD foi dissolvido, os seus bens confiscados e os seus mandatos no Reichstag cassados.
Em 24 de Março, o Reichstag (reunido no edifício da Garnisonskirche - «Tag von Potsdam» - as sessões seguintes, raras, passaram a realizar-se na Kroll-Oper) aprova a Ermächtigungsgesetz (Lei de plenos poderes, incluindo revisões constitucionais). A partir daí, nas raras vezes em que era convocado, o Reichstag passou a ser um mero auditório para representações políticas.
Dias antes, em 14 de Março, Goebbels havia assumido a pasta de «Reichsminister für Volksaufklärung und Propaganda» (literalmente Ministro do Esclarecimento Público e da Propaganda).
2 7 de Março de 1936: A ocupação da Renânia, referida em texto anterior.
3 12 de Março de 1938: As tropas alemãs entram na Áustria Anschluss (União).
A anexação da Áustria pela Alemanha não pode ser vista pelos olhos actuais. Durante séculos a casa de Áustria deteve igualmente a soberania do Império Alemão (I Reich) dissolvido por Napoleão. Durante o século XIX as tentativas de reunificação alemãs tiveram como protagonistas, quer a Prússia, quer a Áustria. A batalha de Sadova entregou a Alemanha à Prússia.
Nos últimos 50 anos do Império austro-húngaro, havia entre a minoria alemã, cada vez com menos peso nos destinos do império, à medida que progredia a democracia representativa, uma forte corrente que olhava a Alemanha como uma eventualidade preferível aos Habsburgos. Curiosamente os húngaros revelavam-se os adeptos mais convictos da monarquia dual: eles precisavam dos alemães para manterem uma maioria face aos povos eslavos que habitavam a monarquia.
Os tratados de paz a seguir ao fim da guerra (Versalhes, S. Germain e Trianon) tinham despedaçado a Áustria-Hungria e dispersado os alemães pela Áustria, pela Checoslováquia, onde constituíam mais de um terço da população da Boémia, e por outros países. Por isso mesmo era interdita a reunião entre a Áustria e a Alemanha. As potências vitoriosas sabiam que esse seria um dos cenários mais prováveis, em face da situação em que ficava a Áustria.
O processo de anexação da Áustria iniciou-se pela constituição de um forte partido nazi, entretanto interdito e passado à clandestinidade. Em 1934 o chanceler Dolfuss é assassinado e é descoberto um plano de insurreição das SA austríacas. As potências europeias (incluindo a Itália) reagiram negativamente e a Alemanha ainda estava no início do rearmamento: Hitler mandou regressar o embaixador alemão em Viena, alegadamente comprometido na ocorrência, e desaprovou a acção.
A situação precipitou-se em 1938. Em Fevereiro, em Berchtesgaden, o chanceler Schuschnigg aceitou as exigências de Hitler, amnistiando os nazis austríacos presos e aceitando a entrada de Seyss-Inquart, o chefe nazi austríaco, para o governo, como ministro do Interior. Este processo corre em simultâneo com o aumento do poder de Hitler na Wehrmacht o Marechal von Blomberg é destituído de ministro da Guerra após terem sido descobertas revelações sobre o passado de Erna Grühn (1), com quem casara semanas antes, em segundas núpcias, e de cujo casamento Hitler e Goering haviam sido padrinhos; o General von Fritsch, comandante supremo do exército é destituído por suspeita de homosexualidade. Hitler assume o comando supremo das forças armadas. Também nos Negócios Estrangeiros o moderado Barão von Neurath sai, entrando von Ribbentrop. Von Blomberg, von Fritsch e von Neurath haviam sempre manifestado grandes reservas e mesmo objecções aos planos do Führer. A sua saída, em Fevereiro de 1938, nazificou inteiramente as chefias políticas e militares da Alemanha. Na mesma remodelação Funk passou a sobraçar a pasta da Economia e Keitel tornou-se chefe único do Alto Comando.
Mas na Áustria, país católico e com uma importante minoria judia, havia um forte oposição aos nazis e, obviamente, à união com a Alemanha. Sob a influência dessas forças, Schuschnigg anuncia a 9 de Março, um referendo para o domingo, 13 de Março. Hitler não podia sujeitar-se aos resultados duvidosos de referendo e decide-se pela intervenção militar, apesar das hesitações das chefias militares. Mussolini, informado previamente por Schuschnigg sobre a decisão do referendo, declara: «é um erro, se o resultado for satisfatório, dirão que não é genuíno; se for mau, a situação do governo torna-se insustentável; se for indeciso, então ainda será pior».
No dia 11 a situação precipitou-se. Seyss-Inquart comunica a Schuschnigg um ultimato alemão exigindo a anulação do referendo. Schuschnigg decide-se pelo adiamento, mas é-lhe exigida a renuncia ao cargo e a nomeação de Seyss-Inquart. Schuschnigg resolve resignar mas, entretanto (12 de Março), as tropas alemãs entram na Áustria sem encontrar resistência. No dia seguinte, na sua cidade natal de Braunau, Hitler proclama a dissolução da República da Áustria e a integração desta no Reich.
3 15 de Março de 1939: o golpe de Praga
Aquando dos acordos de Munique relativamente à anexação dos Sudetas pela Alemanha, em Setembro de 1938, Hitler havia declarado que «não queremos um único checo». Todavia, a fraqueza militar checa, que perdera as suas defesas fronteiriças, e o separatismo eslovaco eram uma tentação muito forte. Hitler aposta no separatismo do governo eslovaco, presidido por Monsenhor Tiszo. Mas em 10 de Março, o governo checo, informado do complot de Bratislava, destitui Tiszo. Tiszo vai a Berlim onde pede o apoio de Hitler. É redigido uma minuta de um telegrama onde as autoridades eslovacas solicitam a intervenção do Reich.
O presidente checo, Hacha, em face da situação, pede uma entrevista a Hitler que se realiza na noite de 14 para 15. Entretanto, a Eslováquia havia, no dia 14, proclamado a independência e pedido a protecção do Reich o que fazia com que a Boémia-Morávia ficasse geograficamente isolada do mundo exterior. Hacha era um homem de saúde muito debilitada, tendo perdido a consciência por mais de uma vez durante as conversações. Não tinha qualquer hipótese de resistir, politica ou militarmente. Acabou por se submeter ao diktat alemão, assinando uma capitulação redigida pelos alemães, que autorizava a entrada das tropas alemãs e tornava a Boémia-Morávia num protectorado do Reich. Para apaziguar as potências ocidentais, nomeou o moderado Freiherr (Barão) von Neurath como Protector.
No protocolo assinado podia ler-se:
«As duas partes expressaram de comum acordo a sua convicção de que o objectivo de todos os esforços deve ser o de assegurar a tranquilidade, a ordem e a paz nesta parte da Europa Central. O Presidente do Estado Checoslovaco declarou que, para servir esses objectivos e conseguir uma pacificação definitiva, remete, com plena confiança, o destino do povo e do país checos nas mãos do Führer do Reich Alemão.
O Führer aceitou esta declaração e exprimiu a sua decisão de tomar o povo checo sob a protecção do Reich alemão. Ele assegurar-lhe-á um desenvolvimento autónomo, conforme ao seu próprio carácter».
Dias depois, em 23 de Março, Hitler deslocou-se a Memel, que havia sido cedida pela Lituânia, após uma sugestão alemã. A Lituânia nem pôs hipótese contrária. No dia anterior, as autoridades lituanas haviam evacuado Memel (Klaipeda).
Março, o mês fatídico do percurso de Hitler para a guerra. Curiosamente as outras ocorrências, Munique (anexação dos Sudetas) e a invasão da Polónia (que desencadeou a guerra), tiveram lugar em Setembro, a meio caminho entre dois Marços sucessivos. Coincidências?
Sobra a purga interna de 30 de Junho de 1934, onde Hitler se desfez de Ernst Röhm e das chefias SA. Mas essa purga era urgente face ao estado de saúde de Hindenburg (viria a morrer em 2 de Agosto de 1934) e à sua sucessão. Hitler tinha que garantir o apoio da Reichswehr e do patronato que viam com muito maus olhos os turbulentos e indisciplinados camisas castanhas (SA).
(1) De acordo com os ficheiros da polícia, Erna Grühn (35 anos mais nova que von Blomberg), para além de dançarina de um night-club, o que era sabido, havia trabalhado como prostituta e posado para fotografias pornográficas. Foi a publicação de fotografias da boda em jornais que levou esse facto ao conhecimento da polícia. Inicialmente, o chefe da polícia contactou discretamente von Blomberg para o pôr ao corrente dos factos. O marechal, então com 60 anos, estava apaixonado. Preferiu arrostar a tempestade. Foi exigido a von Blomberg que anulasse o matrimónio. Werner von Blomberg preferiu demitir-se, devolver o seu bastão de marechal e retirar-se da vida pública para viver o seu idílio com a sua jovem esposa.
A forma como nos estamos a comportar perante a ameaça terrorista vai moldar a nossa sociedade no futuro.
