Clinton, anteontem, na cimeira dos estadistas na situação de reforma, dirigindo-se aos que estariam preocupados com a actual direcção da política americana, citou Churchill:
«Os EUA fazem sempre aquilo que está certo, depois de esgotarem todas as outras alternativas.»
A capacidade de Churchill de sintetizar conceitos complexos em frases curtas, conjugando o rigor, o espírito e a subtileza oratória não tem paralelo na retórica política. Churchill respondia àqueles que, nos dois primeiros anos da 2ª Guerra Mundial, se inquietavam sobre qual iria ser a posição americana e se os EUA iriam intervir militarmente.
A frase de Churchill é admirável pela forma como espelha os avatares da política americana, quer nesse período terrível, em que o Reino Unido resistia sozinho à monstruosa máquina de guerra nazi, quer a generalidade das acções políticas americanas no após guerra, nomeadamente nos erros cometidos ao dirimir a questão iraquiana.
Clinton portou-se nessa cimeira como grande estadista que é, mostrando porque foi um dos maiores presidentes americanos, sabendo que ali deveria ser um político americano acima das dissensões internas, e guardando as críticas à administração Bush para o discurso que proferiu, nesse mesmo dia, na abertura da convenção do Partido Democrático. Mas mesmo aí criticou pela positiva, abstendo-se de palavras que pudessem pôr em causa os objectivos mais genéricos da política americana e da luta contra o terrorismo. Criticou os métodos, não os objectivos.
Todavia aquela frase de Churchill é de uma complexidade demasiada subtil para ser tranquilizadora. Quantas alternativas irá ainda esgotar G W Bush antes de acertar? E se Kerry ganhar, quantas alternativas irá ensaiar até acertar?
E será que o povo americano considerará Kerry uma alternativa viável a Bush? Bush tem perdido popularidade pela forma como tem conduzido a guerra contra o terrorismo e a intervenção no Iraque. A questão que se coloca é que Kerry não tem dado ao eleitorado americano, até agora, uma imagem de firmeza e segurança.
O eleitorado americano vê-se assim perante duas alternativas muito pouco motivadoras. O popular apresentador do Daily Show, Jon Stewart, ferrenho opositor de Bush, reconhecia há semanas, desolado: «Porque será que uma verdade proferida por Kerry parece mais idiota que uma mentira de Bush?».
O vírus de Nilo atacou esta semana em duas frentes. Este ataque dá que pensar e temer dadas as distâncias enormes no eixo do espaço e no eixo do tempo que separam aquelas duas ocorrências. Um dos ataques ocorreu no Algarve em 2004, o outro ocorreu nas margens do Tigre, em 323. O primeiro teve como alvo 2 turistas irlandeses e o segundo, mais mortífero, liquidou Alexandre Magno, que estava então em Babilónia, na dupla qualidade de turista e conquistador.
O Público de hoje refere com bastantes pormenores estas duas acções deletérias do vírus de Nilo. A simultaneidade da notícia não permite interpretações ambíguas: foi um ataque concertado mesmo atendendo às distâncias espaciais (4 mil kms) e temporais (24 séculos) das duas frentes de ataque. Essa concertação extrai-se naturalmente do Público de hoje de J Almeida Fernandes e explica-se cientificamente pela Relatividade Restrita de Einstein.
E há mais e evidentes factores comuns que estabelecem um iniludível nexo de causalidade. Um deles é sobejamente conhecido: turistas irlandeses e Alexandre Magno têm um historial de excessivo consumo de álcool.
Não se sabe, todavia, no que respeita aos turistas irlandeses, se eles estariam no Algarve apenas como turistas ou se, no seu íntimo, não estariam a perpetrar algum plano de conquista. Se tal se verificasse, isso quereria dizer que o vírus de Nilo ataca preferencialmente quem acumula a tripla característica de turista, alcoólatra e conquistador.
Igualmente os laboratórios e os cientistas ainda estão indecisos sobre a responsabilidade daqueles dois ataques. O vírus de Nilo poderá estar a ser acusado injustamente. Em qualquer dos casos, como ao vírus de Nilo escasseia a capacidade de demanda judicial por difamação, quer o Público, quer Semiramis podem estar tranquilos ao pronunciarem estas acusações.
Há uma diferença que foi entretanto detectada: enquanto os nossos brandos costumes tornaram benigna a estirpe portuguesa do vírus de Nilo, na Mesopotâmia é o oposto ... basta ligar diariamente a TV e ver o clima de violência que afecta aí homens, bestas e, por extensão, o vírus de Nilo, afinal vítima inimputável da degradação da vida social naquelas paragens.
Portanto quem pretender demandar plagas distantes com o duplo intuito de turista e conquistador, que se cuide! E não beba! O vírus de Nilo espreita atenta e pacientemente.
Marcelo Rebelo de Sousa reencontrou a sua Estrada de Damasco, que em versão menos bíblica se pode traduzir por «voltaram a pô-lo nos carris».
É o que sucede quando um analista mistura as suas convicções partidárias ou os seus ressentimentos nas análises políticas que faz. No domingo anterior (18/7), um Marcelo ressentido havia ressumado o seu ódio a Santana Lopes. Com aquele talento de velhaco genial, que ninguém lhe pode negar, Marcelo vandalizou o ministério todo e, enquanto destruía cada ministro, enquanto ministro, um a um, lentamente, com requintes malvados, elogiava empolgado as qualidades pessoais de cada um e emocionava-se com a extremosa amizade que o unia a cada um deles. Foi um dos momentos mais altos da TV portuguesa, o talento da argumentação jesuítica elevado ao seu máximo requinte.
Este domingo (25/7) Marcelo Rebelo de Sousa, ex-Presidente do PSD, foi elogioso em extremo do novo elenco dos secretários de Estado. A própria Teresa Caeiro era excelente, havia feito um óptimo trabalho na Segurança Social e certamente que ... enfim ... É claramente uma secretária de Estado Todo-o-Terreno, com talento para tudo o que seja governação. O seu único problema foram aquelas precipitações usuais de Santana Lopes, Paulo Portas e Cia.
Depois do que havia afirmado no domingo anterior, e face ao risco de alguém ainda se lembrar do mal que havia dito dos ministros, viu-se constrangido a declarar que o elenco dos secretários de Estado era de melhor qualidade que o dos ministros.
Apesar do seu talento e habilidade de comunicação, parece-me que foi pior a emenda que o soneto. O elenco ministerial tem algumas fragilidades, mas o elenco dos secretários de Estado também as terá e porventura maiores. O governo actual reflecte a rapidez que Santana Lopes pôs na sua constituição e a dificuldade actual em convencer gente capaz a assumir cargos governativos.
Uma coisa poderá salvar Santana Lopes: a fasquia das expectativas foi colocada tão baixa, tão baixa, que só pode haver surpresas positivas ... o negativo deixou de ter a característica de surpresa.
Já agora permitia-me uma reflexão algo imodesta. Quem leu os meus textos durante a crise certamente não notou qualquer pirueta, qualquer inflexão. Nunca tive necessidade de me desdizer ou de me fingir distraída face a qualquer afirmação contrária que houvesse proferido entretanto.
Muitos me atribuem objectivos partidários. Mas colocar rótulos é uma táctica de desvalorizar o debate, afastando-o do que é essencial. A coerência da linha de análise que tenho mantido neste blog, desde que ele existe, resulta justamente de me orientar pelo que considero o interesse do país e da prosperidade do nosso povo e não pelo interesse partidário, ou por ressentimentos pessoais, como Marcelo Rebelo de Sousa. Essa minha orientação reflecte-se, obviamente, nas opções políticas que apoio conjunturalmente. Apoio que muitas vezes não significa concordância plena, mas apenas a escolha do mal menor.
Esta sequência de artigos a que me referi pode ser encontrada clicando nos títulos respectivos na coluna da direita.
Há pouco menos de um ano escrevi um texto, Fatal como a ignorância, sobre esta matéria. Infelizmente aquilo que parece uma evidência para mim e para a quase totalidade da população rural, não o é para as nossas autoridades que nos desgovernam, para os nossos ambientalistas que nos desgraçam e para os nossos intelectuais que parasitam os nossos órgãos de comunicação social.
Toda aquela caterva de ignorantes auto-convencidos deveria colocar-se as seguintes questões:
Porque é que, de ano para ano, de há muitos anos para cá, os meios de combate aos incêndios têm vindo a aumentar em quantidade e em qualidade e os fogos são cada vez maiores e mais incontroláveis?
Porque é que é justamente nas áreas protegidas que o fogo se ateia e progride com mais intensidade, que é mais difícil combatê-lo e circunscrevê-lo?
Porque é que há uma forte correlação entre o aumento das áreas protegidas (REN, Rede Natura, Biótipo Corine, etc.) e o aumento dos incêndios em quantidade e sobretudo em poder de devastação?
Em primeiro lugar há uma questão estrutural que se refere à progressiva e acelerada desertificação rural cujo processo tem que ser parado e fazê-lo regredir. Escrevo desertificação rural e não desertificação do interior porque o abandono da agricultura e da silvicultura acontece no interior, mas também no litoral, mesmo nas imediações dos grandes aglomerados urbanos.
As terras têm que ser limpas e tratadas. As matas e florestas têm que ser limpas. O nosso país tem que ser amanhado e cuidado. Não podemos deixar os campos agrícolas transformarem-se em baldios e as florestas encherem-se de mato e ficarem absolutamente intransitáveis. É claro que o grau de abandono a que chegaram os campos e florestas portuguesas não permite que de um ano para o outro a situação seja reposta. É por isso que temos de começar já. Há que haver planos de fomento rural, no sentido de repovoar o interior e fomentar a agricultura e silvicultura em todo o país.
Mas o que é mais inquietante, verdadeiramente criminoso, e por isso mesmo de solução mais rápida e radical é a questão das áreas protegidas. Aqui confluem dois tipos de erros monstruosos:
1 A incapacidade e a incúria do Estado português em tomar conta daquilo que tem a seu cargo;
2 Os mitos estúpidos e criminosos dos ambientalistas que parasitam o aparelho do Estado, nomeadamente os organismos tutelados pelo Ministério do Ambiente, e parasitam a Comunicação Social, de onde apoiam as acções e inacções dos primeiros e promovem os álibis para mascarar as realidades dos factos.
Uma das ideias peregrinas dos ambientalistas e amigos dos animais foi a de que a limpeza das matas e florestas destrói a biodiversidade. Não me refiro obviamente às queimadas, mas à desmatação, ripagem e frezagem executadas por meios mecânicos.
Muitos agricultores se queixaram, no rescaldo das incêndios do ano passado, que tinham sido impedidos de tratarem das matas por exigências de técnicos do Estado. O Estado não trata das matas, nem deixa tratar! Os técnicos que o fizeram, no seu desdém pela ignorância dos rurais, ainda não se devem ter dado conta da sua actuação criminosa, pois para eles apenas contam os imortais princípios da defesa da biodiversidade. Mesmo que o resultado seja o aniquilamento dessa biodiversidade. Mas aí há um alibi forte: a culpa é dos outros - quem pegou fogo, a mão criminosa, falta de meios dos bombeiros, etc..
Ainda ontem um dirigente da Quercus, Francisco Ferreira, difundia nos meios de comunicação a teoria de que a culpa do fogo que devastava o Parque Nacional da Arrábida era de um deficiente ordenamento, pois havia gente que havia construído casas nas imediações da paisagem protegida e, portanto, os bombeiros tiveram que dar prioridade à contenção do incêndio junto às casas em vez de mobilizarem todos os seus meios no ataque ao fogo no Parque.
Portanto, para este inteligente líder ambientalista e para os meios de comunicação que lhe difundem as teorias, para além da área protegida, terá que haver uma área de protecção à área protegida, onde o fogo pode devastar tranquilamente, enquanto os bombeiros atacam no centro da área protegida. Todavia, como as áreas protegidas em Portugal têm uma inusitada propensão para arderem, no próximo e irremediável incêndio pôr-se-á novamente a embaraçosa questão da contenção do fogo que ameaça as casas nas imediações da área de protecção à área protegida.
Mas tal não embaraçará Francisco Ferreira que exigirá então uma nova área de protecção à área de protecção à área protegida ... e assim sucessivamente.
Ora foi claro que a devastação do fogo deveu-se ao facto de os bombeiros não poderem penetrar na área protegida porque a densidade de mato e dos arbustos tal o impediu. Aliás se a área protegida estivesse realmente protegida, isto é, tratada e desmatada, provavelmente nem se atearia o incêndio. E se se ateasse, os caminhos corta fogo dificultariam a propagação do incêndio e facilitariam a movimentação dos bombeiros e dos seus meios de combate ao fogo. Mas a Quercus nunca poderá reconhecer isto. Os ambientalistas, e os meios de comunicação que lhes dão cobertura, hão-de defender a biodiversidade e todos os seus mitos insensatos até à devastação total das áreas protegidas portuguesas.
