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julho 30, 2005

Tocqueville

Tocqueville nasceu há 200 anos. Foi um dos principais teóricos da democracia, embora esse facto não lhe trouxesse grande notoriedade no nosso país, apesar da nossa herança cultural francesa. Provavelmente a herança do défice democrático da nossa vivência política e social prevaleceu. Provavelmente porque Tocqueville é um produto atípico do pensamento político e social francês.

A importância de Tocqueville foi a clarividência com que analisou as sociedades democráticas e se apercebeu dos perigos que encerram. Não teve por elas o fervor daqueles que as viam como a via da redenção da humanidade, nem o horror daqueles que as viam como a desregulação de toda a ordem social, onde “tudo o que é sólido se dissolve no ar”, nas palavras de Marx. O Estado democrático não só eliminou os vestígios das poderes fragmentados do feudalismo em extinção, da nobreza, dos municípios autónomos e das corporações, mas também se reclamou da soberania total sobre a comunidade nacional nos limites territoriais do Estado.

Para Alexis de Tocqueville a democracia tende, por via dessa ambição de universalidade, para a centralização, ou mesmo para a tirania da maioria: Como a democracia postula que a maioria tem razão, pode revelar-se difícil impedir uma maioria de usar essa situação para oprimir a minoria. A democracia substituiu o rei pelo povo, como soberano. É ao povo que os que ambicionam uma carreira política irão adular, fazer a corte. Nesse entendimento, a adulação ao monarca do Antigo Regime pode muito bem transfigurar-se em demagogia que perverte as relações sociais e políticas. Nas suas observações sobre a democracia americana, Tocqueville escreveu: «Os franceses sob a antiga monarquia tinham por máxima que o Rei não poderia agir mal, e se o fez, a culpa era atribuída aos seus conselheiros [...] os Americanos têm a mesma opinião acerca da maioria.»

Curiosamente a obra mais conhecida de Tocqueville, De la démocratie en Amérique, foi escrita na sequência de uma viagem à América, em 1831, feita a pretexto de realizar um estudo sobre o sistema penitenciário americano, mas que foi uma forma de Tocqueville abandonar a França, a seguir à queda da Restauração que o seu pai servira. Ou seja, uma obra importante do pensamento liberal foi escrita por alguém oriundo da aristocracia, na sequência de um pequeno exílio resultante da queda dessa mesma aristocracia. Talvez essa extracção social produzisse o distanciamento desapaixonado e objectivo necessário para produzir uma obra cuja clarividência continua a espantar. A primeira parte foi publicada em 1835 e a segunda em 1840. Em 1848, ano em que rebentou a revolução republicana, já tinham sido publicadas 12 edições desta obra.

Para Tocqueville a via que conduziu a América à democracia liberal era excepcional, pois a União começou a sua experiência nacional, enquanto sociedade nova, sem um passado feudal, sem uma tradição milenar forjada por uma monarquia e uma aristocracia e, portanto, os americanos não tiveram a necessidade nem de um governo central forte nem de uma revolução social violenta para derrubarem a velha ordem. A Revolução Americana foi a única das grandes revoluções em que os debates políticos e as tensões sociais não conduziram a que as facções se eliminassem entre si, uma após outra. Aliás, para James Madison (1781), por exemplo, o que era importante era encontrar os enquadramentos legais e institucionais para que as facções pudessem coexistir, limitando os danos da sua própria existência e a tentação totalitária de qualquer delas. Desse objectivo nasceu a importância do poder judicial na América, como constatou Tocqueville «Aos olhos do observador, o magistrado dá a impressão de jamais se imiscuir nos negócios públicos a não ser por acaso; só que esse acaso acontece todos os dias».

A especificidade americana não escapou portanto à clarividência de Tocqueville: «A grande vantagem dos americanos é que eles chegaram à democracia sem terem de fazer uma revolução democrática... eles nasceram iguais sem terem de tornar-se iguais» e, como anotou, logo que chegou à América, «toda a sociedade parece ter-se diluído numa classe média». Enquanto isso, na Europa os liberais temiam o poder do Estado, procuraram limitá-lo, mas também procuravam instrumentalizá-lo na luta pela reforma da sociedade. E a instrumentalização do poder do Estado pode conduzir a resultados perversos: «O Estado cobre a superfície da sociedade com uma rede de regras pequenas e complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais as mentes mais originais e os caracteres mais enérgicos não conseguem penetrar, para se erguer sobre a multidão [...] Tal poder não destrói, mas limita a vida; não tiraniza, mas comprime, debilita, apaga e entorpece um povo, até cada nação ser reduzida a [...] um rebanho de animais acanhados e diligentes do qual o governo é o seu pastor».

A clarividência de Tocqueville levou-o a antecipar um problema que ameaçava a existência da União – a questão dos escravos do Sul. Tocqueville pensava que quando a escravatura desaparecesse e se estabelecesse a igualdade jurídica entre os negros e os brancos, as barreiras que os costumes haviam erguido entre as duas raças cresceriam também: «bem mais intangíveis e tenazes do que a escravidão: o preconceito do senhor, o preconceito de raça e, por fim, o preconceito do branco. Assim, o negro é livre, mas não pode partilhar dos direitos, nem dos prazeres, nem das formas de trabalho, nem das dores e nem mesmo da sepultura daquele de quem foi declarado igual. Com este não poderá ombrear-se em parte alguma, nem na vida nem na morte». E foi o que aconteceu – a escravatura sulista acabou com a derrota da Confederação, mas a segregação racial substituiu-a e só um século depois a integração racial se desenvolveu, com as dificuldades e tensões que se conhecem.

Relativamente às relações entre os brancos e os índios, Tocqueville tem um texto exemplar que espelha a sua objectividade, comparando, com algum cinismo, os efeitos, nessas relações, de um regime despótico e de um Estado democrático:

«Os espanhóis lançam os seus cães sobre os índios como sobre animais ferozes. Pilham o Novo Mundo como uma cidade tomada de assalto, sem discernimento e sem piedade. Mas não se pode destruir tudo, o furor também tem um fim. O resto das populações índias escapadas ao massacre acaba por se misturar aos seus vencedores e por adoptar a sua religião e os seus costumes. O comportamento dos Estados Unidos para com os índios respira pelo contrário o mais puro amor das formas e da legalidade. Contanto que os índios fiquem no estado selvagem, os americanos não se imiscuem em nada nos seus assuntos e tratam-nos como um povo independente. Não se permitem ocupar-lhes as terras sem as adquirirem devidamente por meio de um contrato, e se por acaso uma nação índia deixar de poder viver no seu território, tomam-na fraternalmente pela mão e eles próprios a conduzem para morrer fora do país dos seus pais. Os espanhóis, com o auxílio de monstruosidades sem exemplo, cobrindo-se de uma vergonha indelével, não conseguiram exterminar a raça índia, nem sequer impedi-la de partilhar dos seus direitos. Os americanos dos Estados Unidos atingiram esse duplo resultado com uma maravilhosa facilidade, tranquilidade, legalmente, filantropicamente, sem efusão de sangue nem violação de um único dos grandes princípios da moral aos olhos do mundo. Seria impossível destruir os homens respeitando melhor as leis da humanidade.»

Publicado por Joana às 10:10 PM | Comentários (63) | TrackBack

julho 29, 2005

O Véu da Ignorância

A concepção de justiça é um conjunto de princípios, gerais na sua formulação e de aplicação universal, que deve ser publicamente reconhecido como instância suprema nas questões de ordenação das exigências conflituais de sujeitos morais. Esses princípios não excluem o egoísmo. O significado filosófico do egoísmo, segundo Rawls não é o de ser uma concepção alternativa do justo, mas um desafio a qualquer concepção do justo. Na teoria da justiça como equidade, tal reflecte-se no facto de podermos interpretar o egoísmo geral como constituindo o ponto do não acordo. É o que as partes obteriam caso não conseguissem chegar a um acordo.

Todavia, em Economia, as partes (vendedor e comprador) estão condenadas a entenderem-se (a menos que não haja leis e justiça, pois então ganha quem tiver mais apetência física e o “acordo” faz-se favorecendo o mais forte). E as partes estão condenadas a entenderem-se porque o comprador precisa do bem e o vendedor precisa de o vender. Se não chegarem a acordo, o vendedor tentará vender o bem a outro potencial consumidor e o consumidor em questão procurará outro vendedor. No conjunto, com diversos vendedores e compradores, atingir-se-ão preços, ou um preço, de equilíbrio, que será um ponto de acordo, mesmo que nenhum deles estivesse inicialmente inclinado ao acordo, nesse ponto, devido ao seu “egoísmo”. Portanto, não é correcto interpretar o egoísmo geral como constituindo o ponto do não acordo.

E o mais interessante é que o próprio John Rawls, no seu objectivo de usar a noção de justiça processual pura como base para a teoria de ordenamento económico e social justo e ético, pretende anular os efeitos das contingências específicas que levam os sujeitos a oporem-se uns aos outros e que os fazem cair na tentação de explorar as circunstâncias naturais e sociais em seu benefício. Para tal, Rawls parte do princípio de que as partes deverão estar situadas ao abrigo de um véu da ignorância. Não sabem como é que as várias alternativas vão afectar a sua situação concreta e são obrigadas a avaliar os princípios apenas com base em considerações gerais. Assim, ninguém conhece o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou estatuto social; também não é conhecida a fortuna ou a distribuição de talentos naturais ou capacidades, a inteligência, a força, etc. Ninguém conhece a sua concepção do bem, os pormenores do seu projecto de vida ou sequer as suas características psicológicas especiais, como a aversão ao risco ou a tendência para o optimismo ou pessimismo. Adicionalmente as partes não conhecem as circunstâncias particulares da sua própria sociedade, isto é, desconhecem a sua situação política e económica e o nível de civilização e cultura que conseguiu atingir. Estas restrições à informação são necessárias porque as questões da justiça social tanto surgem entre gerações como dentro da mesma geração, de que é exemplo o problema da taxa adequada de poupança ou a conservação dos recursos naturais e do ambiente natural.

As partes não devem conhecer as contingências que geram as oposições respectivas e devem escolher princípios cujas consequências estejam dispostas a viver, seja qual for a geração a que pertencem.

O único facto concreto de que as partes têm conhecimento é o de que a sua sociedade está submetida ao contexto da justiça e às respectivas consequências. É dado como adquirido, no entanto, que conhecem os factos gerais da sociedade humana. Compreendem os assuntos políticos e os princípios da teoria económica; conhecem as bases da organização social e das leis da psicologia humana. Na verdade, presume-se que as partes conhecem os factos gerais que afectam a escolha dos princípios da justiça.

O problema com que se debate Rawls relativamente à teoria da justiça, base do ordenamento social equitativo (não igualitário!), está em que ela deve gerar o seu próprio apoio, ser uma concepção estável. Os seus princípios devem ser incorporados na estrutura básica da sociedade, os homens devem adquirir o correspondente sentido da justiça e desenvolverem o desejo de agir de acordo com eles.

O véu da ignorância é assim indispensável para as partes não terem base para negociarem, explorando os seus egoísmos. Ninguém conhece a sua situação na sociedade nem os seus dons naturais e, portanto, ninguém está em posição de traçar os princípios de forma a retirar deles benefícios. Podemos imaginar que um dos contratantes ameaça retirar-se a menos que os outros concordem com princípios que lhe são favoráveis. Mas como é que ele pode saber quais os princípios que beneficiam particularmente os seus interesses? O mesmo vale para a formação de alianças: se um grupo decidisse reunir-se prejudicando outro, os seus membros não saberiam como beneficiar a sua posição ao escolher os princípios. Mesmo que conseguissem convencer os restantes a concordar com a sua proposta, não teriam qualquer garantia de que ela os beneficiaria.

Ou seja, Rawls, para construir um ordenamento social equitativo, baseado na ética, precisa desesperadamente que as pessoas desconheçam os efeitos da aceitação desse ordenamento na sua vida, em face das suas aptidões pessoais e das suas idiossincrasias. As pessoas só podem avaliar a justiça do ordenamento social em termos gerais e não em termos da sua capacidade pessoal de singrar melhor ou pior nele. Essa avaliação é-lhes vedada pelo véu da ignorância.

Ou seja, para construir um ordenamento social equitativo, aceite por todos, como alternativa ao egoísmo, Rawls propõe a ignorância selectiva. Esta concepção é contrária, por exemplo, à tese de Schopenhauer: o nosso interesse, qualquer que seja a sua natureza, exerce uma força oculta sobre os nossos juízos; o que lhes é conforme, parece-nos a breve trecho equitativo, justo e razoável; o que se lhes opõe apresenta-nos, sem sombra de dúvida, injusto e execrável, ou inoportuno e absurdo. Assim, o nosso intelecto é diariamente iludido e corrompido pelos passes de pestidigitador da nossa inclinação. E está em óbvia oposição à economia clássica e aos seus desenvolvimentos posteriores até à actualidade, que se baseia, pelo contrário, na satisfação dos interesses pessoais e na transparência do funcionamento social.

Portanto, o véu da ignorância nem como hipótese de trabalho é satisfatório. Um industrial que sofre um aumento de preços devido à cartelização (não pertencendo ele próprio a nenhum cartel) será contra os cartéis em geral, enquanto sucede o inverso para um industrial cartelizado. Um funcionário que beneficia de um aumento geral de vencimentos dificilmente poderá pronunciar-se desfavoravelmente sobre os efeitos da despesa pública na economia do país. O artesão que está em risco de sucumbir à concorrência das grandes empresas mecanizadas considera nociva a introdução de novas máquinas para a economia nacional e está pronto a aceitar as teorias que o demonstrem. Os trabalhadores pensam frequentemente que a subida dos salários aumenta o poder de compra da população, dando assim impulso à procura. Os empresários, inversamente, vêem o aumento dos salários associados à subida dos custos, à diminuição da procura e das receitas e a despedimentos. As pessoas e entidades reconhecem os seus interesses particulares mais facilmente que os interesses gerais. Poderá existir um véu da ignorância sobre os interesses gerais, nunca sobre os interesses particulares.

Há todavia algo de bastante pertinente subjacente às teorias de Rawls. Numa sociedade baseada numa democracia representativa, os eleitores devem ser guiados por concepções sobre o ordenamento económico e social em termos gerais e não em termos da sua capacidade pessoal de obter mais ou menos vantagens pessoais. Deve haver um véu da ignorância entre os eleitores para serem conduzidos a escolhas melhores do ponto de vista da colectividade. Todavia os eleitores, mesmo que não conheçam os efeitos exactos das políticas, avaliam preferencialmente os efeitos dessas políticas no seu grupo social, ainda que seja de forma distorcida ou comprando ilusões.

Cabe assim aos políticos construírem um véu da ignorância, ou, abandonando os conceitos filosóficos e descendo à realidade política, um véu de mentiras, para assegurarem o apoio eleitoral.

Se depois esse véu de mentiras é utilizado para construir um ordenamento económico e social mais próspero e/ou mais equitativo, ou nem uma coisa nem outra, só o futuro o dirá.

Até agora as experiências não têm sido satisfatórias.

Publicado por Joana às 08:54 AM | Comentários (113) | TrackBack

julho 28, 2005

Debates Monásticos

Era uma noite de Inverno, num mosteiro medieval alcandorado nos Alpes, sob um intenso nevão e uma temperatura inferior a 20º abaixo de zero (de acordo com o actual critério de Celsius). Nessa noite gélida, convidativa à introspecção e à meditação sobre a essência das coisas, um grupo de monges embrenhou-se numa discussão sobre a questão de saber se o leite gelava. Horas a fio debateram e procuraram clarificar os conceitos e a essência do leite e do frio, para assim poderem responder à questão.

Um monge agitava um velho rolo de pergaminho com excertos da Física de Aristóteles, outro exibia a sua erudição citando de memória sentenças aristotélicas da Ética a Nicómaco e da Metafísica. As Etimologias de Isidoro de Sevilha, o Apologeticus de Tertuliano, Clemente de Alexandria e Agostinho de Hipona vieram igualmente iluminar o debate. Um monge mais modernista estribava-se com veemência na Suma Teológica. A discussão prolongou-se pela noite dentro, enquanto a lareira crepitava e, aliada ao calor da contenda, mantinha os monges confortados e ao abrigo da intempérie.

De manhãzinha ainda não tinham conseguido concluir nada. Dúvidas consistentes persistiam sobre a essência do leite e do frio. Não havia razões lógicas que tornassem possível qualquer conclusão fundamentada. Adormeceram sobre aquelas dúvidas angustiantes.

Ninguém se lembrou de colocar uma tigela com leite no parapeito exterior de alguma das janelas do mosteiro.

Publicado por Joana às 06:14 PM | Comentários (31) | TrackBack

julho 27, 2005

A Teoria Clássica, a Realidade e o Bom Senso

A leitura do meu texto anterior despertou uma dúvida, na aparência pertinente, mas que não tem a mínima consistência. E essa dúvida baseia-se na ideia que os decisores económicos estão-se tão completamente nas tintas para o que dizem os pais da economia clássica, que provavelmente nunca leram (acrescento eu). Aliás, um estudo de dois britânicos (Hall e Hitch), «Price Theory and Business Behaviour»(*) sobre o comportamento das 38 maiores sociedades britânicas, mostrou que a quase totalidade dos gestores desconhecia o que era o custo marginal (que é um dos pilares da microeconomia e dos modelos microeconómicos). A essas dúvidas respondo assim:

Os condutores dos veículos desconhecem as equações do movimento e a mecânica de Newton, mas guiam os carros tendo em atenção um conjunto de regras que, directa ou indirectamente, resultam das equações do movimento e da mecânica de Newton. Metem as mudanças de acordo com a força e a aceleração que necessitam. E quando chegam à beira do abismo não aceleram para diante, pois mesmo sem terem estudado as leis do campo gravítico, sabem que vão cair no abismo. (Espera-se que Sócrates e Mário Lino não acelerem agora …).

Acreditar que, por não se conhecer a escola clássica e as funções de utilidade, de produção e de custo da microeconomia, os gestores agem de modo diverso, seria o mesmo que acreditar no caos absoluto do trânsito, pela ignorância das equações do movimento e do campo gravítico: carros enfeixados noutros carros, em postes, dentro de montras, capotados nas valetas, no fundo de ravinas, etc., tudo como regra geral. Há acidentes, mas não são a regra geral. Assim como na economia: há falências ou acidentes menos nefastos, mas não são a regra geral.