Em primeiro lugar tem que se reconhecer que nada justifica o terror. Nem em Madrid, nem em Nova Iorque, nem em Israel. E igualmente no Iraque, nada justifica os ataques terroristas contra a ONU, a Cruz Vermelha, a polícia, as filas de civis à espera de emprego, as mesquitas, etc.
Esta afirmação não deve porém escamotear que o fenómeno terrorista tem causas e que essas causas têm que ser tomadas em consideração, no processo de erradicação do terrorismo. Todavia, o terrorismo tem uma característica que é geral mesmo quando ele se inicia como uma tentativa de lutar contra um poder mais forte, com as armas possíveis, ganha progressivamente autonomia ideológica e material. As motivações iniciais passam a ser meras referências sem densidade material País Basco, Palestina, os novos cruzados, os infiéis, etc.. O terrorismo cai nas mãos dos operacionais, sem conteúdo político, cujo único objectivo é o terror, pelo terror.
O Vietcong ganhou a guerra do Vietname sem basear a sua acção no terrorismo. Usou a guerra convencional e a guerrilha, rural ou urbana, mas não o terrorismo. Ganhou a guerra política e militarmente. Aliás, a sua vitória política foi a alavanca para a vitória militar: esta não teria sido possível sem aquela. Portanto não é possível sustentar que o terrorismo não passa da "resistência ao opressor". Mesmo que remotamente tenha tido essa origem, perdeu-a depois, pela sua própria lógica interna de funcionamento.
A estratégia do terror é a da manipulação de consciências e das vontades através da espada de Damocles da matança indiscriminada, do morticínio em larga escala, do holocausto. Ao terror não se pode responder pela capitulação ou tentando passar desapercebido o terror é cego e absurdo. Da lógica de um alvo preciso a abater, passou-se para a lógica da massa humana indiferenciada: Os alvos do terrorismo serão cada vez mais imprecisos e indetermináveis. O terrorismo precisa disso, dessa lógica cega e absurda, para implantar o terror absoluto e minar a vontade e as consciências.
Não ... não é inteiramente verdade o que acabei de escrever. Há alvos privilegiados do terrorismo: os que querem promover a paz. Frequentemente há uma lógica do quanto pior, melhor. Foi essa lógica, utilizada pelos terroristas palestinianos, que levou Sharon ao poder. Foi essa lógica que tem concorrido para minar o movimento independentista basco, desacreditando as forças nacionalistas.
O terrorismo é uma guerra de nós todos, porque pode atingir qualquer um de nós.
O PP perdeu as eleições porque persistiu na publicitação da pista ETA, quando os próprios serviços secretos já haviam enveredado pela pista islâmica. Num regime fechado poderia ser uma táctica frutuosa; num regime aberto, revelou-se um desastre. Veio a lume e, ao saber-se, passou para o eleitorado a ideia de que o PP preferia a pista ETA porque lhe traria dividendos políticos, enquanto a pista islâmica poderia acarretar-lhe prejuízos. Todavia a mentira, ou a omissão, causou-lhe certamente prejuízos muito maiores.
As Águas de Portugal e os sistemas multimunicipais de que ela é sempre maioritária (detém no mínimo 51% do respectivo Capital Social) foram criados visando um objectivo que, em princípio, estaria correcto: as Câmaras haviam demonstrado, em muitos dos casos, uma total incompetência na gestão dos serviços de água e saneamento, havendo centenas de ETARs que não estavam em funcionamento (algumas nunca tinham chegado a arrancar) por falta de capacidade de exploração e de manutenção dos respectivos serviços. A criação de diversos sistemas detidos maioritariamente por uma entidade com importantes sinergias técnicas e financeiras (basta lembrar que a própria EPAL pertence a este grupo) poderia assegurar gestões mais eficientes desses mesmos sistemas.
E o mesmo processo ocorreu na área dos resíduos sólidos urbanos, onde o braço armado do Estado é a EGF, também parte integrante do grupo IPE Águas de Portugal. Todo este processo teve a chancela do ministro Sócrates que foi o seu principal impulsionador.
Este processo teve, todavia, um pecado original que inicialmente ninguém se terá dado conta. A AdP era tutelada pelo Ministério do Ambiente. São os serviços do Ministério do Ambiente que apreciam as candidaturas de projectos no domínio de águas, saneamento e resíduos sólidos urbanos ao Fundo de Coesão. E, como o povo diz ... a ocasião faz o ladrão. Que pecado ocorreu?
Muitos municípios ou associações municipais que apresentavam candidaturas ao Fundo de Coesão viram-se perante situações em que a alternativa era clara, embora não assumida por escrito: se vocês se integrarem no grupo AdP terão comparticipações a fundo perdido (que poderiam ir de 50% a 85%). Se não ... nós vamos continuara apreciar a vossa candidatura, pedir mais elementos que julguemos pertinentes, e a seguir mais ... e mais ... anos a fio ... até a vossa paciência se esgotar.
Muitos municípios cederam à chantagem. Outros não. A LIPOR não cedeu à chantagem, mas tinha atrás todo o peso político da área do Grande Porto. O mesmo sucedeu com a AMTRES, que também detém um enorme peso demográfico e político. Todavia, os sistemas intermunicipais alentejanos AMLA, AMALGA, AMCAL e AMAMB recusaram e estão há alguns anos a mendigar verbas para os seus projectos, verbas que são sistematicamente adiadas, a pretexto que falta qualquer coisa, mais um estudo, ou uma revisão do estudo, ou ....
Inclusivamente a AdP comprou sistemas que tinham sido concessionados a privados, como as águas do Planalto Beirão, antes concessionadas à Luságua.
O entusiasmo dos governantes era enorme. A AdP, há três anos, estava avaliada em mais de dois mil milhões de euros. Como a AdP continuou a operar em monopólio, recebendo avultados financiamentos a fundo perdido do Fundo de Coesão e de outros instrumentos de apoio comunitário, e a crescer através da chantagem aos municípios, seria de esperar que se continuasse a valorizar.
Esta semana veio a público, nos jornais, que, afinal, a empresa vale menos de 500 milhões de euros. Pior, nesse valor estão contabilizados activos de cobrança duvidosa, como dívidas dos municípios (a AdP vende água em alta às Câmaras ou aos SMAS e estes distribuem em baixa aos munícipes a quem cobram as tarifas) e as participações no Brasil, Cabo Verde e Moçambique cujo valor venal actual deve ser muito inferior ao valor com que estão inscritas nos activos da AdP.
Ou seja, daquele monstro, a única área que continua a manter o seu valor será a EPAL. Mas a EPAL já existia antes desta fúria monopolizadora.
Que fazer?
Tem-se falado na hipótese da privatização. Quase todos os agentes económicos que trabalham nesta área torcem o nariz a essa opção. Privatizar a AdP seria entregar aquele quase monopólio, construído à base da chantagem, a um dos tubarões internacionais das águas, que assentaria arraiais em Portugal e traria todo o know-how com ele. As principais, e primeiras, prejudicadas seriam as empresas de engenharia portuguesas que poderiam ver o seu mercado diminuir drasticamente. Mas os empreiteiros de Construção Civil também não ficariam melhor.
Uma outra solução, mais consensual, seria dividir a AdP em unidades mais pequenas, eventualmente de acordo com os sistemas multimunicipais que ela detém maioritariamente, e privatizar faseadamente. Ou privatizar apenas parte do capital social. Ou uma solução composta. Enfim, soluções que facilitassem a entrada de capitais portugueses em condições de vantagem na competição com os tubarões internacionais.
A manutenção da AdP no seu figurino actual só serve para prover importantes cargos a aderentes dos partidos dos sucessivos governos. E também tem o efeito perverso de tentar liquidar os sistemas a que ainda não conseguiu deitar mão, como o continua a fazer, apesar dos protestos dos autarcas.
Há duas legitimidades: 1) os dinheiros devem ser aplicados da forma mais eficiente possível, e a AdP estaria, em princípio, mais vocacionada para essa eficiência que os municípios; 2) os autarcas têm legitimidade de quererem serem eles a definirem a política e as tarifas das águas, saneamento e R.S.U., até porque são eles que serão julgados pelos seus munícipes nas eleições. É todavia possível compaginar estas duas legitimidades desde que haja bom senso e, acima de tudo, ética.
Mas não há qualquer legitimidade para andar há anos a adiar diversos projectos de águas e saneamento, no Alentejo e noutros lugares, porque alguns irredutíveis não cedem à chantagem da tutela do Ambiente.
Foi ontem anunciado que a economia nacional se contraiu 0,2% no quarto trimestre do ano passado, em relação aos três meses anteriores. Esta é a segunda quebra consecutiva da variação trimestral do Produto Interno Bruto (PIB), o que significa que Portugal voltou a entrar no que se designa por recessão técnica. Para o conjunto de 2003, a economia caiu 1,3%.
Em termos anuais, a economia caiu 1,3%, muito próximo do pior dos cenários esperados pelo Banco de Portugal, que apontava para uma diminuição máxima do PIB de 1,5%. Esta quebra resultou da evolução da procura interna, que teve uma contribuição de -3,1% para a variação do PIB. Já a procura externa líquida teve um contributo positivo, de 1,8%.
