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julho 21, 2005

Confiança? Em quem?

Não sei se foi Sócrates que demitiu Campos e Cunha, se foi este que se quis demitir, ou se esta demissão resultou de um consenso entre ambos. Mas não me parece que esse facto seja relevante. A verdade é que as posições do ex-ministro em matéria de política económica e financeira, que coincidem, aliás, com as recomendações de Bruxelas, estão em contradição com as posições públicas de alguns ministro e com os pregões que o Arqui-1º-ministro, essa figura que é um paradigma do que há de mais abjecto e bacoco na classe política portuguesa, anda a fazer pelo país fora.

A saída de Campos Cunha ocorre depois do ministro demissionário ter escrito um artigo de opinião no «Público» no passado domingo em que colocava em causa algum do investimento público realizado em Portugal nos últimos anos e sugeria uma crítica implícita ao Programa de Investimentos em Infra-estruturas Prioritárias (PIIP) apresentado na semana passada pelo ministro Manuel Pinho. Muitos analistas poderão ver aqui uma relação de causa e efeito.

Eu preocupo-me mais pelo facto do anúncio da demissão ter ocorrido poucas horas depois de Bruxelas ter dado um prazo recorde de 3 anos para equilibrar as contas públicas e ter feito recomendações sobre a forma como tal deveria ser feito (pelo lado da despesa e não pelo aumento da carga fiscal) e chamado a atenção para o cuidado a ter com os investimentos públicos. Ou seja, Bruxelas deu o aval ao plano de 3 anos (embora monitorizado periodicamente) na presunção que as teses de Campos e Cunha constituíam os objectivos do Governo, ou seja, a importância da redução do défice de forma rápida, o dever de evitar operações financeiras que aumentem a dívida, o controlo da despesa, melhorando a sua qualidade e a garantia da sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas.

Sócrates, empolgado, declarou imediatamente que tal era uma prova de confiança de Bruxelas no programa do Governo … e demitiu (ou deu azo a isso) o ministro que sustentava essa confiança. Aliás, à hora em que proferiu aquela alocução já saberia certamente da demissão do ministro. Resta saber se Bruxelas continua a confiar (embora publicamente, e antes da próxima avaliação do desempenho financeiro do Governo português, não possa, nem deva, pôr em causa essa “confiança”).

A presença de Campos e Cunha à frente das Finanças ficou marcada por algumas medidas de austeridade propostas para combater o défice (como o aumento da idade da reforma dos funcionários públicos, o congelamento das carreiras ou o aumento da taxa máxima do IVA), na origem de fortes protestos da oposição e sindicatos, apesar de, na minha opinião, ainda serem muito insuficientes. Aliás o próprio ministro já avisara publicamente que as medidas de contenção de despesa seriam aprofundadas no OE 2006, o que não deve ter agradado ao chefe dos boys, o Arqui-1º-ministro, mais preocupado com os resultados do PS nas autárquicas que com o futuro do país.

Essa presença também ficou marcada por situações que o fragilizaram politicamente. Os erros do OR 2005, que lhe deram o aspecto de um orçamento auto-regenerável, e a questão da reforma. Ser-se governante em Portugal exige uma profissão de fé no desapego aos bens terrenos e um certificado de indigência. Isso não invalida que a forma como é atribuída a pensão de reforma no sector público seja um escândalo e uma injustiça face ao sector privado. Mas é escândalo geral, que só toma proporções maiores quando os vencimentos em causa são elevados. Portanto, quando os sindicatos protestam contra a alteração do sistema de reforma da função pública, estão a querer manter uma situação que conduz a estes escândalos.

O substituto de Campos e Cunha, Teixeira dos Santos, é um insider. Não tem a “pele de elefante” que Silva Lopes assegurava ontem ser essencial para um ministro das Finanças. Colaborou no despesismo guterrista, embora digam que ele é um especialista em Macroeconomia (!?), talvez menos por convicção do que por ser um factotum das chefias do aparelho. Não sei se a passagem dele por outras funções lhe trouxeram uma maior solidez e firmeza.