(*)Nota: Não estou bem certa da data do estudo, mas foi por alturas da 2ª Guerra Mundial. Como estou em férias não tenho nem livros, nem Google à minha disposição (pesquisas na net, com GPRS, só se fosse subsidiada pelo Plano Tecnológico!) limito-me à minha memória e alguns dados que tenho no PC.

Publicado por Joana às 10:19 PM | Comentários (68) | TrackBack

Equívocos Iliberais

A crítica mais vulgar que se faz ao liberalismo é a da existência de excesso de poder de mercado de diversos grupos económicos que agem como liberticidas. Ora esta crítica é hipócrita quando se refere ao caso português e ignorante quando se refere à economia global. No caso português, os agentes económicos que distorcem a concorrência são, em primeiro lugar, o próprio Estado com as barreiras institucionais que opõe à liberdade concorrencial, com o excesso de burocracia que só é contornada por compadrio, o que faz com que as empresas que obtêm vantagens não são necessariamente as que têm mais produtividade, etc.. Em segundo lugar as empresas majestáticas, semi-privatizadas pelo Estado, mas que continuam espojadas nas delícias de Cápua do proteccionismo estatal.

É estranho tentar desacreditar o liberalismo através de exemplos que decorrem, directa ou indirectamente, do comportamento do Estado. Os cambões dos construtores civis para concursos públicos, empresas menos competitivas terem prevalência burocrática, empresas majestáticas imporem preços não explicados pelo factor mercado, etc., resulta tudo do comportamento do Estado que vicia e degrada a concorrência, quando uma das suas principais missões, de acordo com os pais da economia clássica, seria justamente a da regulação da concorrência e a de providenciar a equidade do funcionamento da economia do mercado.

Analisemos agora a situação do poder de mercado dos grandes grupos económicos a nível da economia global. O poder de mercado existe quando alguns intervenientes no mercado têm a possibilidade de cercear a liberdade de outros intervenientes. Em contrapartida, quando todos têm que aceitar igualmente o preço determinado pelo mercado, todos dispõem de poder económico idêntico e todos são, perante o mercado, igualmente desprovidos de poder.

O liberalismo económico define a liberdade como a ausência de coacção. Isso significa que só pode existir uma ameaça para a liberdade quando alguém puder impor algo a outrem. Por essa razão, para o liberalismo económico, o Estado representa, em si, uma ameaça. Mas, contrariamente ao ultraliberalismo, que assegura que todo o económico é racional desde que na sua origem não haja coacção, não podemos ignorar as ameaças à liberdade provenientes do poder de mercado das grandes empresas apesar de estas não terem capacidade de impor comportamentos ao consumidor individual ou ao pequeno produtor.

Os equilíbrios do mercado só se podem considerar racionais e eficientes na medida em que resultem da actuação de indivíduos tanto quanto possível igualmente livres. Quanto maior for o poder existente num mercado, mais irracionais (ineficientes) são os resultados globais (i.e., para todos os indivíduos e empresas).

A escola clássica inglesa, que procurou desde o início estabelecer relações lógicas entre padrões de comportamento e escassez de recursos, envolvendo um alto grau de abstracção e o recurso a ferramentas matemáticas, foi extraordinariamente enriquecida com as discussões teóricas e práticas emergentes da Sherman Act (1890), quando economistas (e os tribunais) se envolveram em disputas acérrimas sobre a forma como as estruturas de mercado influenciavam os comportamentos das firmas e em que medida determinadas situações de oligopólio (ou monopólio) violavam a concorrência. As investigações e os debates em tribunais forneceram aos economistas um grande acervo de informações sobre os comportamentos dos agentes económicos e as estruturas de mercado. Muito da teoria económica se tem desenvolvido a partir dessas disputas legais, que continuam a ocorrer, como foi o caso recente da Microsoft. A teoria dos Mercados Contestáveis (cf. W. Baumol) nasceu, na década de 80, da controvérsia legal acerca de uma alegada situação de monopólio.

Quando digo enriquecida, refiro-me aos diversos modelos que foram sendo propostos para descrever esses comportamentos. Mas refiro-me igualmente ao aparecimento da Industrial Organization que parte do paradigma Estruturas-Comportamento-Resultados, que resumidamente refere que os resultados de uma dada indústria ou mercado dependem do comportamento dos agentes económicos (compradores e vendedores) que se confrontam nesse mercado em áreas como políticas de preços, práticas comerciais, investigação e desenvolvimento, investimento em instalações produtivas, etc.. Os comportamentos dependem, por sua vez da estrutura de um dado mercado, abarcando parâmetros tais como número e distribuição dimensional dos vendedores e compradores, grau da diferenciação (física ou subjectiva) do produto, presença ou ausência de barreiras à entrada de novos produtores, estrutura de custos, grau de integração vertical, etc..

Por sua vez, a estrutura de mercado e os comportamentos interagem com as condições de base. Por exemplo, do lado da oferta, a localização da matéria prima, a tecnologia disponível, durabilidade (ou perecibilidade) do produto, rácio valor/peso, condicionantes ambientais, regulamentos estatais e enquadramento legal, padrões produtivos (por exemplo, produzir por encomenda, ou produzir para armazém – no caso em apreço, para depósito), etc.. Do lado da procura, a elasticidade preço-procura, produtos substitutos (elasticidades cruzadas da procura), taxa de crescimento e flutuações da procura, procura sazonal ou cíclica, padrões de aquisição (por exemplo, transacções através de listas de preços ou por concursos com propostas lacradas).

Os modelos iniciais, resultantes da escola clássica, baseavam-se nos “7 axiomas” da concorrência:
1-Atomicidade do mercado (grande número de concorrentes)
2-Homogeneidade do produto – não havia diferenciação dentro do mesmo produto (ausência de marcas, modelos, etc.)
3-Ausência de barreiras à entrada - inteira liberdade (legal e económica) de entrar e sair.
4-Transparência do mercado (todos conhecem exactamente as qualidades e preço do produto)
5-Mobilidade perfeita dos factores de produção (capital e trabalho)
6-Independência dos agentes económicos (não há conluios)
7-Racionalidade económica absoluta (minimizar para cada produto o consumo dos factores e, para cada combinação de factores, escolher a técnica que maximiza a produção)

Os avanços tecnológicos e o próprio processo concorrencial conduziram ao aumento da dimensão das unidades e à importância crescente das economias de escala como factor de competitividade. As dimensões mínimas óptimas de diversas indústrias agem em sentido contrário ao axioma 1: levam ao oligopólio e não à atomicidade. Criam igualmente poderosas barreiras à entrada (axioma 3) porquanto exigem investimentos elevadíssimos, e de retorno arriscado, para a firma que pretender entrar no mercado.

O axioma 2 também não se verifica em muitos bens. As empresas diferenciam os produtos continuamente tentando pressionar o consumidor pela qualidade (real ou virtual) e não pelo preço. Mas tal é normalmente ultrapassado pelo maior discernimento que o consumidor vai adquirindo sobre o funcionamento (o mesmo é válido para o axioma 4). Faz com que a concorrência se faça pelo preço, mas também pela qualidade. Tem mais impacte sobre o “rigor matemático” dos modelos microeconómicos que sobre a concorrência.

Os axiomas 5 e 6 são do escopo do Estado. São as disposições jurídico-institucionais do Estado que dificultam a mobilidade dos factores de produção (do capital e, principalmente, do trabalho). O axioma 6 depende da existência de uma entidade reguladora da concorrência eficaz e de um Estado desburocratizado e capaz de aplicar a justiça com rapidez e equidade.

O axioma 7 depende parcialmente do Estado. Uma empresa que não aja com racionalidade económica absoluta vai à falência ao fim de pouco tempo, a menos que viva sob o proteccionismo estatal. Muitas das empresas que agem com pouca racionalidade económica e muitos dos empresários que os pensadores estatizantes acusam de responsáveis pelo estado económico do país, subsistem porque têm vivido sob a protecção, directa ou indirecta, do Estado.

O reconhecimento destas imperfeições levou os teóricos anglo-saxónicos a formular a teoria da Concorrência Praticável (Workable Competition) que tenta caracterizar as actuais estruturas de mercado.

Essa Concorrência Praticável implica um alargamento das variáveis concorrenciais (como p. ex., admitir certos fenómenos rejeitados pelo modelo tradicional – concentração, não homogeneidade do produto, etc.), é essencialmente dinâmica (o carácter concorrencial de um comportamento só pode ser apreciado após se ter analisado as suas repercussões a longo prazo e o equilíbrio instantâneo é substituído por conceitos que tomem em conta o tempo, prazos de adaptação, o carácter instável e evolutivo do mercado, etc.) e é pragmática e relativista.

A Concorrência Praticável implica regulação e perseguição legal a quem infringe as suas normas e regulamentos (e nos EUA, como se tem visto, essa acção legal é a doer …). Embora não seja coincidente com o modelo da concorrência pura e perfeita, um dos seus axiomas (2nd Best) é claro: se uma ou mais das condições necessárias para a realização do Óptimo de Pareto não estão realizadas, não é em geral, nem necessário, nem aconselhável, procurar satisfazer outras condições, porquanto a solução encontrada estará nas imediações desse óptimo.

Como escrevi no intróito, apelidar o liberalismo económico de liberticida, só por hipocrisia ou ignorância.

Publicado por Joana às 12:46 PM | Comentários (74) | TrackBack

julho 26, 2005

Maravilhas do Mercado

1 – Nos EUA (onde haveria de ser?) apareceu no mercado um spray para polvilhar de lama os jeeps e lhes dar aquele toque desportivo de terem andado por safaris africanos, entre leões e jacarés. Temos um jeep que só é lavado na véspera da ida à inspecção. A desculpa, que damos a nós próprios, é que não cabe nos sistemas automáticos. A partir de agora a situação está resolvida. Passarei a dizer às minhas amigas: Já viram o resultado do novo spray XPTO? Mandei-o vir expressamente da América. É chiquérrimo todo este enlameado. Vejam a perfeição com que imita os dejectos dos pássaros!
E elas roídas de inveja!

2 - Como fazer dinheiro sem ser na Bolsa (remake)
O Samuel era um comerciante judeu, probo, de cabedais sólidos, bem conceituado na praça.
Um dia, de manhã cedo, a caminho da sua loja, o seu olhar caiu casualmente num anel que refulgia, abandonado à sua sorte, no empedrado da calçada. Circunvagou prudentemente o olhar, a ver se algum transeunte o estaria a observar, ou pudesse ser o dono daquela preciosidade e, em face da rua deserta àquela hora tão matinal, baixou-se, apanhou o anel sorrateiramente e guardou-o.

Ao fim da tarde, quando descia os taipais e se aprestava para regressar a casa, deu de caras com o Isaac, um outro abastado judeu que tinha uma loja ao lado, e não pôde deixar de lhe dizer:
- Encontrei este anel. É belíssimo e vou oferecê-lo à Rebeca (o Samuel, para além de honesto comerciante, era um marido amantíssimo)
O Isaac observou o anel e inquiriu:
- Sabes, eu ando há semanas para oferecer qualquer coisa à Ruth (o Isaac, para além de honesto comerciante, era também um marido amantíssimo). Compro-te o anel por 200€.
A oferta era tentadora. Afinal era um anel encontrado ao acaso do trânsito. O Samuel aceitou e vendeu o anel.
Quando chegou a casa, contou a história à Rebeca, sem referir obviamente a sua intenção inicial de lhe oferecer o anel (mesmo nos melhores casamentos é imprudente contar-se tudo ao cônjuge). Enalteceu apenas o negócio que fizera. Mas a Rebeca, perspicaz, contrapôs:
- O Isaac é um negociante muito vivo e deve ter-te enganado. Esse anel vale certamente muito mais. Tu devias reavê-lo.
O Samuel nem dormiu com a tranquilidade habitual. Assim que de manhãzinha chegou à loja, foi ter com o Isaac e propôs-se comprar-lhe o anel. Falou no desgosto da Rebeca, na iminência de um processo de divórcio, etc.. O Isaac regateou, mas acabaram por se entenderem e a transacção fez-se por 250€.
Quando chegou a casa o Isaac disse para a Ruth:
- Hoje ganhei 50€. Revendi o anel ao Samuel.
Mas a Ruth, que também era perspicaz, retorquiu:
- O Samuel enganou-te. Há qualquer coisa com o anel. Esse anel vale certamente mais. Tens que reavê-lo.
Essa noite foi a vez do Isaac ficar com insónias. No dia seguinte novo regateio e nova transacção. O Isaac comprou o anel por 300€.
Não contava porém com a Rebeca. Nessa noite a Rebeca encheu os ouvidos do Samuel sobre a evidência do negócio chorudo que o Isaac fizera.
No dia seguinte, nova transacção: O Samuel comprou o anel ao Isaac por 350€.
E as desconfianças continuaram e as transacções prosseguiram:
No 5º dia o Isaac comprou o anel ao Samuel por 400€.
No 6º dia o Samuel comprou o anel ao Isaac por 450€.
No 7º dia o Isaac comprou o anel ao Samuel por 500€.
No 8º dia o Samuel comprou o anel ao Isaac por 550€.
E todos os dias um deles saía feliz da transacção com um ganho de 50€, até que o debate com a respectiva mulher lhe fazia ver que poderia ganhar mais ainda.
Estas transacções prosseguiram, até que, no enésimo dia, quem era então o detentor do anel, perdeu-o. Ainda hoje não sabe como tal infortúnio lhe pôde ter acontecido.

Nesse dia, como de costume, o outro comerciante veio ter com ele e, resolutamente, propôs-se comprar o anel outra vez. Abateu-se um silêncio de chumbo. O que tinha perdido o anel balbuciou, entre dentes:
- Sabes ... perdi-o
O outro ficou desesperado, e revoltado, gesticulando ameaçadoramente, invectivou-o:
- Como? Perdeste o anel? Tu perdeste o nosso ganha pão?!

E ambos se abraçaram comovidos. Tinha sido um rude golpe comercial. Todos os dias o Samuel e o Isaac, alternadamente, cada um deles ganhava 50€. Era um ganho seguro e sólido, e a desventura do destino tinha-lhes retirado essa fonte de rendimento.

Escrito neste blog em dezembro 19, 2003
http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/2003/12/como_fazer_dinh.html

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O Penico Quadrado de Vital Moreira

Vital Moreira produziu-se hoje em espaventoso traje de OTÁrio, acusando os lisboetas de todas as condições e partidos …Companhias de aviação e agentes turísticos, hoteleiros e taxistas, jet set nacional … de consubstanciarem um interesse corporativo que só tem comparação na reacção dos numerosos regimes especiais da função pública beneficiários de privilégios em vias de extinção. É o Sindicato de Lisboa, acusa.

Vital Moreira está a confundir privilégios estabelecidos por via institucional, fora da regulação de um sistema de mercado, com as preferências dos consumidores que constituem o mercado do futuro aeroporto. Designar pejorativamente por Sindicato de Lisboa, o conjunto dos potenciais consumidores da OTA é completamente obtuso e demonstra que Vital Moreira ainda tem muito que se esforçar para abandonar os vícios mentais adquiridos anos atrás.

Imaginemos que Vital Moreira lançava no mercado um novo modelo de penico – um penico quadrado. Imaginemos, como hipótese mais provável, que, apesar de uma intensa publicidade, as mães passavam com displicência ao largo dos escaparates desse produto inovador, sem o comprarem. Será que Vital Moreira se produziria furibundo nos jornais acusando o Sindicato das Mães de interesses corporativos?

Vital Moreira: É a Economia, EstúpidoInteligente!

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julho 25, 2005

Elefante Branco numa cristalaria

O ministério das Finanças desconhece o estado do país, não faz ideia da situação económica que o sector produtivo atravessa, nem percepciona o valor venal das coisas, ou seja quais os valores de equilíbrio de mercado. O edifício da Lanalgo foi penhorado por dívidas ao Fisco. O Fisco promoveu a sua avaliação, para servir de base de licitação da hasta pública. Foi avaliado em 4 milhões de euros. Estava-se em 1999.

O Fisco já transmitiu por diversas vezes a mensagem que as suas avaliações são sempre inferiores ao valor real do mercado, rondando os 60%. No caso vertente, dado servir de base de licitação de uma hasta pública, aquele critério deveria mesmo ser obrigatório. Além do mais, como as Finanças venderam 3 meses depois, por 90 mil contos (450 mil euros) a uma empresa sedeada em Gibraltar, através de uma negociação particular feita sem publicidade, tudo indica que o valor de avaliação nunca poderia ser muito elevado, para evitar o escândalo público. Afinal não o evitou e a venda foi anulada.

Entre 1999 e 2005 a inflação portuguesa foi de 20,38%. Portanto o valor actualizado daquela avaliação, referido a 2005, seria de 4.815.000 euros. Admitindo o critério de prudência avaliadora de que as Finanças se gabam, o imóvel devia valer, para os cérebros do ministério das Finanças de 1999, um valor equivalente a 8 milhões de euros actuais.

Afinal, e após várias hastas públicas desertas, parece que o imóvel foi vendido por metade da avaliação de 1999, actualizada a 2005, ou menos de um terço do que “os cérebros do ministério das Finanças de 1999” pensariam que valesse.

Este desfecho é importante e muito pedagógico:

1 – Para quem tem bens imóveis a serem avaliados pelo Fisco para determinação da matéria colectável, quer em sede de IMI, quer em sede de IMT. O Estado deveria ser obrigado a adquirir o imóvel, pelo preço em que o avaliou, no caso do proprietário o exigir. Era uma forma de o responsabilizar pelas avaliações que faz.