Não é possível erradicar a piromania e a negligência, embora possam ser minoradas com campanhas e acções preventivas. Portugal não tem, por si só, mesmo que respeitasse o protocolo de Quioto, capacidade de alterar as condições climatéricas. Portanto, a mão criminosa e a canícula são dados do problema. Neste entendimento tem que apostar na prevenção, criando condições para que os incêndios, quando se deflagram, sejam controláveis e não adquiram as características de catástrofes incontroláveis, como tem acontecido nos últimos anos. Na situação em que as florestas e áreas «protegidas» se encontram nunca haverá meios humanos e materiais suficientes. Quem julga isso é porque nunca viu mato a arder no Verão.
No nosso país, em face de uma calamidade, para acalmar a opinião pública, cria-se um instituto ou uma agência, e legisla-se. Legisla-se muito e afincadamente. Com um organismo estatal e umas leis e portarias o país e os governos ficam tranquilos. Por isso alguns acusam a lentidão da instalação da Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais ou da promulgação de uma lei salvadora como causas dos recentes incêndios devastadores. Puro disparate. Para que servem agências (aliás, já existe o Sistema Nacional de Prevenção e Protecção da Floresta contra Incêndios) e leis se o próprio Estado, através dos organismos que tutela, não é capaz, por desleixo e/ou em nome dos imortais princípios, de efectuar a prevenção nas áreas «protegidas» que estão à sua guarda e protecção?
E assim passaremos os verões, até ganharmos juízo, a bramir contra o calor, contra as mãos criminosas, contra a descoordenação e falta dos meios, etc. contra a nossa impotência.
Apenas damos socos no ar.
Tem-se discutido, a propósito da Constituição Europeia, se se deve incluir ou não o papel do cristianismo na formação europeia. Esta discussão foi colocada, quer por ignorância, quer sobretudo por proselitismo, pró e contra, num contexto absolutamente errado.
O Direito e Jurisprudência romanas foram elementos fulcrais para a fundamentação do Estado de Direito e do governo limitado nos seus poderes. Todavia, se não fosse a existência da Igreja Romana todos esses conceitos seriam hoje apenas história e a Europa, politicamente, não se diferenciaria significativamente do mundo islâmico mais atrasado. Vejamos porquê:
No mundo romano da época da decadência, os conceitos relativos ao Estado de Direito e ao governo limitado tinham esvaziado a sua substância com a queda da república, transformando-se, pouco a pouco, em meros procedimentos ritualizados e acabaram desaparecendo face à orientalização do absolutismo monárquico.
Constantino, o primeiro Imperador cristão, mudou a capital de Roma para a vilória de Bizâncio, que ele engrandeceu e transformou na nova capital da România. Pretendeu criar uma capital sem os vícios republicanos e sem uma história plena de referências ao Estado de Direito. Levou para lá a sua corte e os dignitários mais relevantes. Uma personalidade não o acompanhou: o Bispo de Roma.
Ora esta decisão teve enorme importância histórica. No oriente, os patriarcas de Constantinopla, Antioquia, Alexandria, etc., tornaram-se reféns do poder do Estado. A Igreja Oriental ficou sob o controlo do Estado e deixou de ter papel dinâmico no processo social, tornou-se uma mera correia de transmissão do poder.
No ocidente, uma Igreja independente do Estado (ou dos Estados que se desenvolveram no ocidente), durante muitos séculos em permanente disputa com esses Estados, nomeadamente com o Sacro Império, permitiu que à sombra dessas disputas florescessem as repúblicas italianas, com burguesias locais poderosas e prósperas, movimento que se expandiu à Flandres, Alemanha e resto da Europa. Desde o Imperador romano Teodósio até à derrota definitiva dos imperadores germânicos pela posse da Itália, vários foram os monarcas que passaram pelas Forcas Caudinas do poder papal e lhe prometeram submissão absoluta.
Não quero com isto dizer que tal correspondesse a um intuito deliberado do Papa e da Cúria romana que assim pretendessem a liberdade das cidades italianas, o desenvolvimento das liberdades públicas e do capitalismo. O Papa e a Cúria romana apenas pretendiam aliados na sua luta contra o Sacro Império e os soberanos de que suspeitassem veleidades de extensão excessiva do poder temporal. O Papa e a Cúria romana ao pretenderem aliados para se afirmarem contra o excesso de poder temporal dos Estados cristãos serviram-se igualmente das nobrezas, apoiando as suas pretensões nas lutas contra os absolutismos reais.
A liberdade nasceu na Europa ocidental nesta luta pelo poder, nesta dialéctica de contrários, onde a Igreja foi um dos motores decisivos. A Magna Carta não passou, no início, de um documento que regulava e limitava os poderes do rei face aos seus vassalos directos: a nobreza. A Magna Carta, e outros protocolos celebrados na Idade Média, estabeleciam corpos representativos para dar expressão orgânica às exigências da nobreza - Parlamentos, Cortes, Estados Gerais, Dietas que o próprio rei não podia violar. O tempo, e a continuação do avanço da liberdade, encarregou-se de dar à Magna Carta uma interpretação cada vez mais vasta e abrangente tornando-a no embrião das constituições modernas.
Por sua vez, as lutas entre os reis e os seus vassalos directos facilitaram o florescimento das cidades e a obtenção por estas de cartas de alforria. Os reis ou a grande nobreza precisavam de as ter como aliados nas suas guerras contra os seus vassalos, quer o auxílio militar das respectivas milícias, quer o precioso auxílio financeiro. O papel do Papado, e da Igreja romana em geral, em manter o equilíbrio de poderes e um certo ascendente temporal sobre as casas reinantes, foi portanto um dos principais motores do desenvolvimento europeu
O zénite deste processo foi o aparecimento da Reforma e a luta entre as Igrejas reformadas e o Papado. Na sua formulação inicial, as Igrejas reformadas, Luteranismo e Calvinismo, eram de um enorme ascetismo e intolerância, porventura mais que os aspectos mais negros da Inquisição de então. Todavia estavam ao serviço, ou serviram de bandeira, à formação de Estados governados por uma classe mercantil e industrial que foram a alavanca do capitalismo moderno, enquanto a inquisição espanhola (e a portuguesa, embora a expressão desta fosse muito diminuta face à sua vizinha) descambou para a perseguição aos elementos mais dinâmicos da sociedade cristalizando-a em formas de existência retrógradas.
Nada deste processo ocorreu no Islão nem nos países sujeitos à Igreja Ortodoxa. Foi por isso que o feudalismo da Europa ocidental foi um processo dinâmico apesar de ter então centros urbanos de muito menor dimensão que no Islão e Bizâncio: Constantinopla, Bagdad, Córdova (na época dos Omíadas) eram incomparavelmente maiores (dezenas de vezes) que os mais importantes centros urbanos europeus da época. Simplesmente estes eram livres, governavam-se a si próprios e tinham um enorme dinamismo económico e social, enquanto Constantinopla, Bagdad, Córdova viviam do clientelismo da corte, de um clero remunerado pelas rendas de feudos distantes e de uma nobreza de funcionários que subsistia de rendas feudais inerentes às próprias funções na corte. Haver uma Igreja livre e independente dos Estados, capaz de se impor foi essencial para alavancar esse dinamismo económico e social das pequenas, mas prósperas, cidades da Europa ocidental. Ao despotismo centralizado do oriente, a Europa ocidental contrapôs a liberdade descentralizada em numerosas ilhotas, aparentemente pequenas, mas que progrediam mercê da partilha instável de um poder em permanente disputa entre Igreja, monarcas e nobrezas
Por isso, na Europa Oriental aconteceu a estagnação e o desenvolvimento é recente e correspondeu ao esforço de alguns monarcas (Pedro o Grande e Catarina II, na Rússia, por exemplo) no sentido de acertar o passo pelo Europa ocidental. A Turquia, o estado islâmico de longe mais avançado em termos de direitos, liberdades e garantias, deveu essa aproximação à Europa à ditadura férrea de Ataturk. Sem as instituições cristãs medievais da Europa ocidental, esses países, e os países do ocidente europeu, não teriam regimes sociais, políticos e económicos muito diferentes dos países islâmicos mais retrógrados, ou os menos ocidentalizados.
Não seria porventura essa a intenção do Papado e da Cúria romana, mas a transmissão da herança romana do Estado de Direito e do governo limitado nos seus poderes, que é a base da nossa liberdade e democracia, para além do direito relativo aos contratos, propriedade, transacções, sucessões, património, etc., que constitui a base do nosso desenvolvimento económico e social, só foi possível pela forma como o cristianismo se institucionalizou no ocidente a partir do fim do mundo antigo e até à idade moderna.
As instituições cristãs do ocidente medieval foram imprescindíveis nesse desiderato. A elas devemos a transmissão de todos aqueles legados e o desenvolvimento da liberdade e da democracia. E, indirectamente, também lhe são devedores os países da religião cristã ortodoxa e islâmicos, como a Turquia.
Neste entendimento não percebo como se pode falar de herança grega e romana e esquecer a cristã. Aliás, percebo ... não se quer ferir algumas susceptibilidades. Todavia, não me parece imprescindível, numa constituição, falar de heranças culturais. Aliás, uma constituição deve ser simples e não deve conter elementos ideológicos. Os elementos ideológicos, mesmo que se julgue que não passem de meras referências teóricas sem efeitos práticos, acabam frequentemente por ganhar autonomia própria e servirem de travão ao progresso, complicando o que poderia ser simples e linear. Basta ver a Constituição portuguesa. Seria então preferível, se não se quer ferir susceptibilidades, omitir referências a heranças.
Como continuo atacada por aquela síndrome terrível e queirosiana, vou descarregar esta minha frustração em Eduardo Dâmaso, que hoje no Público tomou sobre si a tarefa de aconselhamento político do PS.
Eduardo Dâmaso desejaria, segundo escreve, voltar a situar o PS no espaço e nos valores da esquerda identificada com o que ele designa por socialismo democrático e social democracia.
Há um equívoco lamentável na maioria dos discursos dos próceres socialistas e dos seus conselheiros jornalistas. A Terceira Via foi, na prática, uma ilusão com péssimos resultados, mas a Terceira Via não era essa ilusão. Não o foi, por exemplo, no Reino Unido. A questão é que a Terceira Via, em Portugal, não passou dos discursos e arengas do Guterres. Assim que Guterres ganhou as eleições foi submerso pela caterva mais incompetente e estéril de caciques locais e do aparelho partidário. E a partir daí, Guterres fazia arengas maravilhosas e anestesiantes, que assombravam o país, e o resto do governo e instituições governativas, com muito poucas excepções, funcionavam mal, terrivelmente mal, situação de que o país só tarde demais se começou a dar conta.
Não vou repetir aqui o que já escrevi diversas vezes, e com algum pormenor, neste blog, mas pôr a economia a funcionar não é «combater a "deriva direitista" e a "mão invisível" que por aí anda a manipular a vida política em nome de interesses inconfessáveis». Ignorar as exigências do mercado e distribuir o que não há, não é lutar contra a manipulação da "mão invísivel": é levar o país ao suicídio económico e social.
O desemprego, de forma sustentável, não se combate com gastos públicos. Combate-se diminuindo a despesa pública e, portanto, o ónus sobre os agentes económicos, o que aumenta a competitividade das empresas e a sua capacidade de gerar emprego.
Criar emprego com obras públicas é pôr num lado e tirar do outro. Com a desvantagem que quando acabam essas obras o emprego criado desaparece e o outro, o que havia desaparecido, não regressa. Com a agravante de que o despesismo, na UE, já não se pode curar com a desvalorização. Provoca, a médio prazo, a recessão e o desemprego e essa situação só se cura com pesados sacrifícios e muito lentamente.
A profunda crise de identidade que atravessa o PS desde os tempos de Guterres decorre da esquerda não ter percebido que a economia portuguesa (como a europeia) chegou a uma situação que precisa de uma reforma profunda, certamente traumática, mas necessária. E Eduardo Dâmaso sabe disso, porquanto há cerca de 2 semanas entrevistou Medina Carreira, ouviu isso mesmo, e não pôs em dúvida nada que o ex-ministro socialista então afirmou. Quem cala, consente
Eduardo Dâmaso afirma no fim que o que está em causa não é só encontrar um líder mas devolver o PS a um padrão ético e político que o transformou numa referência essencial da democracia portuguesa.
Ó Dâmaso ... isso não é uma lamechice? Eu olho para o panorama político português dos últimos 20 anos, que vivi, e dos últimos três séculos, sobre os quais li, e não encontro nada que se assemelhe a «uma referência essencial da democracia portuguesa».
Fico-me por aqui ... na coligação já arreei ontem ...
É estranho, após uma semana repleta de factos políticos, eu estar atacada pela síndrome do bey de Tunis: Não me parece que haja algo na vida nacional que mereça relevo ... olho para este rectângulo branco desesperadamente vazio, e escasseia-me a vontade de o preencher. Como aquela vetusta instituição desapareceu entretanto de Tunis, o primeiro sintoma desta terrível síndrome que me assaltou foi uma fixação no MST.