Segundo o INE, esta evolução da procura externa líquida «foi mais positiva do que no ano anterior [de 1,1%], em consequência da aceleração das exportações de bens e serviços e da quebra das importações de bens e serviços». Consequentemente, «a necessidade de financiamento da economia reduziu-se de 5,2% do PIB em 2002 para 2,9% em 2003».
Por outro lado, tudo indica que 2004 será um ano melhor do que 2003 (o que também não é difícil); julgo, todavia, que a retoma será lenta e de pequena amplitude, não só por razões estruturais da nossa economia, mas também porque a conjuntura internacional, nomeadamente a evolução da economia europeia, não parece muito consistente.
Em qualquer dos casos, o desemprego continuará a aumentar. De acordo com os especialistas, só com um crescimento da ordem de 2,5 por cento, é que a economia portuguesa consegue reduzir o desemprego. Acresce que muito do desemprego actual é estrutural, i.e., a menos que haja uma requalificação adequada dessa mão de obra, ela continuará, em grande percentagem, no desemprego. Um estudo recente mostra que a perda salarial no emprego seguinte varia entre 10% a 12% e que 55% dos despedidos nem sequer conseguem obter um novo emprego nos 3 anos seguintes. Esta é a forma perversa como o mercado de emprego repõe a produtividade laboral. E isto devia ser matéria de reflexão para as organizações laborais.
Aliás, é possível que a melhoria da situação económica das empresas tenha de passar por um ajustamento mais acentuado dos salários, ou, se este não vier a ocorrer, por uma maior redução de emprego. Por outro lado, se a retoma for superior ao previsto, eventuais necessidades adicionais de emprego terão que ser provavelmente supridas mais pela imigração do que pela bolsa de desemprego, pelas razões acima indicadas. Portanto não é provável que o desemprego diminua no biénio 2004/2005.
Uma melhoria na saúde da nossa economia é o facto do modelo tradicional de crescimento português, assente no aumento da procura interna, se estar a alterar: o fraco crescimento previsto para 2004 resultará de nova redução moderada dessa procura interna; e as exportações de bens e serviços, depois de terem aumentado 3 por cento em 2003, deverão subir acima dos 5,75 em 2004 e dos 7,5 em 2005. Por outro lado, se no cálculo do PIB para os próximos anos fossem excluídos os investimentos e os consumos públicos, a actividade privada revelaria um crescimento de 1,5 por cento este ano e de 3 por cento em 2005. Concretizando, se por um lado há um problema orçamental muito longe de estar resolvido, por outro, "as empresas portuguesas dispõem de capacidade produtiva suficiente para aproveitarem em pleno a recuperação económica internacional".
Se se mantiver a actual política de contenção orçamental e moderação salarial é, paradoxalmente previsível que, ao contrário de 2003, o rendimento disponível das famílias venha a aumentar, fixando-se em 1,5% em termos reais em 2005. Isto porque a nossa inflação tenderá a diminuir e a alinhar pela da zona euro. E como consequência, prevê-se uma nova redução do défice externo.
Fala-se muito da retoma dos EUA e dos efeitos por ela induzidos. De facto, nos últimos meses, a economia americana tem crescido em bom ritmo. Resta saber se será um crescimento sustentável. Os EUA têm enormes défices (o défice externo e o défice público) e terão que resolver essa situação mais tarde ou mais cedo e não se sabe o que os ajustamentos necessários para a sua resolução poderão ocasionar na economia americana. Os EUA têm apostado no abaixamento da taxa de câmbio do dólar para incentivar a sua economia, mas essa política também só é sustentável a curto prazo. Adicionalmente, a subida do câmbio do euro face ao dólar e a outras moedas que acompanham o movimento do dólar tem dificultado que a Europa acompanhe a actual retoma americana.
Os valores portugueses para 2003 são maus, mas reflectem um ciclo a que se tenta por cobro e que vem de trás: Portugal encontra-se, desde 2001 (inclusive), a crescer sempre menos do que a média europeia. E já em 2000 o nosso crescimento foi apenas 0.1 pontos percentuais acima da média europeia, portanto um diferencial praticamente nulo. Comparando com os outros três países da Coesão: Espanha, Irlanda e Grécia, a diferença ainda é mais dramática. E o pior é que, de acordo com o Eurostat, esta situação de divergência de crescimento de Portugal se deverá manter pelo menos até 2005, enquanto os outros três países deverão continuar a crescer acima da média europeia neste período. Esta evolução iniciada em 2000/2001 leva ao empobrecimento relativo da nossa população face aos parceiros europeus, não se vislumbrando um fim para esta situação.
Portanto a questão da retoma não pode ser posta unicamente em termos absolutos, mas principalmente em termos relativos. A retoma terá que ter pujança suficiente para nos fazer recuperar a convergência em termos de crescimento!
E qual a razão porque não se perspectiva que tal venha a suceder? A resposta deve ser procurada nos anos que antecederam a criação da moeda única europeia em 1999. Entre 1995 e 1999, em claro tempo de "vacas gordas" a nível internacional, países houve que preparam as respectivas economias para a nova realidade da adesão ao euro, em que já não seria possível fazer as políticas macroeconómicas tradicionais (monetárias e cambiais), que foram muito utilizadas no passado, quer por Portugal, quer pelos restantes países.
Era, pois, preciso deixar em ordem as contas públicas (efectuar uma verdadeira consolidação orçamental, isto é, feita do lado da despesa) e realizar um conjunto de reformas em sectores essenciais para a competitividade. Ora uma área prioritária refere-se à administração pública (burocracia em geral, morosidade da justiça, fiscalidade excessiva, arbitrária e descontrolada, ensino sem qualidade). E isto sem falar em áreas cuja influência na competitividade na economia é feita por via indirecta (saúde e segurança social, p.ex.) cuja despesa é excessiva face ao serviço que prestam. Portugal necessita de requalificar os seus recursos humanos nestas áreas e a flexibilizar o mercado de trabalho. Nada disto foi feito. Antes pelo contrário, aumentou-se a despesa pública para pagar a ineficiência.
E, todavia, deveria ter sido aproveitada a conjuntura extremamente positiva até 2000, quer pela conjuntura económica internacional, quer pela diminuição dos encargos com a dívida pública em virtude da descida das taxas de juro resultante do alinhamento com as taxas de juro da zona euro, para realizar as reformas necessárias, que preparassem a nossa economia para o novo enquadramento que aí vinha e nos permitisse encarar com confiança os novos desafios. Foi isso que outros fizeram, uns mais cedo, como a Irlanda, outros mais tarde ... e nós nunca.
A questão é que inclusivamente os países da Europa da Leste, que aderirão à União Europeia já em Maio deste ano, se estão a adaptar rapidamente à economia de mercado e ao enquadramento legal adequado ao seu funcionamento, não sendo de admirar que venham a ter elevadas taxas de crescimento, bastante acima da nossa, e que, mais ano menos ano, nos ultrapassem.
Ora, em Portugal foi preciso esperar por 2002, e por uma conjuntura bastante menos favorável, como se sabe, para que alguma coisa começasse a mudar e, mesmo assim, de forma tímida e inábil
Tem havido acusações sobre se o esforço de contenção orçamental tem ou não tido resultados. A questão que se coloca é que embora, formalmente, o nosso défice se mantenha abaixo dos 3% fatídicos do PEC (2,8% em 2003), se não se recorresse a receitas extraordinárias, o défice público teria atingido cerca de 4,2% do PIB em 2002 e quase 5% no ano passado.
Mas a questão está propositadamente a ser posta de forma viciada: O que é pertinente no que respeita à competitividade e ao desenvolvimento económico sustentado é de saber como se comportou a despesa pública, nomeadamente a despesa primária (isto é, excluindo os juros da dívida pública).
Ora, o que se verificou foi que a despesa primária (corrente e total) teve em 2003 (e a orçamentada para 2004) uma evolução muito mais controlada do que nos anos anteriores. Entre 1996 e 2002 os crescimentos médios anuais da despesa primária situaram-se à volta de 9%, passando agora para crescimentos médios entre 3% e 4%. E isto é que é relevante, pois a consolidação orçamental sustentada é a que é realizada do lado da despesa, porquanto só ela permite descer a carga fiscal, um dos factores com maior impacte ao nível da competitividade. Portanto, não se pode comparar situação actual com o défice de 4,4% do PIB registado em 2001, quando o crescimento da despesa primária (corrente e total) se situou em redor de 9%. O défice de 2001 resultou claramente de um descontrolo de execução orçamental, enquanto o actual resulta do decréscimo de receitas devido à recessão económica.
Tal não significa que a política de contenção orçamental esteja a ser executada com o total discernimento que uma matéria tão delicada merecia, e isto apesar dos elogios europeus. Pina Moura usou, anteontem, para a nossa política orçamental, a imagem da torrente que está a ser contida por um dique: "O Governo tem conseguido fechar a torneira que enche essa represa (contendo a despesa pública) mas não interferiu, de maneira nenhuma, nas fissuras que já mostram essa barragem. Continuamos com o risco de naufrágio",
Mesmo descontando o facto de Pina Moura ter participado no governo que encheu a represa, sou de opinião que ele tem, ainda que parcialmente, razão no que afirma.