2 – Para aqueles que têm uma confiança cega na força “clarividente” do Estado na Economia em contraposição da força “cega” do mercado. As forças “cegas” têm várias vantagens: não são subornáveis; não distinguem entre os licitantes; deixam que o preço do mercado se ajuste pela confluência de vontades de vendedores e compradores sem o empecilho distorcedor do “olho clarividente” de Estado, ignorante e falho de sensibilidade económica e financeira

3 – O Estado não é apenas ineficiente no seu funcionamento. O Estado não sabe o que se passa no exterior da sua burocracia autofágica. O Estado e os seus agentes ignoram o funcionamento do mercado, ignoram o valor venal das coisas, ignoram tudo sobre a vida económica. Ignoram os efeitos da legislação incompetente que promulgam ou mantêm, como a Lei do Arrendamento Urbano. Quando intervêm, fazem-no por actos administrativos irrealistas, estúpidos e, acima de tudo, perigosos. Perigosos porque a força “irrealista e estúpida“ do Estado impõe-se coercivamente. À força “cega” do mercado nós podemos sempre responder pela não aceitação da transacção. Temos toda a liberdade de o fazer. No caso do Estado, essa força, depois de desencadeada, torna-se cega: cega à razão, ao bom senso, às regras de um Estado de Direito. Perante ela a nossa liberdade esvai-se.

Na Economia, o Estado move-se com a agilidade e os efeitos de um elefante (branco) numa loja de vidros e cristais. O Elefante Branco é o Estado português; nós apanhamos os cacos.

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julho 24, 2005

Autos-Da-Fé

A notícia caiu como uma bomba. Por muitas e diversas razões que direi adiante. Não que a Esquerda Totalitária não tivesse perpetrado actos destes noutras paragens. Não que houvesse qualquer diferença entre os métodos da Esquerda Totalitária e da Direita Nazi-fascista, excepto no facto da primeira aplicar esses métodos com total hipocrisia e sob a capa das virtudes públicas. Nada disso. Sucede que as pessoas que promoveram estes autos-da-fé, se exceptuarmos Rogério Fernandes, então do PCP, eram gente da área do socialismo democrático.

Para além dos manuais do ensino estavam incluídos, nessa lista de material combustível, livros ou páginas a arrancar (!!) de livros de escritores como Ana Hatherly, José Régio, Urbano Tavares Rodrigues(?!), Tomás Ribas, Vitorino Nemésio, Barrilaro Ruas, Esther de Lemos (escrever com th é obviamente reaccionário), Calvet de Magalhães e Maria de Lurdes Belchior(!?). Estavam livros de Hermano Saraiva, de Fernanda de Castro (certamente por ser viúva de António Ferro!) e do pai do Marcelo Rebelo de Sousa. Etc., etc.. Não eram apenas manuais de propaganda (e se o fossem, acaso haveria direito de os queimar?). Apenas uma coisa distingue estes autos-da-fé daqueles praticados pelos nazis: foram feitos sem alarido público, nas traseiras de uma qualquer escola. Os nazis assumiam os autos-da-fé que faziam; a esquerda portuguesa fazia-os à sorrelfa, nas traseiras.

Segundo o Público relata hoje, Sottomayor Cardia, num discurso dirigido ao país, em Outubro de 1976, 2 anos depois do despacho de Rui Grácio que determinava os autos-da-fé, acusou o ME de ter «à maneira inquisitorial», ordenado a «destruição de livros pelo fogo … Há no Ministério prova da realização de autos-da-fé por determinação oficial». Na altura os jornais não ligaram a estas denúncias. Segundo o Público porque eram 2 frases numa imensidão de um discurso que demorou 70 minutos a ser lido. Na minha opinião porque a tirania do politicamente correcto dominava os meios de comunicação social e exercia uma censura cobarde, porque camuflada atrás das boas intenções. Provavelmente nessa época, os mandarins da opinião achariam “profiláctica” a queima dessa literatura viciosa.

Mas a tirania do politicamente correcto está a perder terreno, pouco a pouco, no nosso país. A emergência de articulistas independentes, e com audiência, a banalização desses serventuários dos ícones da esquerda totalitária, a dificuldade que há em amordaçar as opiniões na época da globalização informativa e da blogosfera, etc., tudo concorre para a liberalização progressiva da informação. Por isso, hoje em dia é possível dar relevo a estes factos, com mais de 30 anos, coisa que nunca até agora havia sido possível.

Umas últimas linhas para assinalar que esta notícia deixou os meus pais siderados. Escrevo-as porque acho importante mostrar que o ovo da serpente germina nos ninhos mais inesperados.

Vitorino Magalhães Godinho, então ministro da Educação, é da família (de forma colateral) da minha mãe, que mantém relações de amizade, embora espaçadas, com ele e as duas filhas, que são da geração dela. Vitorino Magalhães Godinho alega não ter conhecido o despacho e considera-o «totalitário, embora apresentando-se de esquerda». Na ausência de outros testemunhos não se pode duvidar da palavra dele, embora se possa estranhar que não soubesse o que um seu subordinado fazia. Teria pelo menos a chamada “responsabilidade política”.

O meu pai conheceu bem Rui Grácio que considerava um sujeito extremamente cordato e tolerante que, apesar de ser então um guru na área das pedagogias e dos estudos sociais, ouvia com igual atenção nomes sonoros ou jovens que começavam a trilhar o caminho das “alegrias cívicas”. Apesar da sua notoriedade científica, nunca usou essa notoriedade como forma de ostentação. O meu pai tinha-o em grande consideração.

Os meus pais põem a hipótese que esse despacho e a sua execução tivessem origem em Rogério Fernandes, então do PCP e da linha de António Teodoro, que no Público de hoje, produz declarações bastante ambíguas sobre esta matéria. Mas tal não invalida a responsabilidade directa de Rui Grácio, pois foi ele que assinou o despacho.

Estes factos são, na minha opinião, exemplares. Pessoas de bem, de formação democrática, politicamente tolerantes (sublinho “politicamente” porque, como pessoa, o Vitorino é rabugento que se farta!) caem na tentação totalitária e promovem acções idênticas em tudo às dos fascistas que eles haviam combatido. Sucumbem à tentação totalitária “arrastados” pela gritaria de grupos radicais cuja força reside apenas nos decibéis da gritaria e não tem qualquer expressão popular, como se viu depois.

Não há vocações totalitárias. Há ideologias que fazem com que gente boa sucumba à tentação do mal em nome de princípios vazios de sentido moral, mas que foram sacralizados por essas ideologias em travesti de construtoras e zeladoras de uma sociedade alegadamente igualitária e feliz.

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julho 23, 2005

O Rolo Compressor

E uma jornalista debaixo dele

Foi com esse programa que Sócrates obteve a maioria absoluta. Logo, como Portugal é uma democracia, é com esse programa que Sócrates deve governar e não com as opções de Campos e Cunha, opinou uma jornalista do Público, este sábado, indignada com as dúvidas dos economistas sobre a bondade da demissão. Sócrates devia ler este artigo, pois indica-lhe o caminho.

Sócrates ganhou as eleições prometendo não aumentar os impostos – aumentou-os; Sócrates ganhou as eleições prometendo criar mais de uma centena de milhares de novos empregos – o aumento do desemprego tem-se acelerado, e quando acabar o efeito sazonal do Verão, essa tendência será mais evidente; Sócrates ganhou as eleições prometendo acabar com as “trapalhadas” de PSL – nunca houve tanta trapalhada em tão pouco tempo. Sócrates ganhou as eleições prometendo … e tem saído tudo ao contrário … era tudo mentira.

Neste entendimento, e para ser coerente com a opiniosa e furibunda articulista do Pública, Sócrates terá que demitir imediatamente Sócrates, para não ver a sua autoridade posta em causa. E mais que por uma questão de autoridade posta em causa, Sócrates tem de demitir Sócrates por razões de coerência política.

São José Almeida, alteromundista, sente-se cada vez mais isolada nas suas concepções lunáticas do funcionamento económico e social. O seu artigo é o grito de dor e desespero de alguém diante do rolo compressor do empecilho dos factos, que avança inexorável sobre ela. É um grito in articulo mortis. Confunde liberalismo económico com as sanções a aplicar à Alemanha no final da I Guerra Mundial. Arremete furiosa contra os que papagueiam as mesmas soluções, as mesmas análises, as mesmas teorias … sem admitir que há alternativa., sem mostrar que conhece qualquer alternativa, para além de vagos lampejos lunáticos.

Papaguear é debitar um chorrilho de palavras, sem qualquer fundamentação sólida. O único facto apresentado pela articulista são as sanções a aplicar à Alemanha no final da I Guerra Mundial. É um facto que se situa a 3 mil kms e a 86 anos de distância e que lhe caiu no texto inexplicavelmente. Poderia usá-lo com igual pertinência para qualquer outra circunstância: por exemplo, para justificar o mensalão do PT de Lula, ou os maus resultados dos exames de Matemática, ou a gripe das aves do sueste asiático.

Neste entendimento, o papagaio é São José Almeida. E a cassete que papagueia já tem mais de cem anos e gastou-se pela usura do tempo e pelo rolo compressor dos factos.

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julho 22, 2005

Questão para o FdS

Pensem nas seguintes questões (ou na questão seguinte e respectivas variantes):

Até quando Portugal aguentará esta situação?

1 – Até à bancarrota do Estado e insolvabilidade das famílias sobre-endividadas, incapazes de suportarem os aumentos dramáticos das taxas de juro decorrentes indirectamente da falência do Estado? Que acontecerá então?

2 – Se puser termo a esta situação entretanto, como será? Cavaco ganha as presidenciais e ao fim de 6 meses (ou mais, dependendo do grau de apodrecimento da situação) dissolve a AR e convence os portugueses a aceitarem uma solução tecnocrata, de reestruturação profunda à irlandesa? Solução diabolizada como neoliberal, mas que levou à Irlanda tornar-se o 2º pais mais rico da Europa.

3 – As presidenciais são ganhas por um candidato da ala esquerda do PS e Portugal cai na miséria populista, mas igualitária, tipo América Latrina Guevarista? Neste caso as famílias não terão que pagar as dívidas, anuladas por decreto revolucionário, mas não terão acesso a bens de consumo, mesmo alimentares, pois o país nem alimenta 1/3 da população (nem agora, nem nunca). Não haverá problemas de poluição, porque como o país está insolvente, só compra “cash” e não vai importar crude, para além de 1 barril mensal que Chavez oferece a título de solidariedade internacionalista e proletária. As pensões de reforma serão substituídas pela sopa dos pobres.

4 – Outras soluções serão possíveis? Quais?

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Eu e Campos e Cunha

Campos e Cunha estava cansado e farto dos desconchavos dos seus colegas do Governo. Foi de férias. Eu estou cansada e farta dos desconchavos dos colegas de Campos e Cunha no Governo e dos lapsos de aritmética do próprio Campos e Cunha. Vou de férias.
Campos e Cunha foi substituído por um keynesiano serôdio. Não há liberalismos serôdios ou temporões. Não me vou substituir. Mas prometo produzir-me por aqui uma vez por outra (a menos que o roaming pregue alguma partida). E, para já, é apenas uma semana.

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julho 21, 2005

A Fase Infantil dos Projectos

É da regra na programação de projectos que haja diversas fases: 1) Definição dos objectivos; 2) Inventariação das diversas variantes (uma delas é não fazer nada) tendo em conta a dimensão (baseada em estudos de procura), a localização, as alternativas, etc.; 3) Comparação das diferentes variantes, baseada em estudos de viabilidade económica e financeira; 4) Tomada de decisão; 5)Processo de Concurso e adjudicação; 6) Projecto de Execução (admitindo um concurso de concepção-construção, senão terá que haver outro concurso para a construção após o Projecto de Execução) permanentemente validado para que não apareçam soluções que contrariem os pressupostos dos estudos de viabilidade económica e financeira; 7) Execução (fase de construção baseada num planeamento aprovado, com fiscalização independente e um sistema de Controlo de Custos eficiente); 8) Arranque. Este é o modelo adulto de faseamento dos projectos.

As crianças, no universo sincrético em que se movem, têm um comportamento diferente. Como não conseguem planear a prazo, cada acção que fazem é validada no acto, embora frequentemente sejam necessárias sucessivas acções desastrosas para se convencerem da sua inviabilidade. Dá-se um carrinho a uma criança. Ela usa-o como martelo, batendo com ele no chão até o reduzir a peças soltas. Ao fim de alguns carrinhos e muitas reprimendas, a criança viabiliza o carrinho, isto é, passa a arrastá-lo pelo chão fazendo brruuum! Irá então passar a uma segunda fase do seu projecto. Esta destruição é criativa (desde que se tenha cuidado de comprar os carrinhos nos chineses) pois a criança aprende em cada fase a viabilizar a sua relação com o mundo.

Mário Lino produziu anteontem uma afirmação surpreendente: "Cada um dos projectos será depois avaliado à medida que for sendo implementado", considerando que essa é a “atitude normal neste tipo de obras” (!???). 25 mil milhões de euros, fora o que virá a seguir (pois a maior parte dos custos do TGV e da OTA ainda não está incluída naquele orçamento) não são carrinhos que se compram em lojas de chineses à razão de 1€ cada. O custo relativo a cada uma das fases de um empreendimento é o que se designa por “custo afundado” ou seja, por um custo que já não é possível ressarcir se se verificar que se cometeu um erro. Mário Lino propõe-se, tranquilamente, afundar custos que saem da algibeira dos contribuintes e oneram o sector produtivo português. Mário Lino propõe-se, tranquilamente, afundar o país!

A avaliação tem que ser prévia. É óbvio que à medida que um projecto for avançando e houver medidas correctivas, estas terão que ser avaliadas. Mas isso faz-se para as manter dentro do enquadramento definido inicialmente e, porventura, recusar alterações que comprometam os resultados determinados inicialmente.

Ir avaliando um projecto à medida que se executa é um suicídio a prazo e irreversível. É o modelo infantil de programação (?) de projectos. É andar a martelar com milhares de milhões de euros no chão até os desfazer e depois choramingar «mã! ... que’o mais … mã! Buáááá! que’o out’o pacote de mil milhões de euros! Buáááá!

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Confiança? Em quem?

Não sei se foi Sócrates que demitiu Campos e Cunha, se foi este que se quis demitir, ou se esta demissão resultou de um consenso entre ambos. Mas não me parece que esse facto seja relevante. A verdade é que as posições do ex-ministro em matéria de política económica e financeira, que coincidem, aliás, com as recomendações de Bruxelas, estão em contradição com as posições públicas de alguns ministro e com os pregões que o Arqui-1º-ministro, essa figura que é um paradigma do que há de mais abjecto e bacoco na classe política portuguesa, anda a fazer pelo país fora.

A saída de Campos Cunha ocorre depois do ministro demissionário ter escrito um artigo de opinião no «Público» no passado domingo em que colocava em causa algum do investimento público realizado em Portugal nos últimos anos e sugeria uma crítica implícita ao Programa de Investimentos em Infra-estruturas Prioritárias (PIIP) apresentado na semana passada pelo ministro Manuel Pinho. Muitos analistas poderão ver aqui uma relação de causa e efeito.

Eu preocupo-me mais pelo facto do anúncio da demissão ter ocorrido poucas horas depois de Bruxelas ter dado um prazo recorde de 3 anos para equilibrar as contas públicas e ter feito recomendações sobre a forma como tal deveria ser feito (pelo lado da despesa e não pelo aumento da carga fiscal) e chamado a atenção para o cuidado a ter com os investimentos públicos. Ou seja, Bruxelas deu o aval ao plano de 3 anos (embora monitorizado periodicamente) na presunção que as teses de Campos e Cunha constituíam os objectivos do Governo, ou seja, a importância da redução do défice de forma rápida, o dever de evitar operações financeiras que aumentem a dívida, o controlo da despesa, melhorando a sua qualidade e a garantia da sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas.

Sócrates, empolgado, declarou imediatamente que tal era uma prova de confiança de Bruxelas no programa do Governo … e demitiu (ou deu azo a isso) o ministro que sustentava essa confiança. Aliás, à hora em que proferiu aquela alocução já saberia certamente da demissão do ministro. Resta saber se Bruxelas continua a confiar (embora publicamente, e antes da próxima avaliação do desempenho financeiro do Governo português, não possa, nem deva, pôr em causa essa “confiança”).

A presença de Campos e Cunha à frente das Finanças ficou marcada por algumas medidas de austeridade propostas para combater o défice (como o aumento da idade da reforma dos funcionários públicos, o congelamento das carreiras ou o aumento da taxa máxima do IVA), na origem de fortes protestos da oposição e sindicatos, apesar de, na minha opinião, ainda serem muito insuficientes. Aliás o próprio ministro já avisara publicamente que as medidas de contenção de despesa seriam aprofundadas no OE 2006, o que não deve ter agradado ao chefe dos boys, o Arqui-1º-ministro, mais preocupado com os resultados do PS nas autárquicas que com o futuro do país.

Essa presença também ficou marcada por situações que o fragilizaram politicamente. Os erros do OR 2005, que lhe deram o aspecto de um orçamento auto-regenerável, e a questão da reforma. Ser-se governante em Portugal exige uma profissão de fé no desapego aos bens terrenos e um certificado de indigência. Isso não invalida que a forma como é atribuída a pensão de reforma no sector público seja um escândalo e uma injustiça face ao sector privado. Mas é escândalo geral, que só toma proporções maiores quando os vencimentos em causa são elevados. Portanto, quando os sindicatos protestam contra a alteração do sistema de reforma da função pública, estão a querer manter uma situação que conduz a estes escândalos.

O substituto de Campos e Cunha, Teixeira dos Santos, é um insider. Não tem a “pele de elefante” que Silva Lopes assegurava ontem ser essencial para um ministro das Finanças. Colaborou no despesismo guterrista, embora digam que ele é um especialista em Macroeconomia (!?), talvez menos por convicção do que por ser um factotum das chefias do aparelho. Não sei se a passagem dele por outras funções lhe trouxeram uma maior solidez e firmeza.

Esperemos para ver.

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julho 20, 2005

Double O' Zero

Mas não põe liminarmente de parte essa hipótese...?
Never say never. É um princípio fundamental da vida. My name's Amaral... Freitas do Amaral.