Pois é ... li hoje o artigo do Miguel Sousa Tavares no Público. Depois do Tabagismo e do FCPortismo, o homem adquiriu outro vício extremado: o Anti-Santanismo. Afirma, com total desplante, que «Santana tornou-se possível essencialmente por culpa nossa, dos jornalistas, entre os quais directamente me incluo. Sempre lhe desculpámos o vazio ...». Ora isto é absolutamente falso: todos os jornalistas dos jornais de opinião sempre embirraram com Santana Lopes, sempre o abominaram, sempre zombaram dele como vítima da exclusão cultural.
A menos que Miguel Sousa Tavares também escrevesse na revista Maria ou nas revistas das fofoquices, em cuja fauna jornalística Santana Lopes teve bastante acolhimento. Se tal não aconteceu, Miguel Sousa Tavares está a dizer uma rematada mentira, ou melhor, está a agir sob o efeito do vício Anti-Santanismo que, como se tem visto, turba a razão dos mais avisados.
A questão é outra: Santana Lopes sabe manipular a comunicação social, mesmo contra vontade desta; há uma química enorme entre Santana Lopes e as câmaras de TV ... ou melhor Física ... ou mais precisamente Mecânica atraem-se mutuamente. Aparece uma câmara de TV e Santana Lopes perfila-se imediatamente no centro da objectiva. Provavelmente ambos são atraídos pelos mesmos objectos. Se há um vazio evidente naquilo que atrai Santana Lopes, é o mesmo vazio que atrai os jornalistas. Se Santana Lopes volteja sobre a putrefacção política e social, também a nossa comunicação social gosta de se refastelar nesse ambiente ... de rodopiar sobre a mesma putrefacção política e social; se Santana Lopes é pimba ... a nossa comunicação social é um conjunto de pimbas.
A nossa comunicação social não construiu Santana Lopes. A nossa comunicação social tem-se desvelado a construir, à sua imagem, um país pimba e agora derrama lágrimas de crocodilo por haver, segundo ela, um pimba como primeiro ministro. Ela que olhasse primeiro para si própria ... se fosse alguma vez capaz disso.
Ontem, a cena política portuguesa foi surpreendida pela transferência, à última hora, de Teresa Caeiro da Secretaria de Estado da Defesa para a Secretaria de Estado das Artes e Espectáculos. Houve gente que ficou abalada; outra que chacoteou com o que qualificou de trapalhada; alguns remeteram-se a um silêncio prudente.
Estas reacções apenas mostram uma total e absoluta incompreensão pelas novas realidades da vida política portuguesa. Estas mudanças de funções governativas de Teresa Caeiro são, verdadeiramente, o paradigma da seriedade com que estas matérias são encaradas no novo estilo governativo. São o paradigma de uma política inovadora e o rasgar de novos e fecundos horizontes.
Tornou-se agora evidente para todos que estamos a travar um ingente combate pela Cultura. Logo, alguém ser transferido da Defesa para a Cultura é algo que só pode merecer o nosso louvor e os nossos encómios. Todos queremos uma Cultura combativa, capaz de avanços fulgurantes e incisivos e com grande poder de impacte que possibilite rupturas profundas nas hostes contrárias e o seu envolvimento pelos flancos. Há que trazer os artistas para as trincheiras da cultura, arranjar-lhes uniformes capazes e obrigá-los a uma disciplina efectiva.
Mas mesmo em matéria de política geral, Teresa Caeiro pode trazer algo de muito importante. Teresa Caeiro está, como se sabe, ligada afectivamente à Endemol, a criadora do Big Brother. Ora este movimento artístico é a transposição das ideias do genial Jeremy Bentham expostas há 2 séculos no seu Panopticon.
Não julguem, portanto, que o interesse dos portugueses por aquele movimento artístico é recente. De forma alguma! O interesse do nosso país por Jeremy Bentham e pelo Big Brother (na altura conhecido sob o erudito nome de Panopticon) levou inclusivamente as nossas soberanas Cortes Constituintes de 1821-22 a publicarem o seu projecto. Neste entendimento, só desconhecedores da cultura com «C» (ou «K») podem duvidar da importância do Big Brother como elemento inovador das Ciências Políticas e Sociais. Seria o mesmo que pôr em causa um dos principais teóricos da política do século XIX.
A Panoptizição da política vai alargar o âmbito da intervenção pública e a transparência dos actos políticos. Haverá câmaras em todos os ângulos e apanhando todas as perspectivas. Será a política total. Será a exposição global.
Mas esta mudança de funções governativas mostra que o recíproco também é verdadeiro. Prova-se assim, de forma cabal e definitiva, que Portas encara a guerra como um acto de Cultura. Só assim se explica que tivesse querido aproveitar a vertente cultural de Teresa Caeiro na secretaria da Defesa.
E isto é uma inovação nos nossos critérios e dispositivos de defesa. Com o material artístico de que dispomos, esta ambivalência pode introduzir um elemento altamente perturbante e inovador em futuras operações militares. Com as nossas actuais munições artísticas, para além de atingir o inimigo, desmoralizamo-lo absolutamente.
E as guerras ganham-se desmoralizando o inimigo. Tem sido sempre assim.
A incompetência e o provincianismo da política e comentaristas portugueses toca o absurdo. Há dois dias Nobre Guedes era uma escolha abstrusa para o Ambiente. Não tinha nada a ver com o ambiente, não percebia nada do ambiente. Era um nulo em ambiente e em tudo o que respeitava a questões ambientais.
Foi geral o clamor nos meios políticos e na comunicação social. Desde Marcelo, o Guru dos nossos analistas políticos, até aos dirigentes da Quercus, a reprovação era unânime: como era possível empossar como ministro do Ambiente, uma pasta tão complexa e delicada, uma pessoa que nunca tinha tido nada a ver com questões ambientais, que desconhecia em absoluto a matéria, cujo currículo era totalmente omisso nesta área.
Nicolau Santos assegurava que «Luís Nobre Guedes vai ter tempos difíceis no Ambiente - sector ao qual nunca esteve ligado até agora»; outros achavam, por isso mesmo, que ele teria uma mais que «duvidosa qualificação para o exercício do cargo de ministro do Ambiente». José Alho, presidente da Liga para a Protecção da Natureza, lamentava a nomeação de Nobre Guedes para liderar o Ministério do Ambiente pois era «injustificável, mais uma vez, colocar-se a pasta do ambiente sob a responsabilidade de um personalidade que é um outsider do ambiente (...) o que não nos augura nada de bom».
Mas nós vivemos num país extremamente dinâmico (por enquanto apenas no que toca à má-língua) e dois dias depois, uns míseros e parcos 2 dias, Nobre Guedes tornou-se incompatível porque afinal era um expert em questões ambientais: resíduos (presidente da mesa da Assembleia-geral da Novaflex e da Novabeira, assessorias jurídicas à Empresa Geral de Fomento e à Sociedade Ponto Verde, etc.), águas (ligações à AdP via EGF, etc.). Afinal o homem estava em tudo o que era Ambiente. Conhecia, pela via da consultoria profissional, a maioria dos dossiers mais importantes da área ambiental.
Ora conhecer uma matéria pela via da acção prática, no real concreto, é, de acordo com alguns fazedores de opinião, incompatível com o exercício de um cargo governamental. Se Nobre Guedes conhecesse o Ambiente através, única e exclusivamente, da docência universitária, evitando prudentemente qualquer contacto prático com a matéria, poderia ser uma escolha válida. Se, como os ambientalistas, conhecesse o Ambiente e a Natureza unicamente das revistas editadas por outros ambientalistas que, igualmente, apenas conhecem o Ambiente através das revistas publicadas pelos primeiros, e cuja experiência prática na matéria se resumisse às suas prestações frente às câmaras televisivas, Nobre Guedes seria uma escolha excelente.
Mas não, Nobre Guedes não servia há dois dias para o Ambiente, porque não tinha visibilidade abstracta naquela área, e não serve agora para o Ambiente, porque tem visibilidade concreta naquela matéria. E os mesmos que antes se abespinhavam contra a nulidade Nobre Guedes, trovejam agora contra as suas alegadas incompatibilidades.
Desconheço as reais capacidades de Nobre Guedes e se será ou não um bom ministro. Mas não é isso que está em jogo nesta questão. O que está aqui em jogo é a incoerência e a tontice de todos estes pretensos fazedores de opinião. E também a ideia que fazem das competências necessárias para exercer um dado cargo.
Para mim, o «caso» Nobre Guedes é apenas um exemplo da forma pouco séria e inconsistente como se abordam estas matérias
A escolha principal nas actuais sociedades desenvolvidas, na esfera da política, não é entre esquerda e direita, mas entre quem gere melhor ou pior o Estado, a coisa pública, e consegue trazer para a sociedade uma maior ou menor prosperidade e bem estar.
O princípio actualmente aceite, embora muitos não tenham coragem de o anunciar publicamente, é o princípio da diferença: as desigualdades sociais e económicas devem ser organizadas de forma a trazer aos mais desfavorecidos as melhores perspectivas e serem compatíveis com o objectivo permanente da igualdade das oportunidades.
Este princípio é compatível com um aumento da desigualdade. Pouco importa, segundo este princípio, que o rico se torne muito mais rico se o pobre se tornar menos pobre. Não é a igualdade que é importante, mas sim a equidade. Equidade na política de educação, segurança social, ordenamento do território, etc., fazendo discriminações positivas.
Este princípio decorre da economia de mercado e da vontade de tornar os mercados eficientes: mercados dos produtos, mas também os mercados dos factores (capital e trabalho). Ora, por exemplo, a eficiência do mercado do trabalho só é possível com a sua liberalização e com a aceitação de derrogações à actual rigidez desse factor em Portugal.
Mas essas derrogações, se fossem totais, implicariam um grafo salarial, e nos rendimentos em geral, bastante mais amplo do que seria desejável em termos do bem estar entre os menos qualificados, ou menos aptos em concorrer no mercado laboral. Todavia o princípio da diferença tem outra face: o objectivo da equidade. A prossecução desse objectivo obriga à existência de uma política de transferências sociais que assegura não apenas equidade na educação, saúde, segurança social, como evita que o rendimento dos menos desfavorecidos seja inferior a um patamar fixado como nível mínimo de sobrevivência.
Em termos abstractos, estas derrogações levam a que os mercados sejam menos eficientes e a produtividade, medida em termos macroeconómicos, menor, devido ao aumento dos custos de produção para subsidiar aquelas transferências sociais. Todavia, em termos concretos, essas derrogações evitam a miséria e a exclusão social, aumentando o consenso e a estabilidade social. Ora uma sociedade tem que funcionar assente num consenso alargado. Sem esse consenso alargado e com instabilidade, geram-se expectativas pessimistas nos agentes económicos e a eficiência dos mercados é corroída pela instabilidade do mercado dos factores: fuga de capitais e menos bom desempenho do factor trabalho.
A solução óptima passa por maximizar a eficiência dos mercados, assegurando as prestações sociais suficientes para atingir o objectivo da equidade. Nesse óptimo, se as prestações aumentarem mais que o devido, a eficiência da economia diminui e todos perdem, mesmo que alguns fiquem, ilusoriamente, a pensar que ganharam; se as prestações forem inferiores ao limiar mínimo de sobrevivência, uma eficiência dos mercados, teoricamente superior, é contrariada e degradada pelo dissenso e instabilidade sociais.
Esta receita é independente de se ser da esquerda ou da direita, visto ser uma receita meramente técnica. Partidos socialistas, e do centro e da direita, do norte e centro da Europa têm conseguidodo aplicá-la, e com êxito razoável, até há alguns anos. O êxito da sua aplicação deveu-se mais à consciência cívica dos povos em questão, e ao rigor e ética dos respectivos políticos, que às diferenças de posicionamento nos hemiciclos parlamentares. A alternância eleitoral entre socialistas e não-socialistas não trouxe alterações significativas nos modelos económicos e sociais.
A questão complica-se em países onde a consciência social e cívica ainda é frágil. Se a administração pública é burocratizada e ineficiente, não há transferências sociais que cheguem para assegurar o objectivo da equidade. Por outro lado, a punção financeira excessiva degrada drasticamente a eficiência dos mercados, faz com que o tecido produtivo perca competitividade e não permite que esse país saia de uma situação de baixo desenvolvimento económico e de reduzido bem estar. A solução deste problema complica-se porque, para além da determinação do nível de transferências sociais, põe-se a grave questão de melhorar o desempenho do sector público.
Por isso, mais que a distinção entre esquerda e direita, a escolha é ditada pela distinção entre populismo/demagogia e rigor/sentido de Estado. Pela sua tradição ideológica e base social de apoio, a esquerda cai mais facilmente na demagogia e no populismo, que o centro ou mesmo a direita. Os governos de Guterres foram o exemplo da demagogia anestesiante que durou enquanto a crueza dos resultados não lhe puseram cobro e obrigaram Guterres a abandonar o cargo. Todavia essa demagogia não foi extirpada e o seu sucessor manteve, na oposição, uma postura de demagogia financeira e orçamental que nem os avisos do PR, durante a crise política recente, fez tergiversar.