O governo pretende que os aumentos salariais cresçam com referência à inflação da zona euro do ano anterior, tanto para o sector privado como para a função pública.
Os sindicatos contestam afirmando que «negociar salários com base na inflação da zona euro do ano anterior representa um retrocesso de 20 anos». Atendendo a que a taxa de inflação da zona euro é menor do que em Portugal, a sua consideração por oposição à nacional, representa desvalorização salarial.
Os sindicatos têm razão quando afirmam que utilizar como referência a taxa de inflação da zona euro, em vez da taxa de inflação em Portugal, «representa uma desvalorização salarial».
Todavia esquecem-se, ou fingem esquecer-se, que a manutenção dos aumentos salariais referenciados à taxa de inflação em Portugal, equivale a manter uma inflação superior à média europeia, com reflexos nos custos das empresas e na continuada perda da sua competitividade externa. Como Portugal tem uma economia extremamente aberta ao exterior, essa perda de competitividade criará problemas a nível das exportações, com impacte negativo no saldo das nossas contas com o exterior, e na saúde económica das empresas, com consequências muito negativas no emprego.
Isto é, os sindicatos trocam benefícios ilusórios no curto prazo (ilusórios, porque imediatamente corroídos pela degradação económica e monetária) pela perspectiva a médio e longo prazo de uma economia mais sã, mais geradora de emprego e que permitisse um crescimento futuro mais sustentado.
Os sindicatos deviam abandonar uma estratégia meramente salarial e de manutenção de pretensas regalias que têm efeitos perversos no tecido económico e acaba por se virar contra os interesses dos trabalhadores, em geral, a médio e a longo prazo. A luta contra o desemprego não pode ficar circunscrita aos protestos às portas das empresas que vão fechando, pois tal não passa de retórica, para tentar extrair dividendos políticos, porque a catástrofe já aconteceu. As organizações laborais devem enveredar por uma via de defesa sustentada dos interesses dos trabalhadores: apostar na obrigatoriedade da formação nas empresas, encontrar formas de participação dos trabalhadores de maneira que estes tenham uma informação mais efectiva, na sua empresa, da evolução do mercado, da gestão que está a ser feita pelas chefias, das eventuais fragilidades da empresa, etc., que lhes permita uma intervenção com mais conhecimento de causa, propondo atempadamente soluções, ou construindo soluções em conjunto com a entidade patronal, ou exigindo que se encontrem soluções, antes que o deslizamento para a catástrofe se torne irreversível.
Há, no nosso país, um grande défice de gestão. Parte do patronato, nomeadamente nas empresas mais pequenas, ou nas indústrias tradicionais, não se apercebe das necessidades em inovação e na qualificação necessária para promover essa inovação e tem uma visão musculada do controlo e da eficiência laboral, isto é, julga que essa eficiência só se consegue por via repressiva. A institucionalização de uma maior participação construtiva dos trabalhadores incentivá-los-ia a melhorar o seu desempenho. Tem que haver controlo e disciplina mas não apenas no que toca ao trabalhador. O patronato precisa de saber que o seu desempenho também está a ser avaliado. Mas isto só poderá acontecer se essa participação for esvaziada do conceito de luta de classes e vista numa óptica de defesa comum de um activo que é indispensável a todos. Não quero com isto dizer que não deva haver conflitualidade de pontos de vista. Certamente haverá e será útil e estimulante que tal aconteça. Mas para que seja estimulante, terá que haver a percepção mútua que ambas as partes estão interessadas na prosperidade e crescimento da empresa.
Em contrapartida, o patronato também faz exigências insolúveis na presente conjuntura. Não é possível aumentar o rendimento disponível dos trabalhadores reduzindo a carga fiscal. O país tem um grave problema com a despesa com uma função pública pesada e ineficiente. Mas, por lei, tem que providenciar ao pagamento dos seus vencimentos e para isso precisa de receitas fiscais. Deverá ser exigido ao governo que reforme a administração pública e que promova acções que melhorem o seu desempenho. Mas isso demora tempo, admitindo que o governo seja capaz de o fazer.
Simplesmente, nesta matéria o governo está a enveredar pelo tipo de gestão do nosso empresário tradicionalista: discursos ad terrorem, congelamentos salariais (conjunturalmente necessários em face da situação a que se chegou, mas que terão que ser apenas conjunturais), mas nada no que respeita a reorganização e restruturação dos métodos de gestão na função pública, exceptuando algumas medidas débeis e avulsas.
É evidente que não é fácil fazer essa reorganização e restruturação. Há vícios, hábitos nocivos e interesses corporativos instalados em todos os níveis da função pública. Quando se faz uma restruturação de uma empresa têm que ser ganhas as chefias, superiores e intermédias, quadros e pessoal em geral. Toda esta gente tem que ser motivada e compreender que a restruturação é útil para a empresa, embora possa envolver alguns incómodos, mudanças de posição, perdas pontuais de benefícios nocivos para o interesse comum, etc.. Ora não vejo nada nos discursos dos responsáveis políticos que criem esta percepção.
Também é evidente que fazer reformas numa empresa é mais fácil que em todo o aparelho do Estado. Não é apenas uma questão de dimensão e de diferenciação de situações. No caso da função pública os sindicatos e as forças políticas da oposição não deixarão de meter paus na roda, tentando sofismar algumas questões e explorar alguns interesses que possam vir a ser atingidos. Mas se for bem delineada, a reforma terá o apoio da maioria da população. Uma sondagem recente revelou que os sindicatos são a entidade de que os portugueses mais desconfiam. Os sindicatos estão desacreditados. Todavia a forma desajeitada e incompetente como o governo tenta dirimir esta questão está a carrear argumentos para a contestação sindical .
Resolver assim as diferenças a que se chegou entre o governo, o patronato e os sindicatos é fazer a quadratura do círculo.
Pior, como estamos a 3 dimensões será a cubatura da esfera.
Em 14 de Fevereiro último as fanfarras da comunicação social apregoavam que as previsões da nossa transportadora apontavam para um lucro, no exercício de 2003, da ordem dos 12 milhões de euros, enquanto que, no exercício de 2002, a TAP havia registado um prejuízo de seis milhões de euros. A transportadora aérea regressaria assim aos lucros depois de quatro anos de prejuízos. Um feito de Fernando Pinto!
Todavia, o presidente da «holding» da TAP, Cardoso e Cunha, tinha admitido no início de Dezembro a possibilidade de a empresa chegar ao final do ano com resultados líquidos positivos recorrendo a operações de «engenharia financeira». «Não é vergonha nenhuma utilizar métodos contabilísticos para obter estes resultados, desde que as alterações sejam aceites pelos auditores», afirmara. Na mesma linha, o brasileiro Fernando Pinto, presidente-executivo da TAP, também dera a entender que contaria com resultados extraordinários para melhorar o desempenho da companhia aérea portuguesa.
Era o caso, nomeadamente, de cerca de 18 milhões de provisões para pagamento de impostos no Brasil que não foram necessários devido à celebração de um acordo com Portugal/Brasil para evitar a dupla tributação nos dois países. Afinal o feito estava longe de ser retumbante! Se não houvesse a anulação das provisões continuaria a haver o fatídico prejuízo de seis milhões de euros.
Uma semana depois, em finais de Fevereiro, uma informação disponibilizada para a imprensa sobre as contas da TAP deixava perceber que a transportadora teria tido 25 milhões de euros de lucro. O país rejubilava. Já não havia dúvidas, era um feito de Fernando Pinto!
Agora, em 9 de Março, em declarações ao «Jornal de Negócios», Cardoso e Cunha diz que não viu, nem aprovou quaisquer contas finais, pelo que a difusão de pretensos resultados de 2003 é entendida como um acto hostil à TAP (?!). Dizer que houve lucros é um acto hostil? Talvez ... na realidade uma empresa pública com lucros destoaria do panorama das empresas públicas e indignaria todos os restantes gestores públicos. Seria clara e indubitavelmente um atropelo às regras de convivência e de sã camaradagem entre os gestores públicos.
Aliás, em entrevista concedida no início do ano, dizia Cardoso e Cunha: «Este accionista (o Estado) está inibido, juridicamente, de desempenhar as suas funções de accionista. Portanto, tenho um accionista que não só é desatento, como é inerte. Quando houver um problema ( ) eu já sei que dali não espero nenhuma espécie de apoio». É verdade que a legislação comunitária impede ajudas financeiras à TAP por parte do Estado. Mas será que, para Cardoso e Cunha, as funções de accionista se resumem a ajudar financeiramente a empresa de que detém acções? Se essa tese prevalecer, o crash da bolsa fica iminente. Quem quererá deter acções quando sabe que, a menos que adquira o estatuto de desatento e inerte, terá que subsidiar a respectiva empresa?
