janeiro 25, 2006

Ressacas

Terminada a campanha eleitoral para as presidenciais temeu-se que os analistas políticos ficassem no desemprego. Após a eleição de Cavaco Silva, Portugal entra num período, excepcional no nosso sistema político, em que todos os órgãos de soberania, desde a AR, passando pelas autarquias, até ao PR, têm pela frente um mandato completo ou quase. Para quem aprecia a estabilidade política tal pode ser uma benesse. Para os analistas políticos foi o pânico. Pois quê? Faltam mais de 3 anos até ao próximo acto eleitoral? Que fazer? Simples … Discutir o que vai fazer Cavaco Silva com os seus votos. Puxar pelo PSD? Apoiar Sócrates? Rasteirar Sócrates? Proferir banalidades obscuras, vulgo sampaíces?

Mas será que apenas conta o que Cavaco poderá fazer? E Sócrates? E o PS?

Em primeiro lugar estas eleições constituíram a primeira mostra eleitoral da decadência da 3ª República. Os candidatos que se reclamavam como não partidários tiveram 71% dos votos. É óbvio que os seus votos vieram de eleitores que anteriormente votaram em partidos políticos, mas recolheram-nos de uma forma transversal. Cavaco Silva poderá ter feito o pleno do PSD, deve ter recolhido a maioria dos votos do CDS/PP, mas recolheu igualmente votos entre eleitores que anteriormente haviam votado PS, PCP ou BE. Manuel Alegre recolheu votos principalmente entre eleitores PS, mas também recolheu bastantes no CDS/PP, provavelmente poucos no PSD, e alguns entre o BE e PCP. As motivações destes dois conjuntos de votantes teria sido diferente, mas constituíram uma derrota para as máquinas partidárias e para a partidarização que tem levado a 3ª República rumo ao abismo.

Primeira conclusão é a de que o sistema partidário implantado com a 3ª República e aleitado ao longo de 30 anos, está caduco. Os eleitores encarregaram-se de o demonstrar.

Em segundo lugar, Cavaco Silva não tem possibilidades de fazer um primeiro mandato sem fazer ondas, como o fizeram Soares e Sampaio, que só despertaram das letargias após serem eleitos para o segundo mandato. Nem a situação do país permite a continuação das banalidades estéreis de Sampaio, nem a maioria dos eleitores que votou Cavaco espera que ele entre em hibernação.

Em terceiro lugar, o PS está numa encruzilhada. É certo que Manuel Alegre recebeu alguns votos da direita, quer pelas suas alocuções patrióticas, quer pelos ódios de estimação que existem no CDS relativamente a Cavaco. Mas Manuel Alegre é um homem da ala esquerda do PS. Mostrou, na sua luta contra Sócrates pelo cargo de secretário-geal do PS, que não faz a mínima ideia do estado em que o país está e da urgência da tomada de medidas difíceis, que bolem com interesses instalados … logo que criam alguma instabilidade social.

Nesse entendimento, Manuel Alegre pode protagonizar uma oposição de esquerda às medidas governamentais, apoiando-se na ala esquerda do PS, nos partidos mais à esquerda e nas forças sindicais. Ou seja, Sócrates pode ficar fragilizado dentro do interior do partido. Tem, como se calcula, o poder que lhe advém da distribuição das sinecuras. Mas se o clima social se agravar, esse poder pode revelar-se insuficiente. O PS poderá ficar partido entre os que aceitam as reformas de Sócrates, não porque gostem, apesar de muito moderadas, mas porque não há outro remédio, e aqueles que acreditam nos amanhãs que cantam, em odes recitadas por Manuel Alegre.

Em quarto lugar o PSD vai ter que mudar o estilo de oposição. Por exemplo, o comportamento que teve durante a discussão do OE 2006 não pode ser repetido. O OE 2006 tinha, e tem, muitas fragilidades, mas o PSD atacou-o apenas como oposição, não como um partido da área do governo, com responsabilidades. O PSD não pode correr o risco de se encarniçar contra uma medida governativa, que depois venha a ter o beneplácito do novo PR. Os líderes parlamentares do PSD perderiam a face. Portanto, o PSD terá que fazer uma oposição mais construtiva, a menos que dê de barato que o PSD e o PR tenham opiniões opostas sobre determinadas matérias mais delicadas e estruturantes.

Como se fará a coabitação? Será difícil. Sócrates tem-se revelado muito teimoso e vai ter pela frente um homem que sabe do que fala e que estuda os dossiers. Durante os primeiros meses será como no início de uma pugna desportiva, onde os contendores tentam adivinhar a táctica e a estratégia do outro, e em que nenhum deles quer correr riscos. Julgo que até à discussão do próximo OE 2007, a coabitação será pacífica, a menos que a crise económica se agrave dramaticamente por qualquer razão não descortinável de momento. Então se verá.

As possibilidades de tentar encostar Cavaco Silva à parede serão através de questões colaterais, vulgo fracturantes, como a questão do aborto. O PS poderá optar por esse tipo de guerrilha, para enfraquecer a imagem de Cavaco Silva, nomeadamente perante o seu eleitorado tradicional, mais ligado aos valores da família e do primado da vida. Mas certamente que Cavaco já terá pensado que política terá quando for confrontado com esses temas.

Publicado por Joana às 09:18 AM | Comentários (38) | TrackBack

janeiro 22, 2006

Resultados

Faltando apenas os resultados das duas freguesias onde houve boicote, cuja expressão é residual , o resultado das Presidenciais 2006 foi o seguinte:

CAVACO SILVA..............2745491........50,59
MANUEL ALEGRE............1124662........20,72
MÁRIO SOARES...............778389........14,34
JERÓNIMO SOUSA...........466428..........8,59
FRANCISCO LOUÇÃ..........288224..........5,31
GARCIA PEREIRA...............23650..........0,44

Relativamente à minha previsão de há dias, é curioso que a soma das percentagens de Cavaco e Alegre batem certo, havendo todavia uma transferência de cerca de 2,5 % de Cavaco para Alegre. Mas eu tenho insistido que, dada a transversalidade do espectro eleitoral destes dois candidatos, poderia haver erros nas previsões sobre eles. Insisti duas vezes: então, quando apresentei as minhas previsões, e hoje, quando apresentei as sondagens à boca das urnas. Também previ mal a distribuição de votos entre Soares e Jerónimo, mas a diferença foi menor, cerca de 1,5%.