Mas a ideia ontem expendida pelo governo centro-direita de diminuir o IRS na actual conjuntura é igualmente uma escolha populista. Apenas aumenta o rendimento disponível das famílias, com algum impacte positivo na procura interna, mas com um impacte negativo na nossa balança de transacções devido às importações induzidas. Isto para não falar no impacte a nível do défice orçamental. Já uma diminuição do IRC, se tal fosse permitido pela nossa situação orçamental, teria alguns efeitos positivos, aumentando o autofinanciamento das empresas e, portanto, quer a sua capacidade de investimento, quer a sua capacidade de diminuir o seu nível de endividamento, os seus encargos financeiros e os seus custos.
Mas a base social de apoio dos partidos de esquerda também pode facilitar políticas de rigor. As chamadas medidas impopulares, ou seja as medidas que se destinam a diminuir o peso das transferências sociais para aumentar a competitividade da economia, promover a retoma económica e, a prazo, o nível de emprego, são mais facilmente levadas a cabo por um governo com o rótulo de esquerda do que por um governo com o rótulo de direita. Um governo de esquerda tem mais facilidade em convencer os sindicatos e o seu eleitorado da necessidade dessas medidas. Além do que não encontra, normalmente, uma oposição forte da direita. As políticas dos governos socialistas do norte da Europa são exemplo típico disso. As medidas tímidas esboçadas por Pina Moura na ponta final do guterrismo poderiam sê-lo igualmente, se aquele não tivesse sido despedido pelo laxismo guterrista.
A luta que se perspectiva no interior do PS é justamente entre a ala «histórica» agarrada às concepções pseudo-sociais da política económica («pseudo» porque acabam por piorar a situação de todos, incluindo daqueles que pretendiam beneficiar) e uma visão mais moderna da política económica e social. Mas o PS está como a Convenção Nacional durante a Revolução Francesa: a luta entre duas minorias (reduzidas, mas combativas) os jacobinos e os girondinos, e uma larga maioria, o «pântano» que se pode inclinar para um lado ou para o outro, onde se encontra a maioria dos caciques e máfias locais, cujo apoio pode garantir a eleição, mas que irá cobrar mais tarde esse apoio, com juros.
Neste entendimento tenho sérias dúvidas que mesmo que Sócrates venha a triunfar, o PS tenha capacidade de conduzir uma política social e económica que ponha o país no bom caminho.
Dúvidas que também tenho relativamente ao governo actual, como certezas tive relativamente ao governo anterior. Todavia, quer num caso como no outro, pelo menos até agora, qualquer outra alternativa seria muitíssimo pior.
Ou como os políticos estão à beira de um ataque de nervos
O comportamento da classe política nestes últimos dias indicia uma sintomatologia de profundos traumas psíquicos. A classe política está com os nervos à flor da pele. Os sintomas são evidentes e perturbantes. Vejamos os políticos da área da coligação:
Paulo Portas fez um ar de total espanto ao ser anunciado o nome do seu ministério. Ora ele já sabia das funções que lhe seriam cometidas no âmbito daquele cargo. Apenas o nome exacto constituiria novidade para ele. Por outro lado Paulo Portas estava numa tomada de posse do governo do país, com as câmaras todas assestadas sobre os novos ministros, e não numa qualquer cerimónia escolar, alinhado com os restantes miúdos, irrequietos e folgazões.
Paulo Portas deveria manter-se impenetrável, impassível, sem mexer um músculo, mesmo que ouvisse anunciar o nome dele para ministro dos Assuntos Exteriores à Órbita Terrestre. Depois da cerimónia acabar e fora dos olhares curiosos da comunicação social poderia então tirar o assunto a limpo. No meio da cerimónia foi absolutamente despropositado.
Santana Lopes enganou-se diversas vezes ao ler o discurso. Aparentemente resolveu-lhe cortar algumas parcelas provavelmente por ser demasiado longo. Mas em actos destes, os discursos preparam-se e ensaiam-se antes e controla-se o tempo que demoram. Fazer cortes sobre o acontecimento, num discurso que está a ser lido, pode ocasionar cenas lamentáveis. Valeu a Santana Lopes o seu à vontade e a sua capacidade de improvisação para se safar sem custos maiores.
Marcelo Rebelo de Sousa disse mal, mal absolutamente: mal do governo, mal de cada um dos ministros, excepto os que sobejaram da colheita de Durão Barroso, mal da forma como o governo foi constituído, mal na forma como o governo foi anunciado. Este governo foi castigado com o pecado original mais absoluto. Nem o Criador, quando expulsou a humanidade do Éden, foi tão devastador. Ainda deixou o baptismo como possibilidade de reabilitação. Marcelo foi intransigente: não há salvação nem redenção possíveis, apenas o inferno e as suas chamas purificadoras, o mais tardar, dentro de 2 anos.
E enquanto exercia a sua malevolência sobre cada um dos ministros, referia sempre, comovidamente, a amizade que o unia àqueles desgraçados, a competência que lhes reconhecia, mas não obviamente para aquele governo. Parafraseando Camões: um governo mau faz má a boa gente.
Para angariar apoios dentro do seu (???) partido para tanta maledicência, avançou com a tenebrosa descoberta que o parceiro-inimigo tinha ganho poder dentro da coligação e denunciou esta situação execrável. A base desta denúncia foi uma contagem simples e expedita: os independentes na área do PSD não são do PSD; os independentes na área do PP são do PP. Não precisou de ir mais além para obter uma aritmética sólida.
Louvemos a sua moderação. O Marcelo Rebelo de Sousa poderia ainda ter estimado a densidade de militância dos ministros do PSD e concluído que era 50% da densidade de militância dos ministros do PP, o que equivaleria, em termos de poder dentro da coligação, a fazer 2 PSD = 1 PP. Poderia chegar mesmo aos 10% ... mas não, Marcelo é um analista comedido ... Marcelo apenas nos enganou acerca da contagem dos ministros dos dois partidos.
Pacheco Pereira, depois das suas críticas contundentes não terem surtido efeito, começou a desistir; a desistir em nome da sua liberdade de escolha. Desistiu do cargo de embaixador de Portugal na UNESCO porque não quer ter qualquer dependência funcional deste Governo. Para manter a coerência, irá desistir do cargo de professor do ISCTE, porque trata-se de um organismo insidiosamente ligado ao Estado e, portanto, ao governo. Com a atitude de rigor que mantém consigo próprio, vai desistir de meter combustível no seu veículo, pois o pesado imposto sobre os produtos petrolíferos alimenta a máquina do Estado, logo o governo. Vai desistir de qualquer actividade remunerada, porquanto o IRS que pagasse iria direitinho para os cofres do Estado e, bem lá no fim do percurso deste fluxo monetário, perfila-se a figura ominosa de Santana Lopes. Deixarei de vê-lo no hipermercado Modelo do Cartaxo, pois qualquer aquisição que faça é sujeita ao IVA e certamente Pacheco Pereira detestaria que ... Santana Lopes ... de mão estendida ... recolhesse mais este óbolo.
Resta o Abrupto...
Os acontecimentos deste fim de semana não seriam, em teoria, menores. Quem os protagonizou é que não teria tido a dimensão apropriada.
É certo que houve a posse do novo governo. Santana Lopes mostrou mais uma vez que é um político cheio de charme. A elegância natural como ele baralhava as folhas, as revirava, as abandonava displicentemente (... sabe-se lá quantas dezenas de parágrafos, provavelmente repletos de um talento radioso, foram assim subtraídos à curiosidade dos ouvintes?), como tentava estabelecer uma ligação semântica e conceptual entre uma frase e outra separada dela algumas folhas adiante, mostra uma nova forma de estar na política.
Aliás também é de louvar o rigor e os critérios na escolha dos nomes para o elenco governativo. Tudo gente de elevada craveira e competência. De tal forma elevada que Santana Lopes se pôde dar ao luxo de os empossar em cargos diferentes das respectivas áreas de competência. Que outro político se pode gabar de ter um elenco tão habilitado?
O Portugal novo, de Santana Lopes, teve outro condão: pôs o PR a falar claro. Já é a segunda vez, nestes seus dois mandatos, que Jorge Sampaio fala claro e sem ambiguidades. A primeira foi quando anunciou a sua decisão. O único erro nesse discurso foi o tempo ... devia ter sido proferido 2 semanas antes. Agora foi lapidar ao afirmar que o seu compromisso é com «as grandes causas nacionais» e que «no desenvolvimento desse compromisso, o Presidente da República nem se corresponsabiliza pela política desenvolvida pelo Governo, nem labora para forjar ou facilitar alternativas» Esta última proposição foi sibilina e manifestamente endereçada à facção Ferro Rodrigues.
Falando na facção Ferro Rodrigues, a ala esquerdista do PS passou o fim de semana carpindo para tudo o que era comunicação social. Nos intervalos fazia conciliábulos à porta fechada, tentando arranjar uma candidatura alternativa, e de peso, à de Sócrates.
No Público, o publicista Augusto Seabra anda totalmente de cabeça perdida, e só não desancou mais Santana Lopes apenas porque teve que deixar algumas bastonadas para arriar em José Sócrates.
O Buda vivo da nossa comunicação social, Mário Mesquita, queixa-se do poder económico que «não se limita a impor respeito aos Presidentes (aos Sampaios, pois claro!) e a manobrar os governantes. Alarga a sua influência à própria oposição - e tem a sua palavra a dizer, com peso considerável, na designação do secretário-geral do PS. Sem a caução do "velho" Portugal das boas "famílias", a oposição socialista não se assume como alternativa de governo. Eduardo Ferro Rodrigues saberá explicar porquê. Como se verá, novamente, em Outubro».
Questões económicas não são matéria forte para os Budas da comunicação social, senão Mário Mesquita teria percebido que o que Ferro Rodrigues não tinha era uma alternativa económica viável. E foi isso que aterrou economistas e empresários. O próprio Medina Carreira, antigo ministro socialista, foi claro sobre essa questão. Ferro Rodrigues não está a ser vítima do poder económico ... está a ser vítima do seu erro económico. Aliás, no dia anterior ao anúncio da decisão presidencial, quando Ferro Rodrigues já andava em campanha eleitoral, os socialistas responderam sim à hipótese de uma coligação com o BE, mas quanto à questão da disciplina financeira guardaram de Conrado o prudente silêncio ... Isso dá uma ideia do que pensavam fazer.
Também Santos Silva, que depois de uma carreira insípida e inodora no governo, descobriu finalmente a sua vocação, a de plumitivo socialista, se queixou amargamente do poder económico. Afirmou cabisbaixo que agora se «assume mais explicitamente que o objectivo é ter gestores e empresários, enquanto tais, a decidir sobre a coisa pública». Talvez não seja bom ... mas é certamente muito pior ter «a decidir sobre a coisa pública» sociólogos ignorantes e desconhecedores do funcionamento do tecido produtivo do país.
Quanto a Medeiros Ferreira, Santana Lopes deixou de ser o seu alvo principal. Ontem desferiu duras críticas a José Sócrates, afirmando que: «Estamos perante a vitória do poder 'berlusconiano' em Portugal», metendo no mesmo saco Santana Lopes e o seu provável futuro secretário-geral.
A ala esquerda do PS está tão agarrada a dogmas como os partidos à sua esquerda. Só que ainda não viu o seu Muro de Berlim ruir com fragor.
Sempre postulei que não há coisas inexplicáveis. Especializei-me mesmo, profissionalmente, em encontrar explicações irrefutáveis para os factos passados, em encontrar razões sólidas e irrefragáveis para sustentar as previsões relativas aos cenários futuros, e em inventariar argumentos irrecusáveis para as razões que poderão levar a que ocorra o cenário A em vez do cenário B e vice-versa. Isto é, explicar, sem margem para dúvidas, o passado, aquilo que ocorreu e explicar o futuro, qualquer que seja o cenário que ocorra, com razões absolutamente sólidas, coerentes e necessárias, por muito contraditórios que sejam os cenários.
Tudo isto foi posto decisivamente em causa, hoje de manhã, ao abrir um jornal e ver os resultados de uma sondagem realizada de 2ª feira para 3ª feira passadas.
Há uma semana metade dos portugueses era favorável a eleições antecipadas e, da metade restante, apenas metade é que não punha obstáculos a um governo chefiado por Santana Lopes. Na 6ª feira Sampaio anunciou a sua decisão e na 2ª feira indigitou Santana Lopes. Nesse dia, à noite, a maioria dos portugueses achava que o presidente da República decidiu bem ao optar por não convocar eleições antecipadas. Isto é, 57,1 por cento dos inquiridos concordava com Sampaio e a indigitação e apenas 39,4 por cento dos interrogados preferia que tivesse sido tomada outra decisão. Em 3 dias (incluindo o fim de semana) Santana Lopes havia angariado mais de 30% de adesão.