Nessa mesma entrevista, um ano depois de ter merecido a confiança do Governo para remodelar a gestão da companhia, o balanço de Cardoso e Cunha era apocalíptico: «A TAP tem aviões que cheguem; tem pilotos a mais, tem hospedeiras a mais, tem engenheiros a mais, tem contabilistas a mais. Tem tudo a mais, menos dinheiro». Afinal a gestão de Fernando Pinto parecia ser um desastre!
Portanto, recapitulando, visto que esta história parece confusa: Em Dezembro do ano passado havia a possibilidade de a empresa chegar ao final do ano com resultados líquidos positivos recorrendo embora a operações de «engenharia financeira». No início do ano a situação era, pelo contrário, desastrosa. Em Fevereiro as previsões apontavam entretanto para um lucro, em 2003, da ordem dos 12 milhões de euros. A esperança despontava. Uma semana depois havia uma indicação que a TAP teria tido 25 milhões de euros de lucros. Era o júbilo. Agora, em 9 de Março, Cardoso e Cunha diz que não viu, nem aprovou quaisquer contas finais, pelo que a difusão de pretensos resultados ... é o desalento!
Afinal em que ficamos? A «engenharia financeira» está a falhar? Será «engenharia financeira» ou apenas o consabido e rasca «martelanço das contas»? Ou será apenas uma tentativa de ajuste de contas entre Cardoso e Cunha e Fernando Pinto (aquele que o actual Governo considerou na altura um oportunista, um brasileiro espertalhão que veio para cá ganhar um salário milionário) ?
O Conselho de Administração da TAP, que está a discutir alianças com parceiros de dimensão mundial, já adiou por duas vezes a discussão e aprovação das contas de 2003. Por sua vez, Governo a suspendeu novamente, sine die, a privatização.
Está tudo à espera ou da «engenharia financeira», ou do «martelanço das contas», ou do resultado da luta de titãs, entre Cardoso e Cunha e Fernando Pinto.
E a TAP a voar em círculos, à espera de saber como e onde aterrar.
Espero que tenha combustível suficiente ...
Ana Drago deu hoje a conhecer ao mundo um facto revoltante e indecoroso: O Estado português tutela o útero da Ana Drago, e reduziu-a a uma mera incubadora.
Esta acção nociva e desmoralizante do Estado português, para além de contrariar o protocolo integrado na convenção sobre biomedicina do Conselho da Europa, o parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, contraria radicalmente a promessa eleitoral do governo de «menos Estado e melhor Estado».
Acaso o Estado melhora o seu desempenho tutelando o útero da Ana Drago? Porque é que o Estado se distrai das suas tarefas fundamentais e decidiu tutelar o útero da Ana Drago? Ou será o útero da Ana Drago parte do core business do Estado?
Uma possível resposta a estas inquietações, a esta acção aparentemente insensata do Estado português, inscrever-se-ia numa tentativa desajeitada e desesperada de aumentar a taxa de natalidade e contrariar o nosso declínio demográfico e o previsional colapso do sistema de segurança social daqui a poucas décadas.
Mas porquê escolher uma socióloga debilitada por noitadas políticas, ambientes fechados e doentios e lengalengas do Miguel Portas? Porque não uma beirã, enrijada pelos ares puros da serra e cuja única lengalenga que escuta são os sadios balidos do ovelhame? Uma beirã descendente em linha recta dos heróis dos Montes Hermínios?
Aqui, tenho que reconhecer o maquiavelismo e as intenções manhosas e sinuosas do Ministro Bagão Félix, eventualmente o responsável pelo Estado português ter tomado posse administrativa do útero da socióloga Ana Drago, e a ter reduzido a uma incubadora. Educados por uma mãe assim, toda a geração produzida por aquele útero sob tutela estatal teria, após uma infância desvalida e uma adolescência problemática, uma imensa revolta contra a mãe e contra tudo o que ela representasse, e seria presa fácil da extrema-direita. Assim como os educados em colégios religiosos têm uma incontrolável tendência para se tornarem anti-clericais, os produtos da incubadora Ana Drago seriam seguramente de extrema-direita.
Portanto, o governo português pretenderia, com esta estatização contra a corrente neoliberal, ganhar em todos os tabuleiros: aumentar a natalidade e criar uma numerosa geração de direita, importante para as próximas pugnas eleitorais.
Todavia, e ao que parece, mais uma vez o governo se mostrou inábil. Como já diversos ministros afirmaram ou deixaram deduzir, o governo não atina com os instrumentos necessários para uma retoma económica. E também neste caso falhou. Julgo que os portugueses têm o direito a uma resposta a estas perguntas:
- O que é que a incubadora Ana Drago produziu, desde que o seu útero é tutelado pelo Estado? Qual a sua eficiência? Como tem sido avaliado o seu desempenho? Que ministro há-de a oposição exigir a demissão em caso de falência desta estatização contra natura? Ou será, como veio noticiado noutro matutino, que este activo tutelado figura entre o património cuja existência o Estado ignora? Neste caso seria de louvar o gesto de Ana Drago ao declarar esta tutela estatal sobre o seu útero, no mesmo dia em que se reconhece o caos em que a inventariação do património do Estado se encontra.
O país espera urgentemente uma resposta a estas perguntas. O governo prometeu «menos Estado e melhor Estado» e se a incubadora Ana Drago não tem o desempenho esperado, deve enveredar-se por um processo de privatização. O útero da Ana Drago terá que ser privatizado e o Ministério das Finanças deverá começar a tratar do assunto imediatamente, reunir-se com a CMVM, e elaborar o processo de concurso e o caderno de encargos respectivos para a oferta pública de venda.
Se a hasta pública ficar vazia, há que recomeçar, baixando o preço até a procura intersectar a oferta. Espera-se que essa intersecção não fique na zona dos preços negativos, isto é, na zona em que o Estado terá que pagar para alguém ficar com aquele activo. A avaliar pelo artigo do Público e pelo absoluto caos mental em que se debate a autora, há preocupantes e fundadas suspeitas que tal venha a acontecer.
Mas aí terás, Ana, a minha solidariedade. Estarei presente nessa OPV e não deixarei que o preço de um activo tão precioso se avilte. Assim como assim, um útero sobresselente faz sempre jeito.
Em 7 de Março de 1936, um sábado, as tropas alemãs penetraram na Renânia e procederam à sua ocupação militar. A Alemanha violava os Tratados de Versalhes (Artigos 42, 43 e 44) e de Locarno que interditavam a militarização da Renânia pela Alemanha (a margem esquerda do Reno e uma faixa de 50 km na margem direita). Foi considerada a primeira «agressão» de Hitler e o primeiro passo para a guerra de 1939-45. Enquanto Hitler anunciava no Reichstag, ao meio dia, a sua intenção da reocupação militar da Renânia, as colunas militares alemãs atravessavam a linha divisória e ocupavam as principais cidades alemãs.
As potências ocidentais não reagiram. A França estava em plena campanha eleitoral (eleições onde acabou por triunfar o Front Populaire) e o governo inglês era de opinião que não havia nada a fazer contra a decisão alemã e exprimiu essa posição ao governo francês durante os contactos telefónicos no domingo, exortando-o a contemporizar. O governo francês, depois de umas declarações contundentes do Presidente do Conselho, acabou por se ficar por um protesto diplomático.
E todavia o exército alemão estava na época ainda mal equipado, com poucos meios mecânicos e, segundo depoimentos de responsáveis militares alemães no julgamento de Nuremberga, como Jodl, os 3 batalhões alemães que haviam atravessado o Reno e as restantes forças que haviam ocupado a margem direita não estavam em condições de resistir ao exército francês. Se houvesse intervenção francesa a Reichswehr tinha ordem de recuar.
Foi o primeiro passo no mito da infalibilidade do Führer. Hitler havia prognosticado que as potências ocidentais não reagiriam, contrariamente à opinião das chefias militares, que temiam essa reacção. Hitler teve razão, como iria ter no Anschluss, nos Sudetas e na anexação da Boémia e Morávia.
A nossa leitura, depois da guerra de 1939-45, é muito influenciada pelos acontecimentos posteriores. Mas em 1936, quer na Alemanha, quer no resto do mundo, com excepção talvez da França e da Bélgica, poderia supor-se justa a reivindicação de soberania militar sobre uma parcela do seu território. E na Renânia as tropas alemãs foram recebidas com grande entusiasmo e o povo alemão apoiou maciçamente essa acção de Hitler.
E o mesmo se poderia dizer na questão dos Sudetas. Afinal a população alemã dos Sudetas apenas queria para si a mesma autodeterminação que os Tratados assinados no fim da guerra de 1914/18 haviam concedido a checos e eslovacos em face do extinto Império Austro-húngaro. Apenas no domínio das hipóteses se poderia admitir então que Hitler iria atravessar o Rubicão, e fê-lo com a anexação da Boémia e Morávia. Só a partir de então se tornou evidente algo que apenas alguns pressentiam como inexorável Hitler haveria de levar as suas pretensões até que alguém lhe barrasse o caminho pela força.
Assim como a nossa leitura daqueles acontecimentos reflecte a influência do que ocorreu posteriormente, a leitura em 1936 estava circunscrita aos acontecimentos precedentes, em que avultava o Tratado de Versalhes e a humilhação que representara para a Alemanha as respectivas cláusulas.