Os resultados destas eleições constituem uma derrota pessoal de Mário Soares e uma derrota humilhante para a direcção socialista. A última fase da vida política de Mário Soares tem sido de uma completa falta de dignidade. Foi visível aquando do seu comportamento execrável nas eleições para a presidência do PE, em que foi em extremo grosseiro com a vencedora, Nicole Fontaine. O seu comportamento desprestigiante em sucessivos actos eleitorais, não é compaginável com o estatuto que espera obter da História. Este resultado é mais uma achega para o declive por onde enveredou Mário Soares. Não me parece, todavia, que Soares aprenda com esta lição. Ele tem mostrado que não aprende com os erros que comete.

O resultado de Manuel Alegre é preocupante. Manuel Alegre limitou-se a ser simpático e a dizer banalidades, bem ditas, com simpatia, mas apenas banalidades. Parte da votação em Alegre é um voto de protesto contra Soares, mas parte significativa é a prova de que muitos portugueses ainda não perceberam a situação em que o país está. A trágica situação do país não se cura com tiradas poético-patrióticas, com evocações de mortos ilustres e com banalidades simpáticas. A retórica de Alegre foi anestesiante. E parte do povo português mostrou que quer ser anestesiado, para só acordar quando a tormenta passar.

Cavaco Silva foi o que se esperava dele: um homem sem chama, que não consegue transmitir simpatia, demasiado racionalizado. Ganhou porque muitos o vêem como um D. Sebastião. Ganhou à tangente porque lhe faltou a capacidade de comunicação e porque, na ponta final, Alegre soube melhor protagonizar o tipo de D. Sebastião que muitos portugueses preferem … um D. Sebastião anestesiante …

Finalmente Sócrates mostrou que não sabe perder e, na pele de 1º ministro, não sabe agir educadamente com quem o contraria. Foi de uma enorme grosseria quando interrompeu a declaração de Alegre, esta noite, e foi extremamente grosseiro na resposta à questão sobre o MIT, há dias.

Nota: É incorrecto dizer que Cavaco ganhou por 0,59%. Cavaco teve mais 1,19% que os outros candidatos juntos (um pouco mais de 64 mil votos)

Publicado por Joana às 11:43 PM | Comentários (46) | TrackBack

Sondagens …

RTP/Antena 1 (Católica)
Cavaco Silva - 49% a 54%
Manuel Alegre - 20% a 23%
Mário Soares - 11% a 14%
Jerónimo de Sousa - 8% a 10%
Francisco Louçã - 4% a 6%
Garcia Pereira - 0% a 1%

SIC (Eurosondagem)
Cavaco Silva - 50.4% a 54.6%
Manuel Alegre - 17.7% a 21.5%
Mário Soares - 12.5% a 16.3%
Jerónimo de Sousa - 6.4% a 8.6%
Francisco Louçã - 4.1% a 6.3%
Garcia Pereira - 0.5% a 1.1%

TVI (Intercampus)
Cavaco Silva - 50,0% a 54,8%
Manuel Alegre - 18,4% a 22,4%
Mário Soares - 11,0% a 15,0%
Jerónimo de Sousa - 7% a 10%
Francisco Louçã - 3,4% a 6,4%
Garcia Pereira - 0,3% a 1,5%

A abstenção situar-se-á entre os 35% e os 39%.
Como eu escrevi anteontem, as margens de erro mais elevadas poderão ocorrer em Manuel Alegre e em Cavaco Silva, dado o espectro do seu eleitorado possível. Há todavia uma coisa que já é clara: A estrondosa derrota de Mário Soares. Avizinha-se uma noite das facas longas dentro do PS.

Publicado por Joana às 08:26 PM | Comentários (17) | TrackBack

janeiro 20, 2006

Previsões

As eleições presidenciais são de previsão mais difícil do que muitos julgam. As sondagens mostram tendências, mas há candidatos cuja margem de erro me parece elevada, pelo tipo de eleitorado onde pescam os votantes. Por exemplo, as sondagens sobre a votação em Manuel Alegre poderão revelar-se pouco fiáveis, mesmo feitas à boca da urna. O mesmo, embora em menor grau, se poderá passar com Cavaco Silva. São dois candidatos que recolhem votos de uma forma transversal ao espectro político, o que poderá complicar o tratamento estatístico das sondagens pela dificuldade de detectar alguns padrões. Em qualquer dos casos, resolvi fazer uma previsão. Passei os olhos pela blogosfera e dei-me conta do afã previsional de diversos bloggers e não quis destoar:

Cavaco Silva.............53,0%
Manuel Alegre...........18,0%
Mário Soares.............15,7%
Jerónimo de Sousa.......7,0%
Francisco Louçã..........5,5%
Garcia Pereira.............0,8%

Como escrevi acima, as margens de erro maiores serão as dos dois candidatos da frente, pelo tipo de eleitorado que têm. Erros que depois se poderão traduzir, proporcionalmente, nas percentagens dos restantes candidatos.

Domingo, à noite, veremos.

Publicado por Joana às 07:34 PM | Comentários (71) | TrackBack

janeiro 17, 2006

Mudança de Testemunho

No próximo domingo será eleito um novo presidente, a crer em todas as sondagens feitas até à data. Mas se não for eleito à primeira volta, alguém há-de ser eleito à segunda. Em qualquer dos casos, nas próximas semanas teremos um novo presidente.
A década de Sampaio foi o pior período da história democrática portuguesa, desde a Regeneração, se exceptuarmos o período esquizofrénico da 1ª República. Assistiu impávido à malbaratação dos dinheiros públicos durante o consulado de Guterres, que aproveitou o desafogo pontual fruto da adesão ao euro para criar artificialmente emprego, empolando os efectivos do funcionalismo público em 20%, e aumentando os vencimentos do sector público muito acima da produtividade; assistiu impávido à construção das SCUT’s que só começariam a ser pagas pelo erário público muitos anos depois e durante décadas; assistiu impávido às guerrilhas dos boys guterristas; assistiu impávido à ruína das contas públicas portuguesas. Durante o tempo do pior governo português, desde os tempos da Rainha D. Maria, limitou-se a proferir banalidades ou frases ambíguas, mais próprias da Pitonisa de Delfos que de um PR.