O que é que acontecera entretanto? A argumentação do PR? Não trouxe novidades. A acção de Santana Lopes? Mas ele se não tinha feito nada, para além de uma entrevista à SIC, cheia de trivialidades, bastante criticada aliás pelo Guru Marcelo? Tudo irrelevante ou mesmo inconveniente.
Mas a sondagem não acaba aqui. Surpreendentemente, apenas 21,7 por cento dos inquiridos achava que o novo governo seria pior do que o Executivo demissionário. Os restantes achavam que seria igual ou melhor. Ou seja, os resultados das sondagens anteriores apareciam agora completamente invertidos. Mas como, se Santana Lopes havia sido indigitado há horas e ainda não havia nem governo, nem qualquer nome, além do dele próprio, para o integrar?
No painel dos líderes, Santana Lopes entrou imediatamente para o topo. Em simpatia aparece distanciado com 17,5 valores. Bem ... simpatia ... vá que não vá ... sabe-se que em matéria de coração ... um olhar ... um gesto ... um «coup de foudre» ... bastam minutos! Mas a questão é que também foi considerado o líder partidário mais competente conseguindo uma nota de 14,3 valores. Mais competente? Como foi possível naquelas poucas horas, sozinho, sem governo, obter uma nota tão elevada em competência? Como explicar?
Naquelas horas diminutas, houve apenas um prémio em que só obteve a aproximação. Foi na actuação. Francisco Louçã ficou com o primeiro lugar com 13,6 valores, seguido de muito perto pelo presidente social-democrata, com 13,1 valores. Ingrato povo! Então Carvalhas, Portas e Ferro que têm actuado anos a fio, assim postergados por apenas algumas horas de actuação daquele diletante da política! O próprio Louçã, que actua infatigavelmente, desdenhosamente, há tantos anos, viu o seu lugar ameaçado, Santana colado aos seus calcanhares por uma actuação curta e aparentemente trivial.
Dei tratos à imaginação e ainda não encontrei uma explicação baseada em deduções lógicas, solidamente assentes nos princípios teóricos das Sociologias, Filosofias, Psicologias Sociais, Gestões, Economias, Ciências Políticas, Ciências Genéticas, Paraquedismos, Desportos Radicais... todas!
Todavia não posso desistir. Não sou mulher de desistências. Há áreas de conhecimento por desbravar e vou desbravá-las. Há ciências que ainda dão os primeiros passos e vou-lhes dar o amparo amigo do meu ombro para caminharem. Por exemplo, a influência do campo gravítico e electromagnético da Lua nos instintos e vontades dos terrenos.
Deve ter sido isso ... o feitiço da Lua.
O futebol tem sido anatemizado pela baixa estatura ética dos seus dirigentes, pelo trogloditismo das claques, pelo mercenarismo dos jogadores, pela corrupção na arbitragem, etc., etc..
Simultaneamente, quando um clube português está numa competição europeia, nomeadamente na sua fase final, com o pódio à vista, todos, independentemente da cor clubista, torcem por ele. Haverá elementos desgarrados nas diversas claques que não alinharão nessa onda. Mas o que é visível, o que pontifica, é a unidade de todos em torno desse clube. O que emerge é o desígnio nacional de uma vitória portuguesa seja ela obtida por um qualquer clube, mesmo que não seja o nosso.
Em política também pareceu que poderia ser assim. Quando surgiu a possibilidade de António Vitorino ser indigitado Presidente da Comissão Europeia, todo o espectro partidário, excepto alguns marginais da esquerda radical, se uniu no desígnio nacional de levar Vitorino à presidência.
A correlação de forças dentro do Parlamento Europeu inviabilizou essa hipótese e, entretanto emergiu, de forma surpreendente, o nome de Durão Barroso para aquele cargo. A partir dessa altura, para os outros clubes políticos, a sua candidatura era irrisória, pois é «do mais tacanho provincianismo supor que a indicação de um português seja em benefício para o país», porquanto Barroso foi escolhido por ter um perfil baixo, pelas razões sólidas de que a sua indigitação «condiz com a relativa desvalorização da Comissão», pela vergonha de que tal não passou da quarta escolha, etc., etc.. Mário Soares, para não falar do seu filho, tem sido em extremo depreciativo sobre as motivações da escolha e sobre a incompetência de Barroso para desempenhar o cargo. As previsões de M Soares sobre o futuro desempenho de Barroso são absolutamente sinistras.
Ontem, à saída da audição do grupo socialista do PE, as declarações dos parlamentares do PS português foram em total desabono da prestação do candidato português. Quem os ouviu e quem ouviu outros membros não portugueses do grupo socialista do PE e leu os jornais estrangeiros de hoje, diria que houve duas reuniões diferentes: uma entre Barroso (um camaleão incompetente para o cargo) e o grupo PS português, e outra entre Barroso (um líder hábil, com domínio da situação e com charme) e o restante grupo socialista do PE que elogiou a sua prestação, mesmo discordando dele em diversos pontos.
Verifica-se assim que os líderes dos clubes da esquerda política portuguesa têm uma estatura ética mais baixa que os dirigentes do futebol, que as suas claques são mais trogloditas que as dos clubes desportivos e que demonstram menos amor pelo seu país e pelo sucesso internacional dos seus compatriotas, que a desacreditada classe dos dirigentes e fãs desportivos.
Deixo apenas uma pergunta: como é que quem não ama o seu país, o pode governar bem?
Em complemento ao meu texto de ontem, queria deixar algumas adendas na intenção de clarificar conceitos que, porventura, ficaram menos claros:
1 Os investimentos públicos têm, no imediato, um efeito dinamizador no nível da actividade económica e no volume de emprego. Todavia esse efeito só é sustentável se essa despesa pública não for feita à custa de um défice orçamental excessivo, nem provocar, pelo aumento das importações induzido pelo aumento do rendimento disponível, um défice excessivo na balança de pagamentos. Portanto, tem um efeito positivo, mas que pode tornar-se ilusório, se não se tiverem em conta os restantes parâmetros macroeconómicos.
O que se verifica pela experiência é que os investimentos públicos não são, por si só, o motor da economia. Vejamos alguns casos:
1 a A New Deal? Roosevelt nunca conseguiu restabelecer o pleno emprego antes da guerra. O boom americano do após guerra deveu-se ao extraordinário aumento de produtividade durante a guerra, quando a indústria americana teve que produzir mais com menos gente (devido ao recrutamento militar). Foi esse boom que gerou o crescimento acelerado da economia e do volume de emprego após o fim da guerra.
1 b O enorme crescimento económico da UE durante as 3 décadas que se seguiram ao lançamento do plano Marshall? Resultou do enorme aumento de produtividade conjugado com um substancial alargamento dos mercados e a ausência de uma concorrência internacional competitiva. Mas, por exemplo, o excesso de intervencionismo na economia britânica levou ao seu declínio, às derrapagens orçamentais, à instabilidade monetária e à revolução Thatcheriana que apostou em menos Estado, num Estado apenas regulador. Mesmo a «terceira via» de Blair é contra a herança keynesiana do voluntarismo da despesa pública.
1 c E onde estão hoje a França e a Alemanha? Incapazes de controlar a despesa pública, com economias estagnadas, sem conseguirem reformar o Estado Social, nem o manterem, embora tentem alimentar, junto dos eleitores, a ilusão de que tal é possível. As políticas públicas podem ser destabilizadoras. Injectar dinheiro na economia pública é como consumir droga: quando acaba o efeito ilusório é preciso mais, cada vez mais.
2 - A teoria keynesiana da propensão marginal ao aforro está errada e os estudos estatísticos demonstram-no. Os agentes económicos determinam os seus comportamentos em termos de consumo e poupança em função da soma actualizada dos seus rendimentos futuros esperados e não na base do rendimento instantâneo. Também há a poupança de precaução que tem a ver com as expectativas relativas à segurança social e sistema de reformas, à evolução do risco de desemprego, etc.. Portanto, parte substancial da formulação teórica básica de Keynes foi contrariada pelos estudos estatísticos posteriores.
3 No que se refere a Portugal, quando aderimos à moeda única, as taxas de juro portuguesas aproximaram-se por essa razão das que vigoravam no núcleo da futura União. Como Portugal era dos países que tinha taxas de juro mais elevadas, foi dos que mais beneficiou com essa descida. Esse factor, por si só, teve uma incidência acentuada na diminuição do défice pela diminuição dos encargos com a dívida pública. Assim Portugal pôde manter, durante os governos de Guterres, uma política orçamental expansionista e, simultaneamente, reduzir o défice orçamental. Determinados investimentos públicos, como o caso das SCUTs, que, sem dispêndio de meios financeiros, geraram imediatamente receitas fiscais volumosas (embora criando obrigações futuras) igualmente ajudaram a nascer a ilusão que esta política era sustentável, apesar do excesso de procura criado por aquela política orçamental gerar por sua vez um défice externo crescente.
O resultado foi, posteriormente, a recessão e o desemprego, com as causas e os sintomas que descrevi ontem aqui.
4 Produtividade
A produtividade, tal como é apresentada nos debates, neste nível de análise, é uma grandeza macroeconómica agregada que tem que ser vista com cautela. Por exemplo, Portugal tem conseguido manter alguma competitividade externa apesar de uma maior inflação e de outros factores negativos decorrentes do excesso de despesa pública. Se a produtividade do sector exportador tivesse aumentado ao ritmo da produtividade da economia portuguesa, já não tínhamos sector exportador. As empresas deste sector tinham falido e estávamos na ruína total. Isto significa que a produtividade do sector exportador aumentou muito mais que a média nacional.
Aliás, o que condiciona o valor da produtividade de um país é a produtividade dos sectores abertos ao exterior. Como a produtividade é medida em termos de capitação do VAB (Valor Acrescentado Bruto), é óbvio que a produtividade dos sectores abrigados do exterior decorre da produtividade dos sectores abertos ao exterior.
Tomemos o exemplo dos cabeleireiros, um sector completamente abrigado do exterior. O custo deste serviço está relacionado com o nível de rendimentos de um dado país, quer no preço da prestação, quer no custo do factor trabalho. O mesmo trabalho é muito mais bem pago em Oslo do que em Lisboa, quer no que respeita à remuneração dos trabalhadores, quer no que respeita ao preço cobrado às clientes. Sendo assim, a produtividade (macroeconómica) do sector cabeleireiro será muito superior na Noruega (o VAB é muito maior, pois os salários e as vendas per capita são muito mais elevados), apesar da produtividade, em termos físicos, ser, mais ou menos, idêntica em Portugal e na Noruega.
Um país é rico e com elevada produtividade quando concorre no mercado internacional com competitividade nas áreas de elevada tecnologia e valor acrescentado. O resto da economia (os sectores mais ou menos abrigados) alinha sempre e necessariamente pela produtividade «macroeconómica» dos sectores abertos, como se viu no exemplo dos cabeleireiros.
Quanto à produtividade do sector público, o seu efeito positivo ou negativo mede-se, de forma indirecta, pelo ónus que isso representa para o sector produtivo. Quanto mais ele custar, para o mesmo serviço que presta, mais dinheiro é cobrado, para o sustentar, às famílias e às empresas, o que faz aumentar os custos no sector produtivo, diminuir a sua competitividade perante o exterior e deteriorar a situação económica do país.
Adicionalmente a sua ineficácia (como a demora da justiça ou a excessiva burocracia, por exemplo) é um factor desmotivador do investimento, interno ou externo, para além de representar um acréscimo de custos no funcionamento das empresas.
Durante as semanas de «crise política» referi várias vezes o desastre que constituiria para o país um governo liderado por Ferro Rodrigues. Essa minha posição foi, frequentemente, tomada como eivada de facciosismo político. Vou aproveitar a calma de um dia em que se espera pacificamente pelas novidades sobre o novo governo para explanar melhor as minhas razões.
O PS de Ferro, aliado ao BE e, eventualmente, ao PCP seria um governo que apostaria no fim da contenção salarial e numa política keynesiana no que respeita à despesa pública. É aliás um aspecto interessante a forma como o socialismo democrático foi abandonando, a partir da cisão dos anos 20, o marxismo e foi ganho, nas últimas décadas, para o keynesianismo. No fundo mantém-se o mito estatizante, o mito da importância do papel dirigente do Estado como o motor do funcionamento da economia.
No keynesianismo, na versão de esquerda, é o aumento dos salários, e em particular dos salários baixos, que constitui o motor da economia. Isto em conjunto com os investimentos públicos, cuja noção da importância no desenvolvimento económico não é, aliás, apenas património da esquerda. Sobeja a indiferença pelos níveis dos défices públicos e das paridades das taxas de câmbio.