Quando a Alemanha capitulou, o exército alemão ainda ocupava a Leste um território maior que a própria Alemanha e a Oeste ainda se mantinha na Bélgica e em França. Todavia as tentativas de perfuração das linhas aliadas tinham levado o exército alemão ao esgotamento e a contra-ofensiva aliada, apoiada pelos tanks, não parecia capaz de ser parada. Por sua vez a Austria-Hungria entrara em colapso. Mas não era apenas o exército alemão que estava esgotado, a situação alimentar e dos reabastecimentos na Alemanha era caótica e deplorável. Enquanto o governo imperial estava a tentar negociar um armistício deu-se a sublevação da frota, a recusa do exército em jugular a sublevação e o alastramento da insurreição à população civil. É proclamada a república e o Imperador abdica a 9 de Novembro.
O Tratado de Versalhes foi considerado pelos alemães um Diktat. Na verdade eles não tinham alternativa à sua aceitação, dado o seu colapso político e militar. A Alemanha perdia importantes territórios na Europa, mas com fundamentos razoáveis do ponto de vista demográfico a Alsácia-Lorena havia sido conquistada à França cerca de 50 anos antes e os restantes territórios eram habitados maioritariamente por não alemães e entregava aos aliados todas as suas colónias. Todavia o pior, o que constituiu a maior humilhação para a Alemanha foi a questão das reparações: Le boche payera tout, era a tese de Clemenceau. Foi-lhe imposta uma contribuição de guerra pesadíssima e a Renânia seria ocupada como caução. O Sarre ficaria provisoriamente sob controlo da Sociedade das Nações, mas de facto sob ocupação francesa. Este tratado teve todos os contornos de um acordo de malfeitores que distribuem entre si os despojos da vítima. Todas as forças políticas alemãs se pronunciaram contra ele. Entre os aliados, ingleses e americanos acederam a contragosto.
Quando Napoleão foi derrotado, o governo inglês opusera-se a que a França fosse retalhada, como queriam a Prússia e a Austria. Na opinião do gabinete britânico, uma humilhação pesada da França poderia conduzir posteriormente à revanche. Esta tese venceu então, mas em 1919 os anglo-americanos não foram capazes de se oporem totalmente às pretensões da França relativamente à Alemanha.
Keynes havia previsto que as consequências económicas decorrentes do tratado seriam muito negativas Todavia, as consequências políticas foram muito piores e as consequências económicas, paradoxalmente, traduziram-se numa modernização e expansão da indústria pesada alemã. Como se produziu esse fenómeno?
A instabilidade provocada pela derrota militar, revolução spartakista, putchs de direita e deterioração da situação social levou a uma terrível crise económica na Alemanha. Durante 1923, mas com incidência especial entre Setembro e Novembro, houve uma inflação galopante e a queda do marco face ao dólar, em mais de um para mil. Os salários reais caíram imenso, para 40% a 25% do seu valor anterior. Em contrapartida houve um alongamento da jornada de trabalho. Portanto, todas as «conquistas revolucionárias» feitas durante o período 1918/19 foram liquidadas durante esse ano fatídico. As empresas aproveitaram para saldar as suas dívidas, contraídas em moeda forte e pagas em moeda desvalorizada. A crise de 1923 «limpou» a indústria alemã de alguns ónus e permitiu-lhe uma enorme modernização.
As consequências políticas foram piores. Em face do pedido de moratória de 5 anos no pagamento das prestações relativas às reparações, feito em Dezembro de 1922, pelo governo alemão, o exército francês ocupou, em Janeiro de 1923, a Renânia. Os franceses esperavam apropriar-se do carvão e de outros produtos do Ruhr. A resistência passiva dos alemães frustou-lhes os planos. E simultaneamente ajudaram ao aparecimento e desenvolvimento do partido nazi. Portanto, as circunstâncias em que a Alemanha capitulou e o Diktat de Versalhes criaram «a lenda da punhalada pelas costas» (die Dochstosslegende) que a direita e principalmente os nazis usariam com enormes dividendos políticos. Hitler foi o produto dos erros políticos cometidos pelos aliados, especialmente a França, na gestão da vitória militar sobre a Alemanha.
Portanto, os franceses ficaram com as custas políticas da crise de 1923 e o patronato alemão obteve grandes vantagens em termos de diminuição de custos salariais, aumento da jornada de trabalho e liquidação das dívidas. A estabilização económica da Alemanha a partir do início de 1924, e as condições favoráveis da indústria incentivam um importante afluxo de capitais estrangeiros que permite uma grande expansão no período 1924-29. Em termos reais o PIB alemão subiu 67% entre 1913 e 1929. A Alemanha prosperava, enquanto a França, tornada um país de rentiers, a viverem das contribuições de guerra, estagnava.
A crise de 1929-33 teve o impacte mais devastador nas economias mais desenvolvidas (EUA e Alemanha), mas quem ganhou politicamente com o aumento do desemprego foram os nazis que passaram de 2,6% (em 1928) para 18,3% (em 1930) e 37,3% (em Julho de 1932), havendo um pequeno recuo eleitoral em Novembro de 1932 (33,1%), mas que não favoreceu a esquerda, visto se ter dirigido para a direita clássica. Nos Estados Unidos os eleitores orientaram-se por critérios económicos e escolheram Roosevelt e o New Deal, apostando numa solução mais à esquerda. O que prevaleceu na Alemanha, perante a crise económica e o desemprego, foi o ressentimento face às potências vencedoras, especialmente a França, e um nacionalismo muito vivo que foi explorado pelos nazis que se propunham libertar a Alemanha da escravidão imposta pelo Diktat de Versalhes.
As eleições no Lippe, em Janeiro de 1933, mostraram uma nova subida importante dos nazis e serviram de argumento para a indigitação de Hitler, em 30 de Janeiro, como Chanceler (afinal ele era o chefe do maior partido do Reichstag) à frente de um governo onde os nazis ainda eram muito minoritários (para além de Hitler, Frick no Interior e Goering na Aeronáutica). Sabe-se da forma simultaneamente manhosa e brutal como os nazis liquidaram a democracia e se apropriaram do poder (die Machterschleichung) o incêndio do Reichstag (27-2-1933), as eleições de 5 de Março (43,8%), a dissolução do Partido Comunista (KPD), dias depois, o que permitiu maioria absoluta no Reichstag. Com essa maioria absoluta o Partido Nazi tornou-se rapidamente o partido único o SPD foi dissolvido em 22 de Junho, o Zentrum em 4 de Julho e os diversos pequenos partidos de direita, cujos líderes partilhavam o governo com o NSDAP, acordaram em que «o sistema de partidos era obsoleto» e desapareceram como partidos.
Vivaldi é um veneziano nascido em 4 de Março de 1678. Filho de um violinista de nomeada, cedo se produziu em concertos. Em 1703 foi ordenado padre, mas nunca exerceu a sua função seriamente e mantendo uma vida amorosa às claras, o que lhe valeu as alcunhas de "padre mentiroso" e "il prete rosso" (Vivaldi era ruivo). As suas surpreendentes qualidades de professor e intérprete cedo lhe granjearam admiração em toda a Europa. Um dos seus mais entusiastas admiradores foi mesmo J Sebastian Bach.
A partir de 1718 inicia uma carreira cosmopolita, percorrendo toda a Itália e o resto da Europa. Foi aclamado e agraciado por muitos dos governantes e soberanos europeus.
A sua popularidade começou a declinar, não lhe perdoavam o ser padre e pouco casto e morreu em Viena em 1741, com 63 anos, na miséria. Curiosamente, a data da sua morte, 28 de julho, foi a mesma de Bach, nove anos depois, e de Mozart, 50 anos depois e na mesma cidade de Viena.
Antonio Vivaldi compôs mais de 500 concertos, destinados a todos os instrumentos: viola, violino, violoncelo, flauta transversa, oboé, fagote, cravo, clarinete, alaúde, órgão, etc., etc., empregues individualmente ou agrupados em concerti grossi ou em sinfonias (25).
Mas Vivaldi para além de um criador incansável de inesquecíveis melodias (Não podemos esquecer seu lado "impressionista", representado em obras como L'estro armonico, La stravaganza, La Cetra e Il cimento dell'armonia e dell'inventione (1720) que contém as Quatro Estações), deixou sua marca em toda a música instrumental que o sucedeu. É, com efeito, o primeiro compositor sinfónico. Com Vivaldi, os violinos adquirem grande força e densidade orquestral; é fixado o esquema tradicional de movimentos (rápido-lento-rápido); surge o concerto para solista; a instrumentação e a orquestração ganham importância nunca alcançada.
Compôs numerosos concertos, música vocal, meia centena de obras religiosas (missas, salmos, motetes, cantatas). A mais conhecida peça sacra de Vivaldi é o Gloria, uma obra de majestosidade e beleza impressionantes. Outras obras-primas: o Stabat Mater, intensamente dramático, o Magnificat e o Dixit Dominus.