Sampaio assistiu impávido à ruína do país, ruína evidente pelas contas de então, mas mais evidente pelos compromissos assumidos a serem pagos pelas gerações seguintes. E Sampaio tem mais de duzentos assessores, muitos deles economistas. Só começou a importar-se com a Economia quando, com o governo de Durão Barroso, em vez de apoiar as tentativas de redução do défice, lançou o slogan de que «Há vida para além do défice» apoiando objectivamente os interesses corporativos que se encarniçavam contra as medidas de contenção. Só no tempo de Sócrates compreendeu que a vida que havia para além do défice era a vida da miséria e da ruína. Não se percebe como “eminentes” economistas, Teodora Cardoso e outros, lhe apadrinharam as banalidades e as imprudências que debitou sobre a economia portuguesa. Ou percebe-se, se atentarmos que há vida, e boa, para além da ética profissional.

A cena do governo de Santana Lopes é digna de uma república das bananas. Se Sampaio duvidava da capacidade de Santana Lopes, não o deveria ter indigitado, e se a coligação existente não encontrasse alternativa, dissolver então a AR. Em vez disso arrastou a indigitação, sujeitando-a a uma espera interminável e absurda; condicionou a formação e a actuação do governo de uma forma humilhante e contrária aos hábitos constitucionais; declarou por diversas vezes que manteria o governo sob vigilância, o que era um convite aos clamores da oposição e da comunicação social por tudo o que o governo fizesse ou não fizesse e à instabilidade social que tal alarido permanente causaria; promoveu uma contínua instabilidade política, aproveitando todas as ocasiões para dramatizar a vida política.

Ou seja, Sampaio criou um clima de instabilidade política permanente que culminou na sua decisão de dissolução de um parlamento com uma maioria que apoiava o governo em exercício, abrindo um perigoso precedente que pouco ou nada contribui para a estabilidade política do país. E foi uma total insensatez ter constrangido um governo demissionário, que não tinha quaisquer hipóteses de ganhar as eleições, a fazer o OE 2005 que nunca poderia ser mais que um documento para iludir o país na expectativa, defraudada, de dividendos eleitorais.

Sampaio deixa o cargo com o país desmobilizado e desorientado face a uma crise generalizada cuja solução não consegue descortinar. Sampaio foi um presidente fraco, sem prestígio, sem autoridade, banal. Como qualquer político que não tenha responsabilidades governativas e diga banalidades, teve sempre elevados índices de popularidades. Sampaio não deixa saudades, mas os portugueses tiveram o PR que mereceram.

E a saga continua. Os portugueses esperam um D. Sebastião que os tire do atoleiro sem que tal cause transtorno aos seus interesses ilusórios. Os portugueses não pretendem fazer nada nem pelo país, nem por eles próprios. Pretendem a redenção por um milagre. Outros pretendem um PR que diga banalidades, simpático, mas sem ideias, tirando algumas velharias tiradas do baú do politicamente correcto. Por isso Cavaco e Alegre vão à frente nas sondagens. Os candidatos que representam partidos estão na cauda. Um país descrente da política, desmotivado pela coisa pública, foge dos partidos a sete pés.

Talvez Cavaco tenha ideias sobre o que há a fazer. Simplesmente não cai na esparrela de as dizer, porque o eleitorado gosta de ser embalado com ilusões. Tem a experiência recente de Sócrates que foi eleito, mentindo descaradamente, e continua a mentir sempre que julga necessário.

Não se sabe se Alegre tem ideias, aliás não se lhe conhece qualquer ideia para o futuro do país. Em Setembro de 2004 era o líder da ala esquerdista do PS. Agora aposta na simpatia, na poesia e nas banalidades políticas e patrióticas. Um percurso demasiado largo para se lhe reconhecer qualquer consistência.

Sampaio foi o símbolo de uma década de declínio nacional. Mas os portugueses não aprenderam a lição. Quem aprendeu a lição foram os candidatos que tentam servir ao eleitorado aquilo que ele mais aprecia: ilusões … o milagre das rosas … a salvação do país numa manhã de nevoeiro.

Publicado por Joana às 10:59 PM | Comentários (44) | TrackBack

janeiro 16, 2006

A Campanha Presidencial

Não me vou referir à campanha propriamente dita, porque nada há lá que interesse. Louçã e Jerónimo estão na campanha apenas para vender os seus próprios produtos, portanto fazem parte doutro campeonato. Cavaco Silva não sai, nem um milímetro, do guião que a si próprio impôs. Nem deve. Qualquer coisa que ele dissesse politicamente “incorrecta”, cairia o Carmo e a Trindade, desde os outros cinco candidatos, até às centenas de jornalistas que espreitam ansiosos por qualquer deslize. Manuel Alegre diz banalidades patrióticas e aposta na simpatia e na comunicação. Entre o Manuel Alegre de agora, que tem um discurso transversal relativamente ao espectro político português e o Manuel Alegre de há um ano, ponta de lança da ala esquerdista do PS, disputando o cargo de secretário-geral do PS contra Sócrates, vai um abismo. Quanto a Mário Soares, parafraseando a minha avó … já não arrebanha o gado todo. É o melhor que se pode dizer dele.

Vou deter-me apenas propondo dois gráficos para análise. O primeiro, a tracking poll da Marktest, e o segundo, o conjunto das sondagens feitas pelas diversas empresas, desde 19 de Novembro do ano passado.

Relativamente a Cavaco Silva, verifica-se uma relativa estabilidade, embora no caso da tracking poll da Marktest, uma análise de regressão à série temporal pudesse indicar que se a campanha acabasse lá para Maio, talvez ficasse abaixo dos 50%. Todavia, nem a lei o permite, nem a população portuguesa aguentaria tal violência. As diferenças entre Louçã e Jerónimo de Sousa não são muito significativas. As margens de erro devem estar acima das diferenças que lhes são atribuídas.

Quanto à disputa entre Soares e Alegre, a partir da altura em que a máquina partidária do PS (e as sondagens enviesadas da Eurosondagem) entrou em acção, pareceu que Soares descolaria de Alegre. Todavia, ultimamente, Soares tem caído muito e Alegre subido. Note-se contudo que a penúltima sondagem (JN/Pitagórica) dá melhores resultados a Soares que a Alegre.