Esperemos para ver.

Publicado por Joana às julho 21, 2005 01:21 PM

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Comentários

A pedra do sapato foi expurgada. Deixemos a maioria governar. Apostemos nos elefantes brancos porque foram elezs que venceram as eleições. As pessoas têm de começar a ser responsabilizadas pelas escolhas que fazem.

Publicado por: Mário às julho 21, 2005 01:46 PM

Se é um "factotum" do aparelho, não percebo o que é que vamos esperar para ver ...
Isto é mas é uma tragédia em câmara lenta.

Publicado por: asdrubal às julho 21, 2005 01:53 PM

asdrubal às julho 21, 2005 01:53 PM:
Eu disse que, no anterior governo de Guterres, Teixeira dos Santos se havia comportado, pelo meu entendimento, como um factotum (também era apenas secretário de Estado). Não sei se evoluiu entretanto.
Esperemos...

Publicado por: Joana às julho 21, 2005 02:25 PM

Agora não há dúvidas que a situação é trágica.
Por enquanto apenas em câmara lenta!

Publicado por: Joana às julho 21, 2005 02:26 PM

Situações radicais exigem medidas radicais.
O que ontem assistimos não me parece nada de anormal. Pelo menos no sentido em que era relativamente previsível, nesse e noutros casos, que as escolhas ministeriais era perfeitamente descartáveis a qualquer altura do campeonato.
Eu não votei PS nem tão pouco sou de esquerda. Não obstante esse facto, e não vendo na opção Santana Lopes (sozinho ou com Portas) uma solução, fiquei contente pelo facto da inevitável vitória do PS o ter sido com maioria absoluta. Pensei, no dia das eleições, que face a tal resultado, mesmo tendo noção de que existiriam medidas do Governo com as quais, por questões políticas fundamentais, não me identificaria, estavam reunidas as condições para que um Governo em Portugal pudesse, pelo menos durante quatro anos, se não implementar pelo menos lançar as bases, de políticas estruturais tão necessárias, sobretudo na área das Finanças Públicas.
Fui obviamente ingénuo.
Mas apercebi-me dessa minha ingenuidade/lirismo mal começou a ser revelado o elenco governamental. Era um governo apenas com 2 políticos - Freitas do Amaral e António Costa. Um governo sem políticos até podia ser uma coisa positiva - poderia ser sinal de que uma série de opções fundamentais e quase meramente técnicas seriam tomadas sem politiquices que as desvirtuassem/atrasassem/anulassem. Mas quando a escolha dos nomes políticos recaiu nesses dois nomes, passamos dum cenário de ausência de políticos para um cenário de Governo Politiqueiro.
Politiqueiro porque os nomes políticos o são - um "homem-de-mão" de Guterres e um troca-tintas/opurtunista.
Face à postura de campanha do Eng. Sócrates facilmente chegamos à conclusão de que não há estratégia nenhuma, que vai ser um gestão feita em cima do acontecimento, conforme der mais jeito a este ou àquele interesse, conforme o PS lhe parecer melhor ou pior. O Primeiro-Ministro real tem sido Jorge Coelho. Ele põe e dispõe, ele condiciona Sócrates conforme lhe parece melhor ou lhe solicitam determinados lobbies. Com umas palmadinhas nas costas pelo meio.
Situações radicais exigem medidas radicais.
Que venha Cavaco, corra com este governo com base no mesmo género de argumentos que Sampaio usou para correr com o anterior - e que pelos vistos são constitucionais - e que promova um Governo de Iniciativa Presidencial, com gente tecnicamente intocável, séria, independentemente de ser simpatizante do BE ou do CDS. Há gente decente em todos os quadrantes políticos. Nunca são é escolhidos para as funções que interessa.

