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janeiro 30, 2004

O Estado e os veados

Ou como estas duas espécies protegidas só causam transtornos

Uma proprietária absentista de um pequeno monte alentejano (absentista porque precisa de um bom emprego em Lisboa para custear as despesas de manutenção do monte), tem veados na sua propriedade.

Eles foram para lá contra vontade dela. Provavelmente eles próprios também não teriam manifestado qualquer interesse em viver naquele monte, numa planura cálida e desarborizada, rodeados por uma vedação alta e intransponível. Igualmente não se sabe se entre as alegações do processo divórcio movido pela proprietária em questão, figurava a teimosia do ex-marido em ter comprado os veados. São assuntos passados e não interessam para esta história.

Os veados não são propriamente animais domésticos. O caseiro da proprietária, homem destemido e afeito à bicharada, alardeando a convicção segura que eles o conheciam perfeitamente, visto ser ele que lhes dá a ração diária, entrou um dia no cercado, de peito feito, para mostrar como os veados lhe eram afeiçoados. Saiu de peito desfeito para o hospital distrital, onde esteve vários dias internado a recuperar de uma marrada. Nem a eventualidade de ficarem sem o serviço de cattering levou os veados a uma postura mais civilizada.

A proprietária vivia a lamentar-se junto das amigas. Como são animais protegidos e com alvará, não é fácil vendê-los. Aliás, já nem se punha a questão de os vender. A proprietária estava de tal forma desesperada que os daria a quem os quisesse. Passou-lhe mesmo pelo pensamento a ideia de lhes facilitar a fuga, pela calada da noite, mas soube depois que poderia ter problemas, visto que seria fácil verificar a sua proveniência, quando fossem capturados. E o mais grave era que, contrariamente aos hábitos dos restantes alentejanos, os veados em questão evidenciavam uma forte taxa de natalidade.

Alguns de vocês, menos ligados à defesa dos animais, perguntarão: e porque não comê-los e dizer que morreram de paragem cardíaca?

Julgo que houve uma ou duas tentativas, mas não era fácil. Tem que se contratar alguém para os abater a tiro e pessoal para os esfolar e esquartejar, e tudo isto rodeado do máximo sigilo, em plena clandestinidade. Corre-se o risco, no mínimo, de uma coima elevada e os matadores e esfoladores ficam com mais de metade da carcaça. Julgo, todavia, que uns bifes de veado que comi, há uns anos, na casa paterna, devem ter sido provenientes de algum acidente com arma de fogo, misteriosamente ocorrido naquele monte.

Até que, finalmente, as preocupações da proprietária absentista pareceram que iriam findar. Uma colega dela, familiar de um técnico dos quadros da Tapada de Mafra, ouviu este lamentar-se que, com os recentes fogos, tinham sido dizimados os veados da Tapada. E lembrou-se da desastrosa situação da amiga.

Estava tudo resolvido: a tapada, deficitária de veados, poderia colmatar esse défice. A proprietária absentista, farta dos veados, ver-se-ia livre deles.

Estava configurado o cenário ideal para se resolver um problema com a administração pública:
Alguém (a proprietária absentista) entregava, a título gracioso, algo (os veados) ao Estado (Tapada de Mafra);
O Estado (representado por amigos e familiares da doadora) aceitava a dádiva;
Passava-se tudo entre amigos, naquele compadrio inocente, que é, em Portugal, a única forma garantida de resolver as questões entre o cidadão e o Estado.

A Tapada de Mafra ficou de tratar da papelada, da guia de transporte e de outras questões logísticas e a proprietária, do bolso dela, pagou a um veterinário para passar um certificado que assegurava que os veados estavam bons de saúde, desejavam ardentemente conhecer a Tapada de Mafra e ver as vistas do Convento e revelavam um forte instinto de sobrevivência em caso de fogos florestais.

Estava tudo a postos, quando telefonam da Tapada de Mafra: não tinha sido possível em tempo útil transferir o alvará da proprietária para a Tapada!