Apresento em seguida os gráficos para que cada um tire as conclusões, lembrando que sondagens … são apenas sondagens:


trackingpoll-Mt-16.jpg


Sondagens2.jpg

Publicado por Joana às 11:35 PM | Comentários (84) | TrackBack

janeiro 09, 2006

Começou a Campanha

A campanha das presidenciais começou e os candidatos (re)fizeram-se à estrada. Vão ser duas semanas difíceis e muito arriscadas para os candidatos e para as suas comitivas. Há o frio, há a chuva e há as gripes e pneumonias, há as mãos que se apertam, que sabe-se lá por onde andaram, há o interior do país cheio de galinhas e perus que poderão estar engripados, há as estradas de montanha pavimentadas de geada escorregadia, feitas em carros conduzidos por motoristas de estômagos atascados de linguiça assada nadando em vinho, há as feijoadas com entrecosto, repleto de colesterol, e há o efeito das feijoadas na comitiva (por isso, sabiamente, é sempre o candidato que vai à frente - ele não aguentaria o efeito estufa do metano a exercer-se durante duas semanas), há os chãos escorregadios dos mercados repletos de restos de nabiças e escamas de peixe, há os beijos às crianças ranhosas e às peixeiras tresandando a pexum, há o sovacão dos ciganos das feiras, há ... mas se o povo está nos hipermercados e nos centros comerciais, que vão os candidatos fazer para os mercados e feiras? Será por isso que nunca me confrontei com qualquer candidato, em qualquer eleição?

E o mais cómico é que eles começaram a campanha numa altura em que o país já está farto das Presidenciais 2006. Julgo que, em vez de «Portugal Maior», o mote da campanha do Cavaco devia ser «Uma Campanha Menor» ... «Votem em mim e acabem com este sacrifício» ... «Você tem mesmo coragem para aturar uma segunda volta?». Mário Soares já decidiu. Depois de ter batido o recorde mundial da calinada, na declaração de 50 segundos sobre Ribeiro e Castro e o terrorismo, Mário Soares achou que não voltaria a conseguiria um desempenho tão fabulosamente asnático … não quis defraudar os seus apoiantes … decidiu deixar de falar directamente com os jornalistas. Manuel Alegre, confrontado com as angústias do presente e o desespero do futuro, decidiu passar a entoar panegíricos a figuras de antanho. Em 20 de Janeiro deverá estar em Viseu a invocar Viriato. Enquanto isso, Jerónimo excomunga-o por infracção ao segundo mandamento, ao invocar o santo nome de Álvaro em vão. Com as autoridades eclesiásticas não se brinca, sejam da Igreja Católica Romana, sejam da Igreja Marxista Leninista. Louçã (porque será que cada vez que escrevo Louçã, o meu corrector ortográfico o transforma em Louça? ... o torna tão quebradiço e frágil?) continua a entusiasmar os seus apoiantes e a irritar o resto do país com o seu sorriso plástico e trocista.

País que suspira pelo fim deste sacrifício. País que não acredita em políticos e que desconfia do Estado, mesmo quando lhe exige auxílio. Ainda ontem se soube que o regime de repatriamento de capitais lançado pelo Governo apenas vai render aos cofres públicos cerca de 10% dos 200 milhões de euros previstos no OE 2005 e OR 2005. O Governo está perplexo pela falta de adesão a esta medida excepcional de regularização de capitais e agastado pelo facto de, por causa disso, o défice público de 2005 aumentar de 0,1%. Os nossos governos são de uma ingenuidade atroz. É como se um ladrão se surpreendesse por as pessoas porem fechaduras de dupla entrada nas portas e grades de ferro nas janelas. Com Governos que andam permanentemente a mudar as regras fiscais quem é que arrisca jogar limpo? Quando se joga às cartas com alguém que trouxe um baralho viciado, o melhor é fazer igualmente batota e esconder o máximo número de cartas na manga.

Enquanto o Estado não for uma pessoa de bem, dificilmente se confrontará com pessoas de bem.

Publicado por Joana às 10:55 PM | Comentários (71) | TrackBack

janeiro 08, 2006

Uma Campanha Alegre

O grande embate no próximo dia 22 será entre Manuel Alegre e Mário Soares. A candidatura de Manuel Alegre conseguiu um feito surpreendente, a crer nas percentagens que as sucessivas sondagens lhe atribuem. As candidaturas de Alegre e de Cavaco são as únicas transversais a todo o espectro político português, indo buscar votos da ponta direita à ponta esquerda. No caso de Alegre, a punção em algum eleitorado de direita foi conseguida através de um discurso cheio de apelos aos valores nacionais e patrióticos. E o embate entre Manuel Alegre e Mário Soares vai deixar algumas clivagens. A primeira delas já aconteceu com as empresas de sondagens.

Na realidade, esta campanha tem mostrado que há dois grupos de sondagens: o da Eurosondagem e o das outras (Aximage, Católica, Intercampus e Marktest). A diferença entre os dois grupos, no que se refere ao embate entre Manuel Alegre e Mário Soares, não tem qualquer característica aleatória. Há um enviesamento permanente.

No gráfico que se apresenta em baixo indicam-se os diferentes resultados, para cada candidato e, em cada candidato, por cada grupo de sondagens. No caso de Louçã e Jerónimo de Sousa não há diferenças significativas. No caso de Cavaco Silva já há uma diferença clara, que me parece com tendência a esbater-se. Será que Oliveira e Costa já se conformou com uma possível vitória de Cavaco Silva?

Todavia, é nas percentagens atribuídas a Manuel Alegre e Mário Soares que se verificam as diferenças mais significativas. Os valores atribuídos pela Eurosondagem a Mário Soares estão sempre muito acima dos valores atribuídos pelas outras empresas, enquanto que, no caso de Manuel Alegre, sucede exactamente o contrário.

A anunciada descida de Manuel Alegre não me surpreendeu. À medida que as máquinas partidárias começassem a engrenar, a tendência seria para uma diminuição do eleitorado de Manuel Alegre, devida à recuperação dos votos feita sob a influência das máquinas partidárias. As queixas iniciais de Manuel Alegre poderiam ser levadas à conta de “mau perder”. Todavia, após ter visto os recentes resultados da Católica e da Aximage, resolvi analisar os valores das sondagens repartidos por aqueles grupos, e o resultado foi este:

Sondagens.jpg

Relativamente às sondagens realizadas pela Aximage, verifica-se, a partir de certa altura, uma clara inversão das posições de Manuel Alegre e Mário Soares. Todavia não se trata de um tendência permanente, enquanto que no caso da Eurosondagem há uma diferença sistemática e bastante grande, a favor de Mário Soares.