Publicado por: Xiko às julho 21, 2005 02:30 PM

A cultura não ocupa lugar e com a devida vénia transcreve-se um pensamento lido algures:

""Napoleão Bonaparte, durante suas batalhas usava sempre uma camisa de cor vermelha.
Para ele era importante porque, se fosse ferido, na sua camisa vermelha não se notaria
o sangue e os seus soldados não se preocupariam e também não deixariam de lutar.
Toda uma prova de honra e valor ... Duzentos anos mais tarde, Sócrates usa sempre
calças castanhas.
eu | 07.20.05 - 11:31 pm | # ""

Uns fazem, outros apanham...

Publicado por: carlos alberto às julho 21, 2005 02:51 PM

Uns fazem, outros apanham...mas a paneleiragem é toda a mesma.

Publicado por: ANdre às julho 21, 2005 02:54 PM

carlos alberto: As fraldas não são consideradas despesas de representação?

Publicado por: Coruja às julho 21, 2005 03:15 PM

A Joana escreveu que Bruxelas, publicamente, e antes da próxima avaliação do desempenho financeiro do Governo português, não pode, nem deve, pôr em causa essa “confiança”, mas:

Bruxelas recomenda a novo ministro das Finanças que prossiga controlo do défice
21.07.2005 - 11h42 Lusa

A Comissão Europeia fez hoje votos para que o novo ministro das Finanças mantenha a linha de actuação do seu antecessor e siga as recomendações de baixar o défice público.

A assessora do comissário europeu para os Assuntos Económicos e Finanças, a portuguesa Amélia Torres, frisou que habitualmente "a comissão não faz comentários sobre a política interna dos Estados membros" mas que acedeu a fazê-lo uma vez que ontem aprovou uma recomendação sobre a correcção das finanças públicas portuguesas.

Para a Comissão, o combate ao défice é determinante para a criação de “mais emprego e maior crescimento”, sustentou Amélia Torres.

Ontem, Bruxelas aprovou uma recomendação que concede três anos, até 2008, a Portugal para corrigir o seu défice excessivo, que este ano deverá ficar nos 6,2 por cento do Produto Interno Bruto, um valor mais do dobro aceite pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, que é de três por cento.

Publicado por: David às julho 21, 2005 03:26 PM

Dá ideia que Bruxelas não deve ter gostado, nem um bocadinho, desta mudança repentina.

Publicado por: David às julho 21, 2005 03:27 PM

Esta mudança é preocupante por outra razão. Vai dar mais uma arma a quem contesta as medidas de contenção.

Publicado por: soromenho às julho 21, 2005 03:54 PM

Ainda vamos ouvir o Carvalho da Silva a clamar que foram as "movimentações populares" que causaram a demissão de Campos e Cunha.

Publicado por: soromenho às julho 21, 2005 03:56 PM

"evitar operações financeiras que aumentem a dívida"

... como as que foram feitas por Bagão Félix.

Dos problemas de Campos e Cunha durante a sua curta passagem pelo governo poderá ele dizer que "atrás de mim virá quem bom me fará".

Publicado por: Luís Lavoura às julho 21, 2005 04:31 PM

Luís Lavoura às julho 21, 2005 04:31 PM:
O Bagão Félix fez alguns investimentos públicos?
Não me lembro.

Publicado por: V Forte às julho 21, 2005 05:26 PM

Se o rating (ou lá o que é isso) da República continuar a descer, as taxas de juro dos empréstimos bancários poderão subir.
As famílias devem mais que o seu rendimento anual. O que irá a acontecer a essas famílias que pediram empréstimos a 30 anos para pagarem casas e que o orçamento familiar irá impedir que continuem a pagar os empréstimos?

Publicado por: Filipa Sequeira às julho 21, 2005 05:39 PM

Poderemos chegar a uma situação de completa catástrofe. É que muitos julgam que o problema é o salário subir 2% e o custo aumentar 3%. Mas há situações muito mais graves que podem acontecer.