Na oratória, a maior obra de Vivaldi é a Juditha Triumphans, de orquestração deslumbrante e de virtuosismo vocal quase operático. É, inclusive, muito mais convincente em termos dramáticos que suas próprias óperas.
Compôs 95 óperas, mas que só chegaram até nós, completas, 19. A produção operática de Vivaldi não está entre a melhor música que compôs. O pior defeito das óperas de Vivaldi está nos libretos, muito fracos e desinteressantes. E Vivaldi parece não se importar muito com isso, não resolvendo suas óperas no sentido dramático: as árias não se relacionam umas com as outras. Todavia, os seus recitativos são riquíssimos e expressivos, com grande modelação cénica. O compositor adapta seu estilo vibrante e sua instrumentação colorida ao que o público veneziano queria e estava acostumado a ver em cena: muito bel canto e virtuosismo vocal para a glória dos cantores.
A melhor incursão de Vivaldi no género é sem dúvida Orlando Furioso, ópera que foi reescrita três vezes - atitude invulgar que talvez explique a qualidade da obra. Outras óperas com interessse: Catone in Utica, Montezuma, Tito Manlio, etc.
A grande maioria das obras orquestrais ficaram em manuscritos, que depois foram vendidos ao desbarato alguns meses antes de sua morte.
A música de Vivaldi é extremamente eficaz e inventiva e teve uma importante influência nos seus contemporâneos e nos compositores posteriores.
É um dos expoentes máximos da maravilhosa música europeia, um dos mais preciosos legados que os nossos antepassados nos deixaram
O Avelino é um desordeiro
O Avelino pontapeou um equipamento electrónico
O Avelino disse que pontapeava três desconhecidos
O Avelino pediu explicações
O Avelino gritou
O Avelino gesticulou
O Avelino não gosta de árbitros
O Avelino ainda gosta menos de juizes de linha
O Avelino levantou várias vezes as mãos
O Avelino rebelou-se contra a GNR
O Avelino é um desbragado
O Avelino é um descomedido
O Avelino veste-se mal
O Avelino é um impudente
O Avelino dá pontapés de raiva
O Avelino deveria ter calma quando dá pontapés
O Avelino tem génio, mas mau
O Avelino é um arruaceiro
O Avelino é um dissoluto.
O Avelino é um vândalo
O Avelino é um visigodo
O Avelino é um ostrogodo
O Avelino é um díscolo
O Avelino é um CDíscolo
O Avelino é um DVDíscolo
O Avelino é um indisciplinado
O Avelino é um brigão
O Avelino é um dissidente
O Avelino bate na avó
O Avelino é um Ferreira
O Avelino é um Torres
Um concelho que consente deixar-se representar por um Avelino é um concelho de indigentes;
Subsídio de reinserção social já para os habitantes do Marco!
O Avelino não é de confiança
O Avelino apresenta sinais exteriores de boçalidade
O Avelino é o descrédito dos políticos
Os políticos são o descrédito do Avelino
O Avelino é um fanático clubista
O Avelino tem mau carácter e mau temperamento
O Avelino tem mau hálito
O Avelino é um vociferador em delírio
O Avelino é um espalhafatoso
O Avelino é um pantomineiro
O Avelino comporta-se no futebol como quem está no seu quintal
O Avelino comporta-se no seu quintal como quem está no futebol
O Avelino é o retrato fiel de um certo Portugal rasca
O Portugal é o retrato fiel do Avelino rasca
Se o Avelino é português, eu quero ser ribatejana e o Miguel Sousa Tavares bielorrusso
Se o Miguel Sousa Tavares for bielorrusso o Santana ganha a presidência
O Avelino não é fácil entrevistar na televisão
O Avelino usa óculos
O Avelino quer emprestar os óculos à Manuela Moura Guedes
O Avelino é mau
O Avelino é péssimo
O Avelino é pior que péssimo
O Avelino é quase tão mau como a Manuela Moura Guedes
Durante meses o país foi inundado com afirmações, proclamações, pregões, comunicados, manifestações, veladas à porta de tribunais, criticando a actual lei sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) e exigindo a sua revogação. Em fins de Janeiro, no noticiário do Canal 2, o deputado Francisco Louçã dizia, encolerizado, que «uma minoria fanática» continua a querer que as mulheres sejam condenadas por crime de aborto. Uma petição foi posta a assinar por entre fanfarras e o júbilo popular.
E durante 6 meses, com grande cobertura mediática, com máquinas partidárias em full-time e importantes meios financeiros, pareceu a todos nós, a avaliar pelas notícias dos meios de comunicação, que o país estava, em uníssono, empenhado em despenalizar a IVG. Mesmo deputados que tiveram a ousadia de afirmar que tinham uma não-posição foram glosados em diferentes motes e vituperados na praça pública pelo(a)s «jornalistas de causas». Como é possível uma não posição? Como é possível pactuar com essa hedionda «minoria fanática» fundamentalista de que falava Louçã?
Ao fim de 2 ou 3 meses, os noticiários, empolgados, já falavam em 25.000 assinaturas; mais 2 meses, por entre um delírio de entusiasmo elevado ao rubro, tinham-se atingido as 75.000 assinaturas; e, finalmente, quando a petição para o referendo sobre o aborto foi entregue ao presidente da Assembleia República, Mota Amaral, já lá constavam 121.151 assinaturas. Um êxito! Parecia, a dar crédito aos meios de comunicação, que o país se levantara em peso para apoiar aquela causa.
Havia valido a pena tanto esforço, tanto mediatismo, tanta publicidade, tanta entrega das máquinas partidárias, tantos apelos ao direito ao nosso corpo, tanto apoio dos meios de comunicação e dos jornalistas, sempre presentes quando se trata de causas sociais justas e contrárias a «uma minoria fanática».
Ontem, um movimento que eu desconhecia, que não tinha sido divulgado pelos meios de comunicação, que não tinha despertado qualquer entusiasmo mediático, que não fez, que eu tivesse visto ou ouvido, publicado ou transmitido, proclamações, pregões, comunicados, manifestações, apelos, veladas à porta de tribunais; que não teve apoio, pelo menos que fosse visível, das máquinas partidárias, que não vituperou nem insultou quem produziu opiniões diferentes, anunciou ter já atingido as 190.635 assinaturas para uma petição sob o lema «Mais Vida, Mais Família», contra a despenalização do aborto, petição que seria entregue hoje a Mota Amaral.
E tudo isto dá que pensar.
Não vou discutir aqui e agora a questão da IVG. Já expus aqui a minha posição por diversas vezes. Eu trouxe este assunto à colação por uma razão muito diversa e que tem sido o leit-motiv de muitos dos meus escritos aqui.
Em Portugal há dois países: o país dos meios intelectuais, que está omnipresente em tudo o que é comunicação e prolixidade de ideias, e o país dos não-intelectuais, que constitui, infelizmente, a esmagadora maioria da população.
Em qualquer país evoluído o intelectual é alguém ligado ao seu povo, cuja instrução e interesse pela cultura lhe permitiu sobressair da mediania, mas que compreende e sente o povo a que pertence, os seus anseios e as suas limitações. Normalmente trabalha para ajudar a melhorar o seu país, não como um professor ou um guia elitista, mas pela sua acção e labor quotidianos, tentando que aquelas limitações sejam superadas, compreendendo as suas causas, mas suscitando igualmente a dúvida sobre se o sentimento (ou sabedoria) popular não deverá prevalecer, por vezes, sobre uma visão intelectualizada das questões, eventualmente distorcida.
Pelo contrário, o nosso intelectual, muito minoritário, que campeia pelos meios de comunicação e pelos meios políticos, não tem quaisquer dúvidas sobre si próprio e nutre um completo desdém pelo povo, essa «minoria fanática» de que falava Louçã e que derrotou os seus pontos de vista em referendo.
Para esse intelectual, o povo, o operariado e o proletariado rural aos quais se refere nos seus discursos políticos ou culturais e que diz dedicar a vida a defender, são ícones, sem espessura nem densidade não existem. São imagens que apenas conhece pelo National Geographic Magazine. Esse intelectual, embora afirme falar pelo povo, não compreende que este possa ter opiniões contrárias à sua, encara com desdém e sobranceria essas opiniões, manifestamente ignaras, e desvaloriza-o completamente, quer em qualidade, quer em quantidade ... não passa de «uma minoria fanática», conforme foi decretado pelo deputado Francisco Louçã.
Estes intelectuais colocaram-se numa posição completamente alheia à população portuguesa, nunca terão qualquer influência na sua evolução, excepto pela negativa, e abdicaram de qualquer papel orientador ou de influência cívica e cultural.
E esses intelectuais constituem, infelizmente, a maioria nos nossos meios de comunicação e entre os nossos agentes culturais.
A abstenção nas eleições europeias em Portugal tem sido elevadíssima. Em 1989 foi de 49%. Em 1994 essa abstenção atingiu o valor recorde de 64,4% e em 1999, embora menor, chegou aos 60%. O eleitorado português não está motivado pelas questões europeias.
Ora é preciso motivá-lo. Temos que mostrar à Europa que estamos devotadamente com ela, não apenas no cumprimento do PEC, mas também no entusiasmo pela coisa pública europeia. Temos que inverter este processo!