Ora estas sondagens poderão influir nas decisões do eleitorado, principalmente o eleitorado socialista. Na escolha entre Manuel Alegre e Mário Soares, muitos socialistas optarão por aquele que tiver mais hipóteses face a Cavaco Silva. Por isso estas sondagens não são neutras. E se elas tiverem um enviesamento deliberado, então poderemos estar confrontados com uma tentativa de influir uma parte do eleitorado utilizando processos pouco claros. Rui Oliveira e Costa é um dirigente do PS. Está no meio da guerra que opõe parte do aparelho do PS a Manuel Alegre, tem provavelmente algumas telhas de vidro. Não me parece que a imagem dele fique bem nesta fotografia.

Publicado por Joana às 07:48 PM | Comentários (103) | TrackBack

dezembro 30, 2005

O Ano Novo

É costume desejar a todos um ano novo cheio de prosperidades. Não me eximo a fazê-lo. Esses são os meus votos para todos. É possível que, para muitos, na sua vida privada, este novo ano que se avizinha seja próspero. Para o país não o será seguramente. O novo ano vai trazer mais desemprego, vai trazer um crescimento muito menor que as previsões do OE 2006 indicam e vai continuar a levar o país pelo caminho da penúria, com os diversos parceiros sociais dando socos no ar, tentando inventar bodes expiatórios, para alijarem de si próprios a parcela de responsabilidades que têm na situação.

Não me parece que a provável eleição de Cavaco Silva como PR influencie o rumo do país, pelo menos no curto e médio prazo. É preciso haver um total esgotamento político do Governo, para este ficar à mercê de uma intervenção presidencial e não se prefigura, pelo menos no horizonte de 2006, esse esgotamento. Sócrates é um corredor de fundo e tentará adiar com paliativos o inevitável cataclismo económico que se avizinha no horizonte.

Se Cavaco ganhar, uma coisa acontecerá certamente – a guerra fratricida entre Soares e Alegre vai deixar profundas feridas no PS. Muitos dos actuais membros da candidatura de Soares não escondem, à socapa do aparelho socialista, a sua preferência por Alegre. Diversos socialistas, ou próximos, aparentam ser favoráveis a Soares, porque não querem perder os cargos em que entretanto foram providos. O exemplo de Pina Pereira, Director Financeiro da campanha de Alegre e afastado da Companhia das Lezírias é significativo para quem tiver tentações em estar com Alegre. Os apoiantes de Alegre não perdoarão as pressões que o aparelho socialista tem exercido nos militantes, nem a lentidão com que as Juntas de Freguesia PS processaram as certidões de eleitores para instruírem o processo de candidatura, enquanto as de Soares eram na hora. Depois das eleições, se Cavaco vencer, prevê-se um ajuste de contas.

Ajuste de contas potenciado pela situação de crise cada vez mais profunda que o país atravessa. Todas as promessas de Sócrates se esfumaram. Todas as previsões sobre o crescimento económico, desemprego, balança com o exterior vão sendo sucessivamente revistas em baixa. O Governo ou o BP, ou o INE, emitem uma previsão e dois ou três meses depois, revêem-na, com um valor mais pessimista. E assim sucessivamente. Quando for necessário fazer o próximo orçamento rectificativo, aguardo com curiosidade qual a mentira, ou o pacote de mentiras, que Sócrates irá pregar ao país.

Veremos o que acontecerá. Quanto a cada um, individualmente, que o novo ano traga o melhor que for possível … no mínimo que traga saúde, que é o bem mais precioso que temos.

… principalmente num país onde a falta de confiança no SNS, que nos custa os olhos da cara, obriga as mulheres, que o podem fazer, a irem ter os filhos a Espanha, que é o exemplo mais perverso do mau funcionamento do nosso sector público.

Publicado por Joana às 07:01 PM | Comentários (252) | TrackBack

novembro 20, 2005

Humanismos e Trivialidades

Um dos sintomas do atraso da nossa sociedade é a aversão ao trabalho manual (e mesmo ao trabalho tout court). No universo da gente com acesso à instrução, esta aversão reflecte-se na arrogância com que os que se formaram (ou apenas tiveram a frequência) nas áreas ditas humanistas se tomam como depositários da cultura, em oposição aos graduados em áreas técnicas, culturalmente ignaros. Uma retórica recheada alusões filosóficas ou literárias é cultura; discorrer sobre questões técnicas ou científicas é entediante e sintoma de vazio cultural. Carnot é despiciendo perante Rousseau; Niels Bohr ou F. Hayek perante Proust ou Sartre. A retórica, política e publicitária, julga irrelevantes a técnica e a ciência. Os números, em vez de nos levarem à verdade das coisas, levam-nos a abstracções perigosas, como o défice público, que não passa de um economicismo que visa a degradação dos trabalhadores, que só podem ser salvos por uma eloquência despojada de números e de dados científicos e técnicos.

Todavia, nos dois grandes momentos de formação do nosso pensamento, na Grécia Clássica e no Renascimento, aquela antinomia não existia e a sua inexistência foi fecunda para o desenvolvimento da nossa civilização.

O nascimento da filosofia grega aparece solidária com duas grandes transformações mentais: um pensamento positivo e um pensamento abstracto, rejeitando a assimilação estabelecida pelo mito entre fenómenos físicos e agentes divinos. Alguns dos filósofos pré-socráticos eram mercadores (*) e o aparecimento da moeda e de uma economia mercantil, na qual os objectos se despojam da sua diversidade qualitativa (valor de uso) e só têm um significado abstracto de uma mercadoria semelhante a todas as outras (valor de troca) concorreu para a formação de um pensamento sincrético onde o amor à sabedoria (filosofia) tinha como indispensável o alicerçar-se na vivência prática e na técnica.

O nascimento das Universidades (e a posterior eclosão do Renascimento) veio suprir a necessidade de conhecimentos que habilitassem a burguesia emergente a gerir os seus haveres e a aumentar a sua cultura. Confluíram portanto nesse processo uma maior valorização da cultura e a necessidade de uma educação mais prática do que aquela que a teologia escolástica dava. As "humanidades", tal como estes estudos eram conhecidos, aliavam a teoria à prática (a teoria e a prática possíveis para a época). Os humanistas eram aqueles que ministravam estes programas e aqueles que se distinguiam pelo saber e capacidade profissional nessas matérias.