Publicado por: Filipa Sequeira às julho 21, 2005 05:41 PM

V. Forte:

O Bagão Félix fez operações financeiras, como a absorção das pensões de reforma da Caixa Geral de Depósitos, e outras, que, segundo Correia de Campos, se traduziram na prática em "sacar dinheiro agora, legando prejuízos maiores para depois".

Filipa Sequeira:

Eu não percebo do assunto, mas creio que o "rating" é do Estado português, e não dos bancos portugueses. Ou seja, o Estado português é que poderá vir a ter que pagar maior juro pelos empréstimos que peça ao estrangeiro. Os bancos portugueses (muitos dos quais, aliás, são apenas secções de bancos estrangeiros) não terão, penso, que pagar maior juro pelos empréstimos que pedem.

Publicado por: Luís Lavoura às julho 21, 2005 06:01 PM

No Arte da Fuga, compara-se esta demissão a outra «Lembram-se de Nogueira Leite, Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças de António Guterres, que abandonou o governo ao fim de oito meses, ao constatar que não havia vontade política de António Guterres para dar sequência às suas recomendações, tendo daí retirado as devidas ilações?»

Publicado por: Rui Sá às julho 21, 2005 06:04 PM

Não, Luís, o que aconteceu é que parte do subsídio anual para o fundo de pensões da CGD (ao passar para o Estado) passou a ser considerado despesa pública, portanto a ser contado para o défice.
Quanto ao rating a Filipa tem razão. Pelo menos alguma. Se os juros para os empréstimos externos de Portugal sobem, parte irá reflectir-se nos juros internos, pois os bancos portugueses têm que fazer empréstimos lá fora, para arranjarem liquidez. Depende da parcela desses empréstimos face à totalidade.
Mas sobe qualquer coisa. Depende da variação do rating

Publicado por: V Forte às julho 21, 2005 06:13 PM

eheheheheheh:
«Teixeira dos Santos não entrega declaração de rendimentos desde 2000, diz Renascença.
O novo ministro de Estado e das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, não entrega as declarações de rendimento e património, a que está obrigado, desde 2000, avança esta quinta-feira a Rádio Renascença»

Começa bem!

Publicado por: Santos do pé da porta às julho 21, 2005 06:58 PM

E não só:
«Teixeira dos Santos, para além das funções que exerceu até aqui como Presidente da CMVM, acumula a este vencimento uma pensão de administrador do extinto Instituto de Participações do Estado. Um caso semelhante ao do ministro das Obras Públicas, Mário Lino.»
eheheheheheheheheheheheh!
A nossa classe política é toda parasitária!

Publicado por: Santos do pé da porta às julho 21, 2005 08:52 PM

V Forte às julho 21, 2005 05:26 PM

O Bagão só fez investimentos privados !!!

Sacou aos desgraçados da CGD e metu nos cofres do Estado ! Como se designa este tipo de Investimento ? Saque ? Abuso de Confiança ?
- Ou será mesmo peculato com dolo ?

Publicado por: Templário às julho 21, 2005 10:02 PM

Isso é um deinvestimento público. Tira aos privados para meter nos cofres do Estado. É o contrário de um investimento.

Publicado por: David às julho 21, 2005 11:19 PM

Peculato é quando o dinheiro é para o próprio, não para o Estado.

Publicado por: David às julho 21, 2005 11:20 PM

O poder do Coelhone:
"Ontem Jorge Coelho criticou a demora da Autoridade da Concorrência em tomar uma decisão sobre a aquisição da LusomundoMedia pela Olivedesportos.

Hoje, a Autoridade da Concorrência deu parecer positivo a tal aquisição."
Dos Blasfemos
Quem se mete com o PS, leva.