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Referendo europeu adiado sine die

«Não se devem fazer referendos em altura de crise económica", advogou José Sócrates, numa intervenção num almoço do American Club, que foi sobretudo dedicada ao actual estado da União Europeia, afirma o DE.
E para mostrar que a crise do país não é apenas económica e financeira, mas também gramatical, acrescentou: «Mal seria que um primeiro-ministro se entretesse a descrever os problemas sem apontar uma solução para esses problemas»

Publicado por Joana às 05:36 PM | Comentários (23) | TrackBack

julho 19, 2005

Primeiro Triunfo de Sócrates

Uma das primeiras prioridades de Sócrates, «os 3 E’s – Espanha, España, Hespanha» está a tornar-se uma realidade. Sócrates deve estar a rejubilar, extasiado. O presidente da Associação Nacional de Pequenas e Médias Empresas (ANPME) refere que, desde que foi anunciado o aumento do IVA, 84 seus associados mudaram a sua sede para Espanha. E sublinha que este movimento está a alastrar.

Estas empresas suportam o IVA sobre os produtos adquiridos em Portugal e vendem esses mesmos produtos para outros países comunitários sem IVA. O valor do imposto é posteriormente devolvido pelo Estado às empresas, mas essa devolução, que em teoria deveria ser feita em dois meses, chega a demorar entre seis meses a um ano. Neste período de tempo a empresa financia o Estado português.

Se a empresa for espanhola, adquire os produtos no mercado nacional sem IVA, já que se trata de uma transacção intracomunitária. Esta empresa por sua vez pode vender as mesmas mercadorias a outros países comunitários (sem ser em Espanha) sem IVA, ou em Espanha com o IVA à taxa local. Portanto se uma empresa portuguesa passar a sua sede para Espanha e passar a funcionar a partir daí, deixa de suportar o IVA (desde que seja uma empresa exportadora).

Adicionalmente, o IRC resultante da sua laboração é pago em Espanha (o que também é mais favorável à empresa) e constitui uma perda para o Estado português. Este tipo de deslocalização está ganhar expressão em empresas de pequena dimensão que se dedicam à exportação. Mas poderá alastrar progressivamente a empresas de maior dimensão.

Este é apenas um dos primeiros e ainda reduzidos efeitos da política governamental de combater o défice pelo aumento das taxas de impostos e não pela redução da despesa pública.

É apenas uma consequência prática das teorias que desenvolvi em:

A Dimensão do Estado
Sísifo e o Estado 1
Sísifo e o Estado 2
Sísifo e o Estado 3
Estado e Desenvolvimento 1
Estado e Desenvolvimento 2

Publicado por Joana às 07:24 PM | Comentários (96) | TrackBack

O Estado Motor

Permitem-me que discorde desta posta do João Miranda. Na minha humilde opinião, o Estado português tem um papel fundamental e insubstituível como motor da nossa economia. Só que deve ser um motor com uma velocidade apenas: a Marcha Atrás.
O Governo e o Estado devem empenhar-se, resolutamente, em desfazerem toda a porcaria que andaram a acumular nas últimas décadas: burocracia estúpida e paralisante; ineficiência e obesidade asfixiantes do Estado; sistema fiscal excessivo, injusto e desmotivador da actividade económica.
Esse Estado motor é insubstituível. Só ele pode limpar os Estábulos de Áugias. que as cavalgaduras que nos têm governado andam, há décadas, a encher de ... porcaria.
Já que vivemos numa época em que os Hércules desapareceram, terá que ser o próprio Áugias a limpar os estábulos.

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julho 18, 2005

Eolo Agora, Pluto Depois

Ou as SCUTs emergindo dos Ventos, anos depois

Uma das regras basilares de um concurso, público ou não, é os critérios de avaliação das propostas deverem ser simples, claros e não permitirem ambiguidades. Caso contrário a avaliação será interminável e subjectiva, a probabilidade da decisão ser contestada judicialmente, e o assunto arrastar-se nos tribunais, será elevada e, após a adjudicação, o cumprimento do clausulado contratual prestar-se a interpretações contraditórias que só prejudicam o Estado, cujo staff jurídico é sempre muito menos capaz do que o do adjudicatário.

Vai ser lançado um concurso público internacional no final deste mês, segundo anunciou hoje o secretário de Estado da Indústria e Inovação, Castro Guerra, para atribuição de uma potência de 1.700 MW em energia eólica. Segundo o anúncio, os critérios de avaliação com maior peso são: a criação do «cluster» industrial, que vale 45 pontos na avaliação total; a tarifa terá uma ponderação de 20 pontos; a gestão técnica terá uma ponderação de 25 pontos e o fundo de inovação terá um peso de 10 pontos. A proposta ideal para o júri do concurso para a atribuição de energia eólica deverá contemplar um desconto de 5% na tarifa!

A tarifa de uma central eólica, pelo menos nos primeiros anos, é subsidiada para competir com a energia produzida pelos métodos clássicos: hídrica, combustível fóssil ou nuclear. Os concorrentes irão determinar a tarifa que equilibre os seus fluxos financeiros durante a vida útil do projecto e permita um dado retorno. Como custos irão incluir a criação do «cluster» industrial, a contribuição de 35 milhões de euros para um fundo de inovação, a componente de gestão técnica que privilegie o armazenamento de energia e a coordenação com outras fontes alternativas (que deveria ser matéria da Rede Eléctrica Nacional), a tarifa de equilíbrio será determinada de forma a compensar esses custos. Depois de determinada a tarifa de equilíbrio, irão dividi-la por 0,95, para fazerem a seguir um desconto de 5% ao Estado português.

Depois de adjudicado, o Estado irá pagar ao vencedor o subsídio do diferencial de custo entre a energia eólica e a energia tradicional, mais toda a tralha com que sobrecarregou e ensarilhou o concurso público. Irá pagar ainda mais um diferencial. Uma proposta para concurso deste tipo custará muitas centenas, senão milhões de euros. Não é de excluir que, vista a complicação da avaliação, a fase de apreciação seja longa, haja contestações judiciais e mesmo anulação do concurso (o que é vulgar no nosso país). Os concorrentes irão internalizar esse risco. Quando o clausulado é ambíguo, o risco associado a ele também é internalizado pelo concorrente. Os investimentos iniciais são avultados (parte para o bolso do Estado) e as entidades financiadoras associadas aos consórcios concorrentes são exímias em calcular prémios de risco. Tudo isso se irá somar à tarifa e ao subsídio que o Estado irá pagar ao adjudicatário.

Aliás, o valor da tarifa é despiciendo (durante o concurso …) pois o seu peso na avaliação é apenas 20%.

Portanto, o Governo vai fazer um investimento de 35 milhões de euros no fundo de inovação mais um investimento na “criação do «cluster» industrial”, a serem pagos em OE futuros, ou seja, o mesmo que Guterres fez com as SCUTs (embora o valor em causa seja menor).

Começamos por aproveitar a força de Eolo e caímos depois na maldição de Pluto. Só com uma diferença: Pluto distribuia aquilo que tinha, visto ter por trás dele uma poderosa entidade financiadora (o Olimpo); o Governo vai distribuir o que não tem.

Publicado por Joana às 08:05 PM | Comentários (31) | TrackBack

O Arrumador-Ministro

No programa Diga Lá Excelência, o Ministro da Agricultura foi questionado sobre como se posiciona na questão que opõe Blair a Chirac. Depois de algumas tergiversações e insistências das entrevistadoras, o ministro acabou por confessar: «A nossa estratégia não passa por essa polémica … somos favoráveis a um consenso que garanta que Portugal terá ainda um fluxo importante nos fundos estruturais».
A Europa está confrontada com a opção entre 1) a inovação e o posicionamento nos sectores de ponta, onde as suas vantagens comparativas são maiores, e 2) o proteccionismo e o subsídio a sectores obsoletos. Mas essas são polémicas de gente fina. Em matéria de conceitos político-económicos, Portugal resolveu protagonizar o papel de arrumador de automóveis. É-lhe indiferente o automóvel que estacione, desde que lhe dêem a moedinha.

Publicado por Joana às 05:54 PM | Comentários (51) | TrackBack

Um País à Deriva

O que há de extraordinariamente grave na situação do país não é a crise financeira. Outros países europeus tiveram crises de idêntica gravidade e resolveram-nas. Não é a perda progressiva de competitividade das empresas. Outros países europeus viram as suas empresas perderam competitividade e encontraram soluções para criar um ambiente económico que fosse favorável à inversão dessa tendência. O que há de extraordinariamente grave na situação do país é ele não ter estratégia, estar à deriva sem um projecto consistente e apenas tentar soluções avulsas, meros paliativos sem efeito sustentado ou mesmo contraproducentes.

O ministro Campos e Cunha, num artigo de opinião publicado este domingo no Público, avisou que no próximo ano poderão ser tomadas mais medidas de contenção da despesa pública e deu a entender que o plano de investimentos recentemente apresentado pelo Governo, pelo menos no que respeita à parcela pública (que é a maior parte), não tem, nem viabilidade financeira, nem efeitos positivos na economia do país, ou seja, nem se pode fazer, nem serviria para alguma coisa, se fosse feito.

Os sindicatos do sector público tentam promover protestos com impacto de forma a defenderem os seus direitos adquiridos. Ora os direitos adquiridos do sector público são proporcionais aos direitos progressivamente perdidos pelos trabalhadores do sector privado. O sector público tem garantia de emprego; os trabalhadores do sector privado vão, pouco a pouco, caindo no desemprego. Em 2000, o salário nominal por trabalhador do sector público situava-se 44% acima do valor do salário nominal para o total da economia e, a partir de 2001, com as políticas de congelamentos salariais, tem vindo a diminuir ligeiramente, tendo descido para 38% em 2004. E o mais grave é que a diferença é maior nos escalões menos qualificados, justamente naqueles onde o desemprego avança mais inexoravelmente no sector privado

Um sociólogo, Villaverde Cabral, pleiteando em causa própria, afirmou ao Diário Económico que os direitos e os salários que os funcionários estão a perder não beneficiarão em nada o resto dos trabalhadores. Antes pelo contrário. Quando os chamados “privilégios” dos funcionários tiverem sido reduzidos à expressão mínima, a situação dos trabalhadores da “privada” ficarão sem referências em termos de direitos laborais e verão a sua situação tornar-se ainda mais precária.

Ora essa referência Cabralista fez com que, em Portugal, os custos laborais no sector da manufactura tivessem crescido acima da produtividade e mais rápido que em alguns dos nossos principais concorrentes, o que se traduziu numa progressiva queda de competitividade. E esse fenómeno foi significativo nos produtos de reduzido valor acrescentado ou provenientes de sectores tradicionais, de mão-de-obra intensiva, como o Vestuário e Têxteis, onde se concentravam as exportações. Por exemplo, as exportações de Vestuário registaram uma queda superior a 14%, em termos homólogos, nos primeiros 5 meses do ano (informação do INE, ainda preliminar).

A referência dos preços dos factores, numa economia de mercado, é dada pelo equilíbrio gerado pela concorrência. No nosso país essa situação de equilíbrio não foi respeitada porque os vencimentos do sector público, artificialmente aumentados, muito para além do aceitável, tornaram-se referência para os trabalhadores daqueles sectores tradicionais. Esse aumento de custos laborais foi devastador. Houve empresas que, pela inovação e alteração dos segmentos de mercado para onde vendiam, conseguiram manter-se, outras têm sido obrigadas a fecharem as portas e outras, as multinacionais, optam por se deslocalizarem.

As referências de Villaverde Cabral levaram o sector produtivo à situação precária em que está, levaram o país ao estado de sufoco em que vive, sob o peso de um Estado asfixiante e puseram a nossa economia de pantanas. Foram as referências Cabralistas que arruinaram os nossos sectores tradicionais e exportadores e que têm levado ao aumento contínuo do desemprego. A perda das referências Cabralistas só pode ser útil ao nosso país.

O nosso país não tem estratégia nem projecto. Não teve com os anteriores governos, nem os tem com o actual. As medidas avulsas que este Governo está a tomar resultam apenas do desespero em que se encontra. Não têm por detrás nenhum plano coerente. Ao mesmo tempo que toma medidas avulsas, o Governo mente, criando ilusões na população, julgando que assim melhora a sua imagem. É um erro. A situação está a fazer uma bola de neve. Daqui a alguns meses, outras medidas gravosas, mas avulsas, serão tomadas. E voltará a mentir, criando a ilusão de que são suficientes. E assim sucessivamente.

No Governo, apenas o ministro Campos e Cunha parece ter a noção (total ou parcial) do que se está realmente a passar. Os outros parecem pessoas algo irresponsáveis que não interiorizaram a situação do país. Eles e uma boa parte da população.

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julho 17, 2005

NetKafka

Ou como um Monopólio além de não ter um sistema de preços eficiente, também não age com racionalidade económica
Há tempos, na alvorada de uma manhã que se previa risonha, descobrimos que a netcabo não estava operacional. Telefonou-se para a Netcabo e depois de refutarmos toda a lista de palpites obnóxios que qualquer aprendiz de informática tem por costume enunciar quando é confrontado com um problema, marcou-se uma intervenção para o fim da tarde. À hora do jantar apareceu um técnico que, depois de verificar tudo e de diversos telefonemas para a sede, nos disse que a net havia sido cortado por não termos pago uma factura.

Era falso, até porque as facturas são pagas por transferência bancária. Em contacto telefónico com os serviços financeiros eles disseram que estava tudo pago e que não haviam dado qualquer ordem de corte de serviço O serviço fora cortado por engano – deviam ter-se enganado no número do utente. O NetTécnico telefonou para os serviços técnicos, deu todas as indicações que foram pedidas, disse que o assunto ia ser resolvido, que dentro de 4 horas, no máximo, o serviço estaria restabelecido e foi-se embora tranquilamente.

Passadas 4 horas estava tudo na mesma. Telefonou-se. Contámos a história desde o princípio e o nosso interlocutor disse que ia ver e que daí a 4 horas seria seguro que …

No dia seguinte de manhã, o modem continuava a apresentar o desolador aspecto da luzinha do Cable Link desligada. Voltámos a telefonar e a contar a história desde o início e o nosso interlocutor afirmou que as activações eram com o departamento respectivo e que não podia fazer nada. Depois de alguma insistência e muitos insultos, passou-nos ao departamento das activações. Contámos novamente a história, cada vez mais comprida e tortuosa, demos todas as indicações que foram pedidas, inclusive os números inscritos na parte inferior do modem (números que aliás o NetTécnico já havia dado nos telefonemas que tinha feito) e o nosso interlocutor disse que ia proceder à reactivação.

Ao fim da tarde estava tudo na mesma. Telefonou-se e recontou-se a história sempre mais longa e dolorosa. Depois de muitas investigações e perguntas, eles concluíram que se tinham enganado num dos números do modem e que teriam activado outro! Iam proceder à reactivação. Mais 4 (fatídicas) horas e tudo estaria bem. Nem 4 horas depois, nem no dia seguinte de manhã. A luzinha do Cable Link continuava apagada!

Telefonámos e tivemos que repetir toda a história (são sempre pessoas diferentes; na lista dos nossos sucessivos interlocutores figuram 14 nomes!), mas desta vez sumarizada nos conceitos e enriquecida na forma – recheada de apóstrofes e palavrões. Em face da situação, marcaram uma “intervenção” para a hora do jantar. Entretanto ao fim da tarde, a net havia regressado. Como somos pessoas que prezamos o civismo e a eficiência, telefonámos para a NetCabo avisando da reposição do serviço. Depois de 10 minutos em comunicação com o nº de valor acrescentado que a NetCabo tem para atender os clientes vítimas do seu mau serviço, quem nos atendeu disse-nos que havia entretanto cancelado a “intervenção” e que estava tudo OK.

Duas horas depois, tínhamos acabado de jantar, tocaram à porta e … era o técnico da NetCabo! Não sabia do cancelamento! Limitou-se a olhar para o modem, a pedir-nos para assinar o papel, a apresentar desculpas e lá foi.

Neste caso, nem foi o equipamento, linhas e software que funcionaram mal. Apenas erros humanos: o erro em cortar o serviço e sucessivos erros ou desleixos nas tentativas goradas de reactivar o serviço. Todos perdemos. Nós, a paciência, o estar 3 dias sem serviço e o custo das chamadas telefónicas de valor acrescentado; a NetCabo, porque mandou 2 vezes técnicos a nossa casa para nada.

Em Microeconomia demonstra-se que o preço de equilíbrio em monopólio, além de ser superior ao que se gera em concorrência, conduz a soluções de equilíbrio geral de menor eficiência (*). Mas os raciocínios microeconómicos baseiam-se, entre outros postulados, no princípio da Racionalidade Económica: a firma escolhe a combinação de factores que maximiza a sua produção. Por outras palavras: para um dado estádio tecnológico, uma firma gere os recursos que dispõe da forma mais racional possível. Só assim é possível estabelecer um modelo explicativo.

No caso da NetCabo não há uma gestão racional de recursos ... tudo indica, aliás, que os recursos estão em auto-gestão. Nem deve ser possível estabelecer qualquer função de custos para aquela empresa, dado o grau de aleatoriedade no comportamento dos recursos. No caso da NetCabo, trata-se de um monopólio duplamente eficiente. Por ser monopólio e por não agir com Racionalidade Económica.

E o mais descoroçoante foi saber que, pelo segundo ano consecutivo, os leitores da PC Guia elegeram a NetCabo como o Melhor Internet Service Provider (ISP). Estremeço de pavor só de pensar como serão as Clix, Oni, Sapo e Cabovisão. Ou então de pavor sobre o siso de quem lê a PC Guia.

(*) A NetCabo é um monopólio relativo, pois há possibilidade de substituição entre tipos de serviço diferentes.

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julho 15, 2005

Firmeza Governativa

Um sindicalista policial afirmou hoje que uma das formas de luta que estão a ponderar seria um bloqueio às pontes que servem Lisboa. Como se sabe esse bloqueio constitui crime. Portanto o Sindicato dos Profissionais da Polícia está a pôr a hipótese de que os polícias, que foram recrutados com a intenção de combater a criminalidade, cometam um crime.

Mas podemos ficar tranquilos. O Secretário de Estado da Administração Interna, José Magalhães, foi peremptório na TêVê: Trata-se de um crime impensável! O que o Governo garante é que esse limite nunca será ultrapassado.
Bloquear as pontes ... é um crime impensável ... mas vá que não vá. Mais que isso ... Nunca! Terão então a oposição feroz do Zé Magalhães.