Ora uma política de rendimentos expansionista, que os faça aumentar acima da produtividade, produz de imediato um aumento do rendimento nacional em termos nominais. Antes da existência da moeda única, essa política de rendimentos induzia rapidamente um aumento da inflação pelos custos e uma desvalorização cambial. Era um processo relativamente rápido, até que o valor real dos rendimentos, em termos de poder de compra, voltasse ao valor anterior. Os rendimentos reais aumentavam, eram corroídos e caíam, num prazo curto, até chegarem a valores semelhantes aos de onde tinham partido, senão mesmo inferiores.
Com a moeda única, o ajustamento não pode ser feito através da desvalorização cambial. Nem sequer através da inflação, embora o primeiro efeito seja o aumentar da inflação. Simplesmente este efeito está limitado pela necessidade de manter a competitividade das empresas no mercado único europeu.
Portanto o efeito será a recessão e o desemprego. O desemprego aumenta através de vários efeitos conjugados. Há empresas que fazem reajustamentos no volume dos seus efectivos; outras fecham as portas. Muitos destes desempregados encontram um novo emprego depois. Mas, de acordo com o estudo recente realizado pela Faculdade de Economia do Porto, as perdas salariais nos empregos seguintes ao despedimento atingem 10 a 12 por cento.
Portanto o desemprego, mesmo o de curta duração, é uma forma do sistema económico reequilibrar rendimentos e produtividade.
Portanto os reequilíbrios económicos numa situação de moeda única e em caso de aumentos salariais acima da produtividade fazem-se à custa da recessão e do desemprego. O aumento do desemprego, o fecho de empresas e a diminuição do poder real de compra significam recessão económica. É um processo bastante mais lento que o anterior, mas mais profundo e mais difícil de inverter rapidamente. Em Portugal, a política de rendimentos expansionista levada a cabo entre 1995 e 2001, e à qual Pina Moura tentou debalde pôr cobro ainda durante o governo Guterres, só começou a ter um impacte significativo no emprego a partir de 2002, apesar de, logo nesse ano, essa política ter sido invertida. E os efeitos dessa política no volume de emprego vão continuar a sentir-se nos próximos anos. Pelo menos ainda em 2005, e isto se não se cair novamente na ilusão da insensatez salarial.
Trata-se, portanto, de um processo muito mais lento do que o anterior, quer no prazo em que se fazem sentir os efeitos aparentemente positivos provocados pelo aumento irrealista dos salários, quer no prazo que dura a recessão, quando a actuação dos mecanismos de equilíbrio económico repõem a verdade dos factos.
Ou seja, o actual enquadramento económico permite a perversidade de aumentos salariais irrealistas, sem que haja rapidamente a correspondente erosão monetária. Isto é, permite manter durante bastante mais tempo que na época da moeda nacional, uma ilusão de bem estar. Mas se os ajustamentos são muito mais lentos, são também muito mais duradouros e graves. A recessão, o fecho de empresas, o desemprego de longa duração de gente cuja idade dificulta a obtenção de um novo emprego, são situações de enorme gravidade que só muito parcialmente têm remédio após a retoma.
É claro que as regras do PEC tentam evitar que um país caia em semelhante situação. Todavia, no caso português, durante a primeira fase do governo Guterres, a descida das taxas de juro (provocada pela integração no euro), o lançamento das SCUTs, etc., possibilitaram um aumento irrealista dos salários e da despesa pública sem menoscabo dos limites do PEC durante os primeiros anos. Mas passado o período em que a acção daqueles factores permitiu mascarar a realidade, esta veio ao de cima e a recessão abateu-se sobre a economia portuguesa com a violência que ainda se mantém.
É a perversidade de ser possível manter uma política salarial irrealista cujos efeitos negativos só se começam a tornar visíveis dois ou três anos depois, e cujo saneamento é moroso e envolve pesados custos sociais, que me fez considerar que um governo de Ferro aliado do BE poderia ser um desastre nacional, tendo em conta as opções económicas e sociais que ambos têm revelado. Nomeadamente quando falam convictamente na sua vontade de combater o desemprego sem perceberem quais são as suas causas profundas e pretendendo, inclusivamente, fazer uma política económica que a prazo vai fazer aumentar o desemprego.
Nota - Ler em complemento:
Desemprego, produtividade e despesa
O principal aviso que o PR fez ao futuro Executivo, e que foi um dos fundamentos da sua decisão, foi que ele deve respeitar "rigorosamente" o programa político sufragado nas legislativas de 2002, em particular nos domínios "da Europa, política externa, defesa, justiça e consolidação orçamental".
Ora foi precisamente a luta contra aquelas políticas, nomeadamente o esforço de contenção orçamental, que foi a bandeira das oposições durante campanha eleitoral para as europeias.
Quando a oposição acusa a coligação de já não ter legitimidade face aos resultados das europeias e como esses resultados decorrem da impopularidade das medidas de contenção junto dos eleitores, a oposição afirma, sem ambiguidades, que aquelas medidas carecem de legitimidade eleitoral.
Portanto a oposição está contra a necessidade da contenção orçamental que era, e continua a ser, para o PR, um objectivo nacional, mesmo que ele tenha declarado, há meses atrás, que há mais vida para além do orçamento. Nas vascas da tomada de decisão, o PR foi sensível à argumentação de Vítor Constâncio e de outros economistas, para os quais não há alternativa à política de contenção, embora não necessariamente nos exactos moldes em que Manuela Ferreira Leite a tem feito.
Todavia, e paradoxalmente, a oposição estava contra Santana Lopes pelo seu perfil populista e, por via disso, pelo receio que as contas públicas descambassem. Aliás, o próprio PR deu a entender que depositava pouca confiança em Santana Lopes para obter aquele desiderato.
Neste entendimento, o que se observou na argumentação da maioria da oposição foi esta protestar contra um eventual despesismo de Santana Lopes, sem se dar conta que toda a sua campanha anterior ia no sentido da mesma política que atribuía e afirmava detestar em Santana Lopes. Isto é, a oposição preparava-se, no caso de ganhar as eleições antecipadas, para fazer aquilo que criticava em Santana Lopes (talvez com menos mediatismo e outdoors) e que considerava ser um dos principais motivos para inviabilizar uma solução de continuidade da coligação.
Ou seja, a argumentação da oposição era válida contra Santana Lopes (se este fosse despesista) e contra ela própria, que se afirmava, na prática, como despesista. Ao criticar Santana Lopes, criticava-se a si própria.
Portanto o PR estava entre um governo Santana Lopes, que temia por ser eventualmente despesista, e um governo de Ferro Rodrigues (no caso deste ganhar as eleições antecipadas), que havia ganho as eleições europeias combatendo a política de contenção orçamental e que ficaria fatalmente refém das suas proclamações anti-contenção. Entre o país estar dois anos sujeito a um eventual despesismo, talvez controlável, e quatro anos e meio sujeito a um despesismo sem controlo, o PR escolheu o que considerou ser o mal menor.
Apenas C Carvalhas mostrou coerência ao criticar a decisão presidencial declarando-se indignado por o presidente aduzir como razão as necessidades de contenção orçamental que, segundo ele, haviam sido repudiadas nas urnas, nas eleições europeias. Foi o único que soube assumir com coerência as suas ideias, a sua demagogia e a sua ignorância de economia.
Como escrevi anteriormente, Sampaio transformou uma decisão inicialmente simples na decisão mais complexa dos seus mandatos, transfigurando-a numa crise política, dramatizada até ao paroxismo. No fim, socorreu-se da Teoria dos Jogos, aplicou o critério minimax e escolheu a estratégia que, para ele, era a menos má, dentro do conjunto dos resultados cada dia mais assustadoramente negativos da sua matriz pay-off. Segundo todavia afirmou, e os meios de comunicação sublinharam, a sua preocupação foi privilegiar a estabilidade do país.
Mas ao escolher aquela decisão, incluiu nesse pacote decisor uma garantia, pessoal e presidencial, de permanente vigilância do novo governo. Presume-se que seja uma vigilância especialmente acrescida relativamente àquela que decorre das obrigações normais do seu cargo. Ora este «aviso» é um convite público a todos os kamikazes da comunicação social e a todos os falhados da política para, cada vez que Santana mexer um músculo, tremer uma pálpebra, balbuciar uma sílaba, esboçar um sorriso, embaciar um olho, porem o dedo no ar e gritarem indignados para o presidente: «stôr», este menino está a portar-se mal! «stôr», este menino é mau! «stôr», ponha este menino na rua e marque-lhe falta de castigo! E mesmo se o menino Santana permanecer fixo, marmóreo, aqueles meninos não desarmarão: «stôr», este menino está esfíngico! «stôr», este menino está a tramar alguma! «stôr», ponha este menino na rua e marque-lhe falta de castigo, com participação e Conselho Disciplinar! Será que o «stôr» vai conseguir manter a «estabilidade» na sala de aula?
Portanto o PR pretende estabilidade no país e cria condições para a instabilidade na comunicação social e nos areópagos políticos. Não se percebe como o país vai ficar imune à instabilidade na comunicação social. É certo que quem mais se excita com a comunicação social é a própria ... comunicação social, juntamente com alguns políticos mais fragilizados (quase todos!). Basta ver a patética manifestação da CGTP para uma saída «democrática» da «crise», no Rossio, na passada 3ª feira, em que os camera-men se viram obrigados a rastejar pelo pavimento para encontrarem perspectivas menos rarefeitas e deprimentes. Mas alguma da instabilidade mediática transitará certamente para o país.
Instabilidade que também atingirá o PR. A esquerda, aquela esquerda que tem tido mais visibilidade mediática, anda de cabeça completamente perdida. Ainda ontem Boaventura Sousa Santos denunciava publicamente, em horário nobre, que Sampaio tinha assassinado Maria de Lurdes Pintasilgo a golpes de decisão presidencial. A acreditar no eminente sociólogo, a nossa ex-primeira-ministra sucumbiu à violência do impacte dos últimos parágrafos, aleivosos e assassinos. Espera-se a intervenção urgente do Ministério Público.
E isto aconteceu com Boaventura Sousa Santos, cujo desafecto pela democracia representativa é bem conhecido e que, para manter a coerência, deveria ter sido um mero espectador desinteressado e neutro desta escolha presidencial. Julgo que a Procuradoria tomará em conta essa neutralidade como garante da fiabilidade da testemunha daquele crime hediondo.
A menos que Sampaio elimine a testemunha, preparando, rapidamente, meia dúzia de parágrafos vocacionados para assassinarem sociólogos patetas e enfatuados.
Sampaio tornou um acontecimento normal em democracia, o impedimento do 1º Ministro, numa crise política que se foi dramatizando à medida que os dias e as semanas foram correndo. Hoje, à noite, tornou pública a decisão de manter a actual coligação no poder e não antecipar as eleições.
Em face da argumentação que usou para fundamentar a sua decisão, aliás argumentação clara, correcta e sucinta, sublinho o que já exprimi aqui várias vezes: não se percebe a demora da tomada de decisão. Demora que conduziu a uma profunda rotura política e à dramatização da «crise», ambas absolutamente desnecessárias.
Sampaio acabou por se decidir pela alternativa na qual corria menos riscos. A solução da não convocação de eleições antecipadas apenas o «malquistaria com as oposições, porque lhes defraudou as expectativas», conforme escrevi aqui anteontem. A outra solução tinha, como escrevi então, riscos muito elevados para ele.
A oposição encarregou-se de mostrar que as minhas palavras pecavam por defeito. A oposição ficou profundamente indignada. Mais que as palavras, o tom de voz de Carvalhas ressumava uma cólera profunda. Mas o momento alto da crise de nervos em que a oposição se debateu esta noite foi a demissão de Ferro Rodrigues, que considerou a decisão do PR uma derrota pessoal. Não se percebe como uma decisão do PR possa ser uma derrota pessoal de Ferro Rodrigues. Custa a imaginar que ideia faz Ferro Rodrigues das relações entre as instituições democráticas para considerar aquela decisão uma derrota pessoal.
Concluindo, a decisão do PR foi a melhor para a coligação que irá ter oportunidade de levar a sua legislatura até ao fim e então ser julgada nas urnas, como pretendia, e foi a melhor para o PS que se livrou de um líder incapaz, politicamente dependente do BE e que não constituía uma alternativa credível para Portugal. O PS tem agora oportunidade de arrumar a casa e de encontrar líderes capazes que possam constituir uma alternativa viável à actual coligação.
Se houvesse eleições antecipadas e o eleitorado, descontente com as medidas difíceis que o governo anterior tinha tomado, desse a vitória a Ferro Rodrigues, isso teria sido um desastre nacional.
Portanto, sendo o melhor para a coligação e para o PS, forçoso é reconhecer que foi a melhor decisão para o país. E afinal, as desnecessárias demoras, como as caracterizei no início deste texto, acabaram por ter um efeito colateral, inesperado e positivo. Criaram expectativas arrebatadoras em Ferro Rodrigues e a ressaca da sua liquidação, conduziu-o à demissão.