Publicado por: J Correia às julho 21, 2005 11:27 PM

O presidente alemão, Horst Kohler, dissolveu hoje o Parlamento e convocou eleições antecipadas para 18 de Setembro próximo.
As eleições poderão fazer da conservadora Angela Merkel (CDU) a primeira chanceler da história da Alemanha.
Schroeder deve ir à vida

Publicado por: Rui Sá às julho 21, 2005 11:31 PM

Schroeder convenceu-se que não era capaz de governar a Alemanha e, apesar de ter uma sólida maioria, convenceu o próprio partido a vootar contra a moção de confiança que apresentou.

Publicado por: Rui Sá às julho 21, 2005 11:33 PM

Cá, isso seia impossível, porque:
1-Sócrates, por muitas trapalhadas que faça, auto-convence-se sempre, repetindo frente ao espelho aquela cassete que ele tem.
2-Ninguém convenceria os PS a abandonarem os tachos que já abarbataram, nem que o país estivesse completamente no fundo.
3-O Sampaio só dissolve coisas dos outros partidos.

Publicado por: Rui Sá às julho 21, 2005 11:36 PM

Venceu o "aparelho" do PS coelhático e perdeu o país cada vez mais devorado por projectos que têm tanto de faraónico como de inúteis e autofágicos.

Publicado por: rui martins às julho 21, 2005 11:38 PM

Vamos seguir o exemplo superior do novo Ministro das Finanças e só entregar as declarações fiscais quando formos "notificados" para o efeito.

Publicado por: Rui Sá às julho 22, 2005 12:00 AM

Não sei se tenho "pachorra" para esperar pra ver!
Aliás, tenho quase a certezinha que já vi este filme. E não foi há muito tempo.
Será que nunca mais temos juizinho? Haja coração!

Publicado por: josé doutel coroado às julho 22, 2005 12:05 AM

Isto é uma República das Bananas. Por isso é que o Samapaio só diz bananalidades

Publicado por: Coruja às julho 22, 2005 12:11 AM

ódios de estimação populares-sociais-democratas falidos:
"o que abjecto arqui-1º ministro anda a fazer pelo país fora",,, e pelo país dentro,eheheh
alguem se lembra do In-Out do Kubrick na Laranja Mecânica?
Na altura era a maneira como se gozava mais, e "penso eu de que",,, ainda continua a ser
tira o Ps - mete o Psd - mete e tira,,eheheeh
valha-me São Óskar de Lafontaine.

Publicado por: xatoo às julho 22, 2005 10:35 AM

"Que venha Cavaco, corra com este governo com base no mesmo género de argumentos que Sampaio usou para correr com o anterior - e que pelos vistos são constitucionais - e que promova um Governo de Iniciativa Presidencial, com gente tecnicamente intocável, séria, independentemente de ser simpatizante do BE ou do CDS. Há gente decente em todos os quadrantes políticos."

Totalmente de acordo, com uma reserva: não é nem Cavaco nem um qualquer político deste sistema que tal poderá fazer. Para isso teríamos de eleger um independente para Presidente da República. Aparecerá um tal candidato nas próximas presidenciais? E se aparecer, teremos o discernimento de votar nele (ou nela)?

Publicado por: Albatroz às julho 22, 2005 10:55 AM

O drama em Portugal é que os governos partidários nunca aceitarão as políticas que poderiam resultar, porque elas se traduziriam, no curto prazo, em perda de votos. Por isso só teremos políticas que nos enterrarão cada vez mais. Estamos a precisar de uma vassourada, do tipo 28 de Maio de 1926. O problema é que a tropa já não é o que era e não se vislumbram figuras capazes de pegar o touro pelos cornos. Depois, uma vassourada exigiria um governo musculado e as opções musculadas são mal vistas pela oligarquia europeia. Estávamos a precisar de uma ditadura - no conceito romano do termo -, ou seja, de um governo de excepção, durante quatro ou cinco anos. Estaria a União Europeia disposta a aceitar tal situação?