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Santa Engrácia

Santa Engrácia tornou-se um ícone de Portugal, da sua capacidade de decisão, da sua pertinácia no cumprimento de planeamentos, do seu rigor no controlo de custos e da paciência dos cidadãos em esperar longamente. O principal talento dos nossos decisores é encontrarem os argumentos adequados para não tomarem uma decisão ou para a protelarem. Uma das razões é evidente: Têm sido crucificados gestores, autarcas ou governantes por tomarem a decisão de fazer qualquer coisa, nunca por não a tomarem.

Vou sumariar, com uma ou outra adenda, um artigo de opinião, de Nuno Ribeiro da Silva, publicado hoje no Jornal de Negócios e que passa a escrita, uma entrevista transmitida há dias na TêVê.

1 – Um Instituto Público enganou-se na transposição de uma Directiva de Bruxelas. Teve de refazer o trabalho. Ao fim de 10 anos (!) tinha, enfim, a Directiva correctamente transposta. Mas, essa Directiva havia sido revogada e substituída por outra, sete meses antes?

2 – Em 1996 é criada a empresa Metro do Mondego. São nomeados Administradores, há sede digna, carros, telemóveis, etc. O objectivo imediato é preparar e lançar o concurso. Em Fevereiro de 2005 o concurso é lançado, 9 (nove) anos depois? Durou três meses! Foi suspenso para novos estudos.

3 – O segundo concurso de concepção e construção da IC16 / IC30 (nova via de acesso da zona Oeste de Lisboa, descongestionadora do IC19) chegou à fase definitiva após muitos, muitos e muitos anos. Finalmente a short list de dois finalistas é publicada. Aguardam há 15 (quinze) meses por serem chamados para negociação final.

4 – O IC11, pequeno eixo rodoviário, alertou os dois finalistas para prepararem a sua melhor oferta (best and final offer). Foi nos idos de Dezembro de 2002. O telefonema continua por chegar.

5 – A CRIL de Lisboa, há 12 anos que não mexe. Dezenas de milhares de veículos, centenas de milhares de horas, milhares de litros de gasolina e gasóleo, toneladas de poluentes, são desperdiçados diariamente só no «nó», virtual, de Pina Manique. Escassas centenas de metros, em túnel (?), traçado A (?), traçado B (?)? doze anos a pensar.

6 – As Parcerias-Público-Privados (PPP) foram a opção para construir alguns hospitais. Os espanhóis vieram cá aprender como desenvolvemos ideia tão criativa. Concorreram quatro grupos, cada um gastando mais de dois milhões de euros na proposta, zelosamente preparados por equipas entusiastas. No todo gastaram cerca de 10 milhões de euros, dois milhões de contos. Dos quatro candidatos passar-se-ia à escolha de dois finalistas. Entretanto, já todos conhecem as propostas uns dos outros. O concurso foi suspenso e, embora não exista novo concurso, os concorrentes são convidados a reformularem as suas propostas. Repito, já todos conhecem as propostas dos concorrentes? Já agora, os espanhóis aprenderam a lição que lhes demos: só na Comunidade de Madrid já adjudicaram 8 (oito)!.

7 – Nos lixos, o tratamento de resíduos perigosos teve, finalmente, uma decisão em 1991. Estarreja iria receber uma incineradora. Decidiu-se não avançar. Cavaco decidira antes mas Guterres revogou a decisão e 4 anos depois tomou outra. Caiu sem a levar à prática. Barroso revogou a decisão e tomou outra. Caiu sem a levar à prática. Sócrates revogou a decisão. Incinera-se? Co-incinera-se? Exporta-se? Após 14 (catorze) anos uma certeza: despeja-se.

8 – A holding do Estado dos resíduos poderá ser privatizada na totalidade. Quiçá, apenas parcialmente. Ou será melhor mantê-la pública? Estuda-se o assunto e colhem-se pareceres de reputados consultores internacionais? Há uma dúzia de anos.

9 – Nas águas, a holding pública Águas de Portugal (AdP) devia ser privatizada pelo Governo Barroso. O Ministro da tutela não tinha dúvidas. Encomendaram-se estudos a dois grupos de trabalho. Um terceiro estava anunciado. Até se pagaram milhões pelos estudos. Mas, o Ministro hesitou nas intenções iniciais: «só burro não aprende», disse. Mesmo Governo, novo Ministro. Reestudou o assunto e elaborou oito cenários? O Conselho de Ministros escolheu bem. O Ministro foi demitido. Mesmo Governo, novo Ministro. Ia avançar. Caiu o Governo, agora, todo. Novo Ministro, mesma coligação. Até era mais liberal. Reestudou o dossier. Hesitou e? caíu, sem saber, sem se saber o que queria.

Aguardam-se novos desenvolvimentos. Entretanto, o Pais está em incumprimento das Directivas Europeias sobre a água e tem dois mil milhões de euros de fundos comunitários para utilizar.

10 – Em 2001 ia sair um concurso para atribuir novas licenças para energia eólica que promoveriam novas indústrias e serviços ligados ao sector. Elaboram-se dois concursos. Os responsáveis políticos anunciaram-nos. Não avançaram. Na próxima 2ª feira há mais?

11 – A Barragem de Odelouca está para ser lançada há 9 anos. O anúncio do concurso para a sua construção tem sido feito periodicamente. Só agora com a seca se tornou premente. Premente? É o que veremos.

12 – A floresta do Guincho ardeu há 4 anos. Foi dito que ia ser imediatamente limpa e repovoada. Aconteceu alguma coisa?.

Este é o país que temos. Mesmo obras que estão praticamente prontas, ficam paradas, como o Túnel de Ceuta.

A nossa administração especializou-se em anunciar concursos, em adiar concursos, em suspender concursos, em impugnar concursos, em reestudar os processos de concurso. Especializou-se em empatar obras, com ideias inovadoras a meio delas, justamente a pior altura em termos de custos.

Isto é apenas uma síntese. Espalhados pelo país deverá haver centenas de casos destes. É só olhar à volta.

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julho 14, 2005

A Teoria dos Preços há 170 anos

Ou como tudo era simples e depois se complicou

Nas suas Instituiçoens de Economia Política, escritas no exílio, mas impressas já em Portugal, em 1834, Ferreira Borges desenvolve a certa altura uma teoria da formação dos preços no mercado, mais descritiva e menos matemática que a actual, mas sem ser diferente nos conceitos gerais. Vejamos o que ele escreve:

Borges_EcPol-32b.jpg

Borges_EcPol-34b.jpg

Nota: as imagens não estão muito nítidas porque não quis pressionar demasiado o livro por ser uma edição com 171 anos. A citação de Malthus (cf. Pg 34) evidencia que Ferreira Borges tinha andado a ler os clássicos ingleses, o que infelizmente não sucede com a quase totalidade dos economistas actuais.

A expressão gráfica deste “arrazoado” está a seguir.

PrecosCPP.jpg


Na figura (i) a receita marginal (Rm) correspondente ao preço de equilíbrio do mercado (p) é superior ao preço , que é o preço correspondente ao mínimo do custo médio (CMT) que coincide, sempre, com a intersecção com o custo marginal (Cm). O empresário tem um lucro adicional correspondente ao rectângulo verde (no CMT considera-se incluída a remuneração do factor capital – o lucro normal). Na figura (ii) a empresa tem a função de custo igual à média do mercado. As curvas Cm, CMT e Rm (que em concorrência perfeita é uma recta paralela ao eixo dos X) intersectam-se no ponto de equilíbrio geral do mercado. O empresário não tem lucro adicional. Na figura (iii) a função de custo do empresário obriga-o a vender abaixo do custo [Nota: a quantidade q é a quantidade óptima, corresponde sempre à intersecção de Rm e Cm e demonstra-se que maximiza os resultados da firma em quaisquer circunstâncias]. Tem um prejuízo que é dado pelo rectângulo vermelho. Parte desse prejuízo é solvido pela sua própria remuneração do capital e o resto será solvido quer por atrasos no pagamento à SS, no pagamento dos salários, etc.. Se o empresário não melhorar a sua função de custo ou o preço de equilíbrio de mercado não subir, ele não se poderá manter muito tempo no mercado e irá à falência.
CustoLagrange.jpg

Os mais prevenidos, ou com outras possibilidades, deslocalizarão entretanto a produção quando perceberem que atingiram o ponto de não retorno.

Claro que os economistas, que precisam de fazer jus ao dinheiro que recebem, empenharam-se em complicar tudo. Ao lado, o intróito à determinação das funções de custo, tal como é apresentado nos manuais de Microeconomia.

Não apresento o resto para não ferir os espíritos mais sensíveis!

Publicado por Joana às 11:40 PM | Comentários (22) | TrackBack

A Estratégia da Aranha

Sócrates, anunciou hoje, em Coimbra, que, em 2006, será lançado o serviço que permitirá constituir empresas por via electrónica, através da Internet. É a empresa criada na hora e por via electrónica. Trazer uma empresa ao mundo será rápido e indolor. É claro que depois teremos as toneladas de papel de alvarás e licenças; uma administração fiscal complicada e sedenta de dinheiro; uma segurança social burocrática e espoliadora; os clientes que não pagam e ficam impunes porque a justiça não funciona; o Estado que abre concursos cujas propostas custam dezenas ou centenas de milhares de euros e toneladas de certidões, e que depois ficam anos à espera até serem anulados e voltarem à estaca zero; o Estado que quando adjudica, só paga a um ano ou nem sequer paga; etc. E quando o empresário, desesperado, resolve pôr fim à empresa é o Gólgota supremo. Não há morte tão dolorosa, prolongada e tão exigente em papelada, como a morte de uma empresa portuguesa. E se não souber onde pára um dos sócios, o melhor é resignar-se e continuar a efectuar os Pagamentos por Conta da Colecta Mínima, mesmo que esteja inactivo.
O governo tomou finalmente uma medida decisivamente estruturante. Para já, é apenas estruturante para o aumento do parasitismo fiscal.

Publicado por Joana às 07:05 PM | Comentários (60) | TrackBack

julho 13, 2005

A Maldição da Matemática

Sempre que há uma prova nacional de Matemática o país estremece de horror. A quase totalidade dos alunos tem nota negativa e as médias nacionais oscilam entre o 4 e o 6, dependendo do grau de facilidade do teste. Alguns, desesperados pelo seu desempenho, como um ex-ministro da Educação, ou desesperados por se tornarem conhecidos e arranjarem clientela, como o Instituto da Inteligência, tentam vender a tese que estes resultados são inerentes à raça portuguesa – são genéticos. Puro equívoco … o que há de genético … é o nosso laxismo, e entre as matérias que se leccionam, a matemática é o barómetro, por excelência, desse laxismo.

Saber Matemática é como saber andar de bicicleta (ou nadar). Ou se aprende em miúdo, ou nunca se sabe andar (ou bater os pés) em condições. Aprender Matemática exige ser confrontado permanentemente com problemas diferentes e resolvê-los. Exige que não se fique pela forma, mas se aprofunde o raciocínio abstracto para este servir de matriz à solução de qualquer problema. Resolver uma questão matemática, não é aplicar uma receita – é ter o cérebro treinado para avaliar o enunciado, decompô-lo nos seus elementos básicos e associar esses elementos de forma a chegar à solução.

Ora os nossos sucessivos Ministérios da Educação, e as equipas de docentes que os constituem e constituíram, têm lutado denodadamente, nos últimos 30 anos, para tornarem as escolas um local lúdico, evitando fatigar as meninges dos nossos adolescentes com uma memorização cansativa e inglória, e os seus cérebros com questões abstractas e irrelevantes como a matemática e a física.

Para conseguir este desiderato, as matérias devem ser leccionadas atendendo à fragilidade sensitiva e emocional dos adolescentes portugueses. Por exemplo, se o docente de matemática explicar, na aula, a resolução do seguinte problema: «O Francisco comprou 10 maçãs. A caminho de casa, perdeu duas. Com quantas chegou?» não deverá, num futuro teste de avaliação, de forma alguma, complicar maliciosamente o enunciado, substituindo o «Francisco» pelo «Luís», ou as «maçãs» por «alperces». Estas alterações constituem rasteiras perversas, provocam um desnecessário stress na nossa ínclita geração, perturbam a escola como local de convívio e de socialização e podem lançar muitos na senda da delinquência juvenil.

Este processo, que teve o concurso entusiasmado dos docentes nas escolas e o apoio, pela omissão, das famílias nos lares paternos, tem levado a que as potencialidades das nossas sucessivas gerações fossem progressivamente anquilosadas pelo empobrecimento da imaginação, da curiosidade e do espírito de busca e exploração. Ou seja, os "modelos de pensamento científico" que a escola pratica não permitem que os nossos jovens explorem totalmente as suas capacidades.

Aprender Matemática não é memorizar para papaguear depois. É criar, pelo treino na solução dos problemas e no estudo dos conceitos que permitem a solução desses problemas, um raciocínio abstracto que permite resolver problemas cada vez mais complexos. Exige esforço, concentração e imaginação. Exige adquirir a capacidade de, quando confrontado com um problema, não ficar paralisado, mas pôr o cérebro a trabalhar na busca da solução. É por isso que ocorrem anualmente estes desastres nacionais. Um aluno do 8º ou 9º ano, que não tenha aprendido Matemática “a sério” está definitivamente liquidado na área científica, nomeadamente nos cursos em que a Matemática é fundamental, directa ou indirectamente (como a Física, por exemplo)

O grave, como escrevi acima, é que o ensino da matemática, em face dos desastres sucessivos, tem sido orientado para a “Matemática de Receitas”, porque os alunos são cada vez menos capazes de resolver problemas complexos. Devido a isso, mesmo passando no secundário, quando chegam à Universidade é a catástrofe.

Vou contar um exemplo familiar, que me parece paradigmático do nosso tipo de ensino. A minha irmã mais nova, apesar de ter sido sempre uma aluna aplicada, não tem queda nenhuma para a Matemática. Quando me pedia auxílio, ficava sempre muito contrariada porque eu tentava resolver o problema partindo dos conceitos de base, por forma a que ela percebesse a questão no seu âmago. Ela apenas estava interessada nas passagens indispensáveis para chegar à solução. As minhas elucubrações abstractas faziam-lhe tédio. Teve mais de 18 valores no exame nacional do 12º ano! Foi a nota mais elevada da escola dela e provavelmente uma das mais altas do país (naquele ano a média nacional esteve entre 4 e 5). Foi simples … deve ter feito uma amostragem do tipo de questões que eram habitualmente colocadas, treinou-se intensamente (ela era uma “profissional” no estudo) nas respectivas soluções, chegou ao exame e aplicou as receitas. Isto prova que não é apenas o ensino da Matemática que está pervertido. O sistema de avaliação está igualmente pervertido, para tentar minorar os danos provocados pelo mau ensino. Funcionam ambos por receitas. As duas perversões interagem no sentido da degradação do ensino.

A minha irmã não teve problemas com a sua “vocação” para a Matemática, porque o objectivo dela era a Arquitectura onde entrou com uma média superior a 19. Mas se tivesse ido para Engenharia, Física, ou mesmo Economia, teria certamente problemas, porque a Matemática na Universidade (pelo menos nos cursos científicos) não funciona com receitas e o raciocínio dela é completamente avesso à abstracção matemática. Isto apesar de ter tido uma nota 4 vezes superior à média nacional!

O desastre da Matemática não é uma questão genética – é a consequência lógica do nosso laxismo. O grave é que na Matemática não é possível mascarar a situação com soluções de recurso, de última hora, tão ao gosto português.

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julho 12, 2005

Vítimas dos Factos

Ou É a Economia, Estúpido!

No Boletim Económico de Verão, hoje apresentado, o Banco de Portugal viu-se obrigado a rever em baixa as previsões para a Economia portuguesa e alinhavou umas explicações, na generalidade correctas, mas com enviesamentos no sentido de dourar a pílula. É preciso que se tenha em conta que estamos num regime de uma maioria, um governo, um Presidente e um Governador do BdP. Mas esta imponência monocolor nada consegue contra os efeitos económicos e financeiros das más opções económicas e políticas. E o que é interessante, é que as actuais previsões consolidam a argumentação que eu tenho desenvolvido aqui por diversas vezes, em particular ontem.

O BdP explica a forte revisão em baixa das perspectivas de crescimento da nossa economia, pelo «desempenho decepcionante» que esta registou nos primeiros meses deste ano, bem como devido às medidas anunciadas pelo Governo para combater o elevado défice orçamental (o aumento de impostos) e à escalada do petróleo. O BdP prevê que a economia portuguesa cresça este ano apenas 0,5%, um valor que compara com os 1,6% estimados em Dezembro do ano passado e o crescimento de 1,1% verificado em 2004

O mais grave é que se o Banco de Portugal reviu em forte baixa as perspectivas de crescimento da economia portuguesa, acrescenta que estas ainda têm um elevado risco de ficarem abaixo do previsto, admitindo mesmo um decréscimo do PIB este ano e em 2006. Somando todos estes factores no PIB, o BdP afirma que existe um «balanço de riscos no sentido da baixa, através de uma probabilidade superior a 50% do crescimento económico ficar abaixo do projectado no cenário central». Ver figura abaixo, com as mangas de previsão para o PIB e a Inflação:
BdP_ProjPIB_I.jpg
O que me intriga, na manga de previsão do PIB, é o valor médio dessa manga não ser equidistante dos limites superior e inferior, mas situar-se claramente acima da média. Será que o erro da previsão não segue uma distribuição normal? Ou haverá uma distribuição “anormal” por razões não estatísticas? Aliás, o próprio estudo afirma que a probabilidade dos valores se situarem abaixo da previsão é superior a 50%, o que coincide com a figura. Ora aquela previsão deveria ser dada de forma que a probabilidade dos valores serem ultrapassados fosse igual à probabilidade de eles ficarem aquém do previsto, ou seja, uma probabilidade de 50%. Aparentemente a necessidade de não ser tão pessimista foi superior às “necessidades” estatísticas.

No quadro seguinte encontram-se as projecções actualizadas do BdP. Basta olhar e constatar o descalabro dos valores entre as previsões feitas em Dezembro de 2004 e as actuais. Claro que o BdP é sucinto sobre esta queda. Ou foi iludido pelo canto de sereia de Santana (o que não é plausível) ou o desempenho deste governo é péssimo. Como é possível as previsões do BdP caírem tão abruptamente?