Abro um parêntese para um facto curioso e … sintomático. Os currículos estavam divididos no Trivium (Retórica, Dialética e Gramática), mais virado para a eloquência e vida mundana, e no Quadrivium (Geometria, Música, Astronomia e Aritmética), de carácter científico. Trivium, em latim, significa também cruzamento viário (literalmente 3 vias) e, por extensão, local mal frequentado, coisa reles, etc.. A nossa palavra trivial tem a mesma etimologia que a área de ensino que se dedicava à retórica e à eloquência.

Com o tempo o humanismo das universidades medievais degenerou num culto puramente retórico e formal do classicismo, voltado para uma erudição que carecia de vitalidade criadora. O iluminismo e a Revolução Industrial restabeleceram, num nível superior, o papel da ciência e da técnica na vida cultural e civilizacional. Todavia, na nossa sociedade, e no mundo latino em maior ou menor grau, essa erudição carecida de vitalidade criadora continua a ser a imagem de marca daqueles que pretensiosamente se atribuem o epíteto de “humanistas”. Combatem a racionalidade baseada na ciência e na técnica, alegando que esses fundamentos a desumanizaram, quando na realidade estão a fazer apelo ao irracionalismo e à eloquência frívola. Consideram-se “humanistas” quando, efectivamente, estão a castrar o humanismo da sua componente técnica e científica que esteve na base dos momentos decisivos da formação do nosso pensamento e da nossa civilização.

Não são humanistas, são apenas triviais.

O caso assume proporções mais despropositadas com a assunção de humanista por Mário Soares quando o que se conhece publicamente da sua vertente cultural, ou “humanista”, é ter uma boa biblioteca, ser visto com muita gente do mundo cultural e ter apetência por frequentar ou estar associado à promoção de eventos culturais. Todavia não é suficiente ter uma boa biblioteca para se ser culto: também é preciso ter lido os livros. Não é suficiente conhecer e frequentar muita gente dos meios culturais: a cultura não se absorve por osmose.

Ah! … e estar licenciado numa disciplina do Trivium …


(*) Por exemplo, Tales de Mileto, o fundador da Escola Jónica, mercador de azeite, prevendo uma farta colheita de azeitonas, alugou todos os lagares da região e subalugou-os depois a um preço muito mais elevado aos próprios donos!

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novembro 14, 2005

Back to the Future

Cavaco Silva afirmava que só lhe interessava o futuro; Constança Cunha e Sá só se preocupava com o passado. Quanto mais Cavaco se distanciava na preocupação pelo futuro, mais Constança se embrenhava no passado remoto. Quando acabaram, estavam meio século afastados um do outro. Constança Cunha e Sá deve estar indisponível para próximas entrevistas ou comentários, a menos que Robert Zemeckis a traga Back to the Future.

Publicado por Joana às 09:44 PM | Comentários (93) | TrackBack

novembro 10, 2005

A Múmia, a Esfinge e a Sopeira

Admiro intensamente a evolução política e cultural de Mário Soares. Há meia dúzia de anos, quando concorreu contra Nicole Fontaine para a presidência do Parlamento Europeu, qualificou-a como dona-de-casa, dando a entender que o lugar adequado para a advogada francesa seria o lar, a passajar as peúgas e a fazer cassoulet para o jantar do marido e do filho. Continuo sem perceber como foi possível o PE, perante as duas candidaturas, a do eminente humanista e a da despicienda sopeira, ter optado pela sopeira. São escolhas destas que envergonham as instituições, fragilizam as famílias e lançam a filharada na delinquência, a incendiar carros nos subúrbios de Paris.

Mário Soares entretanto evoluiu. Agora já não está na fase da divisão de trabalho no seio da célula familiar – evoluiu para sociologias mais vastas, ligadas às civilizações dos grandes rios. Passou de troglodita a felá – Qualificou Cavaco como uma Esfinge.

Mário Soares está obcecado pela rigidez marmórea de Cavaco, lá longe no deserto, esfíngico, insensível ao simum que o varre de acerados grãos de areia, indiferente à cáfila que se alonga no horizonte, os camelos bamboleando-se ao som das melopeias dos guias especializados em retórica cameliana.

Essa obsessão é perfeitamente legítima. Segundo o patriarca da nossa democracia, e das sopeiras que cursaram Direito e se sentam no PE, aquela mudez granítica e injusta está a "privar da palavra" os outros candidatos. Ora os candidatos, principalmente o nosso Matusalém, precisam com urgência de matéria sobre que se pronunciarem. Sem isso ficam imerecidamente privados de assunto, vazios de ideias. Ora o único assunto, a única ideia, a única causa, é Cavaco. Com Cavaco petrificado lá longe nas areias do deserto, escasseiam os assuntos, as ideias e as causas. Se esta imobilidade perniciosa persistir, é a própria democracia que está em perigo. Corremos o risco de, em futuros debates televisivos, vermos os candidatos, falhos de assunto, aguardando desalentados por algum pronunciamento de Cavaco, iludirem entretanto a espera com uma partida de bridge, Jerónimo de Sousa sempre a Este e Mário Soares a fazer de morto.

Esgotadas as vozes sobre os poderes presidenciais, a profissionalização, etc., restam as vozes mais prosaicas, mas mais lúdicas, de 2 Sem Trunfo, 4 Espadas, Passo, Dobro... . Oeste bate a carta de saída, Mário dispõe as cartas na mesa e afunda-se docemente no reino na República de Morfeu.

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outubro 23, 2005

Os Poderes do Presidente

Bizantinices eram os debates fúteis e furiosos a que se entregavam as elites e a população de Bizâncio, em vez de resolverem as tarefas urgentíssimas que tinham pela frente, entre elas a de conterem a ameaça turca. E continuaram esses debates estéreis enquanto os turcos já assediavam a cidade. A palavra bizantinice alargou entretanto o seu conteúdo semântico às discussões fúteis a que se entregam elites e povos quando, incapazes de resolverem o essencial, se deixam fascinar pelo supérfluo. Por exemplo, a questão dos poderes presidenciais, é uma bizantinice.

