As Águas de Portugal e os sistemas multimunicipais de que ela é sempre maioritária (detém no mínimo 51% do respectivo Capital Social) foram criados visando um objectivo que, em princípio, estaria correcto: as Câmaras haviam demonstrado, em muitos dos casos, uma total incompetência na gestão dos serviços de água e saneamento, havendo centenas de ETARs que não estavam em funcionamento (algumas nunca tinham chegado a arrancar) por falta de capacidade de exploração e de manutenção dos respectivos serviços. A criação de diversos sistemas detidos maioritariamente por uma entidade com importantes sinergias técnicas e financeiras (basta lembrar que a própria EPAL pertence a este grupo) poderia assegurar gestões mais eficientes desses mesmos sistemas.
E o mesmo processo ocorreu na área dos resíduos sólidos urbanos, onde o braço armado do Estado é a EGF, também parte integrante do grupo IPE Águas de Portugal. Todo este processo teve a chancela do ministro Sócrates que foi o seu principal impulsionador.
Este processo teve, todavia, um pecado original que inicialmente ninguém se terá dado conta. A AdP era tutelada pelo Ministério do Ambiente. São os serviços do Ministério do Ambiente que apreciam as candidaturas de projectos no domínio de águas, saneamento e resíduos sólidos urbanos ao Fundo de Coesão. E, como o povo diz ... a ocasião faz o ladrão. Que pecado ocorreu?
Muitos municípios ou associações municipais que apresentavam candidaturas ao Fundo de Coesão viram-se perante situações em que a alternativa era clara, embora não assumida por escrito: se vocês se integrarem no grupo AdP terão comparticipações a fundo perdido (que poderiam ir de 50% a 85%). Se não ... nós vamos continuara apreciar a vossa candidatura, pedir mais elementos que julguemos pertinentes, e a seguir mais ... e mais ... anos a fio ... até a vossa paciência se esgotar.
Muitos municípios cederam à chantagem. Outros não. A LIPOR não cedeu à chantagem, mas tinha atrás todo o peso político da área do Grande Porto. O mesmo sucedeu com a AMTRES, que também detém um enorme peso demográfico e político. Todavia, os sistemas intermunicipais alentejanos AMLA, AMALGA, AMCAL e AMAMB recusaram e estão há alguns anos a mendigar verbas para os seus projectos, verbas que são sistematicamente adiadas, a pretexto que falta qualquer coisa, mais um estudo, ou uma revisão do estudo, ou ....
Inclusivamente a AdP comprou sistemas que tinham sido concessionados a privados, como as águas do Planalto Beirão, antes concessionadas à Luságua.
O entusiasmo dos governantes era enorme. A AdP, há três anos, estava avaliada em mais de dois mil milhões de euros. Como a AdP continuou a operar em monopólio, recebendo avultados financiamentos a fundo perdido do Fundo de Coesão e de outros instrumentos de apoio comunitário, e a crescer através da chantagem aos municípios, seria de esperar que se continuasse a valorizar.
Esta semana veio a público, nos jornais, que, afinal, a empresa vale menos de 500 milhões de euros. Pior, nesse valor estão contabilizados activos de cobrança duvidosa, como dívidas dos municípios (a AdP vende água em alta às Câmaras ou aos SMAS e estes distribuem em baixa aos munícipes a quem cobram as tarifas) e as participações no Brasil, Cabo Verde e Moçambique cujo valor venal actual deve ser muito inferior ao valor com que estão inscritas nos activos da AdP.
Ou seja, daquele monstro, a única área que continua a manter o seu valor será a EPAL. Mas a EPAL já existia antes desta fúria monopolizadora.
Que fazer?
Tem-se falado na hipótese da privatização. Quase todos os agentes económicos que trabalham nesta área torcem o nariz a essa opção. Privatizar a AdP seria entregar aquele quase monopólio, construído à base da chantagem, a um dos tubarões internacionais das águas, que assentaria arraiais em Portugal e traria todo o know-how com ele. As principais, e primeiras, prejudicadas seriam as empresas de engenharia portuguesas que poderiam ver o seu mercado diminuir drasticamente. Mas os empreiteiros de Construção Civil também não ficariam melhor.
Uma outra solução, mais consensual, seria dividir a AdP em unidades mais pequenas, eventualmente de acordo com os sistemas multimunicipais que ela detém maioritariamente, e privatizar faseadamente. Ou privatizar apenas parte do capital social. Ou uma solução composta. Enfim, soluções que facilitassem a entrada de capitais portugueses em condições de vantagem na competição com os tubarões internacionais.
A manutenção da AdP no seu figurino actual só serve para prover importantes cargos a aderentes dos partidos dos sucessivos governos. E também tem o efeito perverso de tentar liquidar os sistemas a que ainda não conseguiu deitar mão, como o continua a fazer, apesar dos protestos dos autarcas.
Há duas legitimidades: 1) os dinheiros devem ser aplicados da forma mais eficiente possível, e a AdP estaria, em princípio, mais vocacionada para essa eficiência que os municípios; 2) os autarcas têm legitimidade de quererem serem eles a definirem a política e as tarifas das águas, saneamento e R.S.U., até porque são eles que serão julgados pelos seus munícipes nas eleições. É todavia possível compaginar estas duas legitimidades desde que haja bom senso e, acima de tudo, ética.
Mas não há qualquer legitimidade para andar há anos a adiar diversos projectos de águas e saneamento, no Alentejo e noutros lugares, porque alguns irredutíveis não cedem à chantagem da tutela do Ambiente.
Não conhecia essa situação que descreve. Admitindo que o que diz é correcto, os tipos do Ministério do Ambiente, estes e os anteriores, não têm agido com ética.
Afixado por: Valente em março 13, 2004 07:13 PMUm dos casos apontados eu conheço e é verdade. Acho que houve em Sines, há uns meses um encontro dos autarcas do Alentejo sobre isso
Afixado por: Gustavo em março 13, 2004 08:00 PMo MONSTRO ADP...mais uma invenção à portuguesa !
Que horror... até parece que neste País já ninguém pensa !
e esquecem depressa os Interesses de Portugal e suas populações !
Entreguem é esta gestão ao Espanhois !
pelo menos a eles, estaríamos todos unidos a pedir-lhes contas !
Agora aqui..é a ladaínha do costume, foi o PSD, mentira, foi o PS...
Afixado por: Templário em março 16, 2004 06:25 PMTemplario: Julgo que não leu bem o meu texto.
E os grandes tubarões da "Indústria da Água" são franceses e não espanhóis.
Afixado por: Joana em março 17, 2004 12:03 AMSe os Campeões são os Franceses é porque trabalham muito bem, e têm pessoas competentes à frente a gerir o Estado.
Li perfeitamente bem o seu texto.
Aliás não me diga que não há má gestão do Estado.
Afixado por: Templário em março 17, 2004 10:41 AMTemplário:
Sobre o que escrevi, fale com os autarcas alentejanos e verá que espumam de raiva quando ouvem falar da AdP. E uns são da CDU e outros do PS.
Quanto aos franceses, trata-se de 2 grandes multinacionais (a Lusagua pertencia a uma delas, indirectamente, através das Aguas de Barcelona).
Essas 2 multinacionais já tiveram problemas graves com a justiça francesa devido a subornos a autarcas.