Um drama! As guias de transporte tinham uma validade de apenas um ou dois dias e o certificado do veterinário só era válido por 48 horas, o que se compreende: os veados têm uma constituição frágil, constipam-se com qualquer corrente de ar e são muito volúveis em matéria de opinião, logo, um certificado veterinário tem que ter um período de validade muito reduzido.

Portanto, todo o processo da obtenção da papelada terá que recomeçar de novo. A proprietária da nossa história será obrigada a chamar novamente um veterinário para observar os veados, etc., etc.. Nem estando em causa uma dádiva, nem usando o mais descarado compadrio, a burocracia estatal se compadece.

É mais fácil divorciar-se de um marido, que de uma manada de veados.

Publicado por Joana às janeiro 30, 2004 06:58 PM

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Comentários

Essa história dos veados é típica e característica da nossa burrocracia.
Afinal, a Veado dado olha-se o dente.

Publicado por: fbmatos às janeiro 30, 2004 11:00 PM

Os bifes eram bons?

Publicado por: Filipa Zeitzler às janeiro 30, 2004 11:02 PM

A carne de veado é muito saborosa.
Espera que se tenha deliciado.

Publicado por: Hector às janeiro 31, 2004 12:06 AM


Pois é, os veados são perigosos.

Durante a década de 90 ocorreram uma média de 130 mortes por ano em acidentes automobilísticos contra cervos ou veados, 18 por ataques de cães, 15 por mordidas de cobra e 0,4 por ataques de tubarões.

Mas, quantas mortes ocorreram por... burocracia?

Milhares? Milhões?

Publicado por: re-tombola às janeiro 31, 2004 02:19 PM

É mais fácil divorciar-se de um marido, que de uma manada de veados
Nomeadamente se o marido ficou com uma armação de veado

Publicado por: anonimo às janeiro 31, 2004 05:26 PM


Não sei por que carga de água,cada vez que falo em veados vem-me à ideia o José António Lima do Expresso e as minhas lutas contra esse infeliz escriba da nossa praça.

Não sei que relação estabeleço entre um veado e o Lima,mas acontece-me este "pesadelo".

Talvez a JOANA ou o D.JOÃO II me possa dar uma explicação cabal para esta associação de ideias.

Tirem-me da frente toda a espécie de veados,para que eu nunca mais volte a pensar no Lima.

Publicado por: ZEUS8441 às fevereiro 1, 2004 12:36 AM

ZEUS/A CUNHA :
esses traumas face aos jornalistas tratam-se em psiquiatria .

Publicado por: zippiz às fevereiro 1, 2004 12:57 AM


Veados... virus...

Ao ler Zeus8441, vieram-me à memória os pesadelos...

Costumo acordar com um dos meus maiores pesadelos: e no dia em que não existirem virus????

Acordo assustado... acordo angustiado... acordo quase sem ar...

Depois, bem, depois tudo se recompõe e lá tenho uma dezena de viruzitos com que batalhar durante o dia.

Hoje, calharam-me o W32.Novarg.A@mm (uma versão de um outro que já se me tornou familiar) e , calculem! o W32.FunLove.4099!!!!!!

Fui-me a ele, li-o de ponta a ponta, limpei dezenas de servidores que usualmente costumam contar com a minha disponibilidade diária, ri-me com uma série de disparates inócuos com que os ditos administradores de sistemas costumam "desviar" ou "atrasar" as manifestações das doenças e, no fim, dei comigo a perguntar o "para quê?, dado que os disparates estão lá exactamente no que pretensamente se chamam "sistemas operativos"...

Se "FunLove" já era um desafio, calculem o que será um desafio com um número: 4099!!!!!!!!!!!

Uau!

Números... tal e qual Zeus... será o 8441 uma ameaça?

Andei para a frente e para trás, inspecionei tudinho a ver se o Flcss.exe existia no virus com o nome Zeus...e nada!

Afinal, Zeus (com qualquer número que o acrescentem) não passa de uma... ressaca!