BdP_Projec.jpg

Em Dezembro de 2004 o BdP previa, para 2005 e 2006, um aumento do PIB de 1,6% e 2%. Agora prevê um aumento do PIB de 0,5% e 1,2%. E com o risco destes valores terem uma probabilidade superior a 50% (!!) de não serem atingidos. As exportações caem a pique. Como as importações caem menos, a nossa balança de transacções com o exterior vai piorar mais que o previsto. Por sua vez, como o consumo privado deve crescer mais que o rendimento disponível real, a taxa de poupança das famílias portuguesas vai atingir os 9,2% do rendimento disponível em 2006, o nível mais baixo desde 1999.

Entre os indicadores citados para explicar o «desempenho decepcionante da economia portuguesa, o BdP referiu «o expressivo aumento da taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2005», que atingiu os 7,5%, num agravamento de mais de um ponto percentual face ao verificado no período homólogo. Ora o aumento do desemprego é uma consequência e não uma causa do «desempenho decepcionante da economia portuguesa. Mas, o que é um espanto, é a afirmação que «Como sempre se tem sublinhado os efeitos de curto prazo da consolidação orçamental são de natureza restritiva, sendo apenas no médio prazo que se verificam os efeitos positivos da redução do défice e da estabilização do rácio da dívida pública».

O BdP finge ignorar que uma consolidação orçamental baseada no aumento dos impostos é apenas droga que se ingere, para se acordar pior que antes. Sem uma forte contenção do lado da despesa, esta consolidação orçamental não leva sítio nenhum. Como o PIB não cresce, devido ao aumento dos impostos, a despesa pública, em termos percentuais, cresce de forma inexorável. Foi o que aconteceu com Manuela Ferreira Leite, apesar desta ter sido um pouco mais agressiva em matéria de contenção. Foi aflitiva a prestação esta noite de Perez Metelo, na TVI, tentando branquear toda esta situação. Falou da nossa falta de competitividade face ao exterior, como se isso fosse uma catástrofe natural e não fosse uma consequência da má política económica, laboral e fiscal. Apelou aos privados para investir, como se os privados se convencessem com novenas e pregações televisivas. Os privados convencem-se com factos. Se o país se torna atractivo ao investimento, investem. Caso contrário, ou não investem ou desinvestem.

Mas não sou só eu a considerar pouco consistente esta argumentação, ou pelo menos a forma “enviesada” como ela é apresentada. Os ministros das finanças da União Europeia não estiveram com meias medidas e pediram a Portugal para reduzir as despesas públicas de forma a baixar o défice orçamental, que deverá registar um valor recorde para a Zona Euro este ano. Foi pedido a Sócrates que desse mais garantias de que o país vai conseguir realizar os objectivos de redução do défice e reduzir as despesas. Sublinho reduzir as despesas e não a consolidação orçamental pelo lado dos impostos. Os ministros das finanças da UE, quando falam de um país que não seja o seu, não se iludem com palavras, nem têm que fazer fretes políticos nos ecrãs de TV. Não falaram em aumentar os impostos – exigiram a diminuição da despesa.

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julho 11, 2005

A Dimensão do Estado

Quando se fala do peso excessivo do Estado, imediatamente quem def(p)ende (d)a sua existência clama que se responda, sem ambiguidades, qual deve ser a dimensão do Estado. Vou hoje fazer algumas reflexões sobre essa matéria, sublinhando todavia que não é um problema de solução única. A solução depende da eficiência do próprio Estado, da «qualidade» do sistema fiscal e do projecto que se tem para o país: Qual o doseamento entre desenvolvimento e igualitarismo.

Como eu escrevi há dias «Sem a existência de um governo suportado num aparelho estatal está instalada a anarquia e não é possível uma actividade económica sustentável, nem há condições para o progresso económico e civilizacional.». Ou seja, se a despesa pública fosse 0% (ou não houvesse impostos), a receita fiscal seria 0 e o PIB seria nulo. Haveria produção, para subsistência, mas esta não teria expressão monetária, visto que «a ameaça de expropriação é real e permanente. A actividade económica reduz-se à subsistência». Esse seria o limite inferior.

À medida que as taxas de imposto vão aumentando, os bens e serviços públicos essenciais ao funcionamento normal do mercado vão sendo disponibilizados – justiça, defesa, infra-estruturas básicas, educação básica. Nesta zona os efeitos destes aumentos em eficiência produtiva vão contrabalançando os efeitos desincentivadores das taxas de imposto para a actividade económica.

Se se continuarem a aumentar as taxas de imposto, a partir de certo montante, as ineficiências e os desincentivos começam a fazer-se sentir de forma cada vez mais acentuada. Vai ocorrer o declínio dos rendimentos do trabalho, da poupança, do investimento e do próprio rendimento colectável. Os agentes económicos vêm-se forçados a abandonar as suas actividades «monetarizadas» para se dedicarem a outras actividades como o lazer, a evasão e a fraude fiscais, a trabalhos de rendimento não tributável, à improdutividade e ao absentismo. E isto porque as alterações nos preços relativos induzidas nas taxas dos impostos afectam as escolhas entre trabalho e lazer, entre consumo presente/futuro e poupança/investimento e entre economia legal e economia paralela.

Em teoria, se as taxas forem 100% não haverá interesse em desenvolver qualquer actividade tributável – o dinheiro que se recebe é totalmente entregue ao Estado. Nessa situação as receitas fiscais reduzem-se a zero e o PIB igualmente. Será o limite máximo. É óbvio que continuará a haver alguma produção, mas apenas para subsistência, sem expressão monetária, visto que «a ameaça de expropriação [pelo Estado] é certa. A actividade económica reduz-se à subsistência». Diversos autores sugerem que a partir dos 85% a 90% haveria uma oferta nula do sector tributável.
Laffer1.jpg

Ou seja, a receita fiscal seria nula quando T = 0, aumentaria e depois diminuiria, porque se anularia quando T = 1 (100%). Grosso modo um seria uma curva do tipo R = A×(T – T²), quando T = 0 então R = 0 e quando T = 1 (100%) então R = 0. O máximo desta curva seria quando a primeira derivada se anulasse (2T = 1 ou seja, T = 50%). O máximo da receita fiscal seria 0,25×A (A é um factor de escala).

Ao lado está a curva respectiva. O mesmo nível de receitas fiscais é atingido por duas taxas dispostas simetricamente relativamente ao ponto T = 50%. Portanto, a partir de T = 50%, já não vale a pena aumentar o nível de impostos.

Esta é uma formulação muito grosseira. Haverá outros factores que condicionarão a forma da curva, o valor de T que maximiza R, e o valor máximo de T que anula R.
LafferArmey.jpg

Esta curva é conhecida em Economia com a designação de Curva de Laffer, pois foi Laffer que a desenhou pela primeira vez, num guardanapo de papel, num restaurante em Washington há 30 anos. Paralelamente com esta curva existe a Curva de Armey, que relaciona o PIB com a Despesa Pública. Tem um andamento semelhante. Quando G = 0, PIB = 0 (já vimos que o PIB seria nulo em termos contabilísticos, mas teria um valor estimado, não monetário, mas traduzível em termos monetários, pois haveria uma economia de subsistência). Do mesmo modo que na Curva de Laffer, à medida que G se aproximasse dos 100% do PIB, a actividade económica tributável tenderia para zero. O PIB real não seria nulo, mas não haveria actividade económica tributável. As pessoas trocariam serviços mas não usariam meios monetários que pudessem conduzir à taxação.

Ao lado encontram-se as duas curvas tal como foram desenhadas pelo estudo do WorkForAll citado anteriormente. Na opinião destes autores flamengos (daí alguns erros de francês!) o máximo do PIB aconteceria com G = 30% e o máximo das receitas seria obtido com uma taxa fiscal de 45%. A partir de 85% as receitas e o PIB seriam nulos. Milton Friedman, num estudo onde comparou os USA e Hong Kong, concluiu que, embora o governo tivesse um papel essencial numa sociedade livre e aberta, a partir de um certo valor da Despesa Pública, a contribuição marginal para o PIB anular-se-ia e passaria a ser negativa. Situou esse valor algures entre 15% e 50%.

Mas estes limiares dependem de vários factores, à cabeça dos quais vem a «qualidade» do sistema fiscal. Dois sistemas fiscais que arrecadem ambos 40% da riqueza nacional podem ter efeitos muito diversos. Um deles ter efeitos negativos mitigados e o outro ser completamente castrador da actividade produtiva, tendo efeitos devastadores sobre essa actividade. Nesse ponto de vista, o nosso sistema fiscal é duplamente mau – por ter taxas elevadas e por ser um agente anquilosante da actividade produtiva, pela sua “má qualidade”.

Há um estudo de 1998, Government Size and Economic Growth, de Richard Vedder e Lowell Gallaway, que calculou a Curva de Armey, para os EUA. Testou várias variáveis independentes. A seguir apresento aquela que me pareceu mais interessante, que relacionava o PIB com a Despesa Pública (G), o desemprego (U) e o Tempo (T). A variável Tempo (o período em estudo compreendia os anos entre 1947 e 1997) foi utilizada para capturar os efeitos não explicáveis pelas outras varáveis – produtividade, tecnologia, intensidade do Capital, etc.:

PIB = A + bG – cG² + dT - eU

Os resultados foram os seguintes:
Armey.jpg

Estes resultados, apesar de terem um R2 muito elevado, carecem de algum poder explicativo, embora os sinais dos coeficientes estejam de acordo com as hipóteses de base. Todavia os autores cometeram um erro que se deve, sempre que possível, evitar: introduzir o Tempo como variável independente numa regressão múltipla baseada em séries temporais. Invariavelmente o Tempo torna-se a variável com maior poder explicativo, pois “captura” todos os factores que evoluem com o tempo. Basta ver que é a variável que tem um coeficiente com a Estatística t mais elevada, de longe. Parte do poder explicativo das restantes variáveis foi capturado por T.

Outras análises econométricas, adicionando outras variáveis, conduziram a resultados semelhantes, embora com R2 menor, mas com menor preponderância explicativa de T. Por exemplo:
Armey1.jpg

Resumindo, as curvas apresentadas acima estão, grosso modo, certas. Saber se a Despesa Pública óptima é 30% (como afirma WfA) ou 35%, como sugere o exemplo irlandês, e se o máximo de receitas fiscais se atinge com uma taxa geral de 45% ou 50% é discutível. Igualmente é discutível se o máximo, a partir do qual a actividade económica «monetarizada» se anula, acontece com 85% ou 90%. Seguramente será antes dos 100%. Aquilo que é evidente é que o andamento das curvas de Laffer e Armey está correcto, dentro de uma faixa de imprecisão relativamente pequena.

Ler ainda:
Sísifo e o Estado 1
Sísifo e o Estado 2
Sísifo e o Estado 3
Estado e Desenvolvimento 1
Estado e Desenvolvimento 2


Publicado por Joana às 11:30 PM | Comentários (121) | TrackBack

julho 10, 2005

O Último Liberal?

Ferreira Borges foi um dos principais membros do Sinédrio, organização clandestina que promoveu a Revolução de 1820. Emigrado por 2 vezes (a seguir à Vilafrancada e a seguir à restauração do absolutismo), foi durante a 2ª emigração que escreveu as suas principais obras nas áreas da Economia e do Direito Comercial e Fiscal. Escreveu em 1831 os Princípios de Sintelologia (ver fac-símile abaixo) onde desenvolveu a sua Teoria do Imposto na perspectiva do Princípio do Benefício, ou seja, na equivalência do Imposto ao preço dos serviços que o Estado presta aos cidadãos, isto é, cada contribuinte deve ser tributado de harmonia com o benefício que retira dos bens e serviços que o Estado, por ele financiado, lhe proporciona, o que ele designa “contribuição em avaria grossa” (cf. Pg 3, abaixo).

Um princípio contrário é o da Capacidade Contributiva que propugna que a repartição dos impostos pelos cidadãos se deve efectuar em função da sua capacidade económica, independentemente do grau de satisfação que cada contribuinte possa retirar dos “benefícios” dos bens e serviços que o Estado entenda disponibilizar. Este princípio conduz ao imposto progressivo, dependendo as taxas marginais da vontade política de igualização social. O problema é que esta política é economicamente ineficiente. Taxas marginais elevadas diminuem o incentivo pelo trabalho ou pelo investimento. Esta tentativa de redistribuição de rendimentos conduz ao “nivelamento por baixo” e desincentiva a produtividade e a qualificação técnica, constituindo um prémio ao lazer e ao absentismo. Se o Estado se apropriar de 50 minutos da última hora de um trabalhador altamente qualificado, este poderá não ter interesse em trabalhá-la – afinal só fica com 10 minutos.

Este efeito é conhecido de longa data. J-B Say escrevia, há 200 anos, que, em matéria de impostos, «dois mais dois não são quatro». Ou seja, duplicando as taxas, há um conjunto de efeitos na esfera económica, que agem em sentido oposto ao do aumento da carga fiscal. Os países europeus onde as taxas marginais eram mais elevadas, foram aqueles que menos cresceram nos últimos 30 anos. Nos últimos anos têm-se feito reformas fiscais no sentido de diminuir a progressividade dos impostos directos, justamente pela sua não racionalidade económica. Toda a tralha socializante acumulada durante o último século está a ser, gradualmente, embora a contra gosto, atirada borda fora. E o que há de caricato é que muitos dos que se afadigam agora nessa tarefa, tinham anteriormente carregado o navio com ela. Só que se aperceberam entretanto que o navio se estava a afundar e não havia outra solução.

Abaixo estão o frontispício e as páginas 1 a 3 dos Princípios de Sintelologia de Ferreira Borges. Como se pode ler no frontispício, o livro foi editado em Londres, em 1831, durante o seu segundo exílio.

Sintetologia1.jpg

Sintetologia2.jpg

Publicado por Joana às 06:14 PM | Comentários (143) | TrackBack

O Inferno já não é o que era

Ontem um enviado da TVI a Londres exclamava extasiado:«Isto é um verdadeiro Inferno, diria mesmo mais ...» fez um hiato de alguns segundos em busca de algo mais tétrico que o Inferno e continuou «... parece um filme de terror!».
Quando o horror do Inferno é ultrapassado por um filme cujo DVD se aluga no vídeo clube defronte, por 1€, é porque o Inferno está muito desvalorizado. Por isso se peca tanto. Por isso nos afundámos mais no pecado que em Sodoma e Gomorra. Mas para quê preocuparmo-nos? Após o desfrute de qualquer prazer pecaminoso, por mais intenso e pecaminoso que seja, basta 1€ para nos auto-flagelar, vivendo e saboreando horrores piores que o Inferno. Queres viver um terror maior que o Inferno? Toma 1€ e vai ali defronte alugar Pesadelo em Elm Street 12.

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julho 08, 2005

A Fractura Liberal

Uma leitura em diagonal pela blogosfera pós-eleições tem evidenciado que diversos blogues, que se reclamam do liberalismo, se têm colocado diversas questões ligadas quer ao próprio significado do liberalismo, quer ao papel e dimensão do Estado, quer à forma como o pensamento liberal se pode manifestar na super-estrutura política – através de um partido político? Através do take-over ideológico de algum partido da área do poder? Outra questão relaciona-se com os três anos do governo de centro-direita que, nas palavras de António Pires de Lima , deixaram um enorme sabor a frustração, desilusão e a até a incapacidade e incompetência. E deixaram porque se presumiria que essa área política teria uma visão liberal, por oposição à visão estatizante da esquerda.

A verdade é que não existe uma tradição liberal em Portugal. Portugal permaneceu sempre afastado do pensamento liberal desde o advento do pensamento social e económico que lhe serviram de fundamento. O liberalismo em Portugal foi apenas uma ténue camada de verniz que serviu de embalagem a alguns eventos. A Constituição Vintista era muito avançada para a época, mas era apenas um transplante feito, com apoio militar, de algo completamente avesso ao corpo social de então e à maioria dos próprios protagonistas políticos que a votaram em delírio. Assim que o apoio militar desapareceu, o nosso corpo social rejeitou esse transplante contra natura.

E o mais curioso é que a génese da palavra liberal é peninsular. Apareceu aquando da Constituição de Cádiz (1812) na qual se inspirou o vintismo português. Esta palavra foi introduzida no léxico inglês pelos conservadores que alcunharam os whigs, pejorativamente, de liberais, querendo significar que tinham opiniões tão lunáticas como os revolucionários espanhóis. Posteriormente, as doutrinas socialistas e a crítica destas à economia de mercado colocaram-nas em oposição ao liberalismo. Como o Socialismo se considerou de esquerda e se tornou ideologicamente hegemónico a partir da 2ª Guerra Mundial, o liberalismo passou a ser considerado de direita, enquanto que no século XIX era universalmente considerado de esquerda.

Se a palavra liberal é de origem peninsular, para os nossos liberais o liberalismo foi apenas um verniz estaladiço, que rapidamente desapareceu. A cultura dominante em Portugal foi sempre estatizante, quer antes da revolução liberal, quer depois – constitucionalismo nos seus diversos avatares, 1ª República, Estado Novo, e 3ª República. Os governos de Cavaco Silva, de Guterres e da coligação, se bem que diminuíssem o peso do Estado na economia, através da abertura de sectores à iniciativa privada e, posteriormente, com as sucessivas privatizações, não abandonaram o modelo estatizante. Sobre esse aspecto não houve quaisquer diferenças entre os governos de Guterres e os da coligação. A única diferença foi a coligação ter tentado garrotar os custos excessivos, mas sem pôr em causa o papel ou a dimensão do Estado. Ou seja, não houve diferenças entre esquerda e direita no que respeita à introdução de receitas liberais. Daí a desilusão de Pires de Lima.

Mas para haver desilusão é preciso que haja matéria sobre a qual se teria criado essa ilusão. Haveria? Não me parece. Acredito que alguns parlamentares do CDS/PP ou do PSD advoguem o liberalismo económico, mas os aparelhos partidários daqueles dois partidos estão maioritariamente ligados à lógica estatizante, nomeadamente o PSD pelo facto de ter sido mais tempo um partido do poder. Nem percebo que se diga que a Direita não estava preparada para governar. Ninguém em Portugal está preparado para governar. A média diária de trapalhadas, contradições e disparates do governo de Sócrates não é inferior à do governo de Santana Lopes, antes pelo contrário. A única diferença é que aquele tem a complacência dos meios de comunicação e não tem um PR a tirar-lhe o tapete debaixo dos pés. Há outra diferença – É que agora, neste OR, estamos mais perto do abismo do que estávamos 8 meses atrás, ao elaborar o OE2005. E dentro de 8 meses ainda estaremos mais perto do abismo, e Sócrates lá que terá que desenterrar mais medidas.