A actual constituição prevê um sistema híbrido, cuja delimitação nem sempre é rigorosa e que se tem prestado a interpretações e coabitações diversas. Basta lembrar o último mandato de Soares, que foi passado a criar embaraços a Cavaco Silva, ou as relações de Sampaio com Santana, que depois de lhe condicionar o elenco do executivo, o empossou com um discurso destabilizador, armadilhou-lhe o percurso governativo e levou-o à demissão na altura que julgou adequada. Conferir mais poderes ao presidente irá criar mais situações de conflitualidade, numa altura em que o país precisa de estabilidade.

Dar mais poderes implicaria o PR assumir tarefas governativas. É compreensível que, na crise em que o país está imerso e na falta de confiança que o povo tem na classe política, surjam tentações de apostar numa autoridade forte, com capacidade de decisão. Todavia, comprometer outro órgão de soberania nas tarefas da governação é banalizá-lo progressivamente.

O eleitorado tem tendência a privilegiar o curto prazo e em evitar soluções que prejudiquem os seus interesses mais imediatos. Neste entendimento, a aposta num maior presidencialismo não decorre de uma visão racional da vida política e democrática, mas de um messianismo que se revelaria estéril e contraproducente para a solução dos problemas nacionais. Estéril porque logo que o PR fosse implicado na tomada de decisões governativas, deixaria de ser o Messias e passaria à figura banal de ser mais um governante cuja imagem se degradaria quotidianamente nos painéis de sondagens.

O PR, actualmente, em matéria de decisões governamentais, é uma Vestal da política. Assim que se assumir como decisor governativo, perde a virgindade política. Sai do Templo de Vesta e cai na Rua do Benformoso.

A capacidade de intervenção do PR em matéria governativa deve fazer-se de forma indirecta, pela chamada “magistratura de influência”. Apenas isto. Mais do que isso seria criar dois órgãos com os mesmos poderes e igualmente legítimos, cuja coabitação se poderia revelar conflituosa.

O povo português tem que se convencer que escolher uma maioria, e portanto um governo, implica responsabilidades. E responsabilidades mútuas. Essa maioria deve resolver os problemas do país e o eleitorado deve ser responsabilizado pela decisão que tomou. O eleitorado vira-se para o messianismo como para uma varinha mágica. O eleitorado quer tomar uma decisão e acordar no dia seguinte com os problemas do país resolvidos, sem ter que passar pela via dolorosa das medidas que irão solucionar esses problemas.

O povo português tem que se convencer que terá que ser ele próprio a criar condições para resolver os seus próprios problemas. Nesse entendimento, nestas eleições, deverá escolher o PR que assegure que usará a sua magistratura para criar um clima de estabilidade e credibilidade nas instituições e que agirá no sentido de corroborar, ou de influenciar, se for caso disso, a tomada de decisões que sejam positivas para a saída da crise. Mas não deve esperar, nem pretender, mais que isso.

Não quero com isto afirmar que a questão do regime deva estar encerrada. De forma alguma. Mas a questão do regime, como outras que envolvam matérias constitucionais, ou simplesmente legais, devem ser dirimidas de cabeça fria, sem a pressão dos acontecimentos. A actual questão da possibilidade do aumento dos poderes presidenciais pôs-se mercê do clima de depressão política e social que o país atravessa. E esse clima não é propício a soluções constitucionais ou legais satisfatórias e coerentes.

Colocar agora esta questão, é uma bizantinice.

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outubro 21, 2005

Não me Resigno

“Não podemos resignar-nos a esta situação. Eu não me resigno”. É uma frase forte. É uma frase que se dirige certeira a um país deprimido, que perdeu a confiança nos dirigentes políticos, que perdeu a confiança nas suas instituições, que perdeu a confiança em si próprio. É uma frase que consubstancia tudo o que o país pode aspirar de momento: não se resignar. É uma frase enxuta, sem retóricas adicionais que a embelezassem literariamente mas lhe obscurecessem o vigor.

Muitos o acusarão de tentar protagonizar uma figura messiânica, um D. Sebastião surgindo do nevoeiro – mas não é isso que os portugueses procuram desesperadamente? Alguns acusá-lo-ão de ter ajudado à construção deste Moloch que nos esmaga actualmente – mas não foram essas medidas que lhe deram as maiorias absolutas como 1º Ministro? É acusado de não ter uma visão liberal da economia – é um facto; mas não foi no seu consulado onde se deram os passos mais significativos e decisivos na liberalização da economia portuguesa? É acusado de ser de direita e ter tomado medidas anti-populares – mas não foram essas medidas alegadamente anti-populares que lhe permitiram recolher votos em todos os quadrantes políticos? É acusado de se colocar numa postura supra-partidária – mas não há uma náusea generalizada no nosso país face à partidocracia? Aquilo de que é acusado é o que lhe dá força eleitoral.

Cavaco regressou, depois de uma travessia do deserto, em que a crise dos 3 últimos anos da sua governação foi esquecida e submersa pela enxurrada dos maiores disparates governativos que o país alguma vez havia assistido. Cavaco cometeu erros, mas quem arrastou o país para o abismo foi quem lhe sucedeu. A memória dos erros de Cavaco foi apagada pelos disparates dos sucessores. E regressou com a lição sabida: frases simples, enxutas, directas, sem floreados. Não precisa de grandes promessas, basta-lhe falar em estabilidade, confiança, credibilidade e mobilizar as energias nacionais. A diferença entre a banalidade e a consistência daquelas palavras não está nelas próprias, mas em quem as profere. Na situação actual do país, aquelas palavras, ditas por Cavaco, oferecem consistência, são eficazes. Resta saber se não se banalizarão. Tudo dependerá do faro político de Cavaco Silva.

Publicado por Joana às 07:49 PM | Comentários (171) | TrackBack

setembro 01, 2005

Contra o Pessimismo

É um facto. Soares é o candidato contra o pessimismo que reinava no PS sobre as consequências das presidenciais. A decisão inédita de Sampaio de dissolver uma AR, onde uma maioria estável apoiava um governo, por razões de discordância política, abriu a porta à possibilidade, já existente mas até então nunca utilizada, de um qualquer PR dissolver uma AR de cor contrária e demitir o executivo que governava com o seu apoio. O PS andou a vender ilusões na campanha eleitoral mas, quando governo, confrontou-se com a dura realidade da situação económica e financeira. Teve que “meter as promessas na gaveta” e fazer tudo ao contrário do que prometera. Essa situação tornou-o vulnerável a um “Sampaio” de cor contrária.