Publicado por: re-tombola às fevereiro 1, 2004 02:25 AM

O Zeus8441 é um vírus?
he he he he he he

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 1, 2004 12:16 PM


Há muito que não via nem lia este "lagarto" do ZIPPIZ.
Continuo a pensar que a associação veado/Lima é um pesadelo, como a mesma associação zeus/zippiz é fantasma para o dito ZIPPIZ.
O nosso inquestionável "lagarto" torna ainda mais trágica a sua doença.
Zeus é a Cunha,Zeus é o Ardina II,Zeus é o Galaaz,Zeus é o Isaias Afonso.Sempre que lhe cheire a direita,lá está a marca asinalada atrás.
Daqui a pouco sou capaz de pensar que a familia do Zeus é enorme,o que enlouquece o ZIPPIZ.
Tempos houve em que um meu familiar respondia ao ZIPPIZ,mas desistiu a meu pedido,no momento em que me retirei completamente do online.expresso,já que este se transformou num cano de esgoto.
No entanto,o ZIPPIZ continua a ver Zeus em todos os escritos com a chancela de "direita".
Não posso fazer nada por este "velho" adversário.Nunca foi inimigo,como um Novoimperador,ex-padre e desempregado,que me insultou até dizer chega e que só não meti em Tribunal,porque conheço a desgraça em que caiu. Situou-se o ZIPPIZ ao nivel dum Vachequirit,que toda a gente sabe ser correspondente do Expresso numa cidade europeia.Acutilante dentro dos limites da decência.
Agora comparar-me a quaisquer outros é pura imaginação doentia do ZIPPIZ,o que se me afigura de alguma gravidade,pois é ideia fixa de esquizofrenia.
Também se me afigura abusiva a atitude do ZIPPIZ em transformar este "blog" em "chat".Em vez de tecer alguma critica ao artigo do autor,faz aqui o mesmo que efectua no online.expresso,lançando insinuações ou objectos à cabeça de quem não conhece.
Questão de "politesse" que ao ZIPPIZ deve ser alheia,presumo eu.

Publicado por: ZEUS8441 às fevereiro 1, 2004 05:27 PM

Em:

www.reformaigual.net

petição para que os políticos tenham acesso à reforma nas mesmas condições da restante população.

Já vai em 17 mil assinaturas / 4 dias

Publicado por: kingkong às fevereiro 1, 2004 06:29 PM

"lançando insinuações ou objectos à cabeça de quem não conhece."

Vc é um humorista !

Publicado por: zippiz às fevereiro 1, 2004 10:24 PM

Devo ter sido a única pessoa que se chocou com este post. Veados a serem transportados daqui para ali, abatidos à sorrelfa, degustados com um ligeiro prazer clandestino ("he-he, olha-me este petisco, hein?") sem qualquer apreço pelo animal em si ... Não sou vegetariana, mas custa-me que estes veados estejam aqui como commodity. Aliás, o que é o mundo para além de um conjunto de commodities às quais convém lançar a mão? Falta amor à direita, disse o Barnabé no seu estertor final, no meio de muitos disparates, uma coisa certa: falta amor à direita. Chamem-me lírica de esquerda, o que for, mas à hora da minha morte, não me quero lembrar de commodities, amigos. Por isso é fácil à Joana despedir digitalmente milhares de pessoas ... gostaria de saber o que ela faria se duas ou três ou trinta desconhecidas lhe chegassem à porta em desespero, sem trabalho, sem dinheiro, sem família ou amigos... aposto que a Joana lhes indicaria logo todos os apoios legais e os encaminharia para as respectivas instituições ("não sou S. Francisco!"). E dir-lhes-ia, à laia de consolo, "agora vão atravessar uma conjuntura depressiva, mas é uma questão de tempo, em três ou quatro anos prevemos a vossa re-absorção no mercado de trabalho - isto é, dependendo da vossa idade e da vossa qualificação.
Felicidades."

Publicado por: SG Grande às julho 5, 2005 07:01 PM

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