Um dos temas que normalmente é fracturante entre os blogues liberais é a questão do Estado – a sua dimensão e o âmbito dos seus serviços. Eu estou menos preocupada com o tema em si, que com o facto dele ser fracturante. Quando nos fechamos sobre nós próprios e perdemos o sentido do universal, as pequenas diferenças tornam-se fracturantes. E é isso que é preocupante.

Quanto à questão do papel do Estado, é um facto histórico que nenhuma sociedade atingiu um nível económico elevado sem a existência de um Governo e de um Estado. Sem a existência de um governo suportado num aparelho estatal está instalada a anarquia e não é possível uma actividade económica sustentável, nem há condições para o progresso económico e civilizacional. Todavia, a existência do Estado é condição necessária, mas não suficiente para essa prosperidade. Por outro lado, a experiência tem mostrado que, a partir de certa dimensão, o Estado é um entrave ao desenvolvimento económico.

Num mundo sem Governo não há o predomínio da lei e não há protecção da propriedade e das obrigações contratuais. Os mais fortes podem roubar impunemente os bens dos mais fracos. Não há incentivos à poupança e ao investimento, dado que a ameaça de expropriação é real e permanente. A actividade económica reduz-se à subsistência.

Mas qual o âmbito da intervenção estatal? Segundo Adam Smith, na defesa e segurança pública. A sociedade tem necessidade de ser protegida e de ser liberta dos entraves que a possam prejudicar e suprimir as barreiras que limitam a liberdade económica. O Estado também deve encarregar-se de infra-estruturas colectivas que, pelas suas características, não estão na vocação da iniciativa privada. Mas as fronteiras entre o que é, ou não é, vocação dos privados não é linear.

Por exemplo, as acções promovidas pelo Estado no domínio da construção de redes viárias melhoram os transportes e diminuem os seus custos. Mas, à medida que o investimento público nos transportes cresce, funciona a lei dos rendimentos decrescentes – o benefício marginal é cada vez menor e torna-se inferior à taxa marginal de imposto para sustentar esse investimento. O benefício social líquido torna-se negativo. A intervenção do Estado tornou-se negativa em termos de benefícios sociais. A partir daí, a melhoria das redes viárias terá que ser suportada pelos utentes. Terá que se basear no princípio do utilizador-pagador.

Outro exemplo: uma das funções do Estado tem sido a de efectuar transferências sociais para evitar a exclusão social – subsídio de desemprego, rendimento de inserção social, etc.. Todavia, quando o volume unitário dessas transferências cresce, esses subsídios deixam de ser uma forma de inclusão social e passam a ser um desincentivo à reinserção no mercado de trabalho. Neste caso o nível de protecção social tem como limite a ineficiência económica que induz. O subsídio de desemprego mais a utilidade do lazer, em termos monetários, têm que ser inferiores ao salário expectável dadas as habilitações do desempregado.

É certo que, para os pais do liberalismo económico, estes subsídios seriam, em si, já uma causa de ineficiência, pois dificultariam a mobilidade do factor trabalho. Todavia a sociedade europeia evoluiu e não é actualmente viável uma política que aceite a exclusão social. Aliás, desde que o requisito que formulei acima esteja preenchido não há derrogação da possibilidade de atingir o Óptimo de Pareto ou o 2nd Best – O Óptimo é indeterminado, pois depende das dotações iniciais. Qualquer afectação na curva do contrato pode ser sustentada como um equilíbrio competitivo, esgotando todos os ganhos de troca possíveis.

Mas estes são apenas dois exemplos teóricos. O problema mais grave com que o nosso país está confrontado não é o âmbito dos serviços que o Estado alegadamente nos presta. O problema mais grave é a sua completa ineficiência e fornecer-nos serviços de má qualidade a um custo exorbitante. Esse é o primeiro problema a ser resolvido.

Portanto, o nosso primeiro desafio é tornar o Estado mais eficiente e emagrecê-lo. A questão do âmbito das suas prestações, será o segundo desafio. Sejamos pragmáticos – não vale a pena discutir febrilmente o segundo, sem termos dado um passo sequer na solução do primeiro.

É óbvio que uma das formas de resolver o primeiro desafio poderá ser a de empresarializar, concessionar ou privatizar alguns dos serviços que o Estado actualmente presta. Isto traduzir-se-á no emagrecimento do Estado e na sua maior eficiência, mas não, necessariamente, no âmbito das prestações que, directa ou indirectamente, nos presta.

Não antecipemos problemas. O que nos une actualmente é acabar com este sorvedouro da riqueza pública que está a estiolar o nosso país. É isso que é o essencial e é aí que nos devemos concentrar. A questão do âmbito das prestações do Estado e da eventualidade da privatização do ensino, saúde, segurança social, prisões, etc.. é um assunto que, actualmente, só vale a pena debater por puro deleite intelectual e científico. Ainda não chegámos a esse patamar civilizacional.

Publicado por Joana às 12:07 AM | Comentários (109) | TrackBack

julho 07, 2005

Londres sob Bombas

A Inglaterra, our oldest ally, sofreu hoje de manhã um ataque terrorista. Ainda não há números definitivos de baixas. O facto mais marcante foi a calma, a serenidade e a determinação com que os britânicos encararam o ataque terrorista. Outro facto que impressionou os nossos enviados foi a forma discreta e calculada como as autoridades foram fornecendo as informações, de forma a que o pânico não se instalasse entre a população.
Achei surpreendente que os nossos enviados tivessem ficado impressionados por essa reserva britânica. Se fosse cá, seriam os próprios jornalistas a instalarem o pânico mais absoluto e irracional entre a população, por mais discretas que as nossas autoridades tentassem ser.

Publicado por Joana às 09:08 PM | Comentários (56) | TrackBack

julho 06, 2005

Matéria para tese em Sociologia Política

Está a ocorrer no nosso país um fenómeno sociologicamente interessante e politicamente inquietante, ou vice-versa. Refiro-me à emergência de políticos politicamente incorrectos, alguns eticamente pouco recomendáveis, mas que enfrentam os meios de comunicação em jeito de desafio, desassombradamente, e que recolhem um elevado apoio popular. Há dias, numa entrevista, Avelino Ferreira Torres deixou o jornalista da SIC, Rodrigo Guedes de Carvalho, à beira de um ataque de nervos. E havia todas as condições para suceder o oposto. Em primeiro lugar, são os jornalistas que estão habituados a pôr os políticos na defensiva; em segundo lugar havia factos (haveria?) que seriam embaraçosos para o entrevistado; em terceiro lugar o entrevistado está numa corrida eleitoral e deveria ser cauteloso, como manda a tradição.

Sucedeu tudo ao contrário: quem se colocou na ofensiva foi o entrevistado; quem passou displicente pelos possíveis embaraços, foi o entrevistado; quem não teve “papas na língua”, foi o entrevistado. Rodrigo Guedes de Carvalho deve ter ficado a Lexotan.

Com Alberto João Jardim sucede o mesmo. Diz as coisas mais desagradáveis aos jornalistas do “Contenente” e o máximo que eles conseguem é … fazer queixinhas ao PR e pedir-lhe que intervenha. Não sei exactamente como e para quê.

Os nossos bem-pensantes vêm imediatamente a terreiro criticar, com maior ou menor veemência (consoante a sua posição partidária), as intervenções mais “ousadas” daquelas duas figuras (e de outras menos evidentes). Do ponto de vista de pedagogia política não vejo mal nisso. Mas também não vejo vantagens … é perfeitamente inútil. O que os nossos bem-pensantes deveriam fazer era estudar as raízes sociológicas e políticas do êxito daqueles comportamentos: granjear apoio popular e meter na ordem a prosápia dos meios de comunicação, que estão convencidos que detêm o principal poder no país, que todos os devem temer e que são os grandes educadores do povoléu.

Aquelas duas figuras são a prova que a genuflexão dos políticos perante a comunicação social apenas lhes retira prestígio. As pessoas querem líderes fortes e desassombrados que chamem os bois pelos nomes. Desdenham gente que reverencia jornalistas, mendigando apoio mediático. Com a agravante que quanto mais tentam usar esse poder, mais facilmente são destruídos por esse mesmo poder, como aconteceu com Santana Lopes e irá acontecer com outros.

É bom que apareça gente desassombrada e segura de si, que meta os jornalistas na ordem. É pena que sejam estes dois.

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Afirmações com Prazo de Validade

Campos e Cunha afirmou peremptoriamente que não gosta de falar de problemas que ainda não se puseram. Essa tem sido a tónica do Governo: só fala em impostos, quando os aumenta. Enquanto não os aumenta, declara obviamente que não os aumenta e que não gosta de falar de problemas que ainda não se puseram. O Governo não mente … apenas relativiza a verdade no espaço-tempo. As suas promessas têm prazos de validade. Mas enquanto o prazo de validade dos fármacos está afixado na embalagem, o prazo de validade das decisões do Governo é indeterminado. É afixado no dia do seu termo. Quando isso acontece, alguns recalcitrantes exclamam: Mentirosos! Errado. Como ensinava o Bispo Berkeley esse est percipi (ser é perceber). Se nós não percebemos este relativismo é porque não existimos. Simples. Nós não existimos. Somos zombies. Invejamos, protestamos, socamos com o nosso punho imaterial, ... tudo inútil ... porque não percebemos o que se passa à nossa volta. Politicamente não somos.

Publicado por Joana às 07:29 PM | Comentários (91) | TrackBack

julho 05, 2005

Plano Faraónico ou Virtual?

Ou algo de intermédio?

O Governo apresentou hoje um Plano de Investimentos em infra-estruturas prioritárias, cujos contornos no que toca às estruturas de financiamentos, às calendarizações e mesmo aos conteúdos, é pouco preciso. Na quase totalidade dos casos retoma projectos que têm estado na gaveta e que ficaram parados pela crise financeira ou por outras razões, todas elas ligadas à inoperância do Estado ou de empresas tuteladas pelo Estado.

O caso das Centrais Eólicas é um deles. Depois de uma primeira fase em que não avançavam pelo facto do país ter sido quase todo “classificado” – REN, Rede Natura, Biótipo Corine, etc. – e os estudos de impacte ambiental chumbarem obviamente todos os projectos, procedeu-se à desclassificação dessas áreas. A seguir foi a “má vontade” da EDP, empresa monopolista, de “tutela estatal” e avessa a grandes rasgos, que demorava a fornecer, ou não fornecia mesmo, pontos de ligação dos parques eólicos à rede eléctrica. A quantidade de pedidos de licenciamento que ficaram parados é astronómica. Aliás, muitos deles não passaram de pedidos feitos para “marcar lugar”, o que pode levantar agora algumas dificuldades no sentido de separar “o trigo do joio”.

Esta conjugação de empecilhos atrasou imenso a instalação destas centrais. Haverá uma vantagem: a técnica dos aerogeradores evoluiu e têm potências unitárias cada vez maiores (com correspondente aumento do diâmetro das pás e altura dos postes) o que permite aumentar a potência do parque por área de implantação no solo.

É claramente um investimento que atrairá os privados, mas que comporta custos para o país, pois enquanto vigorar o “preço verde”, a diferença entre este preço e o preço real será subsidiada pelo Estado. Tem todavia efeitos muito positivos nas nossas contas com o exterior, pois substitui-se ao crude importado

O governo afirma que tem como objectivo a criação de um "cluster" industrial de equipamentos. Os aerogeradores representam, grosso modo, 70% do custo de uma unidade eólica. Os restantes serão os postes (que já se fabricam em Portugal), os equipamentos eléctricos, cabos e linhas (parcialmente de origem portuguesa), os maciços, vedações, etc.. Não sei se quando o Governo fala de "cluster" industrial se refere aos aerogeradores. Ora o fabrico de aerogeradores é uma tecnologia de ponta. Por exemplo, os aerogeradores de fabrico espanhol têm (ou pelo menos tinham há dois anos) uma potência unitária inferior aos aerogeradores de fabrico alemão ou sueco (ABB), mais avançados. Esperemos para ver o que é que o governo pretende dizer com a criação de um "cluster" industrial nesta área.

Em qualquer dos casos é importante que este Governo consiga desbloquear os entraves colocados durante o Governo de Guterres e mantidos obstinadamente durante os dois Governos seguintes.

No que respeita ao Aeroporto da Ota, considero-o um disparate. Seria um disparate mesmo que as finanças estivessem saneadas. O mesmo não digo do TGV. No TGV, é prioritária a ligação de Lisboa ao centro da Europa e a construção de um ramal até Sines, com a mesma bitola, mas não com o mesmo rigor de uma linha de AV. Sines tem condições para ser uma importante plataforma de tráfego de mercadorias, evitando que navios de grande porte demandem os portos do norte da Europa, que estão bastante congestionados. A linha Lisboa-Porto seria cara, não só por ser uma linha de AV, como pelas avultadas indemnizações a pagar pela expropriação de terrenos, pois parece-me um disparate utilizar o mesmo traçado, (total ou parcialmente) da actual Linha do Norte. Portanto não me parece prioritária no estado actual das finanças públicas.

No que respeita aos projectos na área ambiental, basta ao Governo despachar as candidaturas que estão paradas há anos no Ministério do Ambiente. As causas dessas paragens são múltiplas – chantagem aos sistemas municipais, no tempo de Sócrates, para se colocarem sob a tutela da AdP, absoluta incompetência de Theias, diversas mudanças governativas, etc..

Quanto ao financiamento, o Governo assegura que a parcela pública será 30% a retirar do Orçamento de Estado, mas adianta que os operadores públicos entrarão com 16%, o que pode vir a ter incidência no OE. Quanto às parcerias público privadas elas são, em teoria, uma boa solução, o que não implica que o sejam necessariamente na prática (não por culpa dos parceiros privados, mas por desleixo do Estado). Em primeiro lugar há que saber quem paga a renda da concessão. Se for o Estado, teremos o mesmo problema das SCUTs. No caso dos projectos ambientais, serão os utentes a pagar as tarifas na maioria dos casos; no caso das eólicas haverá um subsídio estatal ao preço enquanto vigorar o regime do “preço verde”.

Entre os “grandes projectos” não há, portanto, nenhuma novidade – estavam todos na gaveta (a Banda Larga representa apenas 4% do total). Bem … há uma novidade – o Parque Fotovoltaico de Amareleja. A novidade consistiu precisamente em que … ninguém falou dele.

Perez Metelo, no noticiário de hoje da TVI, estava entusiasmado com o facto do Governo ir «promover uma nova cultura de investimento público», marcada por uma lógica de «concepção mais preocupada com a sua sustentabilidade futura» refinando os métodos de avaliação e «articular a óptica da oferta com uma visão mais orientada para a procura».

São afirmações destas que nos fazem lembrar que, afinal, vivemos num país sub-desenvolvido. Em que projectos terá andado metido Perez Metelo que nunca deu que fosse necessária uma lógica de «sustentabilidade futura» e uma articulação «da oferta com … a procura»? No sector privado não foi certamente, porque se o fosse, estaria agora no desemprego, endividado até ao pescoço.

Quanto às derrapagens de custos, elas não têm a ver com os estudos de viabilidade económica e com a programação, mas sim com o rigor dos projectos de execução, com processos de concurso estanques, com contratos com as necessárias salvaguardas, com fiscalizações independentes executadas por empresas de qualidade e com a inexistência de alterações ao longo da obra. Portanto, Perez Metelo precipitou-se ao ficar extasiado com as frases sobre a «nova cultura de investimento público», pois a procissão ainda nem ao adro chegou. Ainda está na homilia.

Esperemos para ver. O facto da quase totalidade dos projectos anunciados já terem sido anunciados diversas vezes, não é em si um mal. Pode ser que desta vez acertem. Alguma vez teria que ser. Dizer que desta vez vai haver uma cultura de rigor é simples: basta articular adequadamente o sistema gutural-labial-dental-palatal e fazer passar o ar por esse sistema. Depois se verá. Pode ser que desta vez acertem. E se não acertarem, só ao fim de alguns anos, com outro Governo, se descobre um buraco enorme que ninguém consegue explicar como aconteceu.

Nota: Por falar em buracos orçamentais, apresento seguidamente um gráfico com o défice português entre 1987 e 2006 (2005 e 2006 são estimativas) e, em simultâneo, o défice ajustado pelo ciclo económico. Este gráfico tem interesse porque mostra que o défice nominal foi sempre inferior ao défice ajustado durante toda a governação de Guterres. Aliás, desde o início do processo de adesão ao euro, só mesmo durante o período guterrista é que tal aconteceu. Estes números da OCDE provam muito do que escrevi neste blogue sobre esta matéria: A conjuntura económica e financeira mascarou o despesismo guterrista. E nestes números não estão incluídas algumas operações de protelamento dos débitos, como o caso das SCUTs.

Portugal_defice.jpg


Publicado por Joana às 10:51 PM | Comentários (61) | TrackBack

Blair e o liberalismo

Num post anterior eu referi que Tony Blair, um socialista, teve “a coragem de, perante um Parlamento Europeu maioritariamente hostil, fazer um diagnóstico lúcido e corajoso da situação com que a Europa se confronta e dizer claramente quais são as prioridades”. Essa afirmação sofreu alguma contestação, tendo sido citadas críticas sobre o “iliberalismo” de Tony Blair. Não tenho experiência suficiente da política interna britânica para me pronunciar sobre essa questão. Apenas conheço a evolução dos indicadores. Nos gráficos seguintes apresento a evolução do crescimento do PIB, da percentagem da Despesa Pública no PIB e da Taxa de Desemprego, entre 1987 e 2006 (estimativas).

A leitura desses valores não mostra grandes diferenças entre o fim do período Thatcher e as governações de John Major e de Tony Blair. Houve variações conjunturais, mas não é possível a partir delas extrair conclusões firmes.