Soares representa o regime ancilosado da 3ª República. Representa todo o lastro que se acumulou nas instituições e mentalidades e que terá que ser jogado fora se o país quiser singrar na via do progresso. Soares afirmou que está a ver “instalar-se um pessimismo quanto ao futuro da pátria”, todavia esse pessimismo resulta justamente dos portugueses verem o impasse em que o país se encontra. Ora esse impasse, embora tenha uma culpa generalizável a toda a classe política, é protagonizado pela esquerda que empurrou Soares para esta candidatura. Soares é o candidato do impasse institucional, do projecto de empobrecimento colectivo em que vivemos e que tem sido referendado pelo eleitorado, por acreditar em mentirosos e por receio da mudança para uma sociedade e uma economia abertas às quais tem sido avesso há vários séculos.

Soares afirma que há “um indiferentismo por tudo o que ultrapassa os interesses mais imediatos de cada português”, mas essa afirmação é contraditória com o facto da candidatura dele se inserir na linha que tem levado Portugal a impasses sucessivos e que tem provocado esse indiferentismo. Soares porta-se como o dealer que se abeira de adolescentes pedrados e lhes diz carinhosamente: vocês estão mesmo em baixo … tomem lá mais estas doses para ver se arribam. Aliás é significativo que Carvalho da Silva, um dos protagonistas dos “interesses mais imediatos” dos portugueses, tenha enviado uma carta considerando a candidatura de Soares muito positiva.

O ponto alto do ilusionismo político foi quando Soares afirmou que “Todos sabem que não é a ambição que me move, nem muito menos a ambição do poder”, nomeadamente para uma assembleia que sabia exactamente o contrário, mas que se entusiasma ao rubro com frases como aquelas, apenas porque são “vendáveis”, … são fixes. Depois de 30 anos de mentiras, aquela assembleia de refractários à mudança já não consegue distinguir a mentira da verdade, pois apenas distingue o que é útil à manutenção do statu quo do que lhe é nocivo.

Como candidato da estagnação e da conservação dos interesses instalados, Soares não poderia deixar de avançar com a ladainha de que “Para lá do défice há outras realidades. O que conta, finalmente, são as pessoas e a sua determinação em lutar”. Foi o que Sampaio andou a dizer, até ser obrigado a dizer exactamente o contrário. Aliás Sampaio acabou por provocar a demissão de um governo por este, alegadamente, não estar a ser rigoroso com o défice e enveredar por um laxismo orçamental. Aquela frase é perversamente oca, pois pretende iludir as pessoas sobre o estado do país agitando-lhe emoções e apelando ao irracionalismo estéril e sem saída. A alguém endividado, e à beira da insolvência, não se deve dizer que para além da dívida há outras realidades, pois o que importa é ele ser uma pessoa e estar determinado em lutar, principalmente se até agora essa pessoa apenas tem estado determinada em lutar para continuar a viver acima das suas possibilidades, aumentando continuamente a dívida. As pessoas vencem as crises se forem confrontadas com a realidade e não embaladas nos cantos de sereias dos vendilhões políticos.

Finalmente, quanto à citação de Fernando Pessoa, acho que ela é apropriada à próxima eleição presidencial:
Mais do que isto
É Jesus Cristo
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca

Aqui os dois candidatos (admitindo que Cavaco seja candidato) estão igualados. Cada um é especialista na fraqueza do outro. Cavaco é especialista em saber de Finanças e Soares é especialista em ter uma biblioteca.

Publicado por Joana às 06:25 PM | Comentários (128) | TrackBack

agosto 31, 2005

A Política Artística

A nossa relação com a Arte não pode ser o pragmatismo utilitarista de querer compreender a mensagem que transmite. Nem a tentativa materialista de a obrigar a explicar-se. A Arte sente-se. A Arte possui-nos. Quando contemplamos uma obra de Arte é para ela nos possuir, nos avassalar, nos transportar nas asas do desejo, não para se aviltar entregando-nos um mero rol das pinceladas (ou frases), tendo à frente de cada uma o seu significado exacto. Isso faz-se num hipermercado ou num curso de correspondência para Guias Turísticos. Manuel Alegre é um artista da retórica. Ontem, em Viseu, no horário nobre, produziu uma obra de Arte. Como todas as obras de Arte ficou incompreendida. Ao fim da noite, todos os comentadores políticos se interrogavam sobre o significado daquela brilhante peça de retórica, com o desalento de um cicerone que acabou de perder a cábula explicativa do significado dos objectos expostos no Museu.

O próprio Manuel Alegre, questionado sobre o significado da alocução que havia proferido, ficou irritado, como qualquer artista a quem tentam pressionar para explicar o significado da sua Arte. Pobres ignaros … a Arte é intangível … a Arte sente-se, não se explica. Nem o próprio a consegue explicar: “Não me cabe a mim estar-me a interpretar-me a mim mesmo”. O artista exprime o que sente. Cabe aos outros captarem essa sensação. O que uma obra de Arte tem de sublime é a sua abrangência sensorial. Cada um sente-a e percepciona-a de forma diferente. E cada vez que se abeira dela tem uma sensação diferente e, às vezes, contraditória. É essa a riqueza artística que não pode espartilhar-se numa semântica qualquer, simplista e redutora.

Foi por isso mesmo que cada um dos seus apoiantes percepcionou aquela peça retórica atribuindo-lhe um significado diferente. A riqueza essencial daquela peça artística mede-se pelo facto das cem pessoas, que a aplaudiram de pé, no fim da execução, terem todas tido uma percepção diferente e contrária do seu significado. E o mesmo aconteceu com todos os comentadores da comunicação. Belíssimo – dizia extasiado o MST – só não percebi o que ele queria dizer, com o mesmo ar de quem vê a Gioconda pela primeira vez, e exclama com entusiasmo: Belíssima … só não percebo porque é tão pequena.

Apenas os órgãos dirigentes do PS tiveram uma e única percepção. Tal decorre da capacidade sensorial própria do chefe do Armazém do Museu: Essa peça mede 144x89 e é para arrumar no desvão da escada nº 5 junto às outras peças do mesmo artista produzidas no Outono passado … mantenham o alinhamento das alturas. É uma percepção diferente, mas tem a vantagem de ser incontestável do ponto de vista matemático e de gestão de Stocks.

Publicado por Joana às 04:57 PM | Comentários (56) | TrackBack