Publicado por: Albatroz às julho 22, 2005 11:03 AM

"Estávamos a precisar de uma ditadura - no conceito romano do termo"

Eu não sei qual é o conceito romano de "ditadura", mas não duvido de que, na prática, a ditadura benévola que Albatroz sugere não poderia ser muito benévola.

O ponto é o seguinte. Qualquer governo que tente endireitar isto vai ter que ir, de forma radical, contra os direitos e as expetativas de muito boa gente, nomeadamente funcionários públicos (nas suas diversas variedades, incluindo polícias, professores de liceu, professores universitários, enfermeiros, médicos, etc etc etc). Em particular, terá que admitir a possibilidade - e a realidade - de DESPEDIR funcionários públicos, e terá que rever o regime de subida na carreira desses funcionários, significando na prática que, durante alguns anos, a generalidade deles não será promovido.

Esses funcionários, naturalmente, não gostarão, e encetarão formas de luta mais ou menos duras. Nomeadamente e principalmente, contra os despedimentos de funcionários. Essas formas de luta alterarão gravemente o funcionamento do país. Setores como a justiça, o policiamento, a saúde e a educação serão afetados, com grave prejuízo para muitos cidadãos.

A ditadura terá então que pôr na ordem os funcionários rebeldes (i.e. quase todos), o que implicará a supressão do direito ao protesto, à greve, da liberdade de expressão, etc.

Conclusão: na prática, a ditadura só poderá ser tudo menos benévola.

Publicado por: Luís Lavoura às julho 22, 2005 11:20 AM

Por definição uma ditadura nunca é muito agradável. Só se tolera quando não há alternativas. A "ditadura" a que me refiro poderia começar num governo de iniciativa presidencial, com plenos poderes legislativos por decreto, e com um conselho de Estado com poderes de revisão desses decretos. O Parlamento poderia manter-se em funções, mas sem competência para legislar. O que pode parecer um contrasenso, mas um tal parlamento seria útil como forum de debate das opções políticas do governo de excepção. Depois de um período pré-determinado (talvez cinco anos), e com uma Constituição nova que eliminasse os principais vícios da actual constituição, regressar-se-ia a uma situação institucionalmente mais normal.

Publicado por: Albatroz às julho 22, 2005 12:07 PM

Luís Lavoura às julho 22, 2005 11:20 AM:
Há a convicção, cada vez mai generalizada, que o funcionalismo público, tal como está, é insustentável. E há muito mais trabalhadores no sector produtivo que no Estado. Os "funcionários rebeldes" serão postos na ordem pelo resto da população. Não é preciso ditadura.
Basta que a situação se continue a agravar. E vai continuar.

Publicado por: Joana às julho 22, 2005 01:26 PM

"um governo sério de iniciativa presidencial que governe ditatorialmente" já temos! - está em Bruxelas!,,,o problema,é que não é bem aquilo a que se possa chamar "nosso"

Publicado por: xatoo às julho 22, 2005 03:55 PM

Se não me engano, a «solução provisória» que Albatroz refere, foi a que foi ensaiada por D. Carlos I com João Franco. Na véspera do retorno a eleições livres (talvez um mês antes) e à normalização parlamentar, a Carbonária assassinou o Rei e o Primogénito. Começou então a saga da dialéctica partidária no próprio topo do Estado. Gostam. Dê-se-lhes.

Publicado por: asdrubal às julho 22, 2005 06:36 PM

Nunca houve interrupção da vida eleitoral com João Franco. Ele acumulou os ódios dos monárquicos, porque era apoiado pelo rei e tinha captado parte do eleitorado dos partidos monárquicos, e o ódio dos republicanos, porque o seu populismo o fazia pescar nas águas republicanas.
O assassínio do rei foi para liquidar politicamente João Franco

Publicado por: Rui Sá às julho 22, 2005 07:17 PM

Pois foi, Rui Sá. E daí para cá o país nunca se endireitou.

Publicado por: AJ Nunes às julho 30, 2005 01:16 PM

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