Sampaio acabou escrevendo direito por linhas tortas. Em vez de um, acabou fazendo dois favores ao país.
Nota - Ler sobre a Crise Política:
Santana entregue à vigilância Presidencial
Síntese Política da Semana
Santana Lopes: A pessoa
Á Espera de Godot Sampaio
Dispromisso Político
Sem Pressas
A Virgem Manela Aparece aos pastorinhos
Alguém tem que ceder
Os Panurgos do PSD
A Actual Situação Política - PSL como PM?
Politicamente anões
Como continua tudo no segredo dos deuses (se é que os deuses não estão apenas loucos), vou aproveitar este compasso de espera para fazer uma síntese das opiniões que emiti durante a última semana:
1 Durão Barroso aceitou a sua indigitação para a Presidência da Comissão Europeia. Esta indigitação honra o país. Verificou-se, todavia, que afinal a maioria da oposição não concorda que tal escolha honre o país. Mas dado que a quase totalidade da mesma oposição sempre achou que uma eventual indigitação de António Vitorino para aquele posto constituiria uma enorme honra para o país, só há uma conclusão lógica a tirar: a oposição não se rege por critérios patrióticos mas por uma mera mesquinhez partidária. Portanto, se era uma honra para António Vitorino, sê-lo-á sem quaisquer ambiguidades para Durão Barroso.
2 Aquela indigitação implicava o abandono da chefia da governação e a queda automática do governo. Durão Barroso pôs Sampaio ao corrente da situação e J Sampaio disse em público, e certamente em privado, que aquela escolha honrava o país. Se um chefe de governo sai, a meio de uma legislatura, por honoris causa, seria incompreensível «punir» a coligação que tem governado e tomado medidas impopulares para tentar restabelecer as finanças públicas, aproveitando este facto «honroso» para o país, para fazer eleições antecipadas.
3 A solução constitucional, num enquadramento em que existe uma maioria estável na AR, eleita por 4 anos, é a manutenção da coligação no poder. Todavia o PR tem legitimidade para dissolver a AR quando o entender. Resta saber se essa «legitimidade» é compaginável com a atitude de congratulação e incitamento a Durão Barroso para aceitar aquele cargo e se não poderá ser tomada, se vier a acontecer, por hipocrisia.
4 Logo que este assunto veio a público, veio igualmente a público que afinal o país estava numa crise política. Tornou-se claro que o PR iria enveredar por manobras dilatórias, apoiadas numa pretensa instabilidade da coligação. É normal que a mudança de uma chefia governativa não seja absolutamente consensual, mas daí a apregoar a instabilidade da coligação ia uma enorme distância.
5 Estas manobras dilatórias do PR, apoiadas pelos meios de comunicação social e por manifs pífias promovidas pelas oposições, obrigaram a um compasso de espera de Durão Barroso, que se viu forçado a desencadear acções internas para se assegurar do consenso dentro do PSD, e transmitir para o exterior uma imagem de estabilidade. Tudo isto levou a um arrastamento da situação e a que só anteontem Durão Barroso estivesse em condições de apresentar a sua demissão.
6 Entretanto o PR passou a semana anterior a ouvir «personalidades» diversas que só tinham um denominador comum: ninguém perceber porque foram convidadas aquelas e não outras quaisquer. A maioria dessas personalidades tinha algo também em comum: estava contra o novo governo que se perspectivava no seio da coligação. Portanto, o PR passou uma semana a meter paus na roda numa possível solução constitucionalmente normal. O PR passou a semana a promover a crise. Falou-se numa crise artificial. Já não o é. Esta dilação tornou-a real.
7 Esta dilação injustificada é grave para a economia portuguesa qualquer que seja a decisão que o PR tomar. Mas é sobretudo grave para o próprio PR. Se o PR aceitar a solução proposta pela actual maioria, malquista-se com as oposições, porque lhes defraudou as expectativas, e enfraquece a sua imagem perante os agentes económicos que consideram completamente insensato este protelamento da decisão. Se marcar eleições antecipadas vai ser considerado o principal fautor da instabilidade económica daí resultante e um dos alvos das campanhas do PSD e do PP. Se as eleições não conduzirem a uma maioria estável fica liquidado politicamente: a sua decisão será considerada um aventureirismo político, tomada com intuitos partidários e sem ter em conta os interesses do país.
8 Só um golpe de sorte poderia salvar o PR: o PS ganhar com maioria absoluta. A questão é que, actualmente, o PS não é uma alternativa governativa viável. Vive uma deriva esquerdista, os seus actuais líderes são técnica e politicamente incapazes e vai ser referendado por uma clientela que depois irá tentar cobrar-se à custa de um erário público à beira da insolvência. O PS não terá margem de manobra para satisfazer as expectativas de facilitismo que criou e a sua governação poderá ser um desastre completo. O PS precisa primeiro de arrumar a casa, promover líderes capazes e constituir-se como alternativa credível. Na sua quase totalidade, as figuras de topo do PS, que não pertencem à ala Ferrista, não estão nada interessadas em eleições antecipadas.
9 Há uma semana eu estava plenamente convicta que não haveria eleições antecipadas e que esta «crise» não passava de uma rábula do PR. Opinião aliás partilhada por um elemento de topo do PS com quem falei na altura e que achava que eleições antecipadas com Ferro Rodrigues a dirigir o partido seria completamente insensato e que o PR não as iria marcar. Hoje não estou tão convicta disso.
Esperemos tranquilamente as cenas dos próximos capítulos: afinal de contas é apenas a prosperidade do país que está em causa.
Só estive uma vez com Santana Lopes. Foi nas circunstâncias que descrevi aqui no post «Uma Homenagem», em Dezembro passado
Até então só o conhecera da TV. Falava-se dele como um play-boy, como alguém que «tinha mel». Não percebia porquê. Afinal, não me parecia que tivesse qualquer atracção física especial.
Não me vou prender com os prolegómenos da homenagem em si. Foi a família (a viúva e a filha mais velha, ambas de um quadrante político obviamente oposto ao seu) que escolheu os textos e fotografias para a edição bibliográfica. A CML «apenas» pagou, deu todo o apoio logístico e organizou as cerimónias. PSL não aproveitou a ocasião para introduzir qualquer elemento de propaganda pessoal.
Não vou alongar-me sobre o impacto publicitário do acto. Afinal só estiveram presentes, no salão nobre dos Paços do Concelho, algumas personalidades institucionais órgãos autárquicos, AR, governo e poder judicial a família e alguns amigos íntimos, julgo que menos de cem pessoas. É certo que na cerimónia exterior, no descerramento da placa toponímica, esteve presente mais gente que também se quis associar à homenagem. Mas no conjunto foi uma homenagem simples em que não houve, aparentemente, qualquer intuito de aproveitamento propagandístico. Senão teria sido realizada de forma completamente diversa.
Na altura escrevi que Santana Lopes «foi ... simples, dizendo o que era importante dizer, sem arroubos linguísticos, sem retóricas, apenas simplicidade e sensibilidade». Foi extremamente cativante.
Foi então que compreendi o fascínio que Santana Lopes exerce. É um homem extraordinariamente bem educado, um gentleman. E é-o de uma forma natural, de alguém que aprendeu a ser educado a partir do berço, com o leite materno, e que não aprendeu a «educação» com aulas apressadas no início de uma qualquer carreira política. E isso confere-lhe um imenso charme. A boa educação e o cavalheirismo é algo que fascina sempre uma mulher e que inibe ou dilui uma eventual acrimónia masculina.
Essa é uma das características que o torna extremamente perigoso na contenda eleitoral. É um homem que será incapaz, pela sua própria natureza, de reagir a um insulto com um insulto. Reagirá sempre com observações irónicas, mas educadas, a qualquer campanha de insultos ou de maledicência que lhe movam. E essa sua faceta é-lhe eleitoralmente favorável.
Por outro lado, o ódio exacerbado que a extrema esquerda e a ala radical do PS lhe votam é muito mau conselheiro. Poderá ser a maior arma política de PSL. Porque eles não se conseguem calar com a maledicência: não têm nem discernimento político, nem educação para tal. E PSL tem discernimento político e educação de raiz suficientes para dirimir a seu favor uma pugna política realizada neste estilo. Soube-o fazer nas eleições para a CML. Saberá sempre, porque isso nele é uma segunda natureza.
Não há nada para dizer. O país continua parado à espera de Sampaio. Passada a excitação do Euro 2004, o país vai agora apreciar a excitação de estar sem governo (ou com um governo de gestão, que é quase idêntico) as semanas que o PR (in)decidir, no caso de um governo baseado na maioria parlamentar, ou 6 a 8 meses, no caso de haver eleições antecipadas e admitindo que essas eleições conduzam a uma maioria estável.
Três «afixos» atrás, dei uma interpretação político-institucional do facto do PR não estar com pressa: é apenas um burocrata indeciso sem vivência das realidades económicas e financeiras. Hoje vou analisar este quebranto presidencial sob outro prisma.
Baseando-me agora nos axiomas fundamentais da teoria política pura, direi que o PR apenas demonstra uma luminosa compreensão da situação política, social e económica do país: o país não é governável. Sendo este um postulado básico da sociologia política portuguesa, porquê apressarmo-nos a dotar este país de um órgão de que ele manifestamente não precisa?
Governar é tomar decisões de gestão corrente e estruturantes. Para as decisões de gestão corrente basta um governo de gestão e isso já temos. Quanto às decisões estruturantes, estas são aquelas que os políticos, quando no governo e obrigados pelo ogre do PEC, pretendem (ou afirmam pretender) implementar e, quando na oposição, mobilizam a população contra elas, com vista a ganharem as eleições seguintes.
Citemos o caso do sector da educação que não sendo, seguramente, o sector público onde a produtividade é menor, constitui um paradigma, porque se pode sujeitar mais facilmente a comparações internacionais. O país tem os mais baixos índices de desempenho no que respeita à educação pública. Paradoxalmente, é o 2º país da Europa dos 15, no que respeita às despesas públicas de educação em termos do PIB. Portanto, a nossa educação é muito má e muito cara. Mas quando se discursa ou coloquia sobre o estado da educação, todos reclamam, nomeadamente os protagonistas deste miserável desempenho, que «é preciso investir mais na educação». Mas gastar mais dinheiro para quê? Quais as garantias que essa maior dotação corresponda a um desempenho melhor? Isto são perguntas que se fariam numa óptica de gestão empresarial, nomeadamente quando se sabe que as despesas com a educação têm aumentado ao longo dos anos e os serviços prestados piorado. Isto são perguntas para as quais a resposta é fazer uma reforma estruturante do sector: a realocação de recursos, a introdução de procedimentos de avaliação de desempenho e uma reforma curricular que deixe de utilizar os alunos como cobaias e abra a porta a cursos profissionais atractivos e em quantidade.
As reformas estruturantes são algo que os órgãos corporativos dos protagonistas dos sectores em causa nem querem ouvir falar. São reformas diabolizadas pelos sindicatos, ordens profissionais e oposição política. São reformas que, em vista do clamor geral, os governos tartamudeiam fazer e, com uma mistura de medo, timidez e incompetência acabam por as deixar no papel ou introduzir apenas medidas acanhadas, sem operacionalidade e que deixam tudo praticamente na mesma, quando não pior.
Portanto, não precisamos de um governo. O PR que esteja à vontade: pode levar o tempo que entender.
Aliás, tudo se encaminha para que, qualquer que seja a decisão, o próximo governo não faça qualquer reforma de fundo, nem tome as ditas «medidas impopulares».
A razão é evidente apesar de, segundo rezam os meios de comunicação, o principal obstáculo à indigitação de um governo saído da coligação ser precisamente o receio do populismo de PSL.
Ora isto não passa de uma blague presidencial, pois se houver eleições antecipadas, todos os partidos irão fazer as promessas mais maviosas que puderem. Ninguém, a menos que queira cometer suicídio político, irá prometer «sangue, suor e lágrimas». O PR, diz-se, receia um governo de PSL por causa de um eventual menor rigor orçamental. Mas foi o rigor orçamental que levou à derrota da coligação nas eleições europeias. Não tenho dúvidas que, nas próximas eleições, o eleitorado irá votar, tendencialmente, numa política de despesismo e contra o rigor orçamental. E todos os políticos em campanha irão acenar com o abrir dos cordões à bolsa, para daí extrair dividendos eleitorais. Ora um cenário destes, a meio de uma legislatura que deveria ser de grande rigor, é o pior que podia acontecer à já débil economia portuguesa.
Assim sendo, a pretensa argumentação do PR cai pela base. Num governo indigitado no actual quadro parlamentar, o PR ainda pode ter capacidade de manobra para exigir alguma contenção. No quadro de eleições antecipadas, a maioria que se formar (se se formar alguma) terá como base uma campanha contra o rigor orçamental, contra as «medidas impopulares» e a favor de um alargar dos cordões à bolsa. Será uma maioria baseada em promessas demagógicas que o país não está actualmente em condições de cumprir, pelo menos de uma forma sustentada, isto é, se essas promessas tiverem alguma tradução prática, o ónus que elas gerarão será posteriormente pesadíssimo.