Durante anos, nós fomos um aluno exemplar. Comportámo-nos com aprumo, disciplina nas aulas, atentos às lições dos professores, fazíamos os TPC e esforçávamo-nos, apesar de sermos oriundos de uma família desfavorecida, iletrada, com mau ambiente de estudo e sem apoio familiar. A Europa comovia-se com o nosso esforço e orgulhava-se dos nossos progressos.
Depois, o atavismo social fez das suas. Começámos a cabular, a chegarmos atrasados, a estarmos distraídos durante as prelecções dos mestres, a não fazermos os TPC, ... enfim, um desleixo progressivo, e começaram a chover as negativas. Ultimamente fizemos um esforço de recuperação, atabalhoado, mais com o coração que com a cabeça, o que não admira, pois quando se perde o contacto com as matérias, a recuperação é muito mais penosa. Ainda não regressámos ao estatuto de bom aluno, mas pelo menos temos alguma compreensão dos professores: se não fazemos melhor é porque nos escasseia a inteligência e o discernimento para tal ... pelo menos mostramos boa vontade.
A situação tornou-se entretanto mais grave porque uma dezena de países se acotovelam à entrada da Europa, com denodo, com fibra, cada um tentando mostrar-se mais europeísta que o outro. E absolutamente sedentos de se mostrarem alunos exemplares.
Portanto, a nossa posição no concerto europeu tornou-se mais delicada, pois temos que combater nessas duas frentes: mostrar que os tempos da cabulice já passaram e que somos novamente um aluno aplicado, e mostrar que somos mais europeístas que esses novatos que vão entrar agora cheios de motivação, alardeando uma fogosidade e devoção europeísta nunca vistas.
A Hungria já tomou uma opção de que certamente irá colher muitos e saborosos dividendos: a apresentadora de televisão Anettka Feher decidiu omitir o vestuário quando anunciou que se ia candidatar ao Parlamento Europeu. Anettka Feher considerou que o melhor traje era traje nenhum e anunciou a sua candidatura a deputada europeia sentada em cima de uma mesa, de pernas cruzadas e exibindo o seu corpo, tendo como única indumentária uma jóia discreta, um perfume francês e um sorriso. Ah! E os húngaros irão fazer-lhe a vontade, em afluência frenética às urnas.
Julgo que este exemplo terá que colher em Portugal. Não vejo outra maneira de aumentar a afluência na votação para o Parlamento Europeu. Já prefiguro os partidos aprestarem-se para reformularem as estratégias para as próximas eleições: A coligação PSD/PP indecisa entre despir Leonor Beleza ou Maria Elisa, havendo igualmente uma codiciosa ambição, por parte de muitos militantes, de despirem a Paula Teixeira da Cruz; o PS a substituir Sousa Franco que, para além de truculento, é obeso, despindo, em vez dele, a Jamila Madeira, embora alguns barões veteranos do partido pareçam estar mais desejosos em despirem a Edite Estrela; o BE a apostar na nudez da Joana Amaral Dias ... ou quiçá, na da Ana Drago ... a menos que o mediático Louçã não queira perder esta oportunidade de protagonismo, e se dispa em público, clamando, em simultâneo, o seu desprezo pelos bens materiais e as roupas de marca.
Quanto ao PCP que não haja dúvidas sobre quem despe: sempre e apenas a Odete Santos. E se os resultados eleitorais forem devastadores e algum militante exprimir quaisquer dúvidas sobre a justeza da escolha, a resposta será firme e liminar:
- Pois quê? Uma camarada com quase 50 anos de partido?
Sousa Franco, o político que declarou que o governo de António Guterres era o pior governo jamais havido em Portugal desde os tempos de D. Maria I, o político que mimoseou o governo PS com frases como «esta política é tão medíocre que até dói» ou «é urgente pôr fim a este Inverno do nosso descontentamento», foi escolhido como cabeça de lista do PS para as eleições europeias. Todos se lembram das crispações criadas entre Sousa Franco e diversos dirigentes socialistas no tempo em que, entre 1995 e 1999, ocupou a pasta das Finanças e todos se recordam das afirmações contundentes que Sousa Franco produziu depois da sua saída, referindo-se à actuação do governo PS.
Poder-se-ia pensar que seria uma forma dourada de exílio face às diatribes com que imprecou o governo PS. Mas o exílio para Bruxelas destina-se a políticos notórios e incomodativos. Presentemente, Sousa Franco já não era nem uma coisa nem outra. Logo, não se trata de um exílio.
Será porque Sousa Franco representa a política financeira que é o paradigma que o PS irá defender?
Mas Sousa Franco lançou os alicerces para o despesismo orçamental que Pina Moura tentou, já no final do guterrismo, pôr algum controlo, o que lhe valeu o despedimento, e que tem sido o quebra cabeças do actual governo PSD/PP.
Aliás, Sousa Franco tem opiniões muito firmes sobre Pina Moura. E disse-as a alguns amigos, na época em que Pina Moura era ministro das Finanças, num restaurante famoso de Lisboa, suficientemente alto para que todos pudessem ouvir e fossem depois transcritas nos jornais. Sousa Franco disse do então ministro das Finanças algumas picardias, num estilo de má língua que o pessoal cultiva, em especial quando se é português e se está num café ou restaurante.
Há pouco tempo ainda Sousa Franco defendeu, em entrevista, o seu modelo despesista, afirmando: «eu nunca tive nenhuma obsessão pelo défice e no entanto, quando o primeiro governo do engenheiro António Guterres (...) iniciou funções, a média anual do défice era de 5,9% do PIB. Passados quatro anos era de 2,8%». «Portanto sem obsessão do défice é possível reduzir o défice. Com a obsessão do défice, é possível dar cabo da economia. É a lição que tiramos». O que Sousa Franco se esqueceu de recordar foi que aquela época coincidiu com a queda abrupta das taxas de juro, queda decorrente da adesão ao euro e do alinhamento com as taxas de juro europeias e que foi essa diminuição drástica de encargos com a dívida pública que fez descer o défice. E esqueceu-se igualmente de recordar que as grandes obras públicas feitas no sistema «faça agora e pague depois» permitiram importantes receitas fiscais enquanto se realizavam (IVA, etc.) e que as despesas que geraram só começariam a ocorrer anos depois, ou seja, originam um superavit durante os primeiros anos e agravam o défice nos anos subsequentes. E quando se esquece a matéria, a lição que tiramos está errada.
Será que o PS assume definitivamente que a sua política financeira é o despesismo e o défice crescente? E como pretende explicar isso na Europa, quando afirma que o PS é o partido mais europeísta de Portugal?
Será que Sousa Franco acompanha o PS na sua luta contra a legislação sobre a reforma da função pública? Mas se foi Sousa Franco que declarou que «ao ocupar a cadeira de ministro das Finanças pela segunda vez, a sua maior surpresa foi a perda de eficiência da administração pública. Hoje, uma decisão demora semanas a preparar, quando em 1979 bastavam dias». Ora quando uma organização perdeu eficiência de forma tão abissal, tem que ser reformada, reorganizada e introduzidos critérios de avaliação de desempenho dos serviços e dos efectivos. Mas é isto que o PS de Ferro Rodrigues pretende?
Sousa Franco entrou no governo de António Guterres ao som de fanfarras. Era o político competente e incorruptível por excelência. Era o político não-político, porque a sua imagem era de neutralidade, circunspecção e competência. Acabou afinal por ter, naquele governo, o comportamento circunspecto e neutral de um elefante numa loja de louças. Humilhou pessoalmente Guterres diversas vezes. Provavelmente não seria essa a sua intenção. Um indivíduo como Sousa Franco, que se tem num conceito tão elevado, não humilha os míseros mortais que o rodeiam. Age naturalmente do alto da sua suficiência. E se os outros se sentem humilhados por Sousa Franco é porque se julgam, ingenuamente, da mesma craveira que ele, o que é, por postulado de Sousa Franco, absolutamente impossível.
Será que Ferro Rodrigues, ao escolher Sousa Franco, pretende captar o eleitorado do centro e lançar o manto diáfano da fantasia sobre a nudez forte da verdade do facto da sua direcção ser a mais esquerdista do PS desde sempre? Será que Ferro Rodrigues pretende que o PS seja centrista em Bruxelas e esquerdista em Lisboa?
Ferro Rodrigues precisa urgentemente de uma vitória eleitoral. Neste fim de semana várias declarações de dirigentes socialistas sublinharam essa obrigação: «A opinião pública portuguesa está hoje muito descontente com o Governo. Se, mesmo assim, o resultado eleitoral do PS for negativo, isso deve constituir motivo de profunda análise. E o secretário-geral deve tirar as devidas ilações desse facto.» ... «Uma derrota terá fatalmente consequências no PS ... temos todas as condições para ganhar as europeias. Se não as ganharmos, haverá consequências ao nível da liderança»
Mas será esta a melhor via? Não me parece.
Afinal Roma, agora, paga a traidores. Não com prebendas e mordomias dentro dos seus muros, mas com chorudos proconsulados nas Gálias nordestinas.