Com Tony Blair o desemprego diminuiu (aliás a elevada taxa de desemprego durante o governo de Major fê-lo perder as eleições). O aumento da Despesa Pública a partir de 2000 é um facto, mas esta ainda não atingiu os máximos do tempo de John Major. A evolução do PIB também não permite extrair conclusões. Depois de um forte crescimento durante os governos de Thatcher, houve uma queda que continuou no princípio da governação de John Major. Seguiu-se uma retoma, que se manteve nos anos seguintes, embora a um ritmo ligeiramente inferior.

As fontes são as estatísticas da OCDE (Despesa Pública) e do FMI (os restantes indicadores).
UK_PIB87-06.jpg

UK_DP_87_06.jpg

UK_Desemprego.jpg

Julgo que estes valores permitem, apesar de tudo, uma avaliação mais consistente que artigos de opinião cuja fundamentação pode estar (ou não) enviesada por motivos políticos ou partidários.

Publicado por Joana às 06:55 PM | Comentários (46) | TrackBack

julho 04, 2005

O Pirro das Finanças

O Ministério das Finanças tem andado numa roda viva, publicitando as suas acções, com o mesmo afã com que os arautos medievais percorriam as esquinas apregoando os nomes dos relapsos que iam ser justiçados no pelourinho. Hoje anunciou que foram apreendidos bens no valor de cerca de 63 mil euros, incluindo nove veículos. Esta valiosa apreensão resultou de acções realizadas conjuntamente com outras entidades que abrangeram «os dezoito distritos do continente».

Louvemos a acção providencial do Ministério das Finanças. Tamanhas e poderosas forças envolvidas e um espólio magnífico – 63 mil euros, incluindo nove veículos. Nove veículos? Então somos grandes. Somos os maiores. A nossa evasão fiscal já está reduzida a uma dúzia de pobretanas, proprietários de veículos à beira da sucata. É o que resta, nos «os dezoito distritos do continente», de uma classe outrora numerosa, próspera e possuidora de veículos de alta cilindrada – os evadidos do fisco.

O Ministério das Finanças apenas não disse quanto custou a operação conjunta da Inspecção Tributária, da Inspecção-Geral das Actividades Económicas e da Polícia de Segurança Pública nos «os dezoito distritos do continente».

Publicado por Joana às 11:30 PM | Comentários (29) | TrackBack

Encruzilhadas

O problema da modernização do nosso Estado e da postura adequada perante o que está actualmente em jogo é complexo. É certo que a esquerda continua presa na teia ideológica de mitos que criou há muitas décadas. Mas seria simplista dirimir a questão entre esquerda e direita. A questão é mais funda e prende-se com o processo histórico e social de formação da classe política portuguesa. O nosso pessoal político não só da esquerda, mas também do centro e da direita, tem sido recrutado no sector público, o que não facilita a compreensão do funcionamento do sector produtivo e não permite que se aperceba da urgência e do sentido das reformas.

Basta ver o conteúdo de muitos comentários sobre os meus posts relativos ao Tigre Celta (como é conhecida a Irlanda depois dos resultados da última década), para se constatar a dificuldade que as nossas mentalidades têm em lidar com fenómenos que escapam à síndrome da pasmaceira da protecção estatal. Se a esquerda pode ser acusada de permanecer há décadas presa de ícones ideológicos, em vez de se esforçar em favorecer um diálogo social e uma mentalidade moderna e aberta à inovação e à mobilidade, a direita não lhe ficou muito atrás no conservadorismo político e económico, deixando-se colonizar por aqueles ícones ideológicos, julgando assim conseguir suporte eleitoral. Ora o poder político não é um fim em si próprio, mas um meio para gerir os negócios do Estado com o objectivo de promover a prosperidade e o bem estar social.

Tanto a questão não pode ser vista como algo que divide esquerda e direita, que coube a Tony Blair, um socialista, o ter a coragem de, perante um Parlamento Europeu maioritariamente hostil, fazer um diagnóstico lúcido e corajoso da situação com que a Europa se confronta e dizer claramente quais são as prioridades: concentrar-se na investigação, educação, inovação, infra-estruturas tecnológicas, ou seja, onde se joga o futuro da Europa. Obviamente que essas afirmações colidiram com os hábitos instalados e com os governos que estão reféns de interesses corporativos, entre os quais o nosso.

A PAC tem quase 50 anos e já não pode ser uma prioridade para a construção europeia. O pensamento dos empresários não é o dos burocratas, dos políticos e dos diplomatas. Se queremos empresas com capacidade de gerarem emprego é preciso que elas consigam explorar as vantagens comparativas próprias do tecido social em que se inserem. Sobre esta questão, temos, de um lado o UK, a Irlanda, a Espanha, os países do Norte da Europa e os novos aderentes. Do outro lado temos o núcleo inicial da UE.

Portugal está, pela ideologia governativa, do lado do núcleo inicial da UE, mas pelas necessidades de sanear as contas públicas, do lado oposto. Na realidade, nada disto sucede. Portugal está apenas à porta, com a mão estendida, à espera que o vencedor desta pugna esportule o óbolo habitual. E esta postura nem sequer é uma questão partidária. Se fosse o governo de PSL provavelmente faria o mesmo. É uma postura atávica.

No caso português há ainda o entrave sindical. Os sindicatos têm uma estrutura arcaica e são dominados pelo sector público, praticamente a sua única base de apoio na actualidade. A modernização e a competitividade passa-lhes completamente ao lado. Nem sequer as compreendem, mesmo quando falam delas. O modelo sindical português aposta no imobilismo e compraz-se nele. O reverso é que o mundo e a economia são feitos de mudança. E essa mudança é cada vez mais simples e rápida: se as empresas não estão bem, mudam-se.

A presidência de Blair pode provocar na Europa uma viragem no sentido da modernização e do desenvolvimento económico e da sustentabilidade de um modelo social que sobreviva pela eficiência económica, pelo crescimento, pela competitividade e pela sua própria flexibilidade. Só com prosperidade se combate a exclusão social. Distribuir o que não há apenas conduz ao agravamento da crise geral. Erigir uma muralha da China para proteger sectores de menor valor acrescentado tem efeitos opostos, pois torna-se uma prisão para os sectores de elevada tecnologia, onde a Europa joga a sua prosperidade.

A influência de uma presidência europeia que enfrente a globalização e os problemas que se colocam hoje à Europa com uma estratégia ofensiva e não com a estratégia defensiva e proteccionista do eixo franco-alemão pode ser uma alavanca importante para construir uma nova via para a Europa e criar um ambiente favorável ao fortalecimento do tecido empresarial europeu. E, porque não, conseguir que Portugal ultrapasse os seus atavismos e o imobilismo das suas instituições. Os portugueses fora do rectângulo têm mostrado capacidade de inovação e de assumirem riscos. Há que liquidar os entraves que, dentro do rectângulo, imobilizam essa nossa capacidade.

Publicado por Joana às 10:56 PM | Comentários (57) | TrackBack

A Veado dado … não se olha a fogo

Os incêndios mais devastadores são os que ocorrem nas áreas protegidas, entregues à intervenção estatal. Não é por acaso. O Estado não trata das suas matas porque é desleixado por hábitos seculares e porque está dominado pelas ideologias “fracturantes” da biodiversidade. Uma amiga da minha mãe ofereceu, há pouco mais de um ano, 3 veados à Tapada de Mafra, para substituir os que tinham sido vítimas do incêndio anterior. A burocracia estatal tornou essa oferta um martírio. Faço votos para que os animais não estejam a sofrer agora o martírio do inferno do desleixo estatal.

Publicado por Joana às 06:14 PM | Comentários (49) | TrackBack

julho 03, 2005

Conversas de Fim de Semana

1 – O Prof Marcelo foi ectoplasmado pela RTP1, ou melhor, pela Caverna da Ana Sousa Dias. Inicialmente, eu julgava que aquelas figuras refractadas, alegadamente entrevistadas pela Ana Sousa Dias na RTP2, eram epifenómenos resultantes de diversas e inexplicáveis refracções que ectoplasmavam, no fundo da Caverna, arquétipos desconhecidos e que queriam permanecer ignotos. Verifiquei entretanto que não. O Prof Marcelo foi irremediavelmente estropiado por uma poderosa óptica anisótropa que refracta com gradientes de tal forma variáveis com as direcções de propagação, que torna qualquer realidade, por mais reluzente, numa amostra sem valor. O Prof Marcelo passou de fenómeno a epifenómeno.

2 - A Arte da Fuga ou mais propriamente, Die Kunst der Fuge ou, de acordo com o catálogo, o BWV 1080 (que raio de nome!? ... faz-me lembrar outros nomes estranhos e inexplicáveis, como ... Semiramis) chegou ao fim do 1º Contraponto. Parabéns. Espera-se que os próximos Contrapontos, Cânones , etc., sejam igualmente executados a rigor e com mestria.

3 – A vida rural tem as suas virtudes, mas as suas limitações. Uma delas é o consumo da fruta. Em Dezembro são as tanjas e tangerinas. Entre Janeiro e Maio é comer laranjas às cabazadas. Ainda deixámos algumas nas árvores, mas já estão um pouco secas (mas ainda se comem ... às vezes). Em Maio temos que dar conta das nêsperas, que não se aguentam mais de 3 semanas. Ficamos amarelos de tanta nêspera. Os miúdos têm que andar de T-shirts castanho-amareladas, porque põem nódoas que não saem. Depois vêm os damascos, que também aguentam pouco ... toca a comer. Agora são as ameixas das mais variadas espécies que estão a exigir que as comam. Entretanto os pêssegos e os pêssegos carecas, que são conhecidos por nectarinas nos hipermercados, começam a ficar maduros de impaciência. Depois outras virão, como os melões e melancias lá para Agosto, Setembro, as uvas em Setembro, Outubro e os diospiros a seguir. A nossa dieta frutífera é regulada sazonalmente. Impõe-nos responsabilidades e restrições (sazonais, não quantitativas), mas dá-nos qualidade. Sabe a fruta. Mesmo quando tem bicho. Porque se o bicho a escolheu, é porque ela era de boa qualidade.

4 – O facto dos sucessivos governos não andarem com os projectos para a frente tem as suas vantagens. O governo seguinte não precisa de ter imaginação – vai aos arquivos, arrebanha tudo o que ficou por fazer e anuncia a extensa lista (cada vez mais extensa) com estrépito público. Quanto àqueles projectos que obviamente não são para fazer, como, por exemplo, a Ota, anuncia que vai fazer estudos. Há projectos que foram estudados, re-estudados, tres-estudados e tresmalhados. Têm feito a felicidade e dado sustento a gerações de consultores.

Publicado por Joana às 11:15 PM | Comentários (62) | TrackBack

Novamente a Irlanda

Ou o regresso de Sísifo

A fé no Estado e nas suas virtudes tem a mesma génese conceptual que a fé teológica. Se a razão se opõe, é a razão que está errada; se os factos a contrariam, é porque estão a ser mal interpretados ... pior ... tenta-se-lhes dar uma volta para os afeitar a uma interpretação que não comprometa as bases teologais. São os nossos genes, moldados pela omnipresença do Estado, pelo poder absoluto da Inquisição e por uma revolução dita liberal, mas que se limitou a transpor um Estado absoluto para um Estado de matriz jacobina em 2ª mão. Foi o que aconteceu com os meus textos sobre a diferença de políticas entre a Irlanda e a Bélgica e os resultados a que isso conduziu. Que aliás reeditavam conclusões idênticas de estudos apresentados aqui anteriormente.

A revolução económica irlandesa é muito interessante para nós, porque a sua génese foi uma situação com muitas semelhanças com a que nós vivemos há alguns anos. Como nós, a Irlanda era um país pobre, fundamentalmente agrícola e, pior que nós, com uma pesada herança colonial britânica. A partir da adesão à UE (1973) até meados da década de 80 a economia irlandesa caracterizou-se por um contínuo aumento da despesa pública, aplicando as chamadas “receitas keynesianas” para estimular a economia. O emprego no sector público cresceu bastante, os salários subiram significativamente, e apostou-se nas infra-estruturas públicas. Todavia, até 1986, a economia cresceu muito pouco. Entre 1980 e 86, o PIB cresceu 1,68% ao ano. A dívida externa atingiu 125% do PIB. Por sua vez, o desemprego, apesar das “receitas keynesianas” continuou a crescer, atingindo 17,3% em 1985 (ver quadro abaixo).

Para sustentar esta enorme despesa pública, os impostos foram aumentando progressivamente. Os últimos escalões dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares atingiram os 80% e a taxa de IRC situou-se nos 50%. Todo este descalabro era mascarado internamente pela desvalorização da libra irlandesa. A partir da 2ª metade da década de 80, com a vitória do Fianna Fail, houve medidas drásticas: eliminação de 10 mil postos de trabalho no sector público, cortes maciços na despesa pública (6% na saúde, 7% na educação, 18% na agricultura, 11% nas obras públicas e 7% na defesa). A despesa pública passou de 55% do PIB para 41% do PIB entre 1985 e 1990.

Em simultâneo foram incentivadas parcerias sociais entre empregadores e trabalhadores, por períodos de 3 anos, onde em contrapartida da moderação salarial, o governo oferecia uma baixa drástica de IRS e melhorias das prestações sociais. Todos os impostos (pessoas singulares, pessoas colectivas, capitais, etc.) tiveram cortes drásticos. O PIB começou a crescer a um ritmo superior (entre 1987 e 1993 cresceu a uma média de 3,7% ao ano) e o desemprego diminuiu ligeiramente, apesar da diminuição do emprego público (em 1993 a taxa de desemprego era de 15,7%). A conjugação das parcerias, diminuição de impostos e melhoria de algumas prestações sociais fez com que, apesar das medidas drásticas relativas à despesa e emprego público, a situação laboral irlandesa melhorasse, diminuindo as horas perdidas por paralisações laborais.

Estas medidas, conjugadas com a adesão ao euro e a estabilidade dos principais parâmetros macroeconómicos induzidos por essa adesão, tornaram a Irlanda um país extraordinariamente atractivo para os investidores internacionais, nomeadamente os americanos. Entre 1994 e 2000 a economia irlandesa cresceu a um ritmo de 8,2% ao ano e a taxa de desemprego caiu para 4,3% (ver quadro abaixo). A partir de 1989, o ritmo de criação de emprego situou-se em cerca de 25 mil por ano (para uma população equivalente a 40% da população portuguesa). Como as taxas que oneravam o factor trabalho desceram significativamente, os custos laborais irlandeses mantiveram-se baixos e atractivos, apesar do aumento da riqueza pública. Mesmo em 2003, um ano mau para a UE, a taxa de crescimento do PIB irlandês foi de 3,7%, subindo em 2004 para 5,1%, enquanto Portugal estagnava dramaticamente.

O rápido crescimento da economia irlandesa e o facto de se ter tornado o 2º país mais rico da UE (depois do Luxemburgo), possibilitou uma melhoria das condições sociais. A taxa de natalidade irlandesa é das mais elevadas da Europa (1,45%, contra 1,08% em Portugal) o que conjugada com uma baixa taxa de mortalidade (0,79%, contra 1,04% em Portugal) e uma elevada taxa de imigração líquida (0,49%, contra 0,35% em Portugal), possibilita à Irlanda um alto crescimento demográfico (1,16%, contra 0,39% em Portugal). Em Portugal é a imigração que sustenta o crescimento demográfico, enquanto na Irlanda ele é sustentado essencialmente pelo crescimento próprio.

O papel do Estado Irlandês neste milagre económico foi decidir emagrecer e assumir um papel essencialmente regulador quando, até 1985, havia sido um Estado investidor e com pretensões a criador de riqueza. Falhou totalmente nessas intenções. O Estado não tem vocação para se substituir aos empresários. A vocação do Estado é criar um clima favorável à actuação desses mesmos empresários. Não houve remédios mágicos: apenas uma economia de mercado concorrencial e sem barreira à entrada artificiais; um sistema fiscal economicamente eficiente; estabilidade política, social e fiscal; aposta na procura de investimento estrangeiro em indústrias de maior valor acrescentado; redução dos ónus fiscais que pesavam sobre o factor trabalho e aposta na melhoria da sua qualificação, produtividade e estabilidade das relações sociais.

Foi assim que a Irlanda passou de uma situação de bancarrota para a prosperidade que ostenta hoje.

Irlanda.jpg

O quadro que se segue é um gráfico representando a evolução do PIB e da Despesa Pública (DP) na Irlanda entre 1985 e 2002. Os valores estão a preços constantes. O DPb tem como fonte a OCDE e o DPa foi fornecido por um comentarista deste blogue.

IrlandaPIBDP.jpg

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julho 01, 2005

Deixem-nos Trabalhar

Os jornalistas trouxeram a público o desespero que, segundo eles, lavra na sociedade portuguesa. «Os pais andam à nora e não sabem como ajudar os seus filhos na educação da sexualidade» ...Pede-se a intervenção urgente da Escola, pois os pais «devem conhecer previamente o programa e quem o vai leccionar». Alguém da Escola Superior de Educação de Lisboa garante: «Os pais não sabem ou não abordam essas questões e, se abordam, fazem-no de forma ligeira, eventualmente preconceituosa». Reina confusão sobre quem, como e porquê, vai «escolher os currículos».

Sempre pensei que esta matéria era aquela que se aprendia mais facilmente, que era aquela cuja aprendizagem, aliando a teoria à prática, dava mais prazer e satisfação, que se estudava pela noite dentro sem necessidade de recorrer à cafeína ou a anfetaminas para combater o sono e o tédio, onde se conseguiam fazer revisões diárias da matéria dada, anos a fio, descobrindo sempre novas e interessantes abordagens e que não exigia nenhuma qualificação especial para admissão à discência. Basta ver que mesmo analfabetos, como os trogloditas pré-históricos, conseguiram algum traquejo nesta matéria, como se prova pelo facto estarmos hoje aqui.

Calculo mesmo que os potenciais discentes, aqueles que jornalistas e educadores querem salvar das trevas da sexualidade, já devem saber muito mais sobre essa matéria que os potenciais docentes. Vai haver muitas surpresas.

Parece simples. É na água que se aprende a nadar. Como dizia um ex-PM aos jornalistas, sempre ignorantes destas coisas práticas: «Deixem-nos Trabalhar».

Publicado por Joana às 05:59 PM | Comentários (40) | TrackBack