E que fará o PR? Nada ... que é o que ama fazer.
... a vitória.
A organização foi excepcional, o comportamento dos adeptos foi exemplar, desportivamente chegámos à final.
Só não ganhámos a taça.
Paciência. Um país com perseverança, determinação e meios, se não ganhou agora, ganhará na próxima!
Estarei a falar de Portugal? Esperemos que sim!
Quando em 1832 vieram a lume 2 livros Indiana e Valentine, da autoria de um tal George Sand, todos supuseram tratar-se de um homem maduro e experiente, profundo conhecedor dos costumes e hábitos da sociedade francesa, estigmatizando com amargura e veemência o universo fechado da célula matrimonial, a tirania dos maridos sobre as esposas frágeis e temerosas. O nome de George Sand passou para o topo das letras francesas.
A ninguém passou pela cabeça, excepto ao editor das suas obras e a alguns amigos, que se tratava de uma rapariguinha de 27 anos. Uma rapariga que havia nascido em Julho de 1804, algures entre o dia 1 e o dia 5 (*), faz agora 200 anos.
Para se identificar mais completamente com o seu pseudónimo masculino e também para poder entrar em locais onde as mulheres não eram admitidas e observar cenas e emoções, para as utilizar nos seus livros, George Sand trajava indumentárias masculinas, fumava cachimbo, cavalgava à homem (naquela época, e dada a indumentária utilizada, as mulheres sentavam-se de través no dorso do cavalo), etc.
Aliás, o seu pseudónimo derivou de Jules Sandeau, com quem tinha então uma ligação e cujo nome servia de «testa de ferro» aos artigos que sozinha, ou em colaboração com Sandeau, escrevia. Um artigo num jornal da autoria de uma mulher? Nem pensar! Um escritor de então, hoje merecidamente desconhecido, disse-lhe mesmo: «Je serai franc, une femme ne doit pas écrire Croyez-moi, ne faites pas de livres, faites des enfants».
Assim, para se impor na literatura, com os temas ousados que abordava, Aurore Dupin Dudevant (Baronesa Dudevant pelo casamento, que mandou às urtigas antes de ir para Paris tentar a carreira literária) teve que se tornar George Sand, nome que definitivamente a consagrou, mesmo quando, poucos anos depois, se começou a divulgar que se tratava de uma mulher.
Uma mulher que constituía um escândalo público onde quer que fosse, mas que estava definitivamente consagrada como um dos primeiros prosadores franceses de então.
Uma mulher que viveu, do ponto de vista do relacionamento com o sexo oposto, com o comportamento de um homem, tendo diversas ligações ao longo da sua vida, algumas célebres como as que manteve com Alfred de Musset e com Frederic Chopin. Célebres não só pela reputação artística de ambos, como pelas peripécias, bastante picantes para a época, a que deram origem. Uma mulher que fascinava os homens pela sua reputação de mulher livre e ousada, mas que os intimidava por isso mesmo.
Uma mulher que constitui uma das minhas heroínas preferidas, da história e da literatura, apesar dos seus livros, muito datados, terem perdido muito da aceitação inicial. Os seus romances são hoje de leitura difícil. A extensão da sua obra é notável: produziu 63 romances, 18 peças de teatro, 10 ensaios literários e filosóficos, sem falar da sua actividade jornalística para a Revue des Deux Mondes (a mais importante revista francesa do século XIX e onde muitos dos seus escritos da última fase da sua vida apareceram sob a forma de folhetim), Le Figaro, La Revue de Paris, etc. A sua correspondência compreende 27 volumes! Escreveu Colette : "Comment diable s'arrangeait George Sand ? Cette robuste ouvrière des lettres trouvait moyen de finir un roman, d'en commencer un autre dans la même heure. Elle n'en perdait ni un amant, ni une bouffée de narghilé, sans préjudice d'une Histoire de ma vie en vingt volumes, et j'en tombe d'étonnement". Isto para não falar dos seus dois filhos que, após a separação conjugal, ficaram sob sua custódia.
A revolução de 1848 trouxe-a para a ribalta política. Ela alia-se a Ledru-Rollin, Louis Blanc, Arago e outros republicanos de esquerda. Victor Hugo escreveu então que a revolução tinha virado o mundo às avessas e arrastado para a arena política dois dos mais famosos escritores da época: uma mulher chamada Lamartine e um homem chamado George Sand. Era uma boutade contrapondo a forte personalidade de George Sand à personalidade errática de Lamartine.
O fracasso da ala esquerda dos republicanos e depois da própria república levou-a ao abandono da actividade política. Teve alguns encontros com Luís Napoleão (o futuro Napoleão III) para tentar salvar alguns dos seus amigos da prisão ou do desterro. O seu distanciamento dos corifeus da esquerda republicana e os seus contactos com Napoleão III, de quem aliás obteve alguns perdões, desacreditaram-na perante os republicanos que lhe moveram uma campanha de calúnias e maledicência. Mal vista pela direita, pela sua personalidade e pelas suas opiniões políticas, e pela esquerda, por se ter distanciado de posições que ela considerava sem consistência, George Sand foi penalizada pela sua independência e pelo seu hábito inveterado de pensar pela própria cabeça.
Em 1863 o Santo Ofício punha no Índex o conjunto da sua obra. Em face do seu conteúdo custa perceber porquê. Estou convencida que se tivesse sido escrita por um homem não teria sido objecto daquela censura. Mas a obra de George Sand foi posta no Índex justamente por ter sido escrita por uma mulher. Mais ousada que a obra foi ter sido uma mulher a escrevê-la.
Morre em 1876 em Nohant, onde passara a infância e onde passou a viver após o fracasso da república. Nohant, que fora sempre o seu local de refúgio e onde compôs a maior parte da sua obra. Não apenas ela, mas também Chopin, Delacroix, etc..
George Sand, por Delacroix
(*)Lucile-Amandine-Aurore Dupin nasceu, segundo ela, em 5 de Julho: « Le 5 juillet 1804, je vins au monde, mon père jouant du violon et ma mère ayant une jolie robe rose. Ce fut l'affaire d'un instant.». A investigação documental afirma que a data precisa foi 1 de Julho. Foi uma época de transição entre o calendário republicano e o nosso calendário tradicional que Napoleão acabara de restabelecer. A imprecisão da data é atribuída a essa transição. A homenagem nacional que lhe foi prestada em França realizou-se a 3 de Julho, a meio caminho entre aquelas duas datas ...
Durão Barroso afirma, com a discrição que uma conversa privada impõe, que houve um compromisso do PR em como não haveria eleições antecipadas. Acredito, porquanto seria inconcebível que Durão Barroso aceitasse o cargo de Presidente da Comissão Europeia sem essa garantia.
Jorge Sampaio afirma, sem a discrição que uma conversa privada impõe, que não houve qualquer compromisso. Acredito no PR, porquanto ele se especializou em produzir afirmações (ou melhor ... dizer coisas) que dão azo às interpretações mais variadas, duvidosas e contraditórias. Provavelmente ele deve ter balbuciado «nim».
Em face deste «dispromisso», perfilam-se vários cenários:
Marcação de eleições antecipadas:
Marcar eleições antecipadas a meio de uma legislatura, no fim do período em que se tomam as medidas mais impopulares e quando a popularidade dos governos atinge normalmente o ponto mais baixo é extremamente penalizador para a coligação. Como existe uma maioria estável na AR seria um «golpe de Estado constitucional».
Mas este cenário não é pacífico. Em primeiro lugar Santana Lopes tem-se revelado muito melhor em eleições que no exercício posterior dos mandatos e os kamikazes politicamente correctos, que entraram em histeria colectiva desde que se perfilou o nome de PSL para a chefia do governo, constituem menos de 1% do eleitorado. Não serão eles a decidirem nas urnas.
Portanto não será de excluir liminarmente a derrota de PSL. Viu-se o que aconteceu nas eleições para a CML.
No caso de ganhar o PS, é pouco provável que seja com maioria absoluta. Ora o PS não tem a quem se aliar. Aliar-se ao BE ou ao PCP seria cometer suicídio político e económico. Os agentes económicos que tivessem essa possibilidade abandonariam o país ou levariam o núcleo duro das suas empresas para longe o mais rapidamente que pudessem.
Mas mesmo que o PS tivesse maioria absoluta, a situação não seria muito melhor. Os empresários lançam as mão à cabeça só de ouvirem falar no nome de Ferro Rodrigues. Mesmo Henrique Neto, o único empresário (com expressão) socialista declarou peremptoriamente que «Um facto é que o PS, até à data, não mostrou nenhum projecto credível, pelo que eleições antecipadas vão perturbar o país. Acho que o partido fará melhor em esperar calmamente e constituir uma alternativa com credibilidade».
Por outro lado membros da direcção actual do PS estão ligados ao caso Casa Pia. Houve casos que prescreveram mas que virão fatalmente a lume dada a avidez que os jornalistas portugueses têm pela devassa da vida privada dos governantes. O caso de P Pedroso ainda não está encerrado e depende de quem analisar o recurso na Relação. Se não for o lobby de Coimbra a julgá-lo, P Pedroso arrisca-se a ir a julgamento. Por outro lado, além da questão criminal, há a questão cível. Pode acontecer que os patronos dos menores entrem com acções cíveis requerendo indemnizações o que trará de novo toda essa questão para a ribalta. Ferro Rodrigues arrisca-se a viver em permanente situação de fragilidade política.
Adicionalmente, o despesismo socialista tem os dias contados. A política de satisfazer com o laxismo despesista os interesses corporativos e sindicais, para depois liquidar esses benefícios com a desvalorização cambial e a inflação já não é possível. A União Europeia vela! E a conjuntura dos 3 primeiros anos do governo Guterres foi muito específica, como já expliquei várias vezes e não é possível repetir-se.
Cenário Governo chefiado por PSL:
É a solução constitucional «legítima» mas tem contra ela os preconceitos pessoais dos «politicamente correctos» e dos radicais de esquerda. Para esses é o vale tudo, desde insultar pessoalmente, como o MST, até cortar cabos da rede informática, como alguém (ou vários), incomodado com decisões do PSL, fez na CML, passando pela política da permanente obstrução, etc..
Em face da cruzada que os meios de comunicação já iniciaram contra PSL, julgo que se esta solução for a escolhida, a política de obstrução e de maledicência será de tal monta que não sei se PSL não arriscará eleições antecipadas antes do termo da legislatura, mesmo apesar de só faltarem 2 anos e pouco.
Cenário Governo de Iniciativa Presidencial
Este será um governo que o PR só indigitaria se concordasse com a figura proposta pelo PSD para chefiar o governo e em alternativa a PSL.
Parece-me a solução pior. A maioria ligá-lo-ia, não inicialmente, mas durante o seu funcionamento, ao PR. Seria um governo em que o PR era co-responsável, nomeadamente se desse para o torto. Esta é a solução mais perigosa para o PR e, a menos que o PSD e o PP a aceitem sem reservas mentais, parece-me que o PR não deveria apostar nela.
Jorge Sampaio afirmou não tem pressas e falará na altura própria e no momento próprio, e isto porque esta será uma das decisões mais graves que irá tomar no seu mandato.
O PR é um funcionário público com um vencimento razoável e seguro e reforma garantida e sólida. Não tem pressas. As empresas, para as quais estes interregnos são períodos em que as decisões públicas se protelam, entre elas a dos pagamentos das facturas, não têm a mesma tranquilidade. Mas não passam de empresas, gado que apenas serve para ser ordenhado para alimentar o Moloch público que julga que as tetas úberes são inesgotáveis.
O PR afirma que falará na altura própria. A questão é que ele e o tecido produtivo português não estão em sintonia sobre quando é a altura própria. Para o PR é quando se aperceber que se torna absurdo para o país continuar a esperar; para as empresas é já. É que o PR, além de ter os seus rendimentos garantidos, tem uma total incapacidade de decisão e as pessoas indecisas ficam enervadas quando se sentem na obrigação de tomar uma decisão e protelam-na até a situação ser insustentável. As empresas têm dificuldade em entender isso pois sabem que pior que uma má decisão é, na maioria dos casos, não tomar decisões.
Se a decisão for a formação de um novo governo com a actual maioria parlamentar, ele dificilmente entrará em funções antes de 3 a 4 semanas depois da decisão do PR. No caso de haver eleições antecipadas um novo governo não entrará em funções antes do princípio de Dezembro. Estas delongas têm implicações bastante negativas no país, nomeadamente pela situação económica, financeira e orçamental em que ele se encontra.
Sampaio tem razão quando afirma que esta será uma das decisões mais graves que irá tomar no seu mandato. E será tanto mais grave, quanto mais tempo demorar a tomá-la.
Mas Sampaio não tem pressas e falará na altura própria e no